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quinta-feira, 27 de março de 2014

DICAS PARA A PRIMEIRA ENTREVISTA COM O CLIENTE

Cliente prioriza quem reconhece seus problemas rapidamente

 
Na primeira reunião com um possível cliente que o advogado quer conquistar, os tópicos que devem tomar menos tempo é a apresentação da qualidade dos serviços do escritório e da qualificação de seus profissionais. Isso tem sua importância. Mas a prioridade do cliente é encontrar alguém que entenda seus problemas jurídicos e visualize possíveis soluções. Por isso, o advogado deve empregar pelo menos 70% do tempo da reunião identificando e discutindo os problemas que o cliente tem ou poderá ter mais dia, menos dia. E discutir soluções.
Essa é a recomendação que o consultor de marketing para escritórios de advocacia e escritor Trey Ryder. Muitas vezes, é preciso recorrer a esforços de marketing, a estratégias e táticas para se chegar a essa primeira reunião. Portanto, a oportunidade deve ser bem aproveitada. Para que a reunião seja eficaz em seu propósito de conquista de um novo cliente, o consultor tem mais uma série de recomendações:
1. Garanta ao cliente sua inteira atenção. Isso significa impedir interrupções, de qualquer espécie. Esse é o momento em que cliente vai julgar sua capacidade de dar atenção a ele e a seus casos jurídicos.
2. Estabeleça empatia com o cliente. Tente sentir seu estado de espírito e faça com que se sinta bem. Isso reduz a resistência natural do cliente, quando lida com alguém ainda um tanto desconhecido, e cria um vínculo emocional, do tipo que aproxima as pessoas. Uma maneira de fazer isso é levar o cliente a falar um pouco sobre ele mesmo.
3. Coloque-se no lugar do cliente. A melhor maneira de entender o que o cliente sente é se imaginar “em seus sapatos”. Se conseguir fazer isso, poderá fazer uma apresentação dos serviços do escritório sob o ponto de vista do cliente — o que será muito mais eficaz.
4. Identifique o resultado que o cliente espera obter. Pode ser uma boa técnica simplesmente perguntar a ele que problemas jurídicos ele percebe que tem ou pode ter. E, então, fazer perguntas para determinar que tipo de serviço específico ele pensa que necessita. Saiba claramente o que ele acha mais importante. Siga esse roteiro para apresentar suas próprias ideias. E não fale de “bugalhos”, enquanto a mente do cliente estiver concentrada em “alhos”.
5. Explique bem ao cliente a “seriedade” de seu problema. Quanto melhor o cliente entender a “gravidade” de seu problema e desvendar os mistérios da situação, maior a probabilidade de ele pedir sua ajudar para resolvê-los. Mostre documentos, se possível. Mencione casos. Explique devagar e com clareza. E tente descobrir se ele realmente entendeu. Muitas vezes, o cliente faz de conta que entendeu e isso não é bom. Mas, neste ponto, não ofereça soluções Primeiro ele tem de entender o caso.
6. Antecipe perguntas que o cliente poderá fazer, por sua experiência, antes que ele as faça. Se o cliente for a única parte que faz perguntas e levanta dúvidas, a conversação pode parecer uma discussão entre adversários. Ao responder uma pergunta, pergunte ao cliente se ele entendeu ou se concorda. Assim, ele não voltará a repetir a pergunta.
7. Certifique-se de que o cliente entendeu claramente suas explicações. Fique atento para indícios de que algum ponto não ficou claro para ele. Lembre-se de que clientes não “compram” o que eles não entendem.
8. Pergunte ao cliente se ainda há alguma dúvida ou pergunta. Reconheça que cada pergunta é uma “boa pergunta” ou uma “preocupação válida”. Mesmo que pareçam uma objeção, interprete-as como uma pergunta normal — e não uma objeção. Provavelmente, ele não entendeu bem alguma coisa ou quer mais informações. O cliente quer ter certeza de que vai contratar o advogado certo.
9. Ofereça soluções específicas para problemas específicos. Discuta prós e contras de cada uma. Se houver apenas uma solução, você coloca o cliente em uma posição de responder apenas “sim” ou “não”. Se você lhe apresentar três opções positivas, a tarefa dele será escolher uma delas — e o “não” não é uma opção.
10. Ao oferecer soluções, faça-o do ponto de vista do cliente. Ele ficará mais receptivo à sua orientação, se ela for apresentada da perspectiva dele. Por exemplo, em vez de dizer “isso é o que você deve fazer”, diga “se eu fosse você, eu faria o seguinte” e, então, explique a razão.
11. Enumere os riscos e benefícios envolvidos no caso. Aponte os riscos de permitir que o problema continue sem solução. E os benefícios de resolvê-lo já e qual será o ganho.
12. Finalmente, apresente as razões porque ele deve contratar seu escritório. Explique como seu conhecimento, suas qualificações, experiência e capacidade de julgamento podem fazer com que os resultados esperados pelo cliente sejam conseguidos. Fale sobre casos semelhantes que chegaram a um bom desfecho. Mostre-lhe cópias de notícias ou artigos publicados em sites e jornais.
13. Forneça ao possível cliente razões lógicas e emocionais para contratá-lo. Muitas vezes, clientes contratam seus serviços por razões emocionais: o cliente “sente” que gosta de você, que confia em você e que você está realmente disposto a ajudá-lo. Mais tarde, ele usa a lógica para defender sua decisão para sócios, colegas de trabalho, amigos e familiares. Ou seja, muitas vezes, clientes tomam decisões emocionalmente e as explicam intelectualmente. Forneça-lhe munição para as duas empreitadas.
14. Diga ao cliente que realmente quer ajudá-lo. Use o plural: “nós”, “vamos” etc., para criar um espírito de trabalho de equipe, frente a uma empreitada conjunta.
15. Discuta seus honorários com naturalidade. Isto é, sem receio de que o cliente poderá considerá-los tão altos, se esse não é o caso. Os americanos, segundo o autor, gostam de citar o valor do serviço, normalmente bem mais alto do que ele realmente vai propor. Ou, de uma outra forma, explicar o que o cliente irá, no final das contas, economizar com a contratação de seus serviços.
16. Deixe o cliente tomar sua própria decisão sobre a contratação, sem pressões. Qualquer pressão gera resistência. Deixe claro para o cliente que a decisão é dele e se prontifique a responder qualquer pergunta ou a dar qualquer esclarecimento que quiser. Se for preciso relembrá-lo, faça-o de uma maneira que não pareça uma pressão – como a de informá-lo de que está pronto para ajudá-lo, assim que ele achar que é o momento certo. Ou de que um caso semelhante for resolvido favoravelmente por um tribunal.
17. Dê prosseguimento com uma carta (ou e-mail). Se o cliente o contratou, agradeça e relate alguma providência em curso. Se não o contratou, agradeça pela reunião e manifeste sua prontidão para cuidar de seus problemas a qualquer tempo.
 
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2014

terça-feira, 25 de março de 2014

CAMPANHA DE INCENTIVO À CONCILIAÇÃO PROMOVIDA PELO TRT3ª REGIÃO


Por Luiz Cláudio Borges
 
 
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região mantém campanha de incentivo ao jurisdicionado para conciliação. Entendo que a iniciativa visa evitar a demora do processo e, consequentemente, proporcionar às partes envolvidas uma sensação de Justiça, solucionado a lide. Tenho defendido que o acesso à justiça no atual modelo de Estado tem se mostrado ineficaz, haja vista que o Judiciário não tem sido o melhor caminho. Outras formas alternativa de pacificação de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem)  têm sido muito mais eficientes, sobretudo no que diz respeito à pacificação e resolução dos conflitos. O TRT da 3ª Região merece o aplauso da comunidade jurídica pela iniciativa.
 
 
 
 
 

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"Recurso de Revista – Quer conciliar?
 
 
A Justiça do Trabalho de Minas realiza campanha permanente de motivação das partes para a conciliação nos processos que se encontram em fase de Recurso de Revista ou de Agravo de Instrumento, no TRT-MG ou no TST, e mesmo quando estão aguardando julgamento de Recurso Ordinário.
É muito fácil! A parte interessada deverá, diretamente ou por seu advogado, fazer o requerimento de inclusão do processo em pauta para tentativa de conciliação, clicando aqui e preenchendo a ficha própria, ou, ainda, por petição física, endereçada à 1ª Vice-Presidência do Tribunal, na Av. Getúlio Vargas, nº 225, 14º andar, B. Funcionários, em Belo Horizonte.
A juíza-auxiliar da 1ª Vice-Presidência, Wilméia da Costa Benevides, titular da 36ª VT de Belo Horizonte, que atua no Núcleo de Conciliação, ressalta a importância da conciliação na 2ª instância, não só porque reduz o prazo de duração do processo, contribuindo para a pacificação social de maneira mais célere, mas também pelo fato de a medida aproximar o jurisdicionado do Tribunal."
 
Fonte: TRT3ª

segunda-feira, 24 de março de 2014

PERDA DE UMA CHANCE GANHA ESPAÇO NOS TRIBUNAIS

Perda de uma chance ganha espaço nos tribunais

 
Com a evolução da responsabilidade civil, o direito brasileiro trouxe diversas formas para a reparação dos danos causados às vítimas, dentre elas a responsabilidade civil pela perda de uma chance.
A teoria da responsabilidade pela perda de uma chance vem encontrando ampla aceitação no direito pátrio e como será observado no decorrer desse trabalho, baseia-se na probabilidade e em uma certeza, que a chance seja realizada e que a vantagem perdida resulte em prejuízo.
Apesar de ser foco de profundas discussões na Europa, a mencionada teoria, começou a influenciar e renovar a responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro.
No Brasil, vem adquirindo muitos adeptos e por não haver disposição no Código Civil Brasileiro de 2002, é fundamentada pela doutrina e na jurisprudência.
Evolução históricaA responsabilidade civil pela perda de uma chance tem origem na França, no final do século XIX, onde surgiu a expressão perte d’une chance.[1]
O caso mais antigo registrado referente à reponsabilidade pela perda de uma chance foi em 1911, um caso inglês conhecido como Chaplin V. Hicks, em que a autora da ação estava entre as cinquenta finalistas de um concurso de beleza, e teve sua chance interrompida pelo réu, uma vez que o mesmo não a deixou participar da última etapa do concurso; e, em razão disso um dos juízes alegou que a autora teria 25% de chances de ser a vencedora, aplicando a doutrina da proporcionalidade.[2]
Entretanto, houve divergências quanto a esse caso e devido a isso, foi objeto de estudo e análise na Itália, que começou a se aplicar as condutas culposas que faziam com que as vítimas perdessem uma oportunidade de lucro, em que uma simples chance seria uma possibilidade eventual e não um valor efetivo, certo e presente.[3]
Doutrinariamente, a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance foi estudada pela vez primeira, na década de 40, na Itália, quando Giovani Pacchioni tratou do assunto na obra Diritto Civile Italiano, reportando-se aos casos trazidos pela doutrina francesa.
Assim, a teoria da perda de uma chance é fruto da construção doutrinária francesa e italiana, e que no Brasil, entretanto, o Código Civil de 2002 não fez menção a essa modalidade de responsabilidade civil, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência, que busca a sua aplicação com base na analogia e no direito comparado.
Nesse sentido, para melhor compreensão dessa teoria, faz-se necessário entender a expressão “perda de uma chance”.
ConceitoInicialmente, é preciso compreender o que seja a perda de uma chance. Nesse sentido, de acordo com Sérgio Savi[4]:
O termo chance utilizado pelos franceses significa, em sentido jurídico, probabilidade de obter lucro ou de evitar uma perda. No vernáculo, a melhor tradução para o termo chance seria, em nosso sentir, oportunidade. Contudo, por estar consagrada tanto na doutrina, como na jurisprudência, utilizaremos a expressão perda de uma chance, não obstante entendemos mais técnico e condizente com o nosso idioma a expressão perda de uma oportunidade.
Por aí se vê que, para a caracterização da responsabilidade civil pela perda de uma chance, é necessário que essa chance, seja séria e real, e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo. [5]
Assim, a perda da chance deve ser vista como a perda da possibilidade de se obter o resultado esperado ou de se evitar um possível dano, valorizando as possibilidades que se tinha para conseguir o resultado, para, aí sim, serem ou não relevantes para o direito.[6]
Nesse viés, se faz necessário diferenciar os lucros cessantes da perda de uma chance, uma vez que ambos se referem a algo que a vítima deixa de ganhar.
Assim, o lucro cessante é uma espécie de dano material, e surge quando alguém, em virtude de uma ação ou omissão de outrem, deixa de auferir algum lucro ou vantagem, que futuramente estariam disponíveis à vítima; é, realmente, a frustração da expectativa de lucro, é a perda de um ganho esperado.[7]
Entretanto, diferentemente do lucro cessante, a perda de uma chance não precisa de uma prova concreta, uma vez que, o lucro cessante incide sobre o que o indivíduo razoavelmente deixa de ganhar; assim, necessita que haja uma comprovação e, que aponte quais seriam as perdas, a quantia perdida, de onde seria proveniente, etc.
No caso da perda de uma chance, não existe a pretensão de indenizar a perda do resultado e sim da oportunidade, não havendo a necessidade de provar se a vítima teria ou não, o resultado almejado.
Nesse sentido, Sergio Savi[8] traz algumas diferenças acerca da perda de uma chance e dos lucros cessantes:
é possível estabelecer algumas diferenças entre os dois conceitos. A primeira delas seria quanto à natureza dos interesses violados. A perda de uma chance decorre de uma violação a um mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um direito subjetivo.
Nesse diapasão, convém abordar um pouco sobre os danos emergentes, outra espécie de dano material, caracterizada pela perda imediata, visível, quantificável de um bem da vítima; sendo o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima.[9]
Nesse interim, necessário se faz compreender que, ao se falar em ter perdido uma chance, é possível afirmar que essa chance perdida se referia a algo realmente esperado, algo com o que já se contava e que está dissociada do resultado final que essa mesma chance, como um bem já adquirido, poderia proporcionar, poderia servir de instrumento.
Assim, quando provocado um ato ilícito, é notável que esse ato interrompe inesperadamente o modus vivendi da vítima, lhe frustra uma oportunidade de obter um benefício, sendo que, nesse caso, a indenização devida se dá pela chance perdida e não pela vantagem final esperada.
Não obstante, com relação à quantificação da indenização pela perda de uma chance esclarece Venosa[10] que “o grau de probabilidade é que fará concluir pelo montante da indenização”; diferentemente de Schmitt que diz o seguinte:
O montante devido à vítima, isto é, o quantum indenizatório, (...) deve ser fixado em percentual que incida sobre o total da vantagem que poderia ser obtida, representando de forma razoável a probabilidade de ser configurada a expectativa do lesado. Outrossim, (...) este percentual não pode, em qualquer hipótese, resultar na própria vantagem que poderia ser obtida.
Assim, da mesma forma que o quantum indenizatório, existem divergências acerca da classificação da indenização, se é concedida a título de dano moral, a título de lucros cessantes ou pela perda da própria vantagem.
Com relação a essa última, tem-se o entendimento de que não seria possível conceder a indenização pela vantagem perdida, mas pela perda da possibilidade de conseguir essa vantagem. Ou seja, é preciso diferenciar o resultado perdido e a chance de consegui-lo. [11]
Como foi dito, a jurisprudência ainda não firmou o entendimento acerca dessa questão da classificação da indenização, as concedendo a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se acaba por transformar a chance em realidade. [12]
AplicabilidadeUma análise acerca da teoria da responsabilidade pela perda de uma chance é de grande relevância para o ordenamento jurídico pátrio, uma vez que o instituto da responsabilidade civil evolui com a sociedade e o dano causado pela chance perdida urge apresentar uma resposta, a fim de indenizar a vítima pelo prejuízo suportado. Começam a surgir decisões esparsas na jurisdição civil contenciosa brasileira, porém algumas carecem de fundamento jurídico-normativo para uma maior segurança jurídica, a fim de estender sua aplicação de modo uniforme para todos os recantos, mesmo os mais longínquos do país. [13]
Não é fácil distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Nesse sentido, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”. [14]
Nesse interim, essa teoria apresenta uma forma de indenizar as vítimas, pelos danos sofridos em decorrência de atos ilícitos, apesar de alguns julgados nacionais a terem classificado, ora como dano emergente, lucro cessante, ou mesmo a título de dano moral. [15]
Oportuno se faz trazer alguns julgados sobre a aplicação dessa teoria, proferidos de Tribunais Estaduais, Tribunais Federais e Tribunais Superiores:
RESPONSABILIDADE CIVIL CONSUMERISTA. CLÍNICA DE OLHOS. DESLOCAMENTO DE RETINA. PERDA DE VISÃO. ATENDIMENTO TARDIO. PERDA DE UMA CHANCE. REPARAÇÃO. (...) A questão da perda da chance se afigura na situação fática definitiva de perda da visão de olho direito que nada mais modificará, visto que o fato do qual dependeu o prejuízo está consumado, por não oferecer à autora o socorro tempestivo por meio de uma intervenção médico-cirúrgica que lhe proporcionasse, ao menos, possibilidade de sucesso e salvaguarda de sua visão. PROVIMENTO PARCIAL DO SEGUNDO RECURSO E DESPROVIMENTO DO PRIMEIRO APELO.
Nesse caso, é interessante mencionar que a indenização foi concedida a título de danos morais, uma vez que restou comprovado o dano e a concorrência da falta de cuidado da ré para o fato, e ensejou na reparação a título de danos morais no valor de R$ 10.000,00.
Outro caso, bastante emblemático, é o caso do programa de televisão que ficou conhecido como “Show do Milhão”, um concurso em que o concorrente, ao responder corretamente às perguntas que lhe eram feitas poderia chegar a ganhar o prêmio de um milhão de reais. [16]
O caso se deu pelo fato de que uma candidata que participava do programa conseguiu chegar à pergunta milionária e, ao lhe ser feita, a mesma não admitia nenhuma resposta correta. [17]
Em razão disso, a concorrente ingressou contra a empresa que promovia o concurso e conseguiu uma indenização no valor de R$ 125.000,00; observando o critério da probabilidade de acerto da questão, qual seja 25%; “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro alternativas. [18]
Nesse sentido, é importante ressaltar que restou evidente a perda da oportunidade da participante em razão da “imposição” de uma resposta como correta (sendo que a Constituição Federal não aponta qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas).
Nesse mesmo sentido, segue o recentíssimo julgado que explica que a teoria pode ser aplicada, também, no âmbito da administração pública que, no entanto não foi aplicada porque, no caso, os recorrentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma regular, sendo este um evento certo sobre o qual não restam dúvidas:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE EQUIVOCADAMENTE CONCLUIU PELA INACUMULABILIDADE DOS CARGOS JÁ EXERCIDOS. NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. HIPÓTESE EM QUE OS CARGOS PÚBLICOS JÁ ESTAVAM OCUPADOS PELOS RECORRENTES. EVENTO CERTO SOBRE O QUAL NÃO RESTA DÚVIDAS. NOVA MENSURAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO. (...) Esta teoria tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também em sede de responsabilidade civil do Estado. Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar de determinado benefício. 4. No caso em tela, conforme excerto retirado do acórdão, o Tribunal a quo entendeu pela aplicação deste fundamento sob o argumento de que a parte ora recorrente perdeu a chance de continuarem exercendo um cargo público tendo em vista a interpretação equivocada por parte da Administração Pública quanto à impossibilidade de acumulação de ambos. (...) 7. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta extensão, provido.[19]
Enfim, a responsabilidade pela perda de uma chance ganhou espaço e popularidade nos tribunais brasileiros, podendo ser verificadas diversas decisões aplicando a mencionada teoria, desde que as “chances” sejam sérias e reais.
Diante do exposto, é notável que o ordenamento jurídico brasileiro, da mesma forma que o italiano e o francês, admite a aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Entretanto, o que não se pode deixar de considerar é que a mencionada responsabilidade será aplicada desde que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de uma mera possibilidade, uma vez que o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, não é indenizável.
Dessa forma, a reparação da perda de uma chance baseia-se em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seja realizada e que a vantagem perdida resulte em um prejuízo.
Nesse viés, responsabilidade civil pela perda de uma chance baseia-se no direito à reparação em virtude de “dano”, da perda de uma oportunidade, não necessariamente de alcançar determinada coisa, mas de tentar alcançar.
Vê-se claramente que o dano provocado pela perda da chance ou oportunidade, não se classifica como dano emergente, tampouco como lucro cessante, uma vez que há uma probabilidade e não uma certeza absoluta em relação ao resultado final, assim, não se sabe ao certo se a vítima conseguiria o resultado.

[1] SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 10.
[2] WANDERLEY, Naara Tarradt Rocha .A perda de uma chance como uma nova espécie de dano. Disponível em:
[3] WANDERLEY, Naara Tarradt Rocha .A perda de uma chance como uma nova espécie de dano. Disponível em:
[4] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 3
[5] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.81.
[6] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.82.
[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.375.
[8] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 15.
[9] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 347.
[10] VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.39.
[11] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 102.
[12] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 84.
[13] BUSNELLO, Saul José; WEINRICH, Jair. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: Uma análise doutrinária. Disponível em:
[14] ___________. Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada. Disponível em:
[15] BUSNELLO, Saul José; WEINRICH, Jair. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: Uma análise doutrinária. Disponível em:
[16] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 82.
[17] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 82.
[18] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 84.
[19] ___________. Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial 1308719 MG 2011/0240532-2. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Acórdão de 25 de junho. Diário Oficial da União. Minas Gerais, 2013. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23839212/recurso-especial-resp-1308719-mg-2011-0240532-2-stj > Acesso em: 20 de dezembro de 2013.
Thiago Chaves de Melo é especialista em Direito Público com ênfase em Direito Processual Penal pela Universidade Potiguar (UNP), especialista em Ciências Criminais pela Uniminas, docente do curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais — Facihus — Fundação Mário Palmério (Fucamp) em Monte Carmelo-MG.
Priscilla Amaral é acadêmica do curso de bacharelado em Direito da Fundação Carmelitana Mário Palmério (Fucamp), em Monte Carmelo-MG.
Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2014

JUIZ DEVE USAR FERRAMENTAS ELETRÔNICAS PARA LOCALIZAR A PARTE

Juiz deve usar ferramentas eletrônicas para localizar a parte

 
A introdução das novas tecnologias de informação no terreno do direito processual é tema que ainda demandará muitas reflexões e pesquisas, muitas delas estimuladas pelos problemas empíricos que essa nova forma de praticar atos processuais produz.
Boa parte desses problemas repousa na tensão entre aquilo que a tecnologia da informação permite e os institutos jurídicos, nomeadamente seus fundamentos, seus princípios, como o da publicidade, ampla defesa, dentre outros.
Vejamos o que sucedeu, por exemplo, com o instituto da competência territorial, cujo conceito tradicional foi solapado em virtude da expansão, em tempo real, do potencial da prática de atos judiciais fora dos limites territoriais do juízo prevento. Atos por videoconferência, e mesmo a constrição eletrônica de ativos financeiros, são exemplos eloquentes dessa aguda mudança nos traços originais de alguns institutos, mesmo antes de quaisquer mudanças legislativas.
A chegada, por último, da Lei 11.419/2006 não ameniza o problema. Pelo contrário, aprofunda-o, na medida em que autoriza o desenvolvimento de plataformas processuais totalmente eletrônicas, não dando conta, porém, de disciplinar todos os contornos de um procedimento em espaço digital, deixando muitas lacunas a serem preenchidas pelos níveis intermediários de regulamentação complementar — Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça, tribunais superiores, conselhos superiores, tribunais, juízos de primeiro grau — e, em última instância, pelo intérprete e aplicador da lei processual.
E, a rigor, a pretensão de regulamentação mais ampla seria de difícil alcance, pois todo esse fenômeno é perpassado por uma característica de complicado controle a priori, qual seja o contínuo avanço tecnológico.
Ainda que já contemos com uma importante bibliografia sobre o processo eletrônico[1], creio que há um espaço considerável para reflexões sobre esse “fazer” da justiça em ambiente digital, em especial após a experiência que a implantação gradual do Processo Judicial Eletrônico (PJe) na Justiça brasileira vem trazendo para os atores sociais.
Nesse contexto, gostaria de problematizar a questão das citações ou intimações por meio de edital.
O art. 231 do Código de Processo Civil dispõe que, em geral, se fará a citação por edital quando desconhecido ou incerto o réu ou quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar.
É de se observar que a afirmação que deduz a parte em juízo sobre essas circunstâncias exige rigor ético, em vista dos desdobramentos possíveis da citação por edital, passível, inclusive, de multa, se constatada a má-fé na afirmação — dolosa — de que o réu se encontra em lugar incerto e não sabido (cf. arts. 232, I, e 233 do CPC).
De outro lado, a publicação do edital pressupõe, em princípio, não somente a divulgação de seu conteúdo no veículo oficial de publicação dos atos do Poder Judiciário, como também sua veiculação em jornal local, onde houver (art. 232, III, CPC). Por certo que essa última providência se relaciona com as condições da parte autora de viabilizar o custo dessa divulgação, razão pela qual, na hipótese de justiça gratuita, o processo se basta com a publicação apenas no órgão oficial (art. 232, parágrafo 2º, CPC).
No Processo do Trabalho, sequer existe a previsão para a divulgação do edital em jornais de circulação mais ampla, autorizando sua subsidiária divulgação, por afixação, na sede do juízo[2], isto é, naqueles murais que são colocados em pontos de maior circulação de pessoas nos fóruns ou nas localidades de vara única.
E, considerando que os autores de ações trabalhistas, em geral, encaixam-se como beneficiários da justiça gratuita, não seria possível, mesmo com a suplementação das normas do processo comum, deles se exigir o custo da divulgação do edital em jornais locais, com o fito de imprimir maior raio de publicidade ao edital.
A Lei 11.419/2006, que define a arquitetura do processo eletrônico, não dispõe, de forma específica, sobre a citação por edital, mas revoluciona a técnica das publicações dos atos judiciais ao permitir, no seu art. 4º, a criação de diários eletrônicos. E, de fato, eles foram criados.
No lugar das pesadas e caras edições em papel dos “diários da justiça”, os da Imprensa Nacional e os das imprensas estaduais, temos em todos os ramos e instâncias do Poder Judiciário, hoje, essas plataformas digitais de divulgação dos atos processuais, em tamanho e extensão que já não podem ser simplesmente lidos, mas sim “pesquisados”.
E eis aqui o ponto: a ideia de citação ou intimação por edital não repousa em mera formalidade, na perspectiva de garantia de que o citando ou intimando jamais dele tomará conhecimento. Pelo contrário, a divulgação do seu conteúdo tem o propósito de fazer com que, senão o citando/intimando, mas alguém que o conheça, tome conhecimento de que contra aquele corre uma ação ou está pendente um prazo para a prática de um ato processual.
É dizer: pretende o edital fazer com que a notícia — que é o objeto da citação ou da intimação — chegue, diretamente ou por um terceiro, aos ouvidos do citando/intimando.
Por isso, o princípio é o de que o edital deveria ter ampla divulgação, de preferência também na imprensa, já que a garantia do contraditório e da ampla defesa pressupõe que a parte, contra quem se pratica o ato de chamamento ao processo, tenha ciência da ação judicial ou do ato processual que se divulga, e que somente não se fez uma intimação direta em virtude da ausência de informação quanto ao seu paradeiro.
Sem essa pretensão de ciência, o processo se torna kafkiano, e, como tal, passível de nulidade, por violação àqueles preceitos fundamentais.
Os tempos, contudo, são outros. O volume de processos em tramitação e o custo de publicação dos editais na imprensa não oficial, e, portanto, de maior circulação, reduziram, e muito, o raio de alcance dos editais. E mais: com a chegada do processo eletrônico, tenho que a pretensão de publicidade praticamente acabou.
Isso porque, como já acentuado, não se lê de forma casual ou fortuita o diário eletrônico. As ferramentas de pesquisa é que auxiliam os advogados, não raro até com o apoio de uma empresa especializada, na pesquisa das notas de foro a eles (ou a seus clientes) direcionadas.
Repiso: o Diário Eletrônico da Justiça não é lido, é pesquisado!
Logo, em se tratando, por exemplo, de um edital de citação para o processo, publicado no diário eletrônico, é praticamente inexistente a perspectiva de alcance do objetivo desse ato processual, sob o ponto de vista substancial.
Por outro lado, diante do que pressupõe o preceito fundamental do contraditório e da ampla defesa, essa condição empírica precisa ser considerada, em ordem a inspirar uma criteriosa análise dos pedidos de citação por edital, na direção de:
a) exigir da parte autora uma demonstração de que foram adotadas medidas de localização da parte ré;
b) aferição dessa condição, até mesmo em estágio mais adiantado do processo, quando o réu porventura receber o feito no estágio em que se encontrar;
c) advertir o autor das consequências que perpassam essa forma de citação no cenário atual.
No Processo do Trabalho, o tema ainda ganha especial relevo em virtude da dinâmica dos negócios, o que implica, muitas vezes, o ajuizamento de ações em face de estabelecimentos com atividades já encerradas. Nessa situação, não é raro suceder uma pletora de ações contra a essas empresas, normalmente pugnando, logo de início, a citação por edital.
Afora isso, há o problema da vedação de citações por edital em processos que tramitam pelo rito sumaríssimo (art. 852-B, CLT).[3]
Por essa razão, creio que antes de qualquer providência, no sentido de se fazer a citação por edital, deve o juízo, por provocação da parte ou mesmo de ofício (art. 765, CLT), valer-se das ferramentas eletrônicas disponíveis para a pesquisa em banco público de dados (Infojud, por exemplo), a fim de localizar o atual paradeiro do réu. Se pessoa jurídica, e com estabelecimento fechado, essas mesmas ferramentas podem auxiliar na localização do(s) endereço(s) dos sócios.
Desse modo, reduzem-se as hipóteses de citação por edital, divulgado em diário eletrônico, trazendo ao feito mais segurança jurídica e evitando os dissabores das arguições de nulidade, muitas vezes já na fase de cumprimento da sentença, por vício de citação.
Compensa-se, assim, o déficit cognitivo que o edital publicado em diário eletrônico projeta para o processo, por seu ontológico hermetismo.
Na 2ª Vara do Trabalho de Natal (RN), temos utilizado, com bons resultados, essa técnica, que me parece harmonizar, de forma mais ampla e efetiva, a introdução das tecnologias da informação no terreno do processo judicial, considerando as múltiplas possibilidades que a conectividade nos proporciona.
Com seu uso, as situações que resultam em publicação de editais se tornaram rarefeitas, sem que isso trouxesse diretamente qualquer aumento de custos para o Poder Judiciário. Quanto ao fator tempo, ganhou-se igualmente, já que os prazos editalícios são de geralmente 20 dias, ao passo em que a citação postal, no endereço atualizado do réu ou de seus sócios/representantes legais, apenas exige que se observe o prazo mínimo de cinco dias até a audiência porventura designada (art. 841, CLT).
Essa experiência indica necessidade de assegurar a eficácia do sistema processual nessa fase de construção de novos procedimentos, muitos deles levados a efeito em ambiente virtual.
Em realidade, trata-se de um grande desafio para os atores do processo, desafio esse que deve ser visto, contudo, como uma oportunidade de desenvolver ajustes e soluções processuais que assegurem a higidez da principiologia que orienta o processo, trazendo segurança e equilíbrio para todos.

[1] No Processo do Trabalho, cf., por todos, BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas, ‘Processo eletrônico na Justiça do Trabalho’. In CHAVES, L. A. Curso de processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2ª. ed., 2012, p. 743 e ss.
[2] Art. 841, parágrafo 1º (CLT): “A notificação será feita em registro postal com franquia. Se o reclamado criar embaraços ao seu recebimento ou não for encontrado, far-se-á a notificação por edital, inserto no jornal oficial ou no que publicar o expediente forense, ou, na falta, afixado na sede da Junta ou Juízo”.
[3] Essa questão da vedação de citação por edital no rito sumaríssimo envolve certa complexidade, em face dos preceitos fundamentais do processo, e também quanto às alternativas possíveis ao bloqueio legal ao edital. Trata-se de tema, no entanto, que merece abordagem própria que, em breve, procurarei trazer ao leitor da ConJur.
Luciano Athayde Chaves é Juiz do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Natal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2014

MARCO CIVIL DA INTERNET PREJUDICA SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL

Marco Civil da Internet prejudica solução extrajudicial

 
 
Ao navegar na internet seja acessando uma rede social qualquer, ou visitando um site de vídeos públicos, não é incomum depararmos com materiais que possam ser nocivos ou lesivos à imagem e reputação de qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica.
Tomemos aqui o fictício exemplo de Zé Bonito, modelo e assíduo usuário de famosa rede social na internet, quem toma conhecimento de que seu desafeto, Antonio Boa Praça, passou a espalhar mensagens ofensivas à sua pessoa, denegrindo sua boa aparência e reputação.
Diante desta situação bastante grave (e nada incomum) Zé Bonito, hoje, poderia simplesmente encaminhar uma notificação, ou um comunicado qualquer (que poderá ser feito até mesmo por e-mail), denunciando à rede social o conteúdo lesivo, que, sob pena de tornar-se solidariamente responsável ao seu autor (Antonio Boa Praça), caso não remova o conteúdo ilegal.
Lembra-se, inclusive, que este é um procedimento não apenas adotado por consumidores pessoas físicas, usuários das redes sociais, lesados por algum conteúdo ofensivo à sua pessoa, mas também por empresas de todos os ramos e portes, seja no combate a campanhas publicitárias ilícitas, seja ao comércio de produtos falsificados ou violadores de direito autoral.
Ou seja, ante a forte presença da jurisprudência em estender a responsabilidade também ao provedor de acesso ao conteúdo ilícito, quando notificado e inerte, tem-se que hoje, está-se diante uma solução rápida e, acima de tudo, não litigiosa, visto que o problema se verá solucionado sem intervenção judicial, ao menos em um primeiro momento.
Todavia, com o advento do Projeto de Lei 2.126/2011, também conhecido como Marco Civil da Internet, o qual se encontra em vias de votação na Câmara dos Deputados, esta possibilidade de ágil e extrajudicial solução de conflitos, ver-se-á completamente prejudicada, em evidente retrocesso ao sistema de proteção e defesa do consumidor (seja ele usuário da rede social, ou não, afinal, não podemos esquecer aqui da figura do consumidor bystander previsto no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor).
Isso porque, se aprovado como está, o artigo 15 do projeto apenas tornará responsável o provedor de aplicações de internet (leia-se aqui o buscador, a rede social, o site intermediário de ofertas individuais ou coletivas e qualquer outro que provenha algum tipo de conteúdo na internet) caso recuse-se à remoção do conteúdo nocivo após ordem judicial expressa neste sentido.
Além da óbvia necessidade de submissão de qualquer caso ao litígio, haverá um evidente acúmulo de demandas junto ao Poder Judiciário, afinal, a solução extrajudicial pela via da notificação (largamente utilizada, diga-se de passagem) perderá quase que qualquer efeito prático.
Sem o descumprimento da ordem judicial, nenhuma responsabilidade recairá sobre o provedor de acesso que, evidentemente, não terá incentivo algum em resolver a questão brevemente.
Vale lembrar que o artigo 3º, do projeto em análise que elenca os princípios para uso da Internet no Brasil, em seu inciso V, traz a necessidade de se estimular o uso de boas práticas, o que torna incompatível, e porque não dizer incoerente o artigo 15 ao projeto de lei ao qual faz parte.
Afinal, e aqui se pergunta ao legislador brasileiro: Que espécie de estímulo à adoção de boas práticas está presente na limitação de responsabilidade do provedor de aplicações de Internet (responsável por dar dimensão ao ato lesivo) ao ponto de compeli-lo a remover um conteúdo ofensivo apenas por intermédio de um litígio?
Não se deve esquecer que a obrigação à judicialização, além de comungar com a superlotação do já saturado Poder Judiciário (centenas de notificações de empresas e pessoas físicas visando à remoção de conteúdos ilícitos são emitidas diariamente), retardará e muito a solução do problema.
A finalização de uma demanda judicial pode ultrapassar uma década em alguns estados brasileiros, sendo que mesmo uma decisão liminar pode levar tempo demais a ser proferida tornando o dano simplesmente irreparável! Afinal, se a mensagem, ou vídeo, ofensivo não for imediatamente removido, seu teor já terá sido visualizado por uma grande coletividade, ao passo que qualquer medida reparadora não terá efeito prático algum! No mais das vezes (e sob um aspecto ideal\mundo do dever-ser) deve-se trabalhar com a idéia de prevenção e não simplesmente com a idéia de reparação.
Não é demais lembrar que em conformidade com o projeto discutido, o uso da Internet no Brasil carrega como um de seus fundamentos o respeito a defesa do consumidor, e o mesmo questionamento aqui se faz: Como se defenderá o consumidor se a prevenção de sua boa imagem e interesses depender, irremediavelmente, da atuação do Poder Judiciário? Onde está o princípio da facilitação da defesa do consumidor decorrente de sua vulnerabilidade (art. 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor)?
O retrocesso do Marco Civil da Internet, neste aspecto, é premente e evidente, devendo seu artigo 15 ser suprimido de seu texto final ante a sua completa incoerência aos princípios e fundamentos do próprio projeto de lei ao qual faz parte, não se esquecendo, também que a própria Constituição Federal que traz a defesa do consumidor como direito fundamental em seu artigo 5º, XXXII, o que tornaria o mencionado dispositivo inconstitucional.
Faz-se necessária, portanto, uma reflexão, antes que seja tarde...
 
Fernando Henrique Rossi é advogado especialista em direito do consumidor e direito na internet do escritório Emerenciano, Baggio & Associados.
Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2014

terça-feira, 18 de março de 2014

EDIÇÃO DE SÚMULAS NA SEGUNDA INSTÂNCIA ESTÁ LONGE DO IDEAL

Edição de súmulas na segunda instância está longe do ideal

 
A edição de súmulas nos tribunais de 2ª instância, além de não ter uniformidade, está longe do ideal. Este é o resultado de uma pesquisa feita por alunos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), publicada no site do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).
Segundo a pesquisa, novas súmulas nos tribunais de segunda instância contribuiriam para maior segurança jurídica e uma Justiça mais célere e eficiente. Enquanto alguns tribunais se destacam pela boa quantidade de súmulas, outros não têm nenhuma súmula editada.
“Por exemplo, o Tribunal de Justiça da Bahia, apesar da importância econômica e social do estado, não possui uma súmula sequer. Já o Tribunal de Justiça do Amapá, apesar de ser de menor tamanho, tem sua jurisprudência consolidada em 14 súmulas, o que é positivo”, diz a pesquisa.
"O ideal seria os tribunais estarem permanentemente atentos à evolução de sua jurisprudência. Assim que definissem sua posição a respeito de determinado assunto, principalmente os que apresentam causas repetitivas, editariam uma súmula", afirma o desembargador aposentado Vladimir Passos de Freitas, orientador do trabalho. 
A pesquisa levantou a quantidade de súmulas editadas pelos tribunais de segunda instância do país: tribunais de justiça dos estados, tribunais regionais do trabalho, tribunais regionais federais e tribunais de justiça militar nos estados. 
Os tribunais de justiça que mais editaram súmulas são o TJ-RJ, com 299, seguido pelo TJ-MG, com 197. Na terceira posição, um empate entre dois tribunais de tamanhos diferentes: o TJ-SP e o TJ-SE têm 115 súmulas editadas, cada um. Do outro lado, nove tribunais de justiça ainda não editaram súmulas. Entre eles estão os TJs do Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Tocantins, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Roraima. 
Os tribunais regionais federais também foram objeto de análise no estudo. Em 1990, o TRF da 3ª Região foi primeiro a editar uma súmula. Entretanto, de lá pra cá, pouco evoluiu e hoje conta com 35 súmulas. A liderança no grupo é do TRF-4, que tem 79 súmulas editadas, mas desde 2009 não aprova nenhuma. O TRF-2 tem 59 súmulas editadas e o TRF-1, “apesar de ter 13 estados sob sua jurisdição, tem apenas 40 súmulas”. Por último, o TRF-5 tem apenas 20 súmulas.
Já nos Tribunais Regionais do Trabalho, o TRT-4 (RS) e o TRT-12 (SC) foram os que editaram mais súmulas, ambos com 48 em vigor. Há três deles sem nenhuma súmula: TRT-16 (MA), TRT-19 (AL) e TRT-21 (RN). A pesquisa mostra o TRT da 22ª Região (Piauí) como uma boa supresa: "apesar de seu pequeno porte, possui 24 súmulas editadas”. Nos tribunais de justiça militar estaduais, o TJM-MG lidera com sete súmulas, o TJM-SP editou uma súmula, enquanto o TJM-RS não tem nenhuma.
O estudo mostra também que não há preocupação nos tribunais em editar súmulas em matéria de Direito Ambiental. O TRF-2 é o único com uma súmula sobre a matéria, que reconhece  a competência da Justiça Estadual, como regra geral, nos crimes ambientais, e a da Justiça Federal quando praticados contra bens da União, suas empresas públicas ou autarquias.
Clique aqui para ler o estudo na íntegra.
Veja abaixo quantas súmulas foram editadas em cada tribunal e o link para acessá-las. 
Tribunais de Justiça
TribunalTotalPrimeira súmula Última súmula Link
TJ-ACnão possui súmulas
TJ-ALnão possui súmulas
TJ-AP1417/05/200008/04/2013clique aqui
TJ-AMnão possui súmulas
TJ-BAnão possui súmulas
TJ-CE3202/12/200413/12/2007clique aqui
TJ-DF2120/06/199622/09/2003clique aqui
TJ-ES1010/12/200921/11/2011clique aqui
TJ-GO614/03/200712/09/2012clique aqui
TJ-MAnão possui súmulas
TJ-MG19710/12/200212/09/2008clique aqui
TJ-MT1não localizadanão localizadaclique aqui
TJ-MSnão possui súmulas
TJ-PA11não localizada19/08/2013clique aqui
TJ-PB4107/08/199414/11/2001clique aqui
TJ-PR4720/06/197722/12/2012clique aqui
TJ-PE10915/05/200702/10/2009clique aqui
TJ-PI6não localizadanão localizadaclique aqui
TJ-RJ29927/04/197615/07/2013clique aqui
TJ-RN112/06/201312/06/2013clique aqui
TJ-RS4317/05/198424/10/2013clique aqui
TJ-RO9não localizadanão localizadaclique aqui
TJ-RRnão possui súmulas
TJ-SC2522/11/197819/11/2010clique aqui
TJ-SP115não localizadanão localizadaclique aqui
TJ-SE11507/10/200524/07/2013clique aqui
TJ-TOnão possui súmulas
 
Tribunais Regionais Federais
TribunalTotalPrimeira súmulaÚltima súmulaLink
TRF-14011/12/199003/06/2013clique aqui
TRF-25921/06/199010/05/2012clique aqui
TRF-33503/05/199021/10/2010clique aqui
TRF-47902/10/199126/05/2009clique aqui
TRF-52014/08/199126/09/2012clique aqui
  
Tribunais Regionais do Trabalho
TribunalTotalPrimeira súmulaÚltima súmulaLink
TRT-1 (RJ)4321/05/200930/10/2013clique aqui
TRT-2 (SP)1528/06/200226/08/2013clique aqui
TRT-3 (MG) 33 (destas, foram canceladas as Súmulas 1, 3, 8, 9, 12, 13, 20, 21, 22, 26) 11/08/200513/11/2013clique aqui
TRT-4 (RS) 60 (destas, foram canceladas as Súmulas 2, 5, 6, 7, 9, 17, 19, 20, 24, 33, 34, 44)08/06/199218/11/2013clique aqui
TRT-5 (BA) 4326/10/200129/07/2013clique aqui
TRT-6 (PE) 1822/07/200013/11/2013clique aqui
TRT-7 (CE) 115/10/200815/10/2008clique aqui
TRT-8 (PA/AP) 21 (destas, a Súmula 15 foi cancelada)05/08/201010/07/2013clique aqui
TRT-9 (PR) 18 (destas, a Súmula 1 foi cancelada) 10/07/199103/05/2012clique aqui
TRT-10 (DF/TO) 42 (destas, a Súmula 9 foi cancelada).16/03/200029/01/2010clique aqui
TRT-11 (RR/AM) 726/03/201001/10/2012clique aqui
TRT-12 (SC) 51 (destas, foram canceladas as Súmulas 8, 19 e 21)30/05/200118/12/2013clique aqui
TRT-13 (PB)17 (destas, foram canceladas os Verbetes 4 e 8)11/12/200308/02/2013clique aqui
TRT-14 (RO) 315/12/200808/01/2008clique aqui
TRT-15 (Campinas)30 (destas, foram canceladas as Súmulas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 28 e 29)25/11/201001/10/2012clique aqui
TRT-16 (MA) não possui súmulas
TRT-17 (ES) 1709/06/201006/08/2013clique aqui
TRT-18 (GO) 2517/10/201227/09/2013clique aqui
TRT-19 (AL)não possui súmulas
TRT-20 (SE)1419/04/200517/05/2011clique aqui
TRT-21 (RN)não possui súmulas
TRT-22 (PI) 2412/06/200712/06/2013clique aqui
TRT-23 (MT)8 (destas, foi cancelada a Súmula 1)30/04/200712/11/2013clique aqui
TRT-24 (MS)810/09/200815/08/2012clique aqui
  
Tribunais de Justiça Militar
TribunalTotalPrimeira súmulaÚltima súmulaLink
TJM-MG7não localizada03/04/2013clique aqui
TJM-RSnão possui sumulas
TJM-SP104/05/200504/05/2005clique aqui
 
 
Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 18 de março de 2014

quarta-feira, 12 de março de 2014

quarta-feira, 5 de março de 2014

O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO COMPARADO NOS SÉCULOS XIX E XX

Desenvolvimento do Direito Comparado nos séculos XIX e XX

 
O Direito Comparado pode assumir a forma de uma disciplina científica, uma matéria autônoma ou de um método de estudo dos ordenamentos jurídicos. Sobre esse ponto, há enormes divergências. Suas origens “oficiais” remontam ao século XIX, embora desde sempre a comparação — ainda que destituída de método ou do rigor que se tornou vulgar exigir nos últimos dois séculos — tenha sido utilizada pelos juristas em seus escritos. A esse propósito, como anota Ernesto Leme, a coleta de materiais e fontes jurídicos é uma prática que remonta ao século V d.C. No entanto, Anselm Feuerbach (1775-1833) possui a primazia de haver lançado “de fato os fundamentos da Ciência do Direito Comparado”.[1]
Nos séculos XIX e XX, grandes comparatistas deram outra dimensão ao Direito Comparado. Vejam-se alguns desses nomes e suas respectivas contribuições. Famosíssimo pela frase sobre a passagem da era do status para a do contrato, o inglês Henry James Sumner-Maine (1822-1888) foi o regente da primeira cátedra de Direito Comparado, instituída em 1869, na Universidade de Oxford.
O austro-húngaro Ernst Rabel (1874-1955), a quem já se dedicou uma coluna (clique aqui para ler), foi outro grande nome do Direito Comparado e um dos responsáveis pela reabertura da Alemanha à cooperação acadêmico-jurídica no primeiro pós-guerra. Desde 1926, ele assumiu a direção do Kaiser-Wilhelm-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Instituto Imperador Guilherme de Direito Comparado [literalmente, Estrangeiro] e Privado Internacional), que é o atual Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Privado Internacional), cuja sede fica em Hamburgo, e que é o mais importante centro de comparação jurídico-privatística da Europa na atualidade. Rabel deixou como herança o (a) desenvolvimento do método funcional, o mais utilizado até hoje pelos comparatistas alemães e (b) a inspiração teórica para Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias.
Pierre Arminjon, Barão Boris Nolde e Martin Wolff também ocupam posição de enorme relevo no Direito Comparado, graças a seu monumental Traité de Droit Comparé, editado pela francesa LGDJ, em Paris, no ano de 1950.[2] É raro um livro jurídico brasileiro, que trate de Direito Comparado, e não cite esses três autores. Parece ser interessante dizer algumas palavras sobre suas vidas.
Paul Pierre Henri Arminjon (1869-1960), de uma antiga família de origem savoiana, foi professor extraordinário (1934-1937) e catedrático (1937-1939) de Direito Civil Comparado e de Direito Internacional Privado na Universidade de Lausana, na Suíça. Exerceu grande influência intelectual no Egito, onde lecionou na Universidade do Cairo.
Martin Wolff (1872-1953), alemão de origem judaica, foi professor de Direito Civil, Direito Comercial e Direito Internacional Privado na Friedrich-Wilhelms-Universität, atualmente Humboldt-Universität zu Berlin. Suas aulas eram extremamente populares e sua docência muito respeitada na Alemanha. Com a chegada dos nazistas ao poder, sua permanência na universidade foi interrompida. Ele terminou demitido do serviço público, juntamente com Ernst Rabel e Hans Kelsen. Em 1938, Wolff emigrou para o Reino Unido, onde se tornou professor em Oxford. É de 1945 seu clássico Private International Law. Wolff, todavia, é mais conhecido no Brasil por sua coautoria do famoso Tratado de Direito Civil alemão, escrito com Ludwig Enneccerus e Ludwig Enneccerus.
O Barão Boris Emmanuilovich Nolde (1876-1948), cujo retrato pode ser visto aqui foi professor na Universidade de Petrogrado. Nolde foi ministro do governo provisório de Kerensky, derrubado pela Revolução de Outubro de 1917, que instaurou o regime comunista em seu país e deu origem à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Nolde é autor de obras não-jurídicas de grande acolhida nos meios históricos e econômicos, como o “O antigo regime e a revolução russos”, “O reino de Lênin” e “A formação do Império Russo”. O barão Nolde também integrou a Corte Permanente de Arbitragem na Haia. Ele faleceu quando as provas do Traité já se encontravam na editora.
Deve-se a Arminjon-Nolde-Wolff a divisão dos sistemas jurídicos contemporâneos em “sete famílias”, a saber: francesa (tomando-se como ponto de convergência a utilização do Código Napoleão como modelo normativo); alemã; escandinava; inglesa; soviética; islâmica e hindu.[3]
René David (1906-1990) é outro clássico do Direito Comparado do século XX. Suas principais obras possuem tradução para o português e são bastante conhecidas do público brasileiro.[4] A trajetória acadêmica de René David merece algumas referências, a partir das notas biográficas de William Jeffrey Jr:[5] David iniciou sua carreira docente em 1929, na Universidade de Grenoble. Na Segunda Guerra Mundial, René David serviu no Exército francês. Em 1943, assumiu cátedra na Faculdade de Direito da Universidade de Paris, tendo-se aposentado nos anos 1970, quando lecionava na Universidade de Aix-en-Provence (1968-1976). Nos anos 1930, René David atuou no Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado.
A classificação de René David dos sistemas e famílias compreende os direitos ligados à tradição romano-germânica, a Common Law, além do hoje extinto Direito soviético e de outros direitos que se caracterizam por sua natureza sui generis, como o hindu, o chinês e o judaico.
O civilista francês Henri Capitant (1865-1937) também merece um lugar de honra no comparatismo do século XX. De entre suas obras mais relevantes encontram-se o Curso elementar de Direito Civil francês, escrito com Ambroise Victor Charles Colin, que se tornou conhecido como o Cours Colin-Capitant.[6] Seu livro Da causa das obrigações[7] foi um marco no estudo da causa no Direito Civil, tendo inspirado autores brasileiros da segunda metade do século XX, como Antonio Junqueira de Azevedo e Arnoldo Wald. A maior contribuição de Capitant, que foi professor nas universidade de Grenoble e de Paris, não foi propriamente ao método ou desenvolvimento teórico do Direito Comparado e sim permitir o florescimento de estudos comparatistas no Direito Civil, por meio da Association Henri Capitant (atualmente denominada Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française [Associação Henri Capitant dos Amigos da Cultura Jurídica Francesa]. Com seções em dezenas de países, a Associação Henri Capitant realiza encontros anuais de seus membros – as Jornadas Internacionais -, que consistem na apresentação de relatórios temáticos sobre o estado-da-arte de instituições e figuras jurídicas nas nações dos integrantes da associação. Posteriormente, publicam-se as atas desses encontros, que se transformam em riquíssima fonte para estudos de Direito Comparado e Direito estrangeiro.[8]
Konrad Zweigert (1911-1996) e Hein Kötz (1935-) integram a lista de autores mais influentes no Direito Comparado da segunda metade do século XX. Zweigert, já falecido, foi juiz do Tribunal Constitucional Federal e professor de Direito Comparado e Internacional Privado na Universidade de Hamburgo. De 1963 a 1979, dirigiu o Max-Planck-Instituts für ausländisches und internationales Privatrecht, tendo sido vice-presidente da Sociedade Max-Planck no período de 1967-1978.[9] Hein Kötz dirigiu o Instituto Max-Planck de Hamburgo no período de 1978 até 2000, tendo sido professor nas universidades de Constança e Hamburgo, além de ter ocupado o cargo de juiz do Tribunal Regional de Karlsruhe.
Seu livro Introdução ao Direito Comparado, [10] que é mais conhecido por sua versão em inglês,[11] tornou-se um “clássico contemporâneo”. Seus autores mantiveram-se fiéis ao legado de Ernst Rabel, ao tempo em que conseguiram posicionar o Direito Comparado nos grandes debates sobre a uniformização, a comunitarização e a europeização do Direito.
O nome de Reinhard Zimmermann (1952-), atual diretor do Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Privado Internacional de Hamburgo e presidente da prestigiosa Associação de Professores de Direito Civil da Alemanha, transcende o século XX e coloca-se hoje como um dos grandes comparatistas de nosso tempo. Além dessas importantes funções acadêmicas, Zimmermann é catedrático da Universidade de Ratisbona e, nos anos 1980, lecionou na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul.
Dentre seus textos mais importantes encontra-se O Direito das Obrigações, escrita em inglês, inicialmente publicado na Cidade do Cabo em 1990. Trata-se de um monumental estudo sobre as relações obrigacionais, que combina elementos romanísticos e civilísticos, tanto da tradição romano-germânica quanto da tradição anglo-saxã.[12] Deve-se citar também O novo Direito das Obrigações alemão[13], no qual o leitor pode encontrar um exame isento do polêmico processo de reforma do Código Civil alemão, que contou com a oposição de muitos catedráticos de Direito Civil da Alemanha.
Com obras traduzidas nos mais diversos idiomas e com doutorados honorários em 9 universidades, Zimmermann é um nome que conseguiu ultrapassar as fronteiras do Direito, o que se comprova pelo reconhecimento que ele teve na África do Sul por seu compromisso com a restauração do estado de direito naquele país durante o apartheid. E, ainda, por haver ele sido a inspiração para a personagem Moritz-Maria von Igelfeld, do livro “Verbos irregulares portugueses”, primeiro volume da trilogia “Os 2 ½ Pilares da Sabedoria”, do autor escocês Alexander McCall Smith.
Ao lado de Jürgen Basedow (1949-) e Holger Fleischer (1965-), Zimmermann tem sido responsável pelo fortalecimento das ligações do Instituto Max-Planck com a América Latina. Atualmente, a bela tradição de Jürgen Samtleben (1937-) é conduzida por juristas mais jovens como Jan Peter Schmidt e Tilman Quarch, ambos pesquisadores do Max-Planck e com produções de relevo para a cultura jurídica brasileira.[14]
Na próxima coluna, prosseguir-se-á neste tema, com enfoque na perspectiva lusobrasileira.

[1] LEME, Ernesto. Direito Civil comparado. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo,v. 55, p. 59-70, 1960. p.59.
[2] O tomo primeiro do tratado está disponível em sua íntegra no seguinte endereço: http://digitalcommons.law.scu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1007&context=monographs. Acesso em 4-3-2014.
[3] ARMINJON, Pierre; NOLDE, Barão Boris; WOLFF, Martin. Traité de droit comparé.Paris: LGDJ, 1950. v.1. p. 49-54.
[4] DAVID, René. Os Grandes sistemas do direito contemporâneo.Tradução Hermínio A. Carvalho. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (A edição francesa possui esta referência, tendo-se incluído o nome de uma coautora, responsável pela atualização da obra: DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSA, Camille. Les grands systèmes de droit contemporains. 11. éd. Paris: Dalloz, 2002); DAVID, René. O direito inglês. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006).
[5] WILLIAM JR., Jeffrey. René David: An introduction. U. Cin. Law Review, n. 124, v. 52, 1983. p.124.
[6] Há sucessivas edições do Cours élémentaire de droit civil français, editado em Paris, pela Dalloz, em três volumes, desde 1915.
[7] CAPITANT, Henri. De la cause des obligations (Contrats, Engagements unilatéraux, Legs). 3 ed. Paris: Dalloz, 1927.
[8] São exemplos desses relatórios os seguintes textos, apresentados por autores brasileiros: JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Relatório brasileiro sobre revisão contratual apresentado para as Jornadas Brasileiras da Associação Henri Capitant. In. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Novos estudos e pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 182-198; TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. O extremo da vida : eutanásia, accanimento terapeutico e dignidade humana. Revista Trimestral de Direito Civil: RTDC, v. 10, n. 39, p. 3-17, jul./set. 2009 (Jornada de 2009); TACITO, Caio. Responsabilidade do Estado e dos organismos públicos em razão da direção do crédito e da supervisão dos estabelecimentos de crédito.In. Temas de direito público. Rio de Janeiro : Renovar, 1997. p. 1145-1151, v. 2 (Jornada de 1984); SOARES, Guido Fernando Silva. A eficácia das decisões judiciais em direito internacional privado. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 12, n. 46, p. 209-220, out./dez. 1988 (Jornada de 1985).
[9] Há um completo estudo biográfico sobre Konrad Zweigert publicado em: DROBNIG, Ulrich. Konrad Zweigert (1911 - 1996). In. GRUNDMANN, Stefan; RIESENHUBER, Karl (Hrsg). Deutschsprachige Zivilrechtslehrer des 20. Jahrhunderts in Berichten ihrer Schüler. Eine Ideengeschichte in Einzeldarstellungen. Berlin: De Gruyter, 2007. v.1 p. 90 e ss.
[10] ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. Einführung in die Rechtsvergleichung. 3. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck, 1996.
[11] ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. Introduction to Comparative Law. Tradução de Tony Weir. 2. ed., rev. Oxford: Claredon Press, 1992.
[12] ZIMMERMANN, Reinhard. The law of obligations: Roman foundations of the civilian tradition. Oxford: Oxford University Press, 1999.
[13] ZIMMERMANN, Reinhard. The new German law of obligations: Historical and comparative perspectives. Oxford: Oxford University Press, 2005.
[14] Para maiores detalhes sobre esse tema, sugere-se a leitura de: A influência do BGB e da doutrina alemã no Direito Civil brasileiro do século XX. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 938, p. 79-155, dez. 2013. Disponível em: http://www.direitocontemporaneo.com/wp-content/uploads/2014/01/A-Influ%C3%AAncia-do-BGB-e-da-Doutrina-Alem%C3%A3-no-Direito-Civil-Brasileiro-do-S%C3%A9culo-XX.pdf
Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.
Revista Consultor Jurídico, 5 de março de 2014

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