As ciladas do consumo na mira da Justiça
Estudos do Ministério da Fazenda apontam que, em 2020,
o país será o quinto mercado consumidor do mundo. Se as previsões estiverem
certas, os brasileiros vão estar dispostos a gastar mais com moradia, lazer,
educação e alimentos. Os dados informam que o consumo das famílias passará de R$
2,3 trilhões em 2010 para R$ 3,5 trilhões até o final da década, um número que
chama a atenção para a necessidade do consumo consciente.
As decisões do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem auxiliar as pessoas a não cair nas
ciladas do consumo. Com frequência, são apresentadas demandas envolvendo
consumidores que não atentam para as cláusulas do contrato e vendedores que não
procuram esclarecê-las. E há até a situação de pessoas que compram um produto no
exterior e buscam a garantia no Brasil.
Inúmeros são os problemas de
consumo que chegam ao Tribunal – como o caso dos consumidores que já não
conseguem pagar as contas e acabam com o nome inscrito nos serviços de proteção
ao crédito.
Princípio da transparência
Uma
informação clara, precisa e adequada sobre os diferentes produtos e serviços é
princípio básico previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e que,
muitas vezes, não é observado. Para o STJ, a informação defeituosa aciona a
responsabilidade civil, abrindo espaço para indenizações (REsp 684.712).
É dever de quem vende um produto destacar todas as condições que possam
limitar o direito do consumidor. As cláusulas de um contrato devem ser escritas
de forma que qualquer leigo possa compreender a mensagem, em nome da
transparência.
Por esse princípio, o consumidor tem direito, por
exemplo, à fatura discriminada das contas de energia elétrica ou de telefonia,
independentemente do pagamento de taxas. O Ministério Público ajuizou ação
contra uma empresa de telefonia alegando prestação de serviços inadequados, no
tocante às informações contidas nas faturas expedidas.
O STJ reafirmou a
tese de que o consumidor tem direito a informação precisa, clara e detalhada,
sem a prestação de qualquer encargo (REsp 684.712). Um dever que permeia também
a relação entre médico e paciente.
A Terceira Turma julgou caso em que o
profissional se descuidou de informar a paciente dos riscos cirúrgicos, da
técnica empregada, do formato e das dimensões das cicatrizes de uma cirurgia de
mama.
Os ministros decidiram que o profissional, ciente do seu ofício,
não pode se esquecer do dever de informação ao paciente, pois não é permitido
criar expectativas que, de antemão, sabem ser inatingíveis (REsp 332.025).
Informação dúbia
O entendimento do Tribunal é
no sentido de que informação dúbia ou maliciosa deverá ser interpretada contra o
fornecedor de serviço que a fez vincular, conforme disposição do artigo 54,
parágrafo quarto, do CDC.
Em um recurso julgado, em que houve dúvida na
interpretação de contrato de assistência médica sobre a cobertura de determinado
procedimento de saúde, a Quarta Turma deu ganho de causa ao consumidor, que
buscava fazer transplante de células (REsp 311.509).
Para o STJ, não é
razoável transferir ao consumidor as consequências de um produto ou serviço
defeituoso (REsp 639.811). Se o fornecedor se recusar a cumprir os termos de uma
oferta publicitária, por exemplo, o consumidor, além de requerer perdas e danos,
pode se valer de execução específica, pedindo o cumprimento forçado da
obrigação, com as cominações devidas (REsp 363.939).
Propaganda
enganosa
Diversas decisões do STJ vão contra qualquer tipo de
publicidade enganosa ou abusiva. Em julgamento no qual se analisou a exploração
comercial de água mineral por parte de uma empresa, a Primeira Turma se
posicionou contra a atitude de encartar no rótulo do produto a expressão “diet
por natureza”.
O STJ entendeu que somente produtos modificados em
relação ao produto natural podem receber a qualificação diet, sejam
produtos destinados a emagrecimento, sejam aqueles determinados por prescrição
médica. Assim, a água mineral, que é comercializada naturalmente, sem alterações
em sua substância, não pode ser qualificada como diet, sob o risco de
configurar propaganda enganosa (REsp 447.303).
Da mesma forma que uma
cerveja, ainda que com teor de álcool abaixo do necessário para ser classificada
como bebida alcoólica, não pode ser comercializada com a inscrição “sem álcool”,
sob o risco de se estar ludibriando o consumidor (REsp 1.181.066).
Planos de saúde
A empresa que anuncia plano de
saúde com a inscrição de cobertura total no título de um contrato não pode negar
ao paciente tratamento de uma patologia, se acionada, mesmo que no corpo do
texto haja limitação de cobertura.
A Terceira Turma decidiu que as
expressões “assistência integral” e “cobertura total” têm significado unívoco na
compreensão comum, e “não podem ser referidas num contrato de seguro, esvaziadas
do seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o princípio da boa-fé nos
negócios” (REsp 264.562).
Operadoras de planos de saúde têm também
obrigação de informar individualmente a seus segurados o descredenciamento de
médicos e hospitais. A Terceira Turma julgou caso de um paciente cardíaco que,
ao buscar atendimento de emergência, foi surpreendido pela informação de que o
hospital não era mais conveniado (REsp 1.144.840).
A informação deve
sempre estar à mão do consumidor.
Marcas
internacionais
Diante das seduções de mercado do mundo
globalizado, com propostas cada vez mais tentadoras, o STJ proferiu decisão no
sentido de que empresas nacionais que divulgam marcas internacionais de renome
devem responder pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam.
O consumidor, no caso, adquiriu no exterior uma filmadora que apresentou
defeito. A empresa sustentava que, apesar de ser vinculada à matriz – que
funcionava no Japão –, não poderia ser responsabilizada judicialmente no Brasil,
pois a prestação da garantia ocorria de forma independente (REsp 63.981).
A Quarta Turma decidiu que, se as empresas nacionais se beneficiam de
marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências
dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar ao
consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos
defeituosos.
“O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje
‘bombardeado’ diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a
aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira,
levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a
respeitabilidade da marca”, afirmou o ministro Sálvio de Figueiredo na ocasião
em que proferiu o voto. Ele considerou pertinente a responsabilização da
empresa.
Desequilíbrios contratuais
As
disposições contratuais que ponham em desequilíbrio a equivalência entre as
partes são condenadas pelo Código do Consumidor. Segundo inúmeras decisões do
STJ, se o contrato situa o consumidor em posição de inferioridade, com nítidas
desvantagens em relação ao fornecedor, pode ter sua validade questionada.
O Tribunal admite a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais, e a sua revisão é possível em razão de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (AgRg no REsp 849.442). Não
importa, para tanto, se a mudança das circunstâncias tenha sido ou não
previsível (AgRg no REsp 921.669).
Tem sido igualmente afirmado, em
diversos julgamentos, que é possível ao devedor discutir as cláusulas
contratuais na própria ação de busca e apreensão em que a financeira pretende
retomar o bem adquirido.
A ministra Nancy Andrighi, em voto-vista
proferido sobre o assunto, ponderou que seria pouco razoável reconhecer
determinada nulidade num contrato garantido por alienação fiduciária e não
declará-la apenas por considerar a busca e apreensão uma ação de natureza
sumária (REsp 267.758).
Consumidor inadimplente
O consumidor deve ser previamente informado quanto ao registro
de seu nome nos serviços de proteção ao crédito. Assim, terá a oportunidade de
pagar a dívida e evitar constrangimentos futuros na hora de realizar novas
compras (REsp 735.701).
Se a dívida foi regularmente paga, o credor tem
a obrigação de providenciar o cancelamento da anotação do nome do devedor no
banco de dados, no prazo de cinco dias (REsp 1.149.998).
O prazo de
prescrição para o ajuizamento de ação de indenização por cadastro irregular é de
dez anos, quando o dano decorre de relação contratual, tendo início quando o
consumidor toma ciência do registro (REsp 1.276.311).
Não cabe
indenização por dano moral, segundo o STJ, em caso de anotação irregular quando
já existe inscrição legítima feita anteriormente (Rcl 4.310). Para o Tribunal, o
ajuizamento de ação para discutir o valor do débito, por si só, não inibe a
inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Para isso
ocorrer, é necessário que as alegações do devedor na ação sejam plausíveis e que
ele deposite ou pague o montante incontroverso da dívida (REsp 856.278).
Fonte: STJ