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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Código de Defesa do Consumidor não é expressão de paternalismo jurídico




Por Amanda Flávio de Oliveira


De tempos em tempos, retorna à discussão o argumento de que os direitos do consumidor positivados em nosso ordenamento jurídico seriam expressão do “paternalismo jurídico”. Em muitas dessas ocasiões, identifica-se uma clara “atecnia” no emprego da expressão “ paternalismo jurídico”, revelando claro desconhecimento de seu significado. Em muitas das ocasiões, o termo é utilizado de forma pejorativa, para assim identificar ações com as quais o sujeito discorda e que tenham elementos de ação protetiva.

Norberto Bobbio, em seu Dicionário de Política, já identificava os elementos com os quais o termo é confundido: paternalismo, na linguagem vulgar, é uma manifestação de autoritarismo, mesmo que benevolente[1]. O mesmo autor, em outra passagem de sua obra, igualmente adverte para a ausência de neutralidade de todos os termos da linguagem política: “cada um deles pode ser usado com base na orientação política do usuário para gerar reações emocionais, para obter aprovação ou desaprovação de um certo comportamento, para provocar, enfim, consenso ou dissenso”[2].

Bobbio também menciona a “ameaça” que o pensamento liberal historicamente identificou no Estado paternal e discorre sobre os inúmeros pensadores responsáveis por relacionar o poder paterno com o poder divino dos reis combatido pelos liberais[3]. Se a Monarquia era a manifestação de um Estado paternal, combatê-lo era a missão dos defensores do Liberalismo.

O paternalismo também representou, na história da humanidade, uma ameaça real ao modelo capitalista que se buscou implantar no conjunto das bases do Estado Liberal. Mesmo quando já instalado o sistema capitalista, o paternalismo foi constantemente identificado como “a ameaça socialista”. Sobre o tema, Otto H. Kahn publicou, nos EUA, em 1919, a obra The Menace of Paternalism (A Ameaça do Paternalismo), em que afirmava, de forma contundente: “From governmental paternalism to socialism is not a very long step” e “Nor, indeed, can paternalism and liberty exist side by side”[4] (ou, em tradução livre: "Do paternalismo governamental ao socialismo não é um passo muito longo" e "Nem, de fato, o paternalismo e a liberdade podem existir lado a lado"). Kahn afirmava que as ideias paternalistas teriam sempre o apoio dos que buscam popularidade, dos oportunistas, dos invejosos e até mesmo daqueles desejosos de uma Justiça social, mas que não examinam criticamente e à luz da razão a experiência que demonstra que por essa via se causará mais dano que bem à sociedade[5].

É de se reconhecer, porém, padecer Kahn do mesmo mal que aponta nos defensores do socialismo: a utilização de argumentos muito subjetivos, quase emotivos, para sustentar suas ideias. A contradição de seu discurso contra a ausência de embasamento racional das convicções paternalistas fica evidente no fundamento por ele utilizado para embasar as ideias liberais: “I have complete confidence in the sober common sense of the American people”[6] ("Eu tenho completa confiança no senso comum sóbrio do povo americano").

Seja qual for a convicção ideológica do pesquisador, é seu dever contextualizar o problema sobre o qual pretende refletir no estágio mais contemporâneo de evolução das Ciências. Especificamente em relação ao Direito do Consumidor brasileiro, não é correto do ponto de vista científico proceder-se a uma avaliação sobre seu enquadramento em um modelo liberal ou paternalista de Estado desconsiderando-se tudo o que já se construiu desde Adam Smith e Stuart Mill sobre o comportamento humano no mercado. Tampouco se pode encarar a “ameaça socialista” com os mesmos olhos e os mesmos argumentos, tendo a experiência histórica fornecido tantos outros elementos para formação de uma crítica séria.

Fato é que no Brasil, não raro, verifica-se o emprego de forma atécnica da expressão “paternalismo jurídico” para se referir ao Direito do Consumidor aqui desenvolvido, ou a aspectos pontuais da efetividade da lei. O emprego é totalmente inadequado. Fruto de mandamento constitucional, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro consiste em lei criada segundo um processo legislativo democrático e busca dar eficácia a um direito fundamental reconhecido em nível global. Sua aplicação sempre ocorre por meio de autoridades expressamente identificadas com essa competência. As decisões dessas autoridades sempre estarão sujeitas a recursos processuais, que asseguram a garantia de um novo olhar sobre o caso e permitem a correção de eventuais excessos praticados pelo julgador que, de forma condenável, tenha extrapolado os limites de proteção autorizados pela lei.

Do ponto de vista do fundamento para a proteção do sujeito de direitos, a lei informa textualmente ser a “vulnerabilidade do consumidor” a razão do tratamento protetivo conferido. De forma objetiva, deve-se registrar: i) consumidores são todos, indistintamente, que se encontrem em uma relação econômica em posição de adquirente ou vítima de um produto ou serviço, o que torna a categoria universal e não discriminatória; ii) a circunstância da “vulnerabilidade”, que torna uma parte merecedora de proteção em detrimento da outra, aplica-se a todos os que se encontram na posição de consumidores, indistintamente; e iii) outras áreas do saber, na contemporaneidade, já identificaram, testaram e produziram robustas pesquisas que comprovam a condição de vulnerabilidade em que as pessoas humanas se encontram, em diferentes circunstâncias de sua vida, mesmo que, por vezes, elas acreditem honestamente estarem tomando decisões racionais. A circunstância da vulnerabilidade não pode mais ser referida como mera “alegação”, sem embasamento empírico. Estudos contundentes demonstram a limitada racionalidade humana e seu comportamento “enviesado” no mercado[7].

Soma-se a isso a constatação de que, se a Constituição de 1988 consagrou o capitalismo em nosso país, ela não consagrou o Estado Liberal clássico, haja vista as disposições que regem a atividade econômica no país. Exemplo disso encontra-se no Título VII, destinado a disciplinar a Ordem Econômica (artigos 170 a 192), que estabelece como princípios norteadores a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas pelas leis brasileiras que tenham sua sede e administração no país, numa perfeita convivência entre ideais liberais e sociais. Se capitalismo e liberalismo são ideias unidas por uma mesma gênese histórica, elas não se confundem.

Por outro lado, o reconhecimento dos direitos humanos pelas Constituições nacionais representa a maior revolução já experimentada pelo direito positivo[8]. No evoluir da história da Humanidade e das instituições internacionais, os direitos de liberdade (também conhecidos como civis e políticos) foram os primeiros a merecer atenção. Entretanto, o mesmo evoluir dos fatos históricos conduziu à imperiosidade de se reconhecer uma outra espécie de direitos humanos, os chamados direitos econômicos e sociais, uma vez que, vivenciado o exercício dos direitos à liberdade, restaram evidenciadas as suas limitações e insuficiências. Os direitos econômicos e sociais resultaram, portanto, do exercício dos direitos políticos e civis, e significam a busca por um humanismo real, não ficcional.

Os direitos sociais e econômicos são compatíveis com o novo Estado que surgiu pós-crença no Estado Liberal clássico. Para sua realização, necessitam de prestação por parte do Estado e, por isso, pressupõem alguma forma de regulação ou regulamentação da liberdade. São eles, portanto, uma manifestação da superação do Liberalismo clássico, mas não podem ser referidos como uma política anticapitalista[9]. Mesmo com a consagração desses direitos no ordenamento jurídico de um país que optou pelo capitalismo como sistema econômico, restam preservados a propriedade privada, o trabalho assalariado, a apropriação privada dos meios de produção e seu exercício com vistas ao lucro.

É aí que se enquadram os direitos do consumidor, no Brasil, codificados na Lei n. 8.078/90. São eles expressões de direitos humanos, constitucionalizados, disciplinados por lei, aplicados segundo um procedimento legal. Estão muito longe de representarem o autoritarismo, a opressão característicos dos tempos dos reis despóticos. Estão muito longe de representarem o retorno da ameaça socialista. São manifestações de direitos. Como bem adverte o professor português Cabral de Moncada: “Um nível adequado de prestações não é caridade. É um verdadeiro direito subjetivo”.



[1] Essa situação não causa estranhamento a Bobbio, para quem: “A linguagem política é notoriamente ambígua. A maior parte dos termos usados no discurso político tem significados diversos. Esta variedade depende tanto do fato de muitos termos terem passado por longa série de mutações históricas (…) A maior parte desses termos é derivada da linguagem comum.” BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora UNB, 1998, p. V.
[2] Id. ibid., p. V-VI.
[3] Id. ibid., p. 908.
[4] KAHN, Otto H. The menace of paternalism. The Constitution Review, 1919, v. 3, n. 114, p. 6-9.
[5] Id. ibid., p. 13.
[6] Id. ibid., p. 6.
[7] Recomenda-se, a esse respeito, fortemente, o estudo da Escola da Economia Comportamental (Behavioral Economics).
[8] Para Lorenzetti, os direitos humanos têm sido responsáveis por transformar totalmente o Direito. LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la decision judicial. Fundamentos de derecho. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 320.
[9] No mesmo sentido, CABRAL DE MONCADA, op. cit., p. 184.



Amanda Flávio de Oliveira é professora decana de Direito Econômico da UFMG e vice-presidente do Brasilcon (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor).

Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2016, 16h45

Publicidade infantil deve respeitar direitos do consumidor e da criança




Por Adalberto Pasqualotto


Nos últimos tempos, a publicidade infantil (ou melhor, a publicidade dirigida às crianças) vem ganhando espaço no debate. O primeiro ingrediente talvez tenha sido a Resolução 163/2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que dispôs sobre formas de abusividade na publicidade e na comunicação mercadológica direcionadas às crianças e aos adolescentes. Houve uma polarização em torno da legalidade do ato administrativo: enquanto para alguns se tratava de invasão de competência legislativa (essa foi a posição do Conar e de entidades empresariais), outros sustentaram que apenas foram explicitadas formas de abusividade que preenchem a fórmula abstrata de “se aproveitar da deficiência de julgamento e experiência da criança”, conforme a locução do artigo 37, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (nesse sentido, Bruno Miragem).

Mais recentemente, dois acórdãos alimentaram esse debate. O primeiro foi proferido em 23/11/2015 pela 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Cível 0018234-17.2013.8.26.0053). Tratava-se de multa aplicada pelo Procon-SP a uma franquia do McDonald’s por venda em forma de kit de lanche e brinquedo (McLanche Feliz). O relator, desembargador Fermino Magnani Filho, fundou sua decisão no modelo capitalista da economia brasileira, cabendo à família o dever de educar os filhos, de modo a afastar o Estado de estabelecer um “paternalismo sufocante”. Acrescenta que a resolução do Conanda não deve ser interpretada literalmente, a menos que se demonstre “prejuízo evidente, que atravesse de modo direto (não oblíquo ou idealizado) a formação moral, intelectual, familiar e social do infante”.

O segundo acórdão (ainda não publicado) é da 2ª Turma do STJ, de 10/3/2016, mantendo condenação do TJ-SP por venda casada promovida por publicidade dirigida às crianças. A campanha oferecia relógios com personagens infantis, que eram adquiridos mediante a entrega de embalagens de bolachas, mais o pagamento de R$ 5. Foi relator o ministro Humberto Martins, seguido no voto pelos ministros Herman Benjamin e Assusete Magalhães. O caso foi considerado “paradigmático”. Os dois acórdãos parecem estar em rota de colisão, o que deverá ocorrer se chegar ao STJ a primeira decisão aqui referida.

Trata-se de um debate oportuno, que traz à baila a necessidade de uma adequada regulamentação nessa matéria. Os parâmetros são bem conhecidos. De um lado, há o argumento de que a publicidade é uma forma de liberdade de expressão e essencial ao desenvolvimento da livre iniciativa. De outro lado, embora sem arredar completamente tais argumentos, levam-se em consideração a hipervulnerabilidade da criança e o princípio da proteção integral da infância (artigo 227, da Constituição Federal). Soma-se a isso a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (artigo 170, inciso V, CF) e a fórmula já transcrita acima que traduz o conceito de publicidade abusiva para crianças no artigo 37, parágrafo 2º, do CDC.

A hipervulnerabilidade da criança frente à publicidade não é um conceito abstrato nem retórico. Jaderson Costa da Costa, médico neurologista que dirige o Instituto do Cérebro da PUC-RS, demonstra que o cérebro da criança se desenvolve por etapas e que, até a adolescência, nele se fazem presentes apenas estímulos excitatórios. As sinapses inibitórias aparecem apenas na faixa de 14 a 16 anos (vide Publicidade e Proteção da Infância, Livraria do Advogado, 2014). Até essa idade, o cérebro da criança é um campo fértil para plantar ideias, sem maior capacidade de crítica de sua parte. Não há dúvida de que cabe um importante papel à família na contenção dos impulsos infantis, mas não se pode carimbar como paternalismo políticas de contenção de excessos.

Sempre que se debate a proteção das crianças frente à publicidade, convém lembrar das nossas desigualdades sociais: nem todas as crianças encontram na família um suporte suficiente de educação. A esse propósito, é sempre oportuno lembrar da sentença proferida em 1991 pelo juiz Wilson Carlos Rodycz, em ação civil pública ajuizada em Porto Alegre. O magistrado frisou que crianças de classe média mostradas em filme publicitário entrando à noite em um supermercado fechado para conseguir potinhos de sobremesa serviam de modelo para outras que passavam fome e que poderiam sentir-se autorizadas a terem o mesmo comportamento. A sentença determinou a suspensão da exibição do filme na televisão e não foi apelada (texto publicado pela revista Direito do Consumidor, nº 1).

Por outro lado, as técnicas de comunicação e comercialização sofisticaram-se muito. Veja-se o exemplo do unboxing, viralizado no YouTube, que mostra crianças desembalando brinquedos como forma de exibi-los para outras crianças. Técnicas como essa não são publicidade convencional, mas certamente cumprem a mesma função, provavelmente com mais eficácia. Podem ser consideradas comunicação mercadológica, como oportunamente referiu a resolução do Conanda.

É oportuno que a jurisprudência trace os contornos da abusividade da publicidade dirigida às crianças, mas seria desejável que uma madura regulação entrasse em cena, feita por um órgão com representação ampla de todos os interessados e adequada legitimação social.


Adalberto Pasqualotto é professor de Direito do Consumidor na Faculdade de Direito da PUC-RS e ex-presidente do Brasilcon – Instituto de Política e Direito do Consumidor.

Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2016, 8h00

terça-feira, 26 de abril de 2016

PESQUISA PRONTA DO STJ EM RELAÇÃO AO DIREITO DO CONSUMIDOR

DIREITO DO CONSUMIDOR
Clique sobre os temas para acessar a pesquisa atualizada.
CONSÓRCIOS - REPETITIVO
DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO
DIREITOS DO CONSUMIDOR
DOS BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES
PLANO DE SAÚDE
PRÁTICAS COMERCIAIS
PROTEÇÃO CONTRATUAL
PROTEÇÃO CONTRATUAL - REPETITIVO
QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS

segunda-feira, 7 de março de 2016

Vício Redibitório no CC e o CDC


Autor:
PEREIRA FILHO, João Cândido Cunha



Várias pessoas ao adquirirem um bem por meio de um contrato de compra e venda, depois de algum tempo vieram a descobrir que "o objeto desse contrato" possuía defeito ou vício - oculto no momento da compra - e que deste modo o tornou impróprio para uso ou diminuiu-lhe o valor. Nestas situações,vícios em imóveis, bem como, em automóveis não são raros de se encontrar.

"Para regular tal situação, o Código Civil (CC) prevê a redibição (daí o termo vício redibitório), que é a anulação judicial do contrato ou o abatimento no seu preço. Os casos de vício redibitório são caracterizados quando um bem adquirido tem seu uso comprometido por um defeito oculto, de tal forma que, se fosse conhecido anteriormente por quem o adquiriu, o negócio não teria sido realizado".

Assim, o CC prevê no seu artigo 443 a indenização por perdas e danos. Deste modo, se o vício já era de conhecimento por quem transferiu a posse do bem, "o valor recebido deverá ser restituído, acrescido de perdas e danos; caso contrário, a restituição alcançará apenas o valor recebido mais as despesas do contrato".

De alcance bem maior e abrangente, o Código de Defesa do Consumidor trouxe para as relações de consumo inúmeras possibilidades para a solução de problemas, incluindo também os casos de vícios redibitórios. "A lei de proteção ao consumidor preza "pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho", conforme prevê o artigo 4º, inciso II, alínea d".

Por tais circunstâncias não é exagero afirmar que o instituto do vício redibitório perdeu espaço na proteção dos direitos do consumidor. Pois o chamado código consumerista impôs ampla responsabilidade ao fornecedor diante de defeitos do produto que comercializa ou do serviço que presta, e isto independe "das condições que a lei exige para o reconhecimento do vício redibitório - como, por exemplo, a existência de contrato ou o fato de o vício ser oculto e anterior ao fechamento do negócio".

Contudo e a par de tais considerações, o instituto do vício redibitório possui ainda destacada relevância naquelas situações não cobertas pelo CDC, como por exemplo as transações entre empresas - desde que não atendam às exigências do CDC para caracterizar relação de consumo - e muitos outros negócios realizados mesmo entre pessoas físicas.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), através da Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 991.317, estabeleceu a distinção entre vício redibitório e vício de consentimento, advindo de erro substancial. "Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, o tema é delicado e propício a confusões, principalmente pela existência de teorias que tentam explicar a responsabilidade pelos vícios redibitórios sustentando que derivam da própria ignorância de quem adquiriu o produto".

Diz o processo, que um lote de sapatos foi adquirido para revenda. Os primeiros seis pares ao serem vendidos apresentaram defeito (quebra do salto) e foram devolvidos pelos consumidores. Diante disso, a venda dos outros pares foi suspensa para devolução de todo o lote, o que foi recusado pela empresa fabricante.

No entendimento da ministra Nancy Andrighi, quem adquiriu o lote de sapatos não incorreu em erro substancial, pois recebeu exatamente aquilo que pretendia comprar. A relatora entendeu que "os sapatos apenas tinham defeito oculto nos saltos, que os tornou impróprios para o uso".

"No vício redibitório o contrato é firmado tendo em vista um objeto com atributos que, de uma forma geral, todos confiam que ele contenha. Mas, contrariando a expectativa normal, a coisa apresenta um vício oculto a ela peculiar, uma característica defeituosa incomum às demais de sua espécie", disse a ministra.



"Segundo ela, os vícios redibitórios não são relacionados à percepção inicial do agente, mas à presença de uma disfunção econômica ou de utilidade no objeto do negócio". O erro substancial alcança a vontade do contratante, operando subjetivamente em sua esfera mental".

Fonte: Editora Magister

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

ATUALIZAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR




Fonte: tviab

No dia 24/09/2012, foi aberto o CICLO DE PALESTRAS SOBRE A ATUALIZAÇÃO DO CDC no IAB, com palestra da Profª. Cláudia Lima Marques, que discorreu sobre ATUALIZAÇÃO: PRINCÍPIOS E PANORAMA GERAL. Fez menção ao protagonismo do IAB nos trabalhos de Atualização do CDC que foram em grande parte acolhidos pela comissão de notáveis que elaborou os 3 Anteprojetos que hoje constituem os PLS 281/2012-







quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Nova edição de Jurisprudência em Teses aborda direitos do consumidor




A 42ª edição de Jurisprudência em Teses está disponível para consulta no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o tema Direito do Consumidor II. Com base em precedentes dos colegiados do tribunal, a Secretaria de Jurisprudência destacou duas entre as diversas teses existentes sobre o assunto.

Uma delas diz que a instituição de ensino superior responde objetivamente pelos danos causados ao aluno em decorrência da falta de reconhecimento do curso pelo Ministério da Educação (MEC), quando violado o dever de informação ao consumidor. O entendimento foi adotado com base em diversos precedentes, entre eles o AgRg no AREsp 651.099, julgado pela Quarta Turma em junho deste ano.

Outra tese afirma que a constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da concessionária e do fabricante. Um dos casos adotados como referência foi o AgRg no AREsp 661.420, julgado em maio pela Terceira Turma.

Conheça a ferramenta

Lançada em maio de 2014, a ferramenta Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.

Cada edição reúne teses de determinado assunto que foram identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.

Para visualizar a página, clique em Jurisprudência > Jurisprudência em Teses, no menu principal da homepage do STJ. Também há o Acesso Rápido, no menu Outros.

Fonte: STJ 

Cabe ao banco informar data de encerramento da poupança para cálculo de juros sobre expurgos


Os juros remuneratórios sobre expurgos da poupança nos planos econômicos incidem até o encerramento da conta, e é do banco a obrigação de demonstrar quando isso ocorreu, sob pena de se considerar como termo final a data da citação na ação que originou o cumprimento de sentença. A tese foi aplicada em julgamento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Quem tinha depósito em caderneta de poupança durante os Planos Bresser, Verão e Collor teve o saldo corrigido a menor porque o índice de correção monetária apurado não foi aplicado ou foi aplicado parcialmente.

A Justiça já reconheceu ao poupador a possibilidade de reivindicar o recebimento das diferenças, acrescidas de atualização monetária e juros de mora, e recuperar as perdas causadas pelos expurgos inflacionários. Eles ainda são objeto de milhares de ações judiciais em todo o país.

Ação coletiva

No caso julgado, o banco foi condenado em ação civil pública ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão (IBDCI) a recalcular os valores de correção dos depósitos em caderneta de poupança relativos a junho de 1987 e janeiro de 1989, referentes aos Planos Bresser e Verão.

Um poupador iniciou o cumprimento individual de sentença. O banco, por meio de impugnação, alegou a ocorrência de excesso de execução. Em primeiro grau, considerou-se que os juros remuneratórios deveriam incidir somente durante o período em que a conta esteve aberta.

O poupador recorreu, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) determinou que os juros remuneratórios incidissem até a data do efetivo pagamento, ou seja, até o cumprimento da obrigação, e não apenas em relação ao período em que a conta permaneceu aberta.

Extinção do contrato

O banco recorreu ao STJ. Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva, relator, reafirmou o entendimento das duas turmas de direito privado do tribunal no sentido de que o termo final de incidência dos juros remuneratórios é o encerramento da poupança, o que significa a extinção do contrato de depósito, que ocorre com a retirada de toda a quantia depositada ou com o pedido de encerramento da conta e devolução dos valores.

“Os juros remuneratórios são devidos em função da utilização de capital alheio”, afirmou o ministro. Assim, explicou, se não há nenhum valor depositado, não se justifica a incidência de juros remuneratórios, já que o poupador não estará privado da utilização do dinheiro, e o banco não terá a disponibilidade do capital de terceiros.

Esse entendimento impede a incidência concomitante de juros remuneratórios e moratórios, conforme determina a jurisprudência do STJ (REsp 1.361.800).

Ônus da prova

O ministro acrescentou que cabe ao banco a comprovação da data de encerramento da conta, pois tal fato delimita o alcance do pedido formulado pelo poupador. É o que determina o artigo 333, II, do Código de Processo Civil.

Caso o banco não comprove a data de extinção da poupança, o julgador pode adotar como marco final de incidência dos juros remuneratórios a data da citação nos autos da ação principal que originou o cumprimento de sentença (no caso julgado, a ação civil pública).

Fonte: STJ 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Planos de saúde coletivos devem se submeter às regras sobre abusos do CDC






As operadoras de planos de saúde conseguiram aquilo que as instituições financeiras tentaram sem sucesso, que foi afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos seus contratos. Por incrível que possa parecer, decorre do disposto no art. 35-G da Lei 9.656/98 a aplicação subsidiária do Código apenas àqueles contratos estabelecidos “entre usuários e operadores de produtos”.

Como é notório, a imensa maioria das operadoras de planos de saúde só oferece no mercado planos de saúde coletivos, intermediados por entidades de classe, empresas empregadoras e por administradoras de benefícios. Essa intermediação descarta, segundo a lei, a aplicação mesmo subsidiária do Código de Defesa do Consumidor aos contratos coletivos de planos de saúde.

As operadoras aperceberam-se das brechas legais e da falta de proteção dos contratantes nos planos coletivos e passaram a não firmar mais contratos individuais ou familiares. Segundo números oficiais da ANS, os consumidores de planos coletivos empresariais cresceram de 6,1 milhões, em março de 2000, para 33,8 milhões, em março de 2015. Em contrapartida, os consumidores dos planos individuais ou familiares cresceram apenas de 4,7 milhões para 10 milhões no mesmo período, praticamente o mesmo crescimento experimentado no número de consumidores dos planos coletivos por adesão, de 3,0 milhões em março de 2000, para 6,7 milhões em março de 2015.

A tendência de crescimento dos planos coletivos empresariais superou o dobro do crescimento do número de contratantes de planos privados de assistência à saúde, no mesmo período. Muitos contratantes de planos individuais e familiares, sob a enganosa alegação de preços mais baratos, acabaram alterando seus contratos para coletivos. Contratos tipicamente familiares, que abarcam três a quatro vidas de uma mesma família, estão sendo disfarçados como coletivos empresariais.

De acordo com os números da ANS, em 2014 mais de quarenta milhões de usuários eram contratantes de planos coletivos enquanto que apenas dez milhões eram contratantes de planos individuais ou familiares. A proporção já era de um usuário de plano individual para quatro usuários de planos coletivos, com tendência de diminuição do primeiro grupo e de crescimento do segundo grupo.

A inoperância da ANS e as brechas propositalmente inseridas na lei pelos planos de saúde já deixam desprotegidos mais de quarenta milhões de consumidores brasileiros, que podem ter seus contratos rescindidos unilateralmente, sofrer reajustes abusivos porque não limitados pela ANS e diminuições da rede credenciada, a partir de simples negociação com a pessoa jurídica que intermediou os contratos coletivos firmados pelos consumidores.

O parágrafo único do artigo 13 da Lei 9.656/98 veda a recontagem de carências, a suspensão e a rescisão unilateral dos contratos de planos de saúde individuais ou familiares, deixando sujeitos a essas arbitrariedades por parte das operadoras de planos de saúde os contratantes dos planos coletivos.

O parágrafo único do artigo 16 da Lei 9.656/98 assegura a obtenção de cópia do contrato, do regulamento e das condições gerais apenas aos contratantes de planos individuais ou familiares. Vale dizer, os contratantes de planos de saúde coletivos não têm assegurado o direito básico à informação consagrado pelo artigo 6º, III do Código do Consumidor.

O artigo 35-E da Lei 9.656/98, no seu inciso III, veda a suspensão ou rescisão unilateral apenas dos contratos individuais ou familiares, sendo que o parágrafo 2º desse artigo sujeita à prévia aprovação da ANS apenas os reajustes dos planos individuais e familiares.

A falta de proteção dos contratantes de planos coletivos vem levando a inúmeras práticas abusivas, que acabam tendo que ser corrigidas no Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça já identificou a litigiosidade envolvendo planos de saúde como um problema, a ponto do TJ-SP criar uma câmara temática visando reduzir o número desses conflitos. A despeito da judicialização já ser insuportável, está sendo cogitada a liberação dos reajustes também dos planos de saúde individuais. Se isso acontecer, a exemplo do que já ocorre com os planos coletivos, muitos consumidores serão expulsos indiretamente pela impossibilidade do pagamento das mensalidades ou passarão a contratar planos mais baratos, com menor cobertura.

A diminuição do número de usuários de planos de saúde repercute diretamente nas políticas de saúde pública, porque quem não tem acesso à saúde privada acaba sendo atendido pelo SUS. Assim como uma quebradeira dos planos de saúde pode inviabilizar a saúde pública, reajustes abusivos também podem inchar o já combalido sistema público de saúde.

Não é demais lembrar que saúde é um dos pressupostos da dignidade da pessoa humana, eleita como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil pelo artigo 1º da Constituição Federal. Sem tratamento de saúde adequado não existe vida digna. Muitos, infelizmente, não têm acesso a tratamentos de saúde adequados e quem tem, em um futuro próximo, deixará de ter, em virtude de discriminações ilícitas entre usuários de planos de saúde individuais e coletivos criadas pela própria Lei 9.656/98.

Consumidor, nos termos do artigo 2º, “caput” da Lei 8.078/90 é quem adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Nesse sentido os contratantes de planos coletivos também ostentam claramente a condição de consumidores, porque utilizam diretamente os serviços prestados pelas operadoras. A relação é indireta apenas na forma de contratação e de pagamento, sendo direta em relação à utilização. Negar a condição de consumidores dos usuários de planos coletivos, portanto, é uma falácia que apenas aproveita aos contratantes mais fortes dessa relação, que são as operadoras de planos de saúde.

Ademais disso, nada justifica sob o prisma constitucional a distinção de tratamento operada pela Lei 9.656/98 entre contratos de planos de saúde individuais e coletivos. O serviço se não é o mesmo é muito semelhante e a condição jurídica dos usuários é rigorosamente a mesma. Sem falar que o artigo 5º, XXXII da Constituição Federal coloca a defesa do consumidor como um direito fundamental, protegido por cláusula pétrea inclusive.

Qualquer lei que restrinja direitos de consumidores típicos é inconstitucional e assim deve ser reconhecida. Não há porquê diminuir os direitos dos contratantes dos planos coletivos em relação aos direitos dos contratantes dos planos individuais. A vulnerabilidade e a necessidade dos serviços é a mesma. Reajustes de planos coletivos sempre são “negociados” com as pessoas jurídicas que representam os consumidores sob a ameaça de rescisão unilateral dos contratos. Rescindido o contrato com a pessoa jurídica milhares e milhares de consumidores ficarão sem acesso à saúde privada, tendo que contratar novos planos de saúde, com recontagem de carências.

Está mais do que na hora dos operadores do direito refletirem sobre a questão dos planos coletivos no Brasil e passarem a enfrentar as práticas abusivas nos contratos coletivos de planos de saúde à luz do Código de Defesa do Consumidor, impedindo reajustes exagerados, rescisões unilaterais de contratos que deixam na rua consumidores doentes e diminuições das coberturas contratuais, que configuram também forma de aumento indireto dos planos de saúde, porque paga-se o mesmo por um serviço de qualidade bastante inferior. Não temos dúvida de que essas distinções operadas pela Lei 9.656/98 são inconstitucionais e assim devem ser reconhecidas, em sede de ADI no controle concentrado de constitucionalidade, ou incidentalmente nos processos no controle difuso de constitucionalidade.


Arthur Rollo é doutor pela PUC-SP e advogado.


Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2015, 7h30

Para desembargador, paternalismo não pode orientar ações de consumo





Para Werson Rego, especialista tem mais condições de tomar decisões impopulares
TJ-RJ

As câmaras especializadas em direito do consumidor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro completaram dois anos de funcionamento no último dia 2 de setembro. Mas além da comemoração, a data foi também um convite à reflexão. O desembargador Werson Rego, que atua na 25ª Câmara Especializada, verifica uma tendência cada vez maior de decisões que afirmam direitos a consumidores mesmo quando há regra em sentido contrário. Na avaliação dele, isso indica uma tendência ao paternalismo exacerbado. 

Segundo o desembargador, das 27 câmaras cíveis existentes no TJ-RJ, apenas cinco são especializadas. Essas unidades chegam a receber 45% de todos os recursos que chegam ao tribunal e o volume de processos impressiona seus integrantes. Para driblar isso, a administração estipulou que todo desembargador recém-promovido tem que passar pelo juízo especializado. Assim, em muitos casos, as vagas são ocupadas por quem nunca teve contato com a matéria consumerista. 

“Um efeito disso é que, por não haver essa especialização, em um primeiro momento, pode-se achar que, por se tratar de câmara especializada em direito do consumidor, há que se proteger o consumidor indistintamente. E com isso corre-se o risco de transformar as câmaras especializadas em direito do consumidor em câmaras de proteção do consumidor”, acrescenta.

A fim de mudar esse cenário, entidades como a Harvard Law School Association of Brazil e Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio, em parceria com o tribunal, desenvolvem um projeto acadêmico-científico que prevê ações múltiplas, sendo a principal delas a formação dos integrantes dessas câmaras e dos servidores que os apoiam. Segundo Rego, que coordena a iniciativa, a finalidade é entender o alcance das decisões proferidas.

“O objetivo é estimular o julgador a entender que a decisão dele tem repercussão nas atividades econômicas e levando-o à reflexão sobre a importância dos julgamentos levarem segurança jurídica, estabilidade e paz aos mercados. As decisões têm que buscar, tanto o quanto possível, o melhor resultado coletivo e não apenas o interesse isolado de um demandante específico”, explica.

Um dos pontos altos do projeto ocorrerá no dia 9 de novembro, no TJ-RJ, com a promoção do evento Protagonismo Judicial, Segurança Jurídica e Paternalismo Pretoriano: Desafios em Tempos de Incerteza. “A ideia é mostrar que o ativismo [judicial] é importante, mas também que é preciso entendermos os limites desse protagonismo. O julgador tem que respeitar as atribuições constitucionais dos outros poderes”, afirma.

Leia a íntegra da entrevista.

ConJur — Qual é o objetivo do projeto ?
Werson Rego — Estimular o julgador a entender que a decisão dele tem repercussão nas atividades econômicas e levando-o à reflexão sobre a importância dos julgamentos levarem segurança jurídica, estabilidade e paz aos mercados. As decisões têm que buscar, tanto o quanto possível, o melhor resultado coletivo e não apenas o interesse isolado de um demandante específico. O julgador tem que saber como o mercado interpreta uma decisão judicial. Se julgarmos contra a regra, aumentamos os riscos nos mercados, que vão se proteger. E como? Embutindo o risco nos preços dos serviços e produtos. No final, quem pagará a fatura é o consumidor. Quando se pensa estar protegendo um consumidor ao dar a ele uma proteção jurídica sem um efetivo direito, esta conta será dividida com todos os consumidores daquele mercado. Então, surge a pergunta: será que os outros consumidores, sabendo disso, vão querer pagar esta conta ou vão preferir que o juiz seja rigoroso na análise de quem tem ou não razão?

ConJur — Como será possível fazer isso?
Werson Rego — Trabalhando em diversas frentes: a especialização do julgador, a qualificação da sua assessoria, a orientação adequada aos agentes econômicos e a formação de base teórica a dar suporte a todas essas ações, entre outras. A ideia é mostrar que a judicialização é um fenômeno social crescente e que o protagonismo judicial é importante. No entanto, o ativismo judicial deve respeitar certos limites. As câmaras do consumidor têm que atuar com o foco na segurança jurídica. É preciso levar paz, harmonia e equilíbrio para os mercados de consumo. E isso se faz dando razão a quem tem, reconhecendo direitos a quem tem, sem se preocupar muito se trata-se do fornecedor ou consumidor. Deve-se deixar de lado as rotulações a fim de evitar-se preconceitos que podem levar à adoção de uma postura de paternalismo exagerado. O consumidor tem que ser protegido, por ser vulnerável, mas não pode ser tratado como incapaz. 

ConJur — Mas essa postura dos juízes não é exigido pelo próprio CDC, que é uma legislação mais protecionista?
Werson Rego — Não existe problema em termos uma legislação paternalista. O problema está no excesso. O Código de Defesa de Consumidor é um exemplo de paternalismo jurídico, mas o vocábulo paternalismo tem que ser desmitificado. Não posso encarar o vocábulo como algo ruim. Paternalismo jurídico significa proteção jurídica do vulnerável. E é normal que existam leis que protejam o vulnerável. O CDC cumpre também essa finalidade. Neste sentido, temos um paternalismo jurídico positivo, por assimetria de informações, que visa a tutela do vulnerável. Ou seja, em que o Estado pode intervir para assegurar ao indivíduo a tomada da decisão mais adequada.

ConJur — De que maneira o consumidor é tratado como incapaz?
Werson Rego — Retirando dele a responsabilidade pelos atos que pratica. O consumidor que, devidamente informado e esclarecido, que teve o prazo de reflexão, fez a sua escolha e errou, deve assumir a responsabilidade. Se tudo o que se exigia do fornecedor foi satisfeito, não se pode retirar do consumidor a responsabilidade pelo ato de decidir. Não podemos apenas dizer “ele fez um mal negócio, vamos rescindir o contrato e devolver a ele tudo o que pagou”. Deve-se respeitar as escolhas que ele fez livremente. 

ConJur — Há muitas decisões nesse sentido?
Werson Rego — Sim. No entanto, devemos trabalhar para corrigir isso. Do contrário, incidiremos no que a doutrina refere como paternalismo pretoriano.

ConJur — Por que os juízes julgam assim?
Werson Rego — Pela conjugação de alguns fatores. O primeiro por um sentimento humano: há uma tendência do ser humano em tutelar e proteger o mais fraco, solidarizando-se com o mesmo. Segundo, como se tratam de mercados complexos e dinâmicos, com normatizações específicas, se o julgador não tiver uma formação acadêmica ampla e, ao mesmo tempo, conhecimento das particularidades desses mercados, a qualidade da decisão pode ficar comprometida. Há também a ausência de visão a longo prazo. Muitas vezes se foca apenas no processo específico, na situação pontual que foi levada ao julgamento, sem se preocupar com o impacto e a repercussão da decisão a médio e longo prazos nos mercados nos quais a discussão se estabeleceu. 

ConJur — Diante desse cenário, as decisões proferidas em direito de consumidor realmente cumprem a função pedagógica?
Werson Rego — Um dos objetivos desse esforço é conferir caráter pedagógico aos julgados das câmaras especializadas, que têm a missão não apenas de decidir os conflitos de interesse, mas também de orientar os mercados e pautar os agentes econômicos ao definir, com objetividade e clareza, o que é certo e o que é errado. Hoje não se tem a dimensão dessa função pedagógica; os julgados ainda são muito divergentes. As vezes há posições sobre uma mesma matéria conflitantes dentro da própria câmara. A segurança para decidir contramajoritariamente só o especialista tem. E para fazer isso, tem que ter o domínio da matéria e analisar o caso com muita profundidade para que se possa tomar uma decisão que contrarie o senso comum.

ConJur — Com as câmaras dos consumidores, uma nova demanda eclodiu no Órgão Especial, que são os conflitos de competência para avaliar se determinada matéria deve ser julgada pelas câmaras cíveis ou especializadas em direito do consumidor. Como o senhor avalia isso?
Werson Rego — É natural, primeiro pela novidade. Somos o único tribunal a ter câmaras especializadas em direito do consumidor. Ainda existe muitas incertezas. Temos uma especialização regimental, mas até chegar a uma especialização efetiva de julgamentos, ainda há um percurso. Daqui a um tempo, quando as câmaras já estiverem melhor estruturadas e houver certa uniformidade de entendimento em relação a questões que têm que ser julgadas, isso vai diminuir substancialmente. Para avançar precisamos estruturar melhor essas câmaras. O ideal também seria aumentar o número de câmaras do consumidor, até pela questão de volume de trabalho. Cinco câmaras respondem por 45% dos processos cíveis do TJ. E as outras 22 dividem os 55% que sobraram. Então, há muito o que fazer. 

*Texto atualizado às 14h35 desta segunda-feira (14/9). 



Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.



Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2015, 8h37

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