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terça-feira, 23 de junho de 2015

"Judiciário precisa ser realmente o último recurso da cidadania"








Quem acompanha o Superior Tribunal de Justiça há mais de cinco anos percebe que o tribunal vem mudando. Deixou de agir apenas reativamente e passou a cuidar dos próprios problemas, principalmente por meio de soluções "caseiras". Um dos representantes desse recente movimento é o ministro Luis Felipe Salomão.

No tribunal desde 2008, o ministro reúne características paradoxais: é dos mais jovens da corte, mas um dos mais experientes. Faz parte de uma composição considerada antiga, mas também integra uma geração de ministros preocupados com medidas administrativas de gestão. Não por acaso é dos ministros que mais afeta recursos como representativos de controvérsia — ou como repetitivos. Também é dos principais formadores de jurisprudência da 2ª Seção do STJ, a que trata de matérias de Direito Privado.

E não só, mas principalmente por conta dessas qualidades é que Salomão foi o presidente da comissão de juristas que escreveu a reforma de Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) e o anteprojeto do primeiro Marco Legal da Mediação do Brasil. São duas formas de trazer ao país, ao mesmo tempo, agilidade e segurança jurídica.

No primeiro caso, foi “uma façanha” seguida por um balde de água fria. O Congresso Nacional aprovou o projeto tal qual o recebeu da comissão de juristas. Só que a Presidência da República vetou dois avanços importantes para a arbitragem brasileira: a possibilidade de juízo arbitral para relações de consumo ligadas a contratos de adesão e para causas trabalhistas. Em ambas as situações, teria de ser provocada pela parte em tese hipossuficiente.

Mas o ministro garante que há motivos para comemorar. “Os avanços foram muitos. A arbitragem sai fortalecida como uma solução extrajudicial importante. E neste momento de retomada da economia, de fluxo de contratos mais intensos, a arbitragem tende a ser, com esse novo mecanismo legal, muito mais explorada e a crescer com bastante segurança no Brasil.”

Já no caso da mediação, o ministro elogia o trabalho do Congresso. Os parlamentares tiveram de trabalhar com três projetos ao mesmo tempo: um de autoria do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que tratava da mediação extrajudicial e muito timidamente da mediação judicial; um do Ministério da Justiça, que falava só de mediação judicial; e um da comissão de juristas, que era voltado para a mediação extrajudicial.

Os méritos, segundo Salomão, são do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e do deputado Sergio Zveiter (PSD-RJ). O primeiro condensou os três textos e o segundo os adequou ao novo Código de Processo Civil, que acabara de ser aprovado quando o projeto sobre mediação chegou à Câmara dos Deputados.

Mas se a mediação é a promessa de desafogar o Judiciário, ela ainda deve percorrer um longo caminho e enfrentar velhos dogmas. Cerca de 40% dos 100 milhões de processos em trâmite no país são de autoria do Poder Público. E a imensa maioria deles é de execuções fiscais. Não podem ser resolvidos por mediação, portanto. 

“Esse é um ponto de interrogação”, reconhece Salomão. “Vamos precisar desafiar a aplicação da lei”, afirma, para arrematar: “O que eu estou querendo dizer é que para a aplicação da lei, o céu é o limite”.

Nesta segunda-feira (22/6), o ministro participa do lançamento do livro "Arbitragem e Mediação", do qual é coordenador, com o advogado Caio Rocha, na sede da Associação dos Advogados de São Paulo. Com os demais autores do anteprojeto recentemente aprovado pelo Congresso, Salomão dará palestra a partir das 19h seguida de sessão de autógrafos.

Leia a entrevista:

ConJur — A primeira coisa que chamou atenção nas mudanças na Lei de Arbitragem foram os vetos. O que o senhor achou disso?
Ministro Luís Felipe Salomão — Foi bastante curioso. Fizemos centenas de audiências públicas no âmbito da Comissão de Juristas e depois dezenas de audiências públicas tanto no Senado quanto na Câmara. Foi um projeto que saiu e voltou íntegro, o que foi quase uma façanha. Ele saiu da Comissão de Juristas, passou pelo Senado, passou pela Câmara, voltou para o Senado e ficou íntegro. Ninguém da ala dos consumidores apareceu para dizer que não concordava, ninguém da área trabalhista disse que não concordava. Foram ouvidos centenas de depoimentos, ninguém discordou daquela fórmula.

ConJur — Institutos disseram que a arbitragem em relações de consumo iria colocar os consumidores em situação de fragilidade.
Luís Felipe Salomão — Mas tinha que ser por provocação do próprio consumidor. A sistemática que propusemos não estabelece a arbitragem para todos os contratos de consumo. A arbitragem já pode ser utilizada para consumo, a nova lei tratava dos contratos por adesão, colocando a cláusula em negrito, com destaque, e deixando ao critério do consumidor provocar arbitragem quando ela fosse necessária para ele. E uma vez instalado o juízo arbitral, ele dizer se concorda ou não. O consumidor não poderia dizer previamente que não concorda. Ele seria intimado no momento da instalação para dizer, só nesse momento, se quer ou não.

ConJur — E qual era a reclamação?
Luís Felipe Salomão — Diziam que se poderia afastar o Código de Defesa do Consumidor. Mas isso é um absurdo, evidentemente ninguém pode afastar o CDC. Aí, sim, se colocaria o consumidor numa posição de inferioridade. Mas seria uma arbitragem nula, e a sentença que se procedesse dessa forma seria anulada pelo Judiciário.

ConJur — Na parte trabalhista, o veto veio do próprio governo, não foi?
Luís Felipe Salomão — Veio do Ministério do Trabalho, que até então nunca tinha aparecido para dizer nada. A única questão que se dizia era: "Não tem lei que autorize a arbitragem nos contratos individuais". Ora, se você estabelece na lei, passa a superar esses problemas. E ainda se tomou o cuidado de, nos contratos individuais, só valer a arbitragem para cargos de alta hierarquia dentro da empresa, como um CEO, ou alguém que seja um diretor importante. Para o CEO, evidentemente a arbitragem pode ser interessante. Ele não vai estar em nível de inferioridade na hora que celebrar o seu contrato de trabalho.

ConJur — Nas razões de veto, apontou-se que a lei poderia criar duas categorias de trabalhador.
Luís Felipe Salomão — É, do ponto de vista jurídico, é bastante contestável. Eu acho que os fundamentos são menos de ordem jurídica e mais de ordem política. Talvez neste momento, politicamente, não seja interessante encaminhar essa questão.

ConJur — E seria também por provocação do trabalhador, não é?
Luís Felipe Salomão — Teria o mesmo sistema de gatilho. Mas ainda aguardamos serenamente a posição do Congresso quanto aos vetos. Claro que há certa frustração com esses dois vetos, mas acredito que temos muitos motivos para comemorar. Os avanços foram muitos. A arbitragem sai fortalecida como uma solução extrajudicial importante. E neste momento de retomada da economia, de fluxo de contratos mais intensos, a arbitragem tende a ser, com esse novo mecanismo legal, muito mais explorada e a crescer com bastante segurança no Brasil.

ConJur — Como ficou aquela questão de medida cautelar para garantir a arbitragem?
Luís Felipe Salomão — É o Judiciário conceder uma medida cautelar para garantir que a arbitragem seja instalada. Ficou definido assim, também na lei, porque não se sabia exatamente em que momento cessava a competência do Judiciário quando havia o compromisso arbitral. Agora, uma vez instalada a arbitragem, a competência é passada ao árbitro. O árbitro que consegue a cautelar cessa efetivamente a competência do Judiciário.

ConJur — Outra grande discussão é sobre a divulgação da jurisprudência arbitral, ou das teses ali definidas.
Luís Felipe Salomão — A arbitragem é confidencial. Esse é um ponto interessante, de como é feita a divulgação das decisões. Tem que respeitar a confidencialidade, mas a tese, o extrato da tese jurídica, pode muito bem ser compilado pelas câmaras arbitrais. Algumas já fazem isso por meio de compilações, resguardando o sigilo de quem participou, mas a tese jurídica é possível de ser exposta. Mas nisso a lei não mexe.

ConJur — Cada câmara resolve como faz?
Luís Felipe Salomão — Isso, cada câmara se autorregula. Outro ponto importante que a lei tratou foi acabar com a obrigatoriedade de o árbitro estar cadastrado numa lista da câmara, desde que cada uma se responsabilize pelo árbitro. Foi um avanço. A nova lei segue o mesmo padrão da lei anterior, de não engessar. Quanto mais livre a lei deixar, melhor a arbitragem.

ConJur — E a Lei de Mediação, como foi feita?
Luís Felipe Salomão — A opção da Comissão de Juristas foi fazer um projeto de lei que trouxesse um marco legal da mediação extrajudicial. Já havia no Senado, aguardando debate, parado há dois anos, um projeto de lei do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que também tratava da mediação extrajudicial, mas já avançava um pouco na mediação judicial. Também já havia no Ministério da Justiça um projeto, desenvolvido por uma comissão coordenada pelo Flavio Caetano, secretário da Reforma do Judiciário. E eles apresentaram um projeto sobre mediação judicial.

ConJur — Tudo isso ao mesmo tempo?
Luís Felipe Salomão — Concomitante ao nosso trabalho na comissão de juristas. Aí o relator da matéria, que foi o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), juntou os três projetos, pegou o que tinha de melhor em cada um, e formou um único projeto tratando tanto da mediação judicial quanto da extrajudicial. O Senado aprovou e foi para a Câmara, onde o relator foi o deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ).

ConJur — Lá foi mantido o que saiu do Senado?
Luís Felipe Salomão — O Sergio Zveiter manteve essa parte extrajudicial como nós propúnhamos, com pequenas alterações, e pegou a parte judicial, que veio do Senado e atualizou conforme o novo Código de Processo Civil. Então ele unificou ainda mais. Por isso é uma lei moderna, é o primeiro marco legal que cuida da matéria no Brasil

ConJur — O que o senhor destaca de positivo na lei?
Luís Felipe Salomão — Destaco alguns pontos. O primeiro deles é a mudança, ou a tentativa de mudança, da cultura. Sem esse eixo nada vai funcionar. Quando estabelecemos um incremento, a mediação como solução extrajudicial, estamos dizendo que ela é importante como alternativa à jurisdição. Mudar a cultura do litígio judicial para uma cultura da solução extrajudicial de autocomposição é muitíssimo importante. Talvez o mais importante dos desafios da lei: sair da cultura litigante para a cultura de composição. Quais foram os pontos da lei mais importantes? O primeiro: toda a causa que admite transação pode ser submetida à mediação, sem limites.

ConJur — A mediação é apontada como uma solução para o assoberbamento do Judiciário, mas o principal litigante do país é o poder público, e o maior litígio do poder público é execução fiscal. Como resolver? Dá pra fazer mediação com execução fiscal?
Luís Felipe Salomão — Esse é um ponto de interrogação. Vamos precisar desafiar a aplicação da lei. Embora seja uma questão tributária e o tributo esteja fora, em linha de princípio, porque tributo pressupõe lei a fixá-lo, se a gente entender o processo de mediação como um processo no sentido mais amplo é possível, sim, o próprio poder público estabelecer câmaras de mediação. O que eu estou querendo dizer é que para a aplicação da lei, o céu é o limite.

ConJur — Como assim?
Luís Felipe Salomão — Porque você pode ter centros de mediação e arbitragem nas câmaras municipais, nos governos de estado, nos Procons, dentro do Judiciário, já existem hoje os Cejuscs. Então, é tudo uma questão de aplicação da lei posterior, mudança da mentalidade. Vai ter esse ponto de interrogação na questão dos executivos fiscais? Vai, mas é um ponto que vai desafiar uma decisão judicial, uma interpretação mais efetiva. Depende da própria vontade política do poder público, da regulamentação da lei, isso tudo pode ampliar o seu escopo.

ConJur — Então isso ainda depende de passar pela jurisprudência de qualquer jeito?
Luís Felipe Salomão — Nesse tópico, sim. O executivo fiscal é um tema a ser construído. Agora, a aplicação da lei carrega uma enorme carga de racionalidade para as demandas judiciais porque a perspectiva de desafogar o Judiciário com ela é muito grande. Pode-se estabelecer a mediação online.

ConJur — Uma crítica ao discurso do desafogamento do Judiciário é que, ao falar isso, o poder público está jogando no jurisdicionado a culpa pela morosidade da Justiça. O discurso faz sentido?
Luís Felipe Salomão — Essa questão obedece a um movimento pendular. Houve uma grande inserção de direitos da cidadania na Constituição de 1988. Saímos de um período autoritário com uma Constituição cidadã. Anos de obscurantismo resultaram numa Constituição na qual se enumeram direitos. É diferente da Constituição dos Estados Unidos, por exemplo, que só tratou de cláusulas genéricas, praticamente de organização do Estado, há uns 200 anos. Aqui, não. Tivemos um período autoritário, alguns períodos autoritários, e a Constituição de 1988 precisou ser enumerativa de direitos. E por isso é que essa afirmação da cidadania se deu por intermédio do Judiciário e o cidadão começou a buscar os seus direitos por meio do Judiciário. Antes da Constituição o chavão era "Vai procurar os seus direitos", era o que mais se ouvia. Depois, com a criação de todo o arcabouço que a Constituição exigiu, com a defesa do consumidor, juizados especiais, o que mais se escuta é “vou te processar!” Então, é uma guinada, um movimento pendular.

ConJur — O Judiciário virou válvula de escape.
Luís Felipe Salomão — O Judiciário assumiu um protagonismo que a Constituição deu a ele de afirmar a cidadania, virou um conduto de cidadania. É bom por um lado, mas qual é o reverso dessa medalha? Era um Judiciário acostumado a lidar com uma quantidade pequena de causas sem estar preparado para essa explosão de direitos, sem ter mecanismos para lidar com essa explosão. Portanto, acredito que estamos caminhando para um meio termo.

ConJur — No sentido de se parar de procurar o Judiciário?
Luís Felipe Salomão — O Judiciário é um poder vital da República? Claro que é! Ê evidente. Eu sou um integrante do Poder Judiciário, juiz de carreira. É difícil achar alguém que acredite mais do que eu na importância do Judiciário para a realização da cidadania. Mas o Judiciário tem que ser acionado de maneira racional. Precisa ser realmente o último recurso da cidadania, mas com soluções extrajudiciais eficientes para o cidadão. São outras portas que ele pode bater sem congestionar aquele conduto, que é um conduto muitíssimo relevante para. E nós estamos caminhando para isso. Respondendo à pergunta inicial: só as soluções extrajudiciais? Não. Claro que não. O Judiciário tem que se autogerir com eficiência. Não aprendemos a lidar com essa explosão de demandas, mas agora temos ferramentas e técnicas de gestão. Agora, com o Marco Regulatório da Mediação, temos de fazer valer a lei.

ConJur — Para uma empresa, tudo é custo. Se financeiramente vale mais a pena manter um processo na Justiça, essa ação é mantida. Se for mais barato fazer acordo, o acordo é feito. Mas como fazer para a mediação valer a pena para uma grande empresa?
Luís Felipe Salomão — O empresário, mais do que ninguém, faz conta. E como ele vai botar um custo na mediação? Simples. A mediação extrajudicial vai abrir um novo mercado profissional. Vamos ter cada vez mais escritórios de advogados, de profissionais da área especializados em mediação. No frigir dos ovos, lá na frente, vai acontecer o que aconteceu com a arbitragem. No começo foram centenas de câmaras, algumas muito fracas, muito ruins, e só sobraram as que realmente são sérias, que realmente funcionam. Com a mediação vai ser a mesma coisa. Se esse mercado funcionar bem, os bancos vão levar para lá as questões bancárias, o consumidor vai se submeter à mediação que resolve rápido o problema dele, as concessionárias de serviço público, de telefonia etc. E aí ele vai preferir ir para a mediação, que resolve os problemas de maneira mais rápida e mais barata. Portanto, o empresário vai calcular: se for eficiente, se funcionar bem, se tivermos mediadores adequadamente preparados, se a mediação online for adequada, se ela estiver funcionando bem, claro que o custo é menor.

ConJur — Porque parece que os três maiores gargalos, as questões fiscais, bancárias e de telefonia, não vão ser resolvidos de maneira simples, já que a lei não pode resolver.
Luís Felipe Salomão — Mas se a lei for bem aplicada, ela vai funcionar para esses três pontos de maneira prévia. Ou seja, vai impedir o entupimento da máquina por meio de uma atuação eficiente dos mediadores. Se houver mudança cultural, se nós nos prepararmos adequadamente para a aplicação da lei, com centros de formação, centros de treinamento, mediadores capacitados, centros sérios, vai ampliar o mercado de trabalho para todo mundo e vai ter um funcionamento adequado para a sociedade. Volto a dizer, tudo depende da forma como se aplicar o marco legal.


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 21 de junho de 2015, 9h30

quinta-feira, 7 de maio de 2015

"Temos grandes doutores do Direito, mas o sistema precisa é de bons gestores"



HORA DA TECNOLOGIA
"Temos grandes doutores do Direito, mas o sistema precisa é de bons gestores"



No aniversário de cinco anos do chamado “processo cidadão”, implantado na 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, o juiz Ali Mazloum decidiu dar uma passo além no projeto. Em abril, ele oficializou a utilização do aplicativo WhatsApp, de troca de mensagens, nos trâmites do processo. O objetivo é dar celeridade à Justiça, concluindo o processo no prazo máximo de dez meses.

Com o aplicativo, o juiz se comunica com advogados, procuradores, testemunhas e réus para lembrá-los da data de audiência, agendar consultas aos autos ou retiradas de certidões e alvarás.

O método é elogiado por alguns e criticado por outros. Para Mazloum, no entanto, está claro que o sistema de Justiça precisa sofrer mudanças profundas, que necessitam da tecnologia: “O Judiciário não consegue enxergar que está na hora de investir nos juízes, mas na área de TI, na área de gestão. É isso que vai tirá-lo do lugar onde está. Se você continuar fazendo sempre a mesma coisa você vai continuar obtendo sempre o mesmo resultado.”

A vara em que atua tem uma média de 270 processos em andamento. Em 90% dos casos, conta Mazloum, são encerrados em até dez meses, como previsto no processo-cidadão.

Apesar de se considerar um juiz pragmático, Ali Mazloum publicou cinco livros – quatro na área jurídica e outro sobre liderança e negócios. Recentemente concluiu mestrado sobre reserva de jurisdição na investigação criminal e um MBA em gestão e diz que tem novos projetos em vista.

Para ele, é hora do magistrado tomar para si o papel de juiz-gestor. “A organização que não trabalha hoje com 70% da sua força de trabalho em projetos vive no passado.”

Mazloum diz ainda que o Conselho Nacional de Justiça precisa ser instrumento fundamental para a implantação dessa mudança. “O CNJ tem desempenhado um papel importante como órgão de controle, mas falta nele o papel de órgão líder nessa área de gestão.”

Falta também ao conselho discutir o Judiciário do futuro, inclusive no que tange a questão da sustentabilidade, segundo o magistrado. “Hoje já podemos pensar em um prédio da Justiça Federal sustentável, com sistema de reutilização de água, com um sistema de aproveitamento de energia solar… O CNJ ainda tem pela frente um futuro muito promissor para capitanear esse tipo de cultura.”

Tal olhar, diz ele, vem do seu percurso de vida. Antes do Direito, Mazloum se formou em Arquitetura e Urbanismo. Optou pela carreira de promotor e, depois, de juiz, mas não deixou de lado a preocupação sobre os aspectos arquitetônicos e cenográficos, inclusive no Judiciário, onde testemunhas e réus prestam depoimentos.

Filho de imigrantes libaneses, começou a trabalhar desde criança no comércio do pai, na região da Penha, em São Paulo. A escolha pela carreira jurídica feita por ele e por quatros irmão advém da influência paterna. “Meu pai sempre foi muito correto e justo, a ponto de receber o apelido de outros comerciantes de ‘senhor nota fiscal’, pois ele, ao contrário de muitos, emitia documento fiscal em cada venda que fazia”, exemplifica.

Em seu percurso no Direito, foi promotor de Justiça. Na magistratura federal, passou pela Vara de Execuções Fiscais em Presidente Prudente e na Vara Civil de São Paulo, como substituto. Está na 7ª Vara Criminal da 3ª Região desde 1997, onde recebeu a ConJur para uma entrevista que durou mais de duas horas.

Leia a entrevista:

ConJur — O uso do aplicativo Whatsaap no andamento dos processos foi oficializada mês passado na vara em que o senhor atua. Como se dá a utilização dessa tecnologia?
Ali Mazloum — Quando há utilização do aplicativo, a gente imprime a comunicação feita e coloca no processo. Tomamos todo cuidado para não haver nulidade. Tivemos um caso na qual a testemunha respondeu a nossa mensagem dizendo que não poderia ir à audiência. Ele fotografou o atestado médico e enviou a imagem pelo aplicativo. Sem a ferramenta, só saberíamos disso no dia da audiência ou nem saberíamos. A testemunha simplesmente não viria e isso poderia travar tudo. Não poderíamos ouvir as testemunhas de defesa, fazer o interrogatório... Dentro da metodologia do processo-cidadão, o objetivo é julgar o processo em dez meses. Nesse caso que citei, se não houvesse a troca de mensagem, todo aquele preparativo iria por água abaixo. Por isso a importância de usar essa tecnologia. Resolvemos a questão combinando com a testemunha uma conversa pelo Skype.

Em outro caso, enviamos uma mensagem no WhatssApp para a testemunha que não havia chegado para a audiência. Após ser informada, ela respondeu, questionando se era possível aguardar a chegada dela. E em 40 minutos ela estava aqui. Para nós é vantajoso esperarmos quarenta minutos, uma hora, do que remarcar. Isso se chama gestão do processo, gestão da crise, coisa que muito juiz do Judiciário não está fazendo. Noventa e nove por cento dos juízes em um caso desses já redesigna. Por isso que o processo demora quatro, três anos. A tecnologia ajuda nessas situações.

O modelo tradicional de processo se tornou obsoleto hoje para a nossa metodologia de trabalho e para os nossos prazos, então eu fui procurando encontrar meios que fossem compatíveis com as minhas necessidades.

ConJur — Como os colegas magistrados reagiram a essa iniciativa?
Ali Mazloum — Alguns fazem gozação. Tem críticas: "Ih, isso aí vai gerar nulidade", porém, como disse, tomamos todos os cuidados.

Desde 2008, eu tenho feito esse trabalho e o Judiciário é muito resistente a mudanças. O Poder Judiciário hoje é um grande mamute. A introdução de metodologias novas, o uso da tecnologia, não é bem recebida num primeiro momento. Nesse caso específico do WhatsApp, eu já vinha fazendo muita coisa com SMS primeiro.

No caso dos advogados, por exemplo. Alguns nos enviam mensagens informando que vem aqui para ver o processo. Quando o processo não está aqui, informo de imediato pelo aplicativo. É uma ida e vinda a menos, uma petição a menos. Com isso, diminuímos o fluxo de gente no prédio, o fluxo de trânsito. Se pensarmos nisso numa escala macro, contribuiríamos para diminuição dos índices de acidentes e assaltos de alguma maneira.

ConJur — De onde veio essa metodologia de trabalho?
Ali Mazloum — É fruto da experiência e do estudo, de planejamento. O processo-cidadão é conjunto de práticas, dentro do quadro legal, porém com as nossas regras.

ConJur — Quando nasceu a meta dos dez meses?
Ali Mazloum — Começou a germinar em 2008, e, em 2010, oficializei. Como oficializei a Portaria que trata do Whatsapp agora em abril, mas já vinha usando de forma experimental antes.

ConJur — Qual o índice de cumprimento dessa meta?
Ali Mazloum — Eu posso dizer tranquilamente 90%. Cumpro o prazo inclusive em operações policiais, que normalmente envolvem muitos réus. Às vezes vai um pouquinho mais, mas, veja, ainda assim, é prazo, que, para o “padrão Brasil” é super razoável. Só não atinjo a meta quando tem que cumprir diligência fora do país.

ConJur — Alguns especialistas colocam que não caberia ao juiz ser gestor de vara ou do processo, ele teria que ser um julgador, e a Justiça deveria se moldar pra criar um novo cargo para que houvesse um gestor na vara. O senhor concorda?
Ali Mazloum — Eu discordo diametralmente. Acho que o Judiciário precisa se modernizar. Existe uma afirmativa com a qual eu concordo muito. Ela é mais ou menos assim: a organização que não trabalha hoje com 70% da sua força de trabalho em projetos vive no passado. Se pegarmos hoje o Poder Judiciário, sua força de trabalho não chega a 1% na área de projetos. Ele não se deu conta do quanto está atrasado, que o sistema penitenciário, penal e de Justiça estão falidos. Existe um abismo entre a Justiça e a área de ciência e tecnologia.

ConJur — A tecnologia tem se aproximado pelo menos da Ciência do Direito e da Ciência Criminal, ou o Direito como um todo está afastado disso?
Ali Mazloum — Eu acho que a gente está muito longe de tudo que o mundo tem inovado. Estamos fazendo muito do mesmo e a gente não sai do lugar. O Judiciário não consegue enxergar que está na hora de investir nos juízes, mas na área de TI, na área de gestão e é isso que vai tirar o Judiciário do lugar onde está. Se você continuar fazendo sempre a mesma coisa, vai continuar obtendo sempre o mesmo resultado. A gente tem hoje grandes doutores do Direito, temos grandes filósofos. Só que isso não vai tirar o Judiciário dessa morosidade, dessa mesmice. Temos um sistema falido aqui e do outro lado temos ciência e tecnologia despontando. Faltam bons gestores na área de Direito.

ConJur — A Folha de S.Paulo publicou reportagem na semana passada falando do "aplicativo vírus" que a Polícia Federal quer utilizar em investigações para obter outros dados do celular — além da ligação de voz —, como e-mails, comentários, perfis em rede social e a própria conversa no WhatsApp do dono da linha telefônica. Há previsão legal para isso?
Ali Mazloum — Eu não parei para estudar esse aplicativo, mas existe sigilo de conversa telefônica e sigilo de comunicações telemáticas, bem como existe a possibilidade de quebra disso com autorização judicial. Então, desde que haja autorização judicial...

ConJur — Mesmo uma apreensão de dados remota, sem a pessoa saber?
Ali Mazloum — Não quero dar uma resposta conclusiva, mas estamos falando de tecnologia. Se a gente pode chegar num avanço desse tipo, numa tecnologia que possibilite isso em vez de ser por meio físico, e desde que haja autorização judicial e especificação para que tipo de crime caberia essa quebra... Eu acho que aí precisa ver quem é o investigado, analisar o sigilo da fonte. No caso de pornografia infantil, por exemplo, é necessário ingressar, inclusive nesse sigilo de dados. Mas realmente não conheço esse aplicativo noticiado.

ConJur — Já se trabalha muito com quebra do sigilo do WhatsApp?
Ali Mazloum — Sim. É o sigilo telemático, é uma autorização normal.

ConJur — E é alto o número de pedidos?
Ali Mazloum — Não tem sido muito comum, pelo menos pra nós aqui na Vara. Mas a verdade seja dita: tem aumentado de uma forma geral essa forma de investigação com a quebra de sigilo de dados. É uma tendência mundial.

ConJur — A delação pode ser o primeiro indício para se executar prisões?
Ali Mazloum — Sou contra começar a aplicar medidas violadoras de direito fundamental a partir de uma mera delação ou uma carta anônima. No caso de delação, não basta acusar, tem que ser documentado, com prova. Isso é delação. Fora isso, é uma acusação ou confissão. Uma delação propriamente dita não se está só com base no verbo. Ela precisa apresentar a prova, um documento de depósito, por exemplo.

ConJur — Quando não aceitar uma delação?
Ali Mazloum — Quando é inconfiável. Eu já tive caso aqui de delator cuja delação eu não aceitei. Tomei aquilo como parcial confissão e condenei-o. Entendi que ele, na verdade, não trouxe nada de novo. Na delação, tem que trazer elemento realmente novo, não é simplesmente falar: "Fulano participou".

ConJur — O ministro Marco Aurélio criticou formas de obter a delação a partir de prisão. Isso faz sentido para a Justiça que a gente tem atualmente?
Ali Mazloum — Não. A lei não tem essa previsão de prisão para fins de delação, ela não traz esse tipo de autorização. Isso aí seria uma forma de tortura para obter uma confissão, uma delação.

ConJur — A delação tem sido usada mais agora ou ela só ficou em evidência por que ela está numa operação mais conhecida?
Ali Mazloum — Ela foi regulamentada agora de forma mais pormenorizada. Um caso de repercussão a colocou mais em evidência. Por isso, acredito que é um instrumento que vai passar a ser mais utilizado.

ConJur — Aqui, na 7ª Vara, ela é bastante utilizada?
Ali Mazloum — Eu tenho uns três ou quatro casos. Mas é preciso cuidado, porque a delação está sendo subvertida. Está sendo usada pelo patrão delatando o mordomo, o empregado. Não é para isso que é feita. Se continuar como está, amanhã vai funcionar justamente para manter impune quem a Justiça queria alcançar. É uma forma de subverter o sistema e isso com o beneplácito da Justiça, com o nosso carimbo.

ConJur — Qual sua opinião sobre a execução da pena logo após a decisão em segunda instância?
Ali Mazloum — Temos o princípio da presunção de inocência, que é um princípio caro ao Brasil, importante. Agora, a gente precisa realmente entender o que ele significa. No caso da Lei da Ficha Limpa, por exemplo, entendeu-se que ele não precisa esperar o trânsito em julgado para impedir que a pessoa possa deixar de se candidatar. Acho que talvez seja uma boa medida também, havendo já um julgamento de primeira instância, depois de um colegiado confirmando a condenação, talvez aí seja um meio termo para o que se pretende estabelecer como parâmetro para se iniciar o cumprimento de uma condenação. Não é nem esperar o trânsito em julgado, porque realmente demora, há muitos recursos. Por outro lado, a condenação em primeira instância, por si só, não permite, porque seria um ato arbitrário.

ConJur — Caberia cortar alguns recursos do nosso processo penal?
Ali Mazloum — O processo penal, no nosso sistema recursal, ainda é melhor que o sistema recursal do processo civil. Se chegarmos nesse meio termo de iniciar o cumprimento da pena já com o julgamento da segunda instância, acho que resolve o problema. Eventualmente para o advogado e para réu já não interessará recorrer, porque o recurso é justamente para evitar o cumprimento da pena, tentar jogar com a prescrição. Caso ele comece a cumprir a pena após decisão na segunda instância, ele não teria esse tipo de vantagem. Então, talvez nem recorresse.

ConJur — Nesse mesmo período em que o juiz federal Sergio Moro e a Associação dos Juízes Federais do Brasil se manifestaram a favor da antecipação da execução da pena, o governo federal apresentou um pacote anticorrupção, o Ministério Público Federal apresentou outro pacote — que incluía, inclusive, a proposta de o uso de prova ilícita não anular o processo... O senhor acha que a gente está vendo a escalada do punitivismo no Brasil?
Ali Mazloum — Não tenho dúvida. O nosso discurso continua sendo o discurso do Direito Penal inimigo, o discurso populista, o clamor das ruas continua movendo a atividade, tanto do Judiciário quanto do Legislativo. Acho que nós não temos pautado nosso trabalho de acordo com aquilo que deve ser feito mesmo. Então, é mais fácil você reduzir a idade penal ou tentar consertar esse menor? Eu sou totalmente contra, não vai resolver em nada reduzir, ao contrário, você vai piorar, vai aumentar ainda mais a criminalidade no país, vai jogar logo de cara no sistema penal mais 30 mil pessoas. Serão pessoas que serão de imediato aliciadas pelas organizações criminosas.

ConJur — Qual seria o resultado imediato no caso da não anulação do processo pelo uso da prova ilícita?
Ali Mazloum — O aumento no uso da prova ilícita. Ao invés de nós termos um processo penal voltado para o respeito aos direitos fundamentais, para a dignidade da pessoa humana, ou um processo penal de acordo com o Estado Democrático de Direito, a gente vai voltar para um estado penal ditatorial. E isso é deletério, é maléfico, porque acaba se voltando contra as pessoas de bem também. Amanhã não é o bandido que vai ser vítima disso, são as pessoas de bem. Então, eu acho que podemos ter um bom sistema penal, um bom processo, um bom sistema de investigação. O problema é querer ser imediatista, querer resolver as coisas para ontem.

ConJur — Nos últimos anos, vimos grandes operações (satiagraha, castelo de areia, sundown) serem derrubadas em instâncias superiores por conta de erros da acusação, erros que ficaram comprovados no processo. O que leva a essa quantidade de erros?
Ali Mazloum — Eu acho que a gente tem um problema no nosso sistema processual. Eu volto a dizer, é um sistema em que você não sabe muito bem qual é o papel do Ministério Público, qual é papel da polícia e qual é o papel do Judiciário na investigação. Como a gente acaba tendo pessoas que não devem estar numa investigação, de repente elas estão lá participando, estão fazendo coisas que não devem.

ConJur — É uma falta de especificação do processo, no Código do Processo Penal?
Ali Mazloum — O nosso sistema processual não atribui de forma bem definida o papel de cada um. Além disso, existe hoje essa vontade justiçamento, de fazer acontecer e de aparecer mesmo. Também há o sentimento de impunidade, que impera dentro da instituição, do Ministério Público Federal, quando age numa investigação assim de porte.

ConJur — Quem está atuando no MPF tem esse sentimento de que pode fazer de tudo e ficar impune?
Ali Mazloum — Sim. Se você pegar essas grandes operações que citou, em todas elas houve abuso de poder, houve crime. Em alguma delas o procurador ou o juiz foram punidos? Não. Ninguém foi punido. Então, enquanto isso acontecer, vamos continuar tendo nulidades. Por que o Ministério Público Federal veio a público, num Estado Democrático de Direito, dizer que quer flexibilizar uma cláusula pétrea da Constituição Federal e ninguém fala nada? Dizer que quer relativizar a proibição do uso da prova ilícita como se isso fosse correto? É o heroísmo. É aquele sentimento de que o Brasil precisa de um salvador da pátria, e o mais conhecido salvador da pátria foi o Partido Nazista, que deu no que deu. Acho impressionante quando uma instituição que deveria velar pela integridade da Constituição vem a público se aproveitando de uma operação que recebeu o aplauso da população e da mídia de um modo geral, para defender uma cusparada na Constituição Federal, foi isso que eles fizeram.

ConJur — Em 2011, o senhor disse que o CNJ exagerava no seu lado punitivista. De lá para cá, algo mudou no conselho
Ali Mazloum — Eu acho que o CNJ tem desempenhado um papel muito importante. Só que eles não podem atropelar as corregedorias locais, para não se tornar também mais um órgão arbitrário. Acho que, nos casos das operações, as corregedorias locais nada fizeram, os órgãos que anularam nada disseram. O CNJ tem desempenhado um papel importante como órgão de controle, mas falta nele o papel de órgão líder na área de gestão. Liderando a magistratura nessa gestão do processo da vara, em primeiro lugar. Em segundo, falta também se criar uma cultura na área de sustentabilidade, que não tem também. Não se vê nenhuma medida sendo tomada por nenhum órgão de cúpula nessa área. Podemos pensar hoje num prédio da Justiça Federal sustentável, com sistema de reutilização de água, com um sistema de aproveitamento de energia solar… O CNJ ainda tem pela frente um futuro muito promissor para capitanear esse tipo de cultura, ele tem que criar.

Para o Judiciário, de um modo geral, tem sido útil o papel do conselho em criar e focar em metas, porque o Judiciário é realmente ruim, é atrasado. Mas acho que ele não tem trabalhado para esse Judiciário do futuro, ele está trabalhando para esse Judiciário do passado.

Quando o conselho tomou esse caminho de estipular metas, a 7ª Vara já estava à frente de todas elas. O CNJ pode ser um órgão de mudança, mas não tem sido.

ConJur — E a sustentabilidade na atuação da Justiça, não no sustentável verde, mas como um sistema que se aguente, em um país com 100 milhões de processos e 200 milhões de habitantes?
Ali Mazloum — Tem esse lado também, mas essa é uma questão de mudança processual. A coletivização das demandas é importante porque tem muita demanda repetida. O Processo Civil perdeu uma grande oportunidade, que era de coletivizar uma demanda individual e acabou afastando essa possibilidade do Novo Código de Processo Civil. De última hora, tiraram essa possibilidade, talvez isso possa ser introduzido mais para frente. Mas, eu acho que seja interessante fomentar um pouco a cultura da arbitragem, da conciliação, tudo isso acho que vai acabar diminuindo um pouco a demanda.

ConJur — Mazloum, em árabe, significa oprimido ou injustiçado. O senhor viveu uma história que lembra o significado do próprio nome, ao ser citado em um midiático processo criminal. Não foi para frente, tendo o seu nome, inclusive, sido excluído da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal. Isso influenciou a sua relação com a Justiça?
Ali Mazloum — Eu vi o outro lado do balcão. O processo-cidadão vem um pouco disso também. Desenvolvi um método que a Justiça não fosse tão invasiva e para que fosse menos impertinente na vida da pessoa. O processo não deve ser uma pena, ele não é a punição. A finalidade dele é outra, ele é o veículo para se fazer a justiça.

No processo-cidadão, o oficial de Justiça vai uma vez na casa do réu, não mais que isso. Ele já intima de tudo que vai acontecer, recebe uma cartilha de tudo que vai acontecer e o dia do julgamento. Eu uso o WhatsApp, porque eu sei que daqui a dez meses o sujeito pode esquecer. A testemunha, daqui a alguns meses esquece, então na véspera eu a relembro. No sistema tradicional, no entanto, o juiz intima que abriu um processo, daqui a pouco, intima porque despachou, depois intima de novo. Está toda a hora constrangendo o acusado de alguma forma, indo à casa dele. O processo foi feito para o inocente, se fosse feito para culpado não precisaria de processo.

ConJur — O senhor acredita que o direito de defesa está sendo rebaixado atualmente?
Ali Mazloum — Temos o direito a ampla defesa, mas ele é formal. É utilizado como bem se quer, quando se quer, dependendo das forças envolvidas. O Judiciário não tem, nesse ponto, a coragem necessária de enfrentar esse tipo de situação.

ConJur — Vazamentos de pedaços de processos facilitam o papel de acusação pública?
Ali Mazloum — Não tenha dúvida. Tive, na minha vara, um caso concreto de vazamentos seletivos que favoreciam a acusação. Eram vazamentos seletivos que incriminavam o acusado. Então eu tirei o sigilo do processo. Já que eu não consegui acabar com esses vazamentos, optei por levantar o sigilo.

ConJur — O senhor tem outros quatro irmãos que optaram pela carreira no Judiciário. Qual a raiz desse interesse?
Ali Mazloum — Eu acho que foi o meu pai. Ele chegou em 1950 aqui no Brasil e sempre pautou a vida dele nesta palavra: justiça. Somos em oito irmãos, sete homens e uma mulher, e éramos muito pobres. Por isso, cada filho, quando tinha dez ou 12 anos, tinha de começar a trabalhar com ele na "lojinha".

Meu pai sempre foi muito correto e justo, a ponto de receber o apelido de outros comerciantes de "senhor nota fiscal", pois ele, ao contrário de muitos, emitia documento fiscal em cada venda que fazia. A palavra justiça era coisa do dia a dia. “Não erre, não faça, não pegue, não...” Sabe? A ponto de ele costumar falar que gravou essa palavra no osso da gente.

ConJur — O que está lendo atualmente?
Ali Mazloum — Parei na metade o livro Tuareg, de Alberto Vásquez, que retrata um pouco a história de luta e injustiças de meus antepassados. Pretendo retomar assim que concluir o processo de implantação de todo o serviço de WhatsApp.


Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Marina Gama Cubas é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2015, 9h11

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Tribunal dos EUA cassa direito constitucional do réu a um advogado







O Tribunal Superior de Utah, em Salt Lake City, decidiu, na sexta-feira (30/1), cassar o direito do réu Curtis Allgier a um advogado de defesa, pela forma agressiva, grosseira e ameaçadora que ele tratou todos os defensores públicos e advogados apontados pela corte para lhe dar assistência jurídica, de acordo com o site Courthouse News Service e os jornais Daily News e New York Times.

Em sua decisão, os ministros do tribunal escreveram que decretar a “perda do direito a um advogado é uma medida drástica”. Porém Allgier recusou os serviços de todos os advogados apontados pela corte “em termos aviltantes, depreciativos”, além de ser “muito hostil a todos eles e lhes fazer ameaças”. Ele acusou os advogados de não usar as táticas de defesa que ele exigiu.

Allgier, um adepto da supremacia branca, tem todo o rosto e parte do peito coberto por tatuagens neonazistas entre as quais suásticas, um desenho aparentemente de Hitler no tórax e, na testa, a palavra skinhead — definição atual de uma subcultura do “poder branco” que, em uma de suas facções, promove o racismo e o neonazismo, muitas vezes de forma violenta.

Em suas próprias petições aos tribunais, Allgier usou táticas protelatórias e tumultuantes, diz a decisão. Em uma petição, ele se referiu aos advogados como charlatões e palhaços burros, com os quais teve o “desprazer desonroso” de se relacionar. “Eles nunca terão a honra de estar na presença do meu Deus Ariano ou de ter qualquer contato comigo, ponto final”, ele escreveu.

Allgier foi condenado em 2007 a 8 anos e seis meses de prisão por arrombamento e falsificação. Após uma semana na prisão, ele se queixou de dores nas costas e foi levado ao Hospital da Universidade de Utah para exames. Quando o carcereiro Stephen Anderson, 60, tirou suas algemas para que fizesse um exame de imagem por ressonância magnética, Allgier lutou com ele, tomou sua arma e o matou.

Na fuga, ele roubou um carro, mas foi perseguido por um “batalhão” de policiais por toda a cidade, até ser preso novamente. Depois disso, ele enfrentou acusações de homicídio qualificado, de desarmar o policial, de fuga qualificada e assalto qualificado. Para evitar a pena de morte, ele se declarou culpado de assassinato e, em 2012, foi “sentenciado a prisão perpétua sem qualquer possibilidade de liberdade condicional”.

Ultimamente, ele vem tentando retirar a confissão de culpa e o acordo que fez com a Promotoria para não ser sentenciado à morte e quer novo julgamento, no qual ele pretende fazer a autodefesa. Uma questão a decidir é se ele perdeu ou não o prazo para fazer isso.

O tribunal de Utah chegou a pedir à Associação de Defensores Jurídicos para cuidar do caso, mas a entidade convenceu os juízes que era impossível fazer isso. Vários advogados, apontados pelo tribunal anteriormente, declararam ao tribunal que não podiam mais representar o réu, por “quebras irreparáveis do relacionamento advogado-cliente”.

Uma das ameaças que ele fazia aos advogados era dizer que poderia facilmente descobrir os endereços deles, porque tinha muitos partidários fora da prisão. Dentro de algum tempo, os advogados recebiam uma carta dele em suas residências, sem nunca terem informado a ele seus endereços.

Assim, o tribunal superior decretou a perda de seu direito constitucional a um advogado, porque não há mais nada o que fazer para garanti-lo. E deu um prazo de 30 dias para discordar por escrito da decisão do tribunal.

Os tribunais americanos têm uma história de julgamentos que são tumultuados pelos réus e, às vezes, são obrigados a retirá-los do tribunal do júri e apontar advogados para ajudar a proteger os interesses daqueles que insistem em fazer a própria defesa. São também confrontados, com frequência, com um problema difícil de resolver: alguns réus atacam e ameaçam seus advogados ou exigem que ajam de uma forma que viola a ética profissional.

O defensor público David Corbett, um dos que foram apontados pelo tribunal para defender Allgier, disse aos jornais que, vez ou outra, têm um relacionamento difícil com réus que não confiam neles, apesar de todo o esforço que fazem. “Todo defensor público já teve um cliente que o chamou de impostor público ou de infrator público” já nos primeiros contatos, ele disse.

O problema se deve, em grande medida, aos ossos do ofício de defensor público nos EUA — como ocorre em outros países. Além da falta de recursos financeiros, a Defensoria Pública convive com sobrecargas de trabalho, que já se tornaram impossíveis de administrar, diz o New York Times. As pessoas podem ter de esperar meses, antes de consultar um defensor público. Muitos réus pobres acabam fazendo a própria defesa em ações criminais.


João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.



Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2015, 10h25

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A celeridade não se alcança sem mecanismos de solução extrajudicial







É louvável o esforço que tem sido feito no sentido de dotar o processo do trabalho de rapidez, a fim de que se cumpra o mandamento da Constituição Federal de duração razoável do processo, à luz de seu artigo 5º, LXXVIII.

Basta lembrar neste sentido a nova Lei 13.015, de 21 de julho de 2014, de iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho e cuja aprovação no Congresso Nacional deu-se com o empenho da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho. 

A agilização na tramitação dos recursos de revista, com a efetiva uniformização da jurisprudência pelos tribunais regionais, significará sensível redução no prazo de solução de conflitos judiciais trabalhistas.

Não olvidemos, ademais, do Projeto de Lei 606/2011, do Senado Federal, cujo objetivo é imprimir celeridade à fase de execução de sentença no processo do trabalho e que, de igual forma, partiu da iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho.

De fato torna-se mais do que necessário dotar o processo do trabalho de celeridade no arbitramento dos conflitos e no cumprimento de suas decisões, devolvendo-lhe a efetividade que já teve em tempos passados, quando o volume de processos em trâmite era razoável, permitindo aos órgãos judiciais dar uma resposta rápida ao jurisdicionado.

Todavia acreditamos que diante do enorme volume de ações judiciais que tramitam nos tribunais, num movimento crescente ano a ano, por mais eficiente que seja o processo judicial, não será possível dar a resposta rápida almejada, como se constata de uns anos para cá, pois impossível a qualquer estrutura judicial responder prontamente ao volume de ações ajuizadas.

Os juízes, desembargadores e ministros vivem o drama de proferir decisões cuidadosas, mas demoradas em razão da avalanche de processos que lhes são submetidos, ou decidir de forma mais rápida, mas sem o cuidado desejado na elaboração da decisão.

A propósito, como noticiou esta ConJur em 23 de janeiro, o Superior Tribunal de Justiça no ano de 2014 julgou quase 400 mil recursos, o que revela o despropositado volume de feitos distribuídos a cada um dos seus trinte e três Ministros, excetuando-se os integrantes da administração, que não têm a atuação judiciária como os demais.

O mesmo se diga em relação ao Tribunal Superior do Trabalho, cujo site dá contra de que no ano de 2012 julgou cerca de 230 mil processos e no ano de 2013 este número subiu para mais de 300 mil recursos, atentando-se ao número de 27 ministros que o compõem, excluindo de igual modo os integrantes da administração do Tribunal.

Basta um simples cálculo para constatar o despropósito do volume de processos atribuídos a cada integrante de um Tribunal Superior, fato este que se reproduz nos Tribunais Regionais, Tribunais de Justiça e no primeiro grau de jurisdição.

Diante desta realidade é importante ressaltar o enorme esforço dos magistrados para minimizar os efeitos da demora na solução dos feitos, mas com graves prejuízos, que se estendem aos servidores do Poder Judiciário, de sua saúde e vida familiar e social.

No âmbito do Poder Judiciário a solução dos conflitos é lenta e assim continuará, não obstante tanto os esforços realizados em relação à estrutura, quanto à dedicação de seus integrantes, pois a obediência ao princípio do devido processo legal (CF, 5º, LIV) exige a observância de determinados atos processuais que somados ao volume excessivo de feitos impede a rápida e segura solução judicial.

Deste modo é preciso criar e utilizar os mecanismos de solução extrajudicial, para desafogar o Poder Judiciário, a fim de permitir que as soluções judiciais sejam seguras e rápidas.

No âmbito do Poder Judiciário Trabalhista é necessário que a grande maioria dos conflitos, que dizem respeito a matéria de fato e a meros cálculos aritméticos, não venha a ser submetida ao crivo do juiz pois é desnecessário, mas sejam solucionados por instâncias extrajudiciais, desafogando a Justiça do Trabalho.

Todavia, para a real eficácia destas formas alternativas de solução dos litígios, é preciso que as partes tenham total segurança quanto à imparcialidade do organismo encarregado da arbitragem, além da certeza de que não será mera formalidade, com posterior questionamento judicial do decidido.

Nesse sentido lembremo-nos das Comissões de Conciliação Prévia, de que se ocupa a Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 625-A a 625-H, que diante do momento político em que foram criadas e da forma fixada na lei redundaram em descrédito e fracasso para o fim de agilizar a solução do conflito.

Trata-se de problema de solução difícil, mormente para um país que não tem a cultura da solução do conflito pela auto-composição, nem pela solução extrajudicial.

É preciso implantar organismos seguros e independentes para compor os conflitos trabalhistas, reservando o acesso ao Poder Judiciário aos conflitos mais complexos, cuja solução será mais célere na medida em que o volume de feitos assim permitir.

Contemporaneamente é necessário ensinar à população as vantagens da utilização dos meios extrajudiciais de solução dos conflitos, cuidando-se da segurança dos litigantes, para uma solução adequada, ao mesmo tempo que se combata o preconceito contra os meios alternativos de solução de litígios.

Pedro Paulo Teixeira Manus é ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.



Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2015, 8h00

Complexo de Maradona e quando o juiz se nega a reconhecer a nulidade







Diego Armando Maradona é uma figura controversa e, quem sabe, possa nos ajudar a entender a complexidade do reconhecimento de nulidades no processo penal, especialmente quando o juiz não viu ou não quer ver a jogada faltosa. Assim é que o exemplo clássico, no futebol, é o gol de mão de Maradona na Copa do Mundo de 1986, já que embora violando as regras do futebol (não vale gol de mão) foi validado. Vale a pena assistir aqui.

No Brasil, a doutrina diferencia a mera irregularidade (sem violação do conteúdo do ato), da inexistência (por ausência de requisito de sua validade — alegações finais por não advogado ou sentença por não juiz), nulidade relativa e nulidade absoluta. Em relação a essa distinção, também com Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal), pode-se afirmar a insuficiência das categorias e, a partir do processo como procedimento em contraditório, bem assim da reserva de jurisdição, só há nulidade por decisão judicial. Entretanto, o regime de nulidades do CPP (artigos 563-573), além de ultrapassado, é confuso[1]. Adota a compreensão mitológica da verdade substancial (CPP, artigo 566, bem criticada por Salah Khaled Jr.), possui dispositivos revogados noutros locais do próprio CPP (artigo 564, III, “a”, “b”, “c”, III), bem como indica compreensão civilista, incompatível com o devido processo legal substancial, da ausência de prejuízo — pas nullité sans grief (CPP, artigo 563). A ausência de prejuízo é um estelionato processual. Sempre. Assim é que, superada a distinção arbitrária e sem sentido, todas as hipóteses de violação ao devido processo legal substancial serão declaradas nulas[2], manejando-se a noção de doping, conforme sublinhei no livro A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal.

Confunde-se a má formação do ato com a sanção. A nulidade não é uma sanção, nos diz Robles[3], justamente porque o efeito convencional da regra procedimental do fair play exclui do âmbito dos efeitos válidos o ato realizado em desconformidade com a regra do jogo. Entretanto, o crucial para que isso ocorra é a declaração de nulidade. Sem ela o que se produziu em desconformidade com as regras do jogo, por omissão do juiz condutor do feito, passa a gerar efeitos. Assim é que ganha relevo a existência de juízes cientes do seu papel de garantidores das regras do jogo. Sem o ato declarativo da exclusão, os efeitos das jogadas ilícitas permanecem no ambiente processual e geram efeitos. Como a nulidade somente pode acontecer ex post ao ato, o critério da decisão deve ser um só: na sua constituição o ato atendeu as regras do jogo processual? Com a resposta negativa o ato deve ser declarado nulo. Mas existe magistrado que frauda o ato processual pelos fins, desconsiderando os meios (ilícitos).

O cumprimento da regra de ação pode se dar dentro ou fora dos limites da regra do jogo processual. O descumprimento da regra processual implica na ausência de requisito de validade e, por via de consequência, da não produção do efeito a que se destinava. Não se trata da análise posterior da sua valoração de conteúdo. Na formação da jogada houve descumprimento de regra constitutiva. Se as regras procedimentais da formação válida da ação dos jogadores ou do julgador não são obedecidas, a ação é um nada jurídico e, portanto, descabe discutir a ausência de prejuízo. A noção de prejuízo somente se sustenta para validação de ações processuais ilegais, como se pudesse convalidar os efeitos das ações realizadas com jogo sujo. Os efeitos das jogadas ilegais não encontram respaldo democrático justamente porque seu processo de formação está viciado pelo descumprimento das formas e, com isso, pode ser algo no mundo da vida processual, mas de nenhuma qualificação jurídica válida.

A teoria da ausência de prejuízo (CPP, artigo 593) prende-se a uma noção civilista de aproveitamento de atos incompatível com o processo como garantia do acusado em face do Poder Estatal. Em última instância significa que o Estado estabelece por lei as regras do procedimento, há descumprimento, mas em nome do resultado, especialmente no caso de provas ilícitas, o juiz se demite do seu papel de garante das próprias regras, validando os efeitos do ato viciado. Portanto, não pode ser vista como uma sanção ao jogador e sim como falta que retira os efeitos das consequências do ato em desconformidade com as regras do procedimento. Se as regras do jogo podem ser desconsideradas em nome do resultado, qual o sentido delas? Nenhum. Se o jogador, mesmo ciente da ilicitude, vai adiante no ato irregular por saber que os efeitos podem seduzir o julgador, não se pode mais falar, nem mesmo, de processo penal, mas sim de jogo cínico. Contorna-se o descumprimento das regras procedimentais porque no jogo não há mais juiz, mas sim coadjuvante dos jogadores, diretamente: um juiz interessado no resultado. Em uma afirmação: o juiz só apita para um lado e, portanto, inexiste jogada fora da lei.

Do ponto de vista das táticas, muitas vezes, mesmo com jogo sujo, doping, se o juiz não reconhecer, os efeitos da ação permanecem. Daí muitos arriscarem blefes, trunfos e jogadas dúbias que contam com leniência do julgador. O mais interessante é que o jogo sujo continua a ser jogo até que o juiz declare a nulidade. Então correr os riscos de não ser reconhecido, pelo juiz, o jogo sujo pode ser uma das táticas dos jogadores. Até porque pela ausência de prejuízo, criou-se a lei da vantagem no processo penal, não fosse ela incompatível com o devido processo legal substancial.

O gol de Maradona com a mão foi validado pelo juiz. No Processo Penal muitas jogadas nulas são validadas. Na Copa do Mundo inexiste órgão recursal. No Processo Penal sim. Resta saber se os julgadores terão coragem de anular decisões, principalmente as que contam com amplo apoio popular. O tempo dirá quem pode ser chamado, de fato, de magistrado. Do contrário, la garantia soy yo.

[1] PAULA, Leonardo Costa. As nulidades no processo penal. Curitiba: Juruá, 2013; BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para uma crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; LOUREIRO, Antonio Tovo. Nulidades & Limitação do Poder de Punir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012; PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo Penal: São Paulo: Atlas, 2013; FIORATTO, Débora Carvalho. Teoria das Nulidades Processuais: Interpretação conforme a Constituição. Belo Horizonte: DePlácido, 2013.
[2] SOUZA, Alexander Araujo de. O Abuso do Direito no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007; ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: RT, 2007; DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Rocoo, 1997; BARBOSA, Livia. O jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
[3] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. Trad. Pollyana Mayer. São Paulo: Noeses, 2011, p. 182.


Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC.



Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2015, 8h01

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Como o Poder Judiciário presta contas à sociedade?







Está inscrito no artigo 2º da Constituição Federal que Judiciário, Legislativo e Executivo são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si.

Por integrarem a estrutura estatal e prestarem serviços públicos, devidamente remunerados pela sociedade, estão obrigados a prestar contas, não só por determinação legal, mas por questão de ética e transparência.

Em relação ao Poder Judiciário, são duas as principais formas de prestação de contas:

(i) Sobre as atividades jurisdicionais, através da disponibilização de dados estatísticos, acervos, inteiro teor das decisões (exceto nos casos de segredo de justiça), resultados sobre o cumprimento, ou não, das metas de julgamento; e,

(ii) Sobre as atividades administrativas, através da disponibilização dos atos de gestão aos órgãos de controle, interno e externo.

O artigo 37 da Constituição Federal estabelece que o Judiciário, assim como os demais órgãos da Administração Pública, é pautado pelos princípios da eficiência, da moralidade e da publicidade.

A eficiência compreende não só o cumprimento quantitativo de metas, mas também a qualidade do serviço prestado.

Neste sentido, a imposição de metas razoáveis é extremamente positiva, na medida em que orienta os juízes a priorizar o julgamento dos processos mais antigos, demonstrando à sociedade que há perspectiva de conclusão, em prazo adequado e com o uso dos meios de trabalho disponíveis. A medida não fere — e nem poderia — a independência do juiz, que é livre para formar seu convencimento, desde que devidamente fundamentado, como impõe o artigo 93 da Constituição Federal.

Além do acompanhamento da atuação jurisdicional feita pelas respectivas Corregedorias, estão sendo criadas, nos tribunais, as Ouvidorias, novo e importante canal de comunicação entre o Judiciário e a sociedade, destinado a aprimorar a prestação jurisdicional e aperfeiçoar o diálogo entre os interessados.[1]

Os próprios tribunais dão publicidade aos seus dados estatísticos, através da internet, livremente acessada por quem tiver interesse[2]. Só é possível afirmar que há efetiva transparência, se os atos praticados, nas esferas administrativa e jurisdicional, forem divulgados.

Também as atividades administrativas realizadas pelos Tribunais, aqui englobada a gestão do patrimônio, estão sujeitas à fiscalização interna e externa, na forma dos artigos 70 e 71 da Constituição Federal.

No âmbito da Justiça Federal, o Sistema de Controle Interno é integrado pelas unidades de Controle Interno do Conselho da Justiça Federal, como órgão central, pelas unidades de Controle Interno dos TRFs, como órgãos setoriais, e pelas unidades de Controle Interno das Seções Judiciárias, como unidades seccionais.[3] Estes órgãos, de atuação permanente e continuada, acompanham a execução de todos os atos administrativos relacionados à gestão de recursos orçamentários, ratificando-os ou recomendando as correções cabíveis.

O controle externo, por sua vez, é exercido pelo Tribunal de Contas da União, com periodicidade anual. A fiscalização pelo TCU é feita mediante provocação ou por iniciativa do próprio órgão, através de levantamentos, auditorias, inspeções, acompanhamentos e monitoramentos.

O TCU disponibiliza as informações que não são sigilosas na sua página da internet. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no ícone “Transparência pública”, e a Justiça Federal de São Paulo também disponibilizam informações completas sobre a gestão do patrimônio, a execução do orçamento, os processos de contas, o relatório de gestão fiscal, os planos de auditorias e outros documentos correlatos.

A estrutura que movimenta a máquina judiciária — pessoal, orçamento e patrimônio — pode ser equiparada à de uma empresa privada e sua gestão é predominantemente técnica.

Os servidores públicos das áreas administrativas dos tribunais são extremamente qualificados em administração pública e realizam as atribuições com o maior grau de eficiência possível, sem perder de vista a atividade-fim do Judiciário.

As boas práticas devem ser destacadas e apresentadas.

Em outubro de 2014, por exemplo, o Plenário do Tribunal de Contas da União (Acórdão 2746/2014, que aprovou a Decisão Normativa 140/2014) reconheceu a excelência da atual gestão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, isentando-o, na prática, de submeter as contas de 2014 ao julgamento plenário do próprio TCU, bastando a apresentação do Relatório de Gestão.

A decisão é importante, não apenas porque inaugural na história da Corte Regional, mas por reconhecer a excelência dos novos controles implantados no início (Março/2014) da gestão da atual Presidência do TRF-3.

Para uma análise comparativa, no sistema de administração de justiça federal, os outros quatro tribunais regionais federais, o STF, o STJ, o CNJ e o CNMP, entre outros, deverão prestar contas no Plenário do TCU sobre os dados de 2014.

Há outros indicadores desenvolvidos por órgãos estranhos à estrutura do Estado, mas também direcionados à medição da eficiência do Poder Judiciário.

É o caso do Índice de Desempenho da Justiça ( IDJus), índice desenvolvido pelo Centro de Pesquisas sobre o Sistema de Justiça Brasileiro (CPJus) e construído a partir de dados oficiais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Trata-se de um indicador sintético, inspirado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que procura medir o grau de desenvolvimento da Justiça, possibilitando comparar a produtividade e desempenho dos Tribunais (Estaduais, Federais e do Trabalho).[4]

É um referencial significativo, na medida em que engloba as três dimensões do Judiciário, quais sejam, a gestão de processos, a gestão de recursos e a gestão orçamentária, ou seja, analisa a atuação do Judiciário como um todo.

De acordo com o último relatório apresentado em 2014, relativo ao ano de 2012, no âmbito da Justiça Federal, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região ficou em primeiro lugar; no âmbito da Justiça Estadual, o posto foi alcançado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; na esfera trabalhista, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Pará e Amapá) e o TRT da 2ª Região (São Paulo) ocuparam a primeira posição.

Resta claro desta breve exposição que todas as facetas do Judiciário estão abertas à sociedade. E que eficiência, moralidade e transparência estão sendo efetivamente perseguidas, de forma técnica e responsável.

Este é o Poder Judiciário do século XXI.



[1]No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, a Ouvidoria tem a função de receber, registrar e responder as reclamações, críticas, elogios, sugestões, consultas ou pedidos de informações relacionadas à prestação de serviços judiciais ou atos praticados pelas unidades integrantes da 3ª Região que lhe forem dirigidos. As informações sobre a atuação do órgão podem ser facilmente visualizadas na página principal da internet (www.trf3.jus.br), sendo também disponibilizados os canais de comunicação com o órgão (email, carta, telefone ou pessoal).


[2] Mais uma vez utilizando o Tribunal Regional Federal da 3ª Região como exemplo, são disponibilizadas em sua página da internet as estatísticas da primeira e segunda instâncias, o inteiro teor das metas estipuladas para a Justiça Federal e os resultados alcançados, a pauta das sessões de julgamento, entre outras informações.


[3] A organização do sistema de Controle Interno da Justiça Federal é regulamentada pela Resolução 85/2009 do CJF e pela Resolução 86/2009 do CNJ.


[4] As informações foram extraídas da página da internet do Centro de Pesquisas sobre o Sistema de Justiça brasileiro (http://cpjus.idp.edu.br/metodologia/).


Giselle de Amaro e França é mestre e doutoranda em Direito do Trabalho e Seguridade Social, pela Universidade de São Paulo, juíza federal titular da 6ª Vara Previdenciária/SP e ocupa o cargo de Diretora do Foro da Seção Judiciária de São Paulo.



Revista Consultor Jurídico, 25 de janeiro de 2015, 8h10

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Vídeo explica vantagens do processo judicial eletrônico





As mudanças trazidas pela implantação do processo judicial eletrônico da Justiça do Trabalho (PJe-JT) são objeto de um vídeo institucional produzido pelo Comitê Gestor Nacional do Pje-JT, como parte de uma campanha nacional de esclarecimento sobre o novo sistema. A Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário mais avançado em termos de informatização do processo judicial, e hoje já existem mais de 1,5 milhão de processos que tramitam exclusivamente em meio eletrônico desde seu início.

Facilidade de acesso, visualização simultânea, agilidade de tramitação, redução de gastos e ganhos ambientais são algumas das vantagens do PJe-JT. "O processo acaba tramitando de forma mais rápida", afirma a coordenadora nacional, desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockman. Para o cidadão, outro lado positivo é a facilidade de acesso ao Judiciário, "de qualquer lugar onde haja internet".

O PJe-JT já está instalado em mais de 70% das Varas do Trabalho e nos 24 Tribunais Regionais do Trabalho. O presidente do TST, ministro Barros Levenhagen, espera que, até o fim de sua gestão, em fevereiro de 2016, o sistema esteja funcionando em órgãos judicantes do Tribunal – Turmas e sessões especializadas.

Confira o vídeo:



Fonte: TST

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Lei Maria da Penha ainda não está sendo aplicada devidamente


Lei Maria da Penha ainda não está sendo aplicada devidamente




Têm sido objeto de polêmica os projetos da Câmara dos Deputados PL 6.433/2013 e PL 7.376/2014 que propõem alterações na Lei 11.340/96 — Lei Maria da Penha. O primeiro pretende dar mais efetividade à proteção da vítima de violência doméstica, ao facultar à autoridade policial aplicar de imediato, em ato fundamentado, as medidas protetivas de urgência, comunicando em seguida ao Ministério Público e ao juiz competente, que poderá mantê-las ou revê-las; propõe ainda o referido PL que a autoridade policial (no caso, o delegado) deverá ter acesso às informações referentes aos processos judiciais envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, inclusive fora do horário de expediente forense, a fim de verificar a existência de medidas protetivas, as condições aplicadas e informações necessárias à efetiva proteção da vítima em situação de violência. O segundo projeto — PL 7.376/2014 — tipifica como crime o descumprimento de medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha. 

Saliente-se que as medidas protetivas de urgência são de grande relevância na proteção dos direitos de mulheres, vítimas de violência doméstica, mas seu descumprimento apenas acarreta as previstas no artigo 22, parágrafos 3º e 4º e no Código de Processo Penal — vale dizer, auxílio de força policial, multa civil e prisão preventiva, visto não ter o legislador disposto expressamente sobre o crime de desobediência. Esse tem sido o reiterado entendimento de vários tribunais na hipótese de descumprimento da ordem judicial relativa à medida de urgência.

Com efeito, nas turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça, isso vem sendo consolidado no sentido de que há atipicidade da conduta, não se configurando crime de desobediência visto que, no dizer do próprio STJ “a previsão em lei de penalidade administrativa ou civil para a hipótese de desobediência à ordem legal afasta o crime previsto no art. 330 do Código Penal, salvo ressalva expressa de cumulação, inexistente no caso” ( HC 285620 / RS - 2013/0420568-1 T5 - Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE j.07/08/2014 p. 15/08/2014).

Para afastar este entendimento reiterado[1] de tribunais brasileiros, urge tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, como propõe o PL 7.376/2014, ou incluir ressalva expressa em parágrafo do próprio artigo 22 da Lei Maria da Penha, no sentido da aplicação cumulativa das penas do delito de desobediência.

Por outro lado, não podem continuar a prosperar aqueles argumentos tão repetitivos de que se deve aplicar nessa matéria o respeito ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Este argumento demonstra que ainda o Estado brasileiro não tomou plena consciência deste mal que assola insidiosamente a família, pois cuida-se, sim, de grave problema que vem afetando a sociedade brasileira de maneira dramática.

Os números, dados e pesquisas mostram a grave dimensão do problema: o Brasil ocupa a sétima posição em feminicídios, no contexto dos 84 países do mundo com dados homogêneos da OMS compreendidos entre 2006 e 2010; e, segundo o Mapa da Violência 2012[2], vemos que em todas as faixas etárias, a relação doméstica é o que decididamente prepondera nas situações de violência vividas pelas mulheres. Vale lembrar que, nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país acima de 92 mil mulheres, 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse último período representa um aumento maior de 200%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres vítimas de assassinato no país (Fonte: SIM/SVS/MS). Por outro lado, estudos mostram que o percentual de reincidência nas violências contra a mulher é extremamente elevada, principalmente a partir dos 30 anos de idade das vítimas, o que está a configurar um tipo de “violência anunciada” e previsível que não é erradicada.

Constata-se que esses projetos de lei buscam a necessária efetividade e celeridade quando em risco um bem jurídico maior a ser tutelado: a vida e integridade da saúde de mulheres, vítimas diuturnas do formalismo estéril de muitas de nossas instituições jurídicas, que se comprazem em “espiolhar” inconstitucionalidades, como se deu nos primeiros tempos da vigência da Lei Maria da Penha, em que a polêmica inicial sobre suas inúmeras inconstitucionalidades só foi superada com o julgamento pelo STF da ADC 19 e da ADI 4.424, quando os ministros consideraram que todos os artigos da lei que vinham “tendo interpretações divergentes nas primeira e segunda instâncias estavam de acordo com o princípio fundamental de respeito à dignidade humana, sendo instrumento de mitigação de uma realidade de discriminação social e cultural”.

A sujeição, discriminação e violência de milênios não se superam com facilidade. A abordagem da questão da violência nas relações domésticas como um fenômeno social que exige ações públicas enfrenta diversas resistências. Sem dúvida, “naturalizou-se” a violência contra a mulher. Primeiramente é importante considerar a ideia, ainda presente em nossa cultura, de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Além disso, ainda persistem compreensões limitadas na conceituação “das violências”: que tipos de comportamentos cada um dos parceiros nomeia como “violência”? O que os “outros” entendem como “violência”? Qual o seu limite em uma relação familiar?

É urgente desconstruir mitos e estereótipos que ainda permeiam a nossa sociedade, inclusive entre os operadores de direito. Vale observar que negligências e omissões das instituições, muitas vezes são justificadas com base nesses mitos. Ressalte-se ainda a legitimação das agressões que, muitas vezes, são atribuídas ao comportamento provocativo e sedutor da mulher. Todos nós conhecemos frases do tipo “mereceu o abuso”; “você não sabia que ele era assim?”; “isso é normal”, “foi assim também comigo e eu suportei, pois Deus é mais”. Precisamos entender que mitos geram distorções, silêncios e preconceitos...

Alguns desafios precisam ser superados para a efetivação do enfrentamento à violência de gênero, por exemplo, a dificuldade e instabilidade das mulheres, em situação de violência, para denunciar e manter a denúncia; a incompreensão e a resistência dos agentes sociais responsáveis pelos atendimentos e encaminhamentos; a falta de apoio efetivo para as mulheres em situação de violência, no âmbito privado e público; a falta de programa de atendimento ao homem autor da agressão, com medidas eficazes de intervenção socioterapêuticas.

Sem dúvida, faltam políticas públicas — a Lei Maria da Penha não está sendo aplicada devidamente, pois, de seu texto resulta claro que a violência doméstica contra a mulher não pode ser tratada apenas como problema de justiça criminal, pois é uma questão de múltiplas dimensões[3]. É preciso sempre repetir: as leis não bastam.

Entretanto, essa violência doméstica que, durante séculos, o espaço da casa privatizou, não pode ser ignorada pelo estado. Essas mortes anunciadas em vários pontos do Brasil, dão uma medida do que vem ocorrendo: são necessárias medidas eficazes para o enfrentamento adequado, inclusive de natureza penal, se necessárias. É urgente agilizar e garantir a eficácia das medidas protetivas. O Brasil ratificou a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW)[4] e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher — Convenção de Belém do Pará[5] —, incluindo tais preceitos em seu ordenamento jurídico. Esta última Convenção, em seu artigo 7º estabelece que os Estados-Partes condenem todas as formas de violência contra a mulher e concordem em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas orientadas a prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em “incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher”, entre outras medidas.

Acrescente-se que a CF, em seu artigo 226, parágrafo 8º, estabelece que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

É preciso ter sempre presente que as intervenções do estado precisam ir muito além da responsabilização criminal do autor, enfatizando-se o exercício da cidadania das mulheres, as possibilidades de acesso à rede de serviços e à Justiça, buscando-se a implementação de ações educativas de prevenção, o fortalecimento das redes de atendimento e a capacitação de seus profissionais.

Entretanto, há de se buscar alternativas para que a efetivação plena da Lei Maria da Penha e, quando necessário, seu aprimoramento, com mecanismos que possam enfrentar a violência presente no cotidiano de milhares de mulheres brasileiras garantindo o estado, de modo eficaz, um bem jurídico altamente relevante: a vida e a integridade da saúde dessas vítimas, que continuam a morrer, muitas vezes, com a medida protetiva de urgência reduzida a um “mero pedaço de papel”.



[1] Dentre inúmeras decisões: STJ - AgRg no HC 292730 RS 2014/0086551-1; publicação: 05/06/2014; REsp 1477714/ 2014/0218656-0- j.23/10/2014; HC 298138 / RS HABEAS CORPUS 2014/0159212-3 (Processo T5 - QUINTA TURMA J.06/11/2014)


[2] Mapa da Violência 2012 Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil ; Coordenação: Julio Jacobo Waiselfisz- Centro Brasileiro de Estudos Latino--Americanos (CEBELA)/ Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais(FLACSO)-Brasil).


[3] Fixa a lei normas diretivas de políticas públicas em três eixos básicos: Proteção e assistência; Prevenção e educação; Combate e Responsabilização. Prevê a lei medidas multidisciplinares, com a adoção de políticas públicas necessárias para prevenir a violência contra as mulheres como ações educativas e culturais que interfiram nos padrões sexistas (educação como caminho indispensável para mudar comportamentos); planejamento adequado das ações, com base em dados e pesquisas ordenadas e racionais; Capacitação de profissionais envolvidos com a temática; assistência à mulher e à família em situação de violência e programas de intervenções socioterapêuticas em relação ao autor da agressão.


[4] A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW - Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women) foi aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas através da Resolução 34/180, em 18 de dezembro de 1979. Foi assinada pelo Brasil, com reservas na parte relativa à família, em 31 de março de 1981, e ratificada pelo Congresso Nacional, com a manutenção das reservas, em 1º de fevereiro de 1984. Em 1994, tendo em vista o reconhecimento pela Constituição Federal brasileira de 1988 da igualdade entre homens e mulheres na vida pública e privada, em particular na relação conjugal, o governo brasileiro retirou as reservas, ratificando plenamente toda a Convenção.


[5] Adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 06 de junho de 1994 - ratificada pelo Brasil em 27.11.1995.


Adélia Moreira Pessoa é advogada, professora, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB-SE. Presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM.



Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2014, 6h37

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