quarta-feira, 13 de julho de 2016

"Com Executivo e Legislativo em crise, o Judiciário tomou conta de tudo"





Por Lilian Matsuura e Marcos de Vasconcellos


Ada Pellegrini Grinover é uma das mais respeitadas juristas no país. Ao longo dos seus 83 anos, participou da reforma do Código de Processo Penal e do Código de Defesa do Consumidor, foi coautora da Lei de Interceptações Telefônicas, da Lei de Ação Civil Pública e da Lei do Mandado de Segurança, e, hoje, pesquisa meios alternativos de solução de controvérsias. Mas toda a sua experiência não foi suficiente para entender os decretos, empréstimos e créditos que levaram ao afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo.

“Quem é que entende isso? Um diz uma coisa, outro diz outra e o último que fala sempre parece que tem razão. É tudo muito estranho, muito delicado. Mas o julgamento vai ser político”, disse a processualista em entrevista concedida à ConJur. Enquanto o país não adotar outro regime de governo, afirma, os problemas políticos e econômicos continuarão a paralisar o país. A solução? Passa pelo parlamentarismo.

Ou então, brinca, importar um tirano da China. A professora voltou há pouco das férias que passou no país e se disse impressionada. Em dez anos, viu cidades completamente refeitas, sem as favelas e os cortiços que havia visto da primeira vez que visitou as terras chinesas. Planejamento, segundo Ada Pellegrini, traria grandes avanços para os brasileiros.

Em meio à crise vivida pelo Brasil, a advogada e parecerista entende ser fundamental o ativismo judicial, diante da omissão dos demais poderes. “Hoje, o Judiciário é um elemento de equilíbrio entre os demais poderes”, afirma, ao relembrar a decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a interrupção da gravidez nos casos de feto anencéfalo. À época, tramitavam diversos projetos de lei no Congresso Nacional para regulamentar a questão, mas o Legislativo foi lento demais para resolver o problema dos cidadãos.

Ela entregou há pouco à editora o livro Ensaios sobre a processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do processo, onde defende que a jurisprudência hoje em dia deve ter uma função criadora, ir além das interpretações da lei e da Constituição. É preciso acompanhar a mudança dos tempos, recomenda, antes de garantir: esse será seu livro mais polêmico.

Na conversa com a ConJur, Ada também fez críticas ao Judiciário – “Se o crime é daqueles que eles (juízes) não gostam, como tráfico, não reconhecem nulidade nenhuma, porque querem punir” –; à advocacia – “Quando vejo petições iniciais de 100 páginas eu também questiono: ‘Estão loucos?’” –; e ao Ministério Público – “O Ministério Público tem que descer do salto, esquecer essa história do promotor natural, onde cada um faz o que quer”.

Nascida em Nápoles, na Itália, chegou ao Brasil com a família aos 18 anos e aos 34 naturalizou-se brasileira. Dedicou-se à academia na Faculdade de Direito da USP, onde se tornou livre docente e onde deu aulas até a aposentadoria compulsória, aos 70 anos. Hoje em dia, dedica-se a elaborar pareceres e memoriais.

Da entrevista também participaram os jornalistas da ConJur, Mauricio Cardoso, Thiago Crepaldi e Claudia Moraes.

Leia a entrevista:

ConJur – Como o país chegou a esta crise?
Ada Pellegrini Grinover – Entendo que, enquanto o Brasil não adotar outro regime de governo, nada será solucionado. Trocar seis por meia dúzia não resolve nada. O presidencialismo, que concentra tudo no presidente da República, não funciona. É muito centralizador. O Parlamento também não funciona, porque num presidencialismo de coalização os partidos são a favor ou contra, ou seja, não é uma posição imune de influências, como deveria ser. Se não mudarmos para um parlamentarismo, o sistema não vai funcionar nunca.

ConJur – Não é grande demais a instabilidade de se poder trocar o presidente com mais facilidade?
Ada Pellegrini Grinover – É mais instável o governo, mas se o presidente não tiver voto de confiança, vai embora e escolhem outro. É maior a instabilidade, mas o trauma de um impeachment é muito pior, porque para tudo e o presidente é afastado no momento do recebimento da acusação – o que acho prematuro porque ainda não está condenado. Há muito tempo estou convencida de que os problemas do Brasil decorrem do regime de governo.

ConJur – O parlamentarismo conseguiria manter o país em movimento?
Ada Pellegrini Grinover – Sim, com ou sem governo, os países que seguem o parlamentarismo andam. Às vezes, andam melhor sem governo do que com. (risos)

ConJur – O nível dos deputados na votação do impeachment deixou muita gente chocada. A senhora entende que o parlamentarismo seria melhor para o país mesmo com o Congresso que temos hoje?
Ada Pellegrini Grinover – Sempre tem alguém bom, capaz de formar um governo. E se não for capaz, vai embora, escolhemos outro até acertar. O impeachment é muito grave, muito sério. Não se fala de outra coisa nesse país. Então, por pior que seja o Parlamento, sempre há alguém que sabe o que faz.

ConJur – A existência ou não do crime de responsabilidade faz diferença atualmente? Vemos na contagem de votos que é uma questão de partido, e não uma questão de Direito?
Ada Pellegrini Grinover – Sim, é uma questão política. A verdade é que, se continuarmos com o presidencialismo, deveria haver ao menos a previsão de um referendo renovatório. O presidente não está conseguindo governar? Quer tirá-lo do cargo? Fazemos o referendo. Se o povo não tem mais confiança no presidente, ele tem de ir embora. Por que ele tem de cometer um crime de responsabilidade para ser afastado? Outra coisa: quando você fala com qualquer estrangeiro, principalmente de países onde o regime é parlamentarista, ele não sabe o que é crime de responsabilidade, porque lá não tem, não é criminalizado. Eles não entendem. “Mas como é crime de responsabilidade se ela não roubou?”, questionam. É uma concepção difícil, precisa que ser do ramo para entender. Eu não sei se os decretos eram empréstimo ou se eram créditos. Quem é que entende isso? Um diz uma coisa, outro diz outra e o último que fala sempre parece que tem razão. É tudo muito estranho, muito delicado. Mas o julgamento vai ser político. E espero que realmente seja, porque se a presidente voltar, aí é que estamos perdidos.

ConJur – Aí a confusão se dá por completo.
Ada Pellegrini Grinover – São muito poucos hoje os países presidencialistas com o nosso modelo. Os Estados Unidos têm um parlamento forte, não deixam o presidente fazer tudo o que quer. Aqui, se a presidente tivesse pedido autorização para o decreto, você acha que o Congresso não autorizava? Claro que autorizava. Foi bobagem dela.

ConJur – E a pena para isso é o impeachment?
Ada Pellegrini Grinover – Não deveria ser. Agora, não é possível que uma só pessoa chefie todos os ministérios, a burocracia. Como pode um presidente da República ser chefe da burocracia? A burocracia é uma questão técnica. Não são necessários tantos cargos em comissão, poderíamos manter só o estritamente essencial e aproveitar o pessoal de carreira. São muitos gastos sem planejamento. Estou voltando da China. Vocês não imaginam o que é a China hoje. Em dez anos eles refizeram cidades inteiras. Beijing foi refeita. Eu conheci Beijing antes. Eram cortiços. Não sei quantas pessoas moravam num pequeno apartamento, com um banheiro comum, uma cozinha comum. Hoje não tem cortiço, não tem favela. Também fui para o interior da China e vi que todo mundo mora dignamente. Nós temos que importar um tirano. (risos) Não vou dizer um ditador porque é feio, mas um tirano provisório por 20 anos, fazer uma seleção entre os chineses.

ConJur – Vinte anos de provisório?
Ada Pellegrini – Ué, a nossa ditadura não durou isso? Quer dez anos? Em dez eles conseguem fazer tudo. É impressionante. Fizeram cidades novas! Eu não sei se pegaram aquelas pessoas e esconderam em um canto da China, mas andei pelo interior e vi pescadores, agricultores, todos com casas dignas. Não tem favela, não tem cortiço. Aqui não se planeja nada, não temos ferrovia. Queriam fazer e pararam no meio do caminho. O Minha Casa Minha Vida resolve a situação de quantas pessoas? Não tem planejamento, mas tem corrupção. É endêmica a corrupção nesse país.

ConJur – O sistema de financiamento de campanha é uma das razões para a corrupção no país?
Ada Pellegrini Grinover – Sem dúvidas, esse é um dos pontos. Quem financia uma campanha está esperando algum benefício como retorno, evidentemente. Mas, também, quem vai financiar as campanhas? Nós? Não há controle, não há fiscalização. Deixar à beira da falência uma empresa como a Petrobras, só com muito esforço.

ConJur – O Executivo está em crise, o Legislativo é omisso em relação às políticas públicas e o Supremo é obrigado a caminhar sobre ovos...
Ada Pellegrini Grinover – Caminhar sobre ovos? O Supremo tomou conta de tudo! Ele determina como que tem que ser o impeachment, determina se é válido ou não é válido...

ConJur – Mas não é um terreno perigoso? Como a senhora vê esse protagonismo do Judiciário?
Ada Pellegrini Grinover – Hoje o Judiciário é um elemento de equilíbrio entre os demais poderes. Até pelo fato de que os demais poderes são majoritários e o Judiciário tem mais propensão para julgar direitos de minorias, não é a vontade da maioria. Além de ser um fator de equilíbrio, o Judiciário tem tarefas que foram abertas com a Constituição de 1988. Naqueles princípios do artigo 3º da Constituição, os princípios fundantes do Brasil, tem questões que apontam para uma democracia diferente, que nós chamamos de democracia constitucional, de direito, ou democracia participativa, o desenvolvimento social. E no desenvolvimento social todos os poderes têm responsabilidades. Então, não adianta achar que o Judiciário não pode fazer o controle de políticas públicas. Pode e deve. Primeiro porque as políticas públicas estão inseridas no respeito à Constituição, portanto tem um controle de constitucionalidade. Segundo porque se os outros poderes se omitem, o Judiciário que é o poder de controle a posteriori, tem que agir. Mas o Elival da Silva Ramos, procurador-geral do estado de São Paulo, diz que o juiz não pode ser ativo.

ConJur – O ativismo judicial é muito criticado por ele.
Ada Pellegrini Grinover – Mas é uma loucura! O juiz atual tem que ser ativo, sim! Claro que tem que ter limites, que são a razoabilidade, a motivação, não pode se substituir ao administrador. Mas o juiz tem que ser ativo porque o Judiciário é protagonista do Estado de Direito. Ele é construtor do Estado de Direito e, se os outros poderes se omitem como acontece muitas vezes com as políticas públicas porque a administração não faz o que deveria fazer, a posteriori o juiz tem que intervir. O Judiciário está assumindo esse papel por omissão dos outros poderes. Por que foi o Supremo que teve que decidir sobre o aborto de fetos anencéfalos quando tinha 20 projetos de lei no Congresso dizendo a mesma coisa? Mas eles se divertem mais fazendo comissão parlamentar de inquérito ou fazendo o processo do impeachment... Então, a Justiça ocupa o espaço. E hoje a configuração do Judiciário é completamente diferente. O seu papel, a sua função é diferente.

ConJur – O que mudou?
Ada Pellegrini Grinover – Acabei de entregar à editora um livrinho de dez ensaios que vai se chamar Ensaio sobre a Processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do processo, em que digo todas essas coisas que parece que ninguém tem muita coragem de dizer. Por exemplo, sobre a jurisprudência. A jurisprudência hoje tem uma função criadora. Não adianta dizer que é só interpretação. Primeiro eram as súmulas, aí veio a eficácia vinculante das ações constitucionais, agora veio a eficácia vinculante de julgados e de precedentes no Código de Processo Civil. Tudo está mudando. Agora reconheceram que a arbitragem é jurisdição. Está na nova lei [Lei 13.129/2015]. Foi uma luta. Diziam que não é jurisdição porque nasce de um pacto privado. E por que a justiça conciliativa não é jurisdicional? Mediação e conciliação judiciais não visam também o acesso à Justiça? Por que se fala tanto em acesso à Justiça e nunca se ligou o acesso à Justiça ao conceito novo de jurisdição?

ConJur – Essa via de auto composição é o futuro?
Ada Pellegrini Grinover – Há muita resistência. A Justiça não está fazendo audiência de conciliação porque diz que não tem mediadores e conciliadores. Então, é cultural. O juiz está acostumado ao processo contencioso e o advogado está tomando pé da arbitragem.

ConJur – Esta é a pior crise pela qual o país já passou?
Ada Pellegrini Grinover – Das crises que assisti desde que cheguei ao Brasil, em 1951, sim. Teve a crise do Getulismo, sem dúvida nenhuma, teve a crise do Jânio, mas não afetou tudo tão profundamente. É impressionante como tudo está parado. Nós tínhamos um nível de desemprego razoável, não era dos mais altos, agora está lá em cima. A renda das pessoas tem caído, assim como a confiança no país. Eu esperava que [o presidente interino Michel] Temer pudesse pelo menos inspirar mais confiança, mas não é o que está acontecendo. Ele ainda não conseguiu injetar segurança e esperança no país.

ConJur – É difícil passar segurança depois da queda de três ministros.
Ada Pellegrini Grinover – E sob suspeita de corrupção.

ConJur – Essa visão que temos hoje de que a corrupção está alastrada em todos os espaços do governo faz com que as pessoas queiram leis mais pesadas, uma Justiça mais dura. É uma solução para o problema?
Ada Pellegrini Grinover – A sociedade quer a pena de morte. Se fizermos uma pesquisa de opinião, é certo que as pessoas vão querer pena de morte, o que não adianta nada. Aumentar a punição também não adianta. Hoje tudo virou crime hediondo.

ConJur – E até o Supremo já admite a execução da pena antes do trânsito em julgado.
Ada Pellegrini Grinover – Fez muito bem.

ConJur – Fez bem?
Ada Pellegrini Grinover – Muito bem. A lei deve ser aplicada de acordo com as mudanças da realidade. No momento em que a Constituição de 1988 foi promulgada, ela precisava ser libertária, garantista – até exagerou neste ponto, porque criou tantos direitos que tudo foi constitucionalizado e pode ir para o Supremo. A situação era outra quando se interpretou como presunção de inocência a não possibilidade de prisão depois da sentença. Os processos penais não duravam tanto tempo, a criminalidade era outra. Não era a criminalidade econômica, mas a do ladrão de galinhas, do assassino passional.

ConJur – A criminalidade econômica não acontecia ou não era conhecida?
Ada Pellegrini Grinover – Eu acho que sempre aconteceu, desde a República. Quando Rui Barbosa, na Primeira República, foi ministro da Fazenda, dizem que já naquela época começou a corrupção. Não tenho esse fato comprovado, mas dizem que por ordem dele foi autorizada a importação de não sei quantos milhares de bidês da França. E foi aí que começou a nossa dívida externa. Então, acredito que crimes econômicos sempre existiram, só que agora temos mais transparência.

ConJur – Na época da Assembleia Constituinte, o crime econômico era mais às escuras? A Constituição de 88 não foi editada para uma realidade de combate ao crime econômico?
Ada Pellegrini Grinover – Não, não se estava combatendo o crime econômico. Fui advogada criminalista em um tempo que o crime econômico nem existia. Nunca vi crime organizado, máfia, organização criminosa, empreiteiras que fraudavam. Pode ser que sempre tenham fraudado, mas não tinha transparência nenhuma. A criminalidade era outra, a sociedade era outra, o tempo dos processos era outro. Hoje em dia, uma reclamação para o STF leva três anos para ser julgada. Então, como você vai esperar o trânsito em julgado para colocar alguém na cadeia? A realidade social mudou e, com isso, é preciso interpretá-la de acordo com a situação atual, e não de acordo com o que o legislador queria naquela época.

ConJur – A vontade do legislador já foi uma forma de interpretar a Constituição, não é?
Ada Pellegrini Grinover – Mas isso está completamente superado. As cláusulas pétreas! Uma Constituição pode ter cláusulas pétreas? Uma nova Constituição não pode dizer outra coisa? Mas voltando à decisão do STF sobre a execução da pena, trata-se de uma interpretação evolutiva. Leia Eros Grau, leia Luís Roberto Barroso sobre isso. O relator [ministro Teori Zavascki] fundamenta a decisão sobretudo no Direito Comparado, porque isso não existe em legislação nenhuma, e no princípio da proporcionalidade de um bem em relação a outro.

ConJur – Mas a norma não fala trânsito em julgado?
Ada Pellegrini Grinover – Fala.

ConJur – E isso não foi atropelar uma previsão constitucional?
Ada Pellegrini Grinover – Mas a norma não diz que é proibido prender até o trânsito em julgado. Diz que há presunção de inocência até o trânsito em julgado.

ConJur – Então o acusado pode ser preso mesmo que seja inocente?
Ada Pellegrini Grinover – Ele não pode ser preso em flagrante? Preso preventivamente? A Constituição nunca disse que não pode ser preso. Ela foi interpretada. Primeiro o Supremo entendeu que podia prender, depois vieram os garantistas, dizendo que não pode prender – eu mesma já sustentei essa tese. E agora mudou de novo a interpretação.

ConJur – A senhora sustentou essa tese quando tinha clientes presos?
Ada Pellegrini Grinover – Não. Defendi essa tese pouco tempo depois de a Constituição entrar em vigor e, naquela época, para mim, esse era o sentido. Mas hoje faço uma análise de jurisprudência evolutiva, de interpretação evolutiva. As situações mudam e você tem de interpretar a Constituição e as leis de acordo com a situação atual.

ConJur – E o processo precisa mudar? Ser mais curto, já que do jeito que ele está hoje demora muito para ser julgado?
Ada Pellegrini Grinover – São muitos os recursos, que estão previstos na Constituição, como o Recurso Especial, o Recurso Extraordinário. Está tudo na Constituição, não foi a lei processual que os previu. Aliás, estão fazendo um novo Código de Processo Penal que é péssimo.

ConJur – O que precisa mudar no Código de Processo Penal, na sua opinião?

Ada Pellegrini Grinover – Bom, a defesa deveria ter poderes para investigar, o que é permitido em vários países. As últimas reformas do CPP foram feitas pela comissão que eu presidi. Tem coisas que estão bem, como as medidas cautelares. Não sei se mantiveram no projeto que tramita no Congresso, mas é importante que tenha um juiz diferente para definir as medidas cautelares.

ConJur – Um juiz de instrução?
Ada Pellegrini Grinover – O juiz que determina as medidas cautelares não é aquele que vai julgar, porque aquele que determina as medidas cautelares já está com alguma ideia pré-concebida. Outra preocupação do CPP deve ser com o Habeas Corpus. Hoje, está sendo usado para tudo. A Defensoria Pública usa o HC para qualquer ato processual, não se recorre mais no processo penal. Os tribunais superiores estão atolados de Habeas Corpus, que parece ser hoje o único instrumento processual penal. Esse é o remédio que garante a liberdade, não é para trancar inquérito. A prisão preventiva também é uma questão importante no CPP, que precisa ser melhorada. Hoje prendem preventivamente e o acusado pode ficar lá pelo resto da vida. Há muitos casos em que a pessoa sequer é julgada. O sistema penal funciona muito mal. Tem também o fato de que o promotor não sabe mais acusar.

ConJur – Qual o problema da acusação?
Ada Pellegrini Grinover – O promotor se perde em minúcias que não têm a menor importância. Denúncias com 60, 80, 100 páginas que não dizem o que importa: qual é o fato imputado a cada um. Organização criminosa? Quem fez o que? É impressionante o número de denúncias de 100 páginas consideradas ineptas.

ConJur – E como resolver essa situação?
Ada Pellegrini Grinover – Essa é a parte mais delicada. Como acabar com a briga entre Ministério Público e Polícia? Quando presidi a comissão de reforma do CPP, não conseguimos aprovar essa parte da reforma, porque o Ministério Público queria tudo para si, a Polícia queria tudo para si e eles não conseguem trabalhar em conjunto. Agora o Supremo entendeu que o Ministério Público pode investigar, mas não estabeleceu nenhum critério para essa investigação, nem disse em quais casos, nem se é excepcional ou não. A influência do MP sobre um juiz é impressionante. É um absurdo o que acontece nas interceptações telefônicas, por exemplo.

ConJur – Por quê?
Ada Pellegrini Grinover – As autorizações não são fundamentadas, não têm prazo definido – o juiz vai prorrogando indefinidamente. Quando termina, o sigilo é levantado e a defesa é intimidade para falar sobre as interceptações, que são degravadas pela própria Polícia. Você não sabe como são degravadas nem se foram só as partes que interessaram para a acusação. A defesa teria que ouvir as gravações, mas como fazer isso se foram dois anos de interceptação e tem 30 dias para apresentar a defesa? É impossível. A Polícia não investiga mais, não sabe investigar! Começa com o grampo – e a lei diz que o grampo só é possível quando não há outra prova. Então, a defesa está prejudicada e a acusação está prejudicada por inépcia dos promotores que agora só querem saber de ação civil pública. Promotor não quer mais saber de acusação penal.

ConJur – Durante a operação satiagraha, que foi derrubada pela STJ em 2011, as interceptações telefônicas foram muito discutidas.
Ada Pellegrini Grinover – O STJ anulou o processo com base em um parecer meu.

ConJur – E o que a senhora argumentava em seu parecer?
Ada Pellegrini Grinover – Argumentei que houve um vício na investigação, porque não foi feita pelo órgão competente, que era a Polícia, mas pela Abin [Agência Brasileira de Inteligência]. Acho que contribuí para o decreto de prisão do delegado Protógenes Queiroz, o “grande herói da nação”. A operação foi uma arbitrariedade só. Não discuto o mérito, sou processualista, mas tem alguma coisa errada em uma investigação feita pela Abin a pedido da Telecom Itália.

ConJur – A senhora consideraria válidas como prova as gravações feitas pelo [o ex-presidente da Transpetro] Sérgio Machado com integrantes da cúpula do PMDB, onde discutiram a “lava jato”?
Ada Pellegrini Grinover – A gravação clandestina de conversa própria não tem regulamentação legal. Tem a construção da jurisprudência, que ainda é oscilante. Uma parte diz que segue o mesmo regime das interceptações e outros dizem que não, que se é de conversa própria pode utilizar como quiser. Não há regulamentação legislativa, então entendo que a gravação clandestina se sujeita ao mesmo regime da interceptação, que só pode ser utilizada sem autorização judicial se for em benefício próprio, não para acusar terceiros. Mas a jurisprudência ainda não está sólida.

ConJur – Ele está negociando um benefício, que é o benefício da delação premiada. Esse seria um benefício próprio válido?
Ada Pellegrini Grinover – Seria.

ConJur – A principal atividade do Ministério Público é denunciar. O que fazer para que esse trabalho seja bem feito?
Ada Pellegrini Grinover – Primeiro, o Ministério Público tem que descer do salto, esquecer essa história do promotor natural, onde cada um faz o que quer. Eles não têm de dar satisfação a ninguém, não têm de pedir autorização para nada, fazem as bobagens que quiserem. E eles só fazem cursos na Escola do Ministério Público, que são cursos dados em geral pelos próprios integrantes do MP. Então, não ouvem ninguém. É muito raro ter promotores em nossos cursos de mestrado e doutorado.

ConJur – A Constituição de 1988 deu poderes demais para o MP?
Ada Pellegrini Grinover – A Constituição deu poder para o Ministério Público, mas eles inventaram o princípio do promotor natural por conta própria. Esse princípio é um absurdo. Não pode existir uma instituição com tanto poder que não receba nenhuma orientação. De onde tiraram essa história de que podem fazer o que quiserem? Deve haver diretrizes, indicações do que é importante e do que não é importante. Um dos advogados que trabalha em parceria comigo me chama de “o terror do Ministério Público” (risos). Mas me dou muito bem com a maioria deles. Não são todos que trabalham assim.

ConJur – A senhora criticou denúncias de 100 páginas e consideradas ineptas. E como avalia petições enormes apresentadas pelos advogados?
Ada Pellegrini Grinover – Quando vejo petições iniciais de 100 páginas eu também digo: “Estão loucos?”. Petições com 50 preliminares, a maioria delas furadas. O advogado civil perde o foco, não sabe distinguir o que é importante do que não é, não sabe qual é o ponto fulcral. O juiz vai ler uma petição inicial de 150 páginas? Contestações de 300? A advocacia está mal. Tudo está mal: advocacia, Ministério Público, juízes, todas as carreiras jurídicas. Eu faço pareceres, tanto no processo civil como no processo penal, e também faço memorais, quando o caso está no tribunal. Um memorial tem de ser curto e grosso, não pode repetir o que você disse no recurso. De que adianta repetir o que está no recurso e entregar para o ministro ou para o desembargador? Tem que ser um resumo do resumo.

ConJur – Quantas páginas tem um memorial da senhora?
Ada Pellegrini Grinover – No máximo, seis páginas.

ConJur – E os seus pareceres?
Ada Pellegrini Grinover – Nos pareceres tenho que citar doutrina, então são maiores. Têm entre 30 e 40 páginas.

ConJur – Em média, quanto custa um parecer?
Ada Pellegrini Grinover – Um parecer no campo penal varia muito, porque tem o pobre coitado que não tem onde cair morto e está preso, e você faz quase de graça, e tem empresários. O meu preço é por volta de R$ 100 mil. No processo civil é por volta de R$ 120 mil. Dá muito trabalho fazer um parecer. Quando alguém me consulta sobre um parecer, eu aguardo toda a documentação chegar para formar a minha posição sobre o assunto. Eu primeiro examino e digo se acho viável ou não. O prestígio do parecerista está justamente nisso: trabalhar com teses em que ele acredita.

ConJur – A senhora disse que hoje o Supremo está menos garantista. O Judiciário em geral está menos garantista?
Ada Pellegrini Grinover – Acho que o problema é outro. Eu dou pareceres em processos, então não estou interessada nem no fato nem no direito material, e tenho encontrado nulidades flagrantes. E o que tribunal faz? Vai ver o crime. Se o crime é daqueles que eles [os juízes] não gostam, como tráfico, não reconhecem nulidade nenhuma, porque querem punir. Tenho sentido muito isso, encontrado vícios de incompetência. Saem pela tangente porque o crime é de tráfico.

ConJur – Tanto na segunda instância quanto no STJ, no Judiciário como um todo?
Ada Pellegrini Grinover – Principalmente no STJ. A 5ª Turma do STJ era considerada uma turma muito dura e a 6ª Turma era considerada mais garantista. Agora inverteu. Há um acirramento, um quase pré-julgamento em relação a determinados crimes. ConJur – É papel do Judiciário combater a corrupção?
Ada Pellegrini Grinover – Não, não é papel do Judiciário.

ConJur – É papel do Ministério Público?
Ada Pellegrini Grinover – O papel do Judiciário pode ser punir e do Ministério Público acusar, para que não aja impunidade. Mas o combate à corrupção é um problema de política criminal, não é nem do Ministério Público e nem do Judiciário. Não é papel deles. Aliás, quando o Judiciário se apega ao tipo de crime que ele acha pior para justificar o desrespeito ao devido processo legal, eu fico com raiva. Eles estão fazendo muito isso.

ConJur – A senhora acha que no processo da “lava jato” o devido processo legal tem sido atropelado em nome do combate à corrupção ou a um mal maior? Esse processo segue caminhos melhores do que a satiagraha?
Ada Pellegrini Grinover – Na satiagraha, a investigação estava toda errada. Na lava jato, o juiz é competente. Acontece que ele está com muitos processos. Ele virou o juiz universal anticorrupção. Desrespeita-se o foro, desrespeita-se o lugar do fato. “É corrupção? Vai para o [Sergio] Moro.” Não pode ser assim. Mas, para dizer a verdade, não conheço o processo a fundo.

ConJur – Essa ideia de mandar tudo para o juiz Sergio Moro pode gerar nulidade das condenações?
Ada Pellegrini Grinover – Pode, claro. Aliás, tem vários advogados que trabalham nesses casos que levantaram a incompetência. Está errado ele virar o juiz universal anticorrupção.

ConJur – Mas nada foi anulado. A senhora acredita que há a possibilidade de anulação?
Ada Pellegrini Grinover – Por incompetência territorial? A regra da competência está fixada na Constituição, que é onde se limita o princípio do juiz competente. O foro é determinado pela lei e a lei pode prever a uma série de coisas. Se se tratasse de justiça incompetente, aí seria um problema constitucional.

ConJur – No âmbito estadual e federal, por exemplo?
Ada Pellegrini Grinover – Sim. Conflito de competência entre a Justiça trabalhista e a comum, por exemplo.

ConJur – Isso geraria nulidade?

Ada Pellegrini Grinover – Até inexistência do processo. Mas se se trata de uma competência prevista na lei, a lei pode também expor a prorrogação, a prevenção, tudo o que quiser. Então, não sei porque estão mandando tudo para o juiz Sergio Moro. Acredito que seja pela prorrogação de competência. Para mim, não é o problema de juiz natural que torna inexistente ou nulo o processo.

ConJur – A senhora considera Sergio Moro um bom juiz?
Ada Pellegrini Grinover – Ele é um pouco precipitado. De vez em quando, pisa na bola, mas não é um mau juiz. Trabalha bem, só que às vezes se empolga, como todo jovem sob holofotes.

ConJur – Como na divulgação do telefonema da presidente Dilma [Rousseff] para [o ex-presidente] Lula?
Ada Pellegrini Grinover – Pois é, foi uma bobagem levantar o sigilo quando não havia provas do fato investigado. Pisou na bola. É difícil resistir quando se é jovem, com todos os holofotes em cima. Mas ele se penitenciou, pediu desculpas. Ele fez algumas bobagens, e essa não foi a única.

ConJur – Alguns advogados mais implicantes dizem que o juiz Sergio Moro é o novo Fausto De Sanctis.

Ada Pellegrini Grinover – Ah não! A sentença do juiz Fausto De Sanctis no caso da operação satiagraha foi uma loucura. Vocês lembram dessa sentença condenatória? As ilações que faz do comportamento extraprocessual de Daniel Dantas. Aquela sentença também tem mais de 300 páginas.

ConJur – A senhora falou sobre a forte influência do MP sobre o juiz nas interceptações. A razão dessa influência passa pelo duplo papel que o MP tem na Justiça, de fiscal da lei e de parte acusatória?
Ada Pellegrini Grinover – Não, não acho. Imagina na Itália, onde Ministério Público e juiz são intercambiáveis? Lá, quem faz um concurso para o Ministério Público pode ser juiz. Realmente, é muito sério. Mas aqui não, até porque são diferentes as funções que desempenha no processo penal e nos processos em que é fiscal da ordem pública. A questão é que o Ministério Público tem mais acesso ao juiz, fala no ouvido. E o advogado não tem esse contato direto.

ConJur – Porque na “lava lato” vemos que o Ministério Público age junto do juiz.

Ada Pellegrini Grinover – Esse é o perigo. A defesa se complica.

ConJur – O MP deveria fazer mais acordo na área penal?
Ada Pellegrini Grinover – Deveria! Diminuição da pena privativa de liberdade, escolha do procedimento, claro que deveria!

ConJur – E por que não faz? É uma cláusula pétrea da Constituição?
Ada Pellegrini Grinover – É. O devido processo legal diz que ninguém pode aceitar uma pena se não depois de um processo. Não se pode transigir em Processo Penal. Cláusula pétrea: ninguém pode aceitar uma pena sem o devido processo legal. Se eu sou denunciado por um crime com pena de 15 anos, na Itália posso fazer um acordo com o Ministério Público e aceitar uma pena de 7 anos. Aqui no Brasil, não.

ConJur – Seria um avanço conseguir fazer esses acordos?
Ada Pellegrini Grinover – Seria, lógico! Acho até que o princípio da oportunidade seria um passo adiante. Deixar de fingir que conseguimos investigar todos os crimes. A Polícia não leva adiante o inquérito, a prescrição vem de propósito. Seria bom que se deixasse escolher os crimes a punir.

ConJur – Temos chance a chegar a isso? Ou só daqui a 250 anos?
Ada Pellegrini Grinover – São coisas enraizadas na cultura. Dizem que não se pode permitir porque haverá ofensa ao princípio da obrigatoriedade. Mas não há ofensa quando o delegado está colocando na gaveta algumas investigações? Precisamos parar de fingir que existe o princípio da obrigatoriedade. Não existe. Poderíamos dar ao Ministério Público o poder de decidir se vale a pena ou não perseguir, com controles, claro.

ConJur – Os acordos de delação não conseguem, de certa forma, negociar a pena?
Ada Pellegrini Grinover – A delação é uma negociação. É uma redução da pena; mas não basta delatar, precisa comprovar que aquela delação levou à descoberta efetivamente de provas sólidas e depois o juiz é quem decide, quem aceita ou não a delação e pode diminuir a pena. Mas é uma forma, sim, de negociar.

ConJur – A senhora é a favor do maior uso de delações, como tem acontecido?
Ada Pellegrini Grinover – A delação é muito apropriada para os crimes econômicos, porque são muito difíceis de apurar.



Lilian Matsuura é repórter da revista Consultor Jurídico.

Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 12 de julho de 2016, 8h32

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Santander consegue reduzir indenização por assédio moral a bancário que teve depressão




A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho reduziu de R$ 100 mil para R$ 50 mil o valor da indenização devida pelo Banco Santander (Brasil) S.A. a um bancário com depressão que sofreu assédio moral e tratamento vexatório por parte de seus superiores com cobranças de metas exageradas, sob ameaça de demissão.

O empregado pediu a indenização em ação trabalhista julgada na Vara do Trabalho de Olímpia (SP), contando que trabalhou na empresa por 25 anos, até ser dispensado em 2013, quando estava doente. Ao deferir a indenização (R$ 100 mil), o juízo registrou que, de acordo com testemunhas, as metas estabelecidas pelo banco eram "quase impossíveis de serem alcançadas", gerando pressão psicológica no empregado pelo gerente da agência e pelo gerente regional.

O banco negou a imposição das metas abusivas e o uso de ofensas e ameaças, mas o Tribunal Regional manteve a sentença, reconhecendo a irregularidade da dispensa quando o empregado estava sabidamente doente. Embora tenha sido cancelada posteriormente pelo empresa, o empregado já havia sido afetado pelo transtorno da dispensa. "É inadmissível que a busca por melhores resultados ocasione ofensa à honra do trabalhador e a deflagração de doença psiquiátrica", afirmou o TRT.

Para o Regional, a despeito de o empregado apresentar quadro depressivo desde 2008, o banco, inadvertidamente, "exerceu o seu poder potestativo sem atentar para a fragilidade da sua saúde". O perito reconheceu o nexo de causalidade entre a demissão e a patologia, e testemunhas revelaram a desproporcionalidade da cobrança do cumprimento de metas.

Redução

O Santander recorreu ao TST e conseguiu reduzir o valor da indenização. Segundo a relatora do recurso, ministra Dora Maria da Costa, embora o Tribunal Regional tenha reconhecido a ilicitude praticada pelo banco, suscetível de efetiva reprimenda e reparação, a fixação do montante não observou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade diante das circunstâncias do caso, que "não evidenciou tamanha repercussão na esfera íntima e social do empregado capaz de justificar indenização tão vultosa".

Assim, levando em consideração a extensão e a gravidade da ofensa e o caráter compensatório e pedagógico da indenização, a relatora considerou razoável a redução do valor para R$ 50 mil.

A decisão foi por maioria, ficando vencido o ministro Hugo Carlos Scheuermann, que não conhecia do recurso.

(Mário Correia/CF)

Processo: RR-1258-22.2013.5.15.0107

O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte: TST 

Editais abrem prazo para manifestação de interessados em dois novos recursos repetitivos




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O Tribunal Superior do Trabalho publicou dois editais de intimação abrindo prazo de 15 dias para os interessados em prestar informações ou requerer admissão no feito na condição de amici curiae sobre duas matérias que são temas de processos que tramitam sob o rito dos recursos repetitivos. As manifestações devem ser encaminhadas por meio de petição.

O primeiro processo, da relatoria do ministro Guilherme Caputo Bastos, trata da aplicação ou não à TAP Manutenção e Engenharia Brasil S. A. da responsabilidade por dívidas trabalhistas de uma filial da Varig S. A., adquirida em 2006 no curso do processo de recuperação judicial. O segundo, que tem como relator o ministro José Roberto Freire Pimenta, discute a questão dos honorários advocatícios em reclamações trabalhistas com justiça gratuita.

TAP X Varig

No primeiro processo, a reclamação trabalhista foi ajuizada por um empregado da Varig contra ela e demais empresas do grupo econômico existente até 2006. A TAP Manutenção foi condenada solidariamente na condição de sucessora de uma dessas empresas, a Varig Engenharia e Manutenção (VEM S.A.). A condenação baseou-se na Orientação Jurisprudencial 411 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST (SDI-1). No recurso, ela alega que a Lei de Falências (Lei 11.101/2005) isenta de responsabilidade trabalhista o adquirente de filiais ou unidades produtivas de empresas falidas ou em recuperação judicial, como no caso.

O caso chegou no dia 27 de junho ao Tribunal Pleno, que, acolhendo questão de ordem, decidiu submeter o processo ao rito do incidente de recursos repetitivos. A questão jurídica a ser discutida é: "Aplica-se à TAP Manutenção e Engenharia Brasil S.A. o preceito insculpido no artigo 60, caput e parágrafo único, da Lei 11.101/2005 ou o entendimento preconizado na Orientação Jurisprudencial 411 da SBDI-1?".

Leia aqui a íntegra do edital, publicado no dia 6/7.

Processo: E-ED-ARR-69700-28.2008.5.04.0008

Honorários X justiça gratuita

No segundo caso, a Flytour Agência de Viagens e Turismo Ltda., de Porto Alegre (RS), questiona condenação ao pagamento de honorários advocatícios aplicada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em ação movida por uma ex-empregada que obteve o benefício da justiça gratuita sem a assistência sindical. Ao examinar recurso da empresa, a Sétima Turma do TST afetou o caso à SDI-1.

A questão jurídica discutida é: "Possibilidade de deferimento de honorários advocatícios em reclamações trabalhistas típicas – portanto envolvendo trabalhadores e empregados, sem a observância de todos os requisitos constantes no artigo 14, caput e parágrafos 1º e 2º, da Lei 5.584/70, tal como hoje previsto nas Súmulas 219 e 329 do Tribunal Superior do Trabalho, em face do disposto no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal de l988, segundo o qual ‘o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos', inclusive a título de indenização por perdas e danos, nos termos dos artigos 389 e 404 do Código Civil".

Leia aqui a íntegra do edital, publicado no DEJT no dia 7/7.

Processo: RR-341-06.2013.5.04.0011

Recursos repetitivos

A sistemática dos recursos repetitivos foi introduzida no processo do trabalho pela Lei 13.015/2014. Segundo o texto legal, se o TST, ao receber um recurso de revista, considerar que a matéria é repetitiva, todos os recursos que estiverem nos TRTs sobre o mesmo tema ficarão sobrestados aguardando a decisão do primeiro caso – o chamado recurso paradigma, ou leading case. Decidido o paradigma, todos os demais que estavam sobrestados deverão ser julgados no mesmo sentido.

O procedimento dos incidentes de julgamento de recursos repetitivos foi regulamentado no TST pela Instrução Normativa 38/2015.

Fonte: TST

Avô não é obrigado sempre a pagar pensão aos netos em caso de morte do pai



Ministros da Quarta Turma decidiram, por maioria, que avô não assume automaticamente a obrigação de pagar pensão alimentar a neto em caso de falecimento do pai. A decisão cassou acórdão de Tribunal de Justiça que determinava a obrigação, em um caso concreto.

O caso analisado envolvia um rapaz que recebia de seu pai pensão alimentícia de dois salários mínimos, além do pagamento da mensalidade de um curso universitário. A pensão foi pactuada após reconhecimento judicial da paternidade.

Com a morte do pai, o alimentante buscou na Justiça que a obrigação fosse cumprida pelo avô. O argumento utilizado é que o falecido possuía como bens apenas cotas em uma empresa do ramo da construção civil, sociedade familiar controlada pelo avô do alimentante.

No pedido inicial, a justificativa é que, como a herança seria advinda de cotas sociais de empresa em que o avô era o controlador majoritário, a obrigação de pagar a pensão seria transferida de forma automática para ele.

Justificativa

O ministro relator do recurso, Antonio Carlos Ferreira, votou por negar o pedido do avô de se eximir de pagar a pensão. Já o ministro Raul Araújo, relator do voto-vista, que abriu divergência na questão, explicou que a conclusão do tribunal é precipitada, pois o alimentante não justificou devidamente por que o avô seria obrigado a arcar com a responsabilidade.

“Essas alegações, porém, não foram levadas em conta, sendo desconsiderado o caráter complementar da obrigação dos avós. Com efeito, sequer foi abordada a capacidade da mãe de prestar alimentos, assim como o fato de que o alimentante teria, possivelmente, direito ao recebimento de pensão pela morte do pai, ou poderia ter os alimentos supridos pelo espólio”, argumentou o ministro.

O ministro Marco Buzzi, que acompanhou a divergência, lembrou que a obrigação tem caráter personalíssimo e mesmo com as exceções que comporta, o caso em questão não se enquadra em nenhuma delas.

Para os magistrados que votaram a favor do recurso, o pedido do alimentante não justificou a insuficiência financeira dele e dos parentes mais próximos, bem como não fez nenhuma menção à herança do pai falecido, em estágio de inventário.

O caminho ideal, segundo os ministros, é que o alimentante buscasse outras formas de receber a pensão, como um pedido de adiantamento do espólio do pai falecido.

Com a decisão, além de o avô não estar mais obrigado a pagar a pensão, os ministros reafirmaram entendimento da corte no sentido de que a obrigação de prestar alimentos por avós somente ocorre de forma complementar e subsidiária, não sendo possível a transferência automática da obrigação.

*O número deste processo não é divulgado por estar em segredo de justiça.

Fonte: STJ

Especialista da FGV defende choque de eficiência na mediação de conflitos





Para o professor Joaquim Falcão, coordenador de um dos grupos da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, a discussão sobre a solução de conflitos fora do Judiciário, além de uma boa ideia, é uma necessidade. O evento tem o apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Joaquim Falcão é professor do curso de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor de diversas pesquisas sobre o funcionamento do Judiciário no País. Durante a jornada, que ocorre nos dias 22 e 23 de agosto em Brasília, ele coordenará o grupo que discute outras formas de mediação de conflitos.

O professor considerou oportuno o momento para realização do evento e disse que, hoje, não há ideia mais forte em discussão do que a resolução de conflitos na modalidade extrajudicial. Ele destacou que são inúmeras as possibilidades de solução.

“Por exemplo, há uma técnica que começa a ser aceita, que é dos painéis de resolução de disputas (Dispute Board), diferente da mediação ou da arbitragem. A vantagem dessas outras soluções que estão começando a imaginar, criar e inovar é que não são reguladas”, observou.

É preciso, a seu ver, “pensar em soluções com base na autonomia das partes. Arbitragem e mediação são reguladas, temos que deixar espaço para a imaginação das partes e sua autonomia de solucionar conflitos”. Outro exemplo dado foi a criação de núcleos de solução de conflitos nas escolas, com o objetivo de resolver questões como o bullying.

Governo litigante

Sobre o grande número de ações que envolvem a administração pública de todos os níveis (municipal, estadual e federal), Joaquim Falcão disse que há medidas normativas e outras de legislação que podem ser tomadas para reduzir o índice de litigância do setor público. Ele citou, como exemplo, os advogados públicos, que têm dificuldades em resolver conflitos sem a necessidade de uma ação judicial.

“Uma das propostas que a gente recebeu é para os profissionais advogados públicos. Que se fizessem transações extrajudiciais, eles não fossem responsabilizados, a não ser que tivessem dolo ou má-fé na conduta. Os profissionais ficam com receio de fazer isso e serem responsabilizados depois. É preciso ter essa tranquilidade institucional para eles”.

Além do governo, o professor destacou a crescente demanda nas causas de massa, principalmente decorrentes de relações de consumo. Joaquim Falcão apostou na tecnologia para mediar esses conflitos diretamente entre consumidores e empresas, de forma a não estrangular os tribunais com demandas que poderiam ser resolvidas entre as partes.

“O futuro será de solução de conflitos extrajudiciais através da tecnologia. São conflitos de massa, em que os custos devem ser os mínimos possíveis, e a solução encontrada com brevidade. É preciso democratizar a solução extrajudicial dos conflitos”.

Trabalho

No caso da Justiça do Trabalho, o professor da FGV citou uma peculiaridade encontrada após uma pesquisa. Um grupo de pesquisadores investigou onde eram resolvidas as questões relativas a trabalho e descobriu que grande parte das soluções eram firmadas em acordos “de corredor”.

O especialista lembrou que em muitos casos a empresa já sabia que ia perder, por isso firmava um acordo com o trabalhador dentro do fórum, momentos antes da audiência. Para ele, a pesquisa provou que os acordos funcionam e devem ser estimulados sempre que possível, como forma de desafogar o Judiciário.

Processualismo

Segundo o professor, quem usa o Judiciário tende a voltar, e quanto maior o grau de instrução, maior a probabilidade de acionar a Justiça quando algo não é resolvido. Os dados de outra pesquisa apontam para uma crescente demanda do setor. Para ele, é importante verificar as causas do congestionamento na Justiça, que vão além do simples excesso de demanda.

“O fator que aumenta os custos e a burocratização é a formalização do direito. O processualismo é uma patologia do direito processual. No Brasil as camadas menos privilegiadas não têm acesso à Justiça, e outros têm acesso demais. Isso, somado à burocratização e ao formalismo, ao processualismo patológico, aumenta os custos. Por isso, antes de tudo, precisamos de um choque de eficiência”.

Joaquim Falcão ressaltou que é preciso resgatar a capacidade das pessoas de escolherem livremente como querem resolver seus conflitos, tendo o cuidado para que não ocorram situações em que prevaleça a vontade do mais forte.

Fonte: STJ

NJ Especial - Perigo nos bastidores do show: fábricas de fogos de artifício são palco de trágicos acidentes de trabalho



Festas juninas: as alegrias e tristezas por trás dos fogos.

Brincadeiras, danças, comida boa, fogueira, canjica, quentão e fogos de artifício iluminando o céu! Tudo isso torna as Festas Juninas uma das festividades mais esperadas de canto a canto do Brasil. Aqui, em Minas, diríamos: "É bom demais da conta"! E de tão boa, a tradição acabou se esticando até julho, com as não menos famosas Festas Julinas.

Quase tão tradicionais quanto os quitutes nas festas juninas, são os fogos, rojões e bombas. Segundo a cultura popular, eles servem para "despertar São João". Porém, nem tudo é brincadeira! Os fogos de artifício são produtos perigosos e a explosão é o principal perigo da sua fabricação e uso. Os riscos para quem "solta" fogos: um problema de saúde pública.

Segundo pesquisa realizada em 2015 pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), os acidentes envolvendo fogos de artifício triplicam no mês de junho, devido às festas juninas em todo o país. É que, nos momentos de festa, as pessoas bebem, perdem um pouco o senso do perigo e começam a transgredir algumas regras básicas de segurança. O resultado, segundo o levantamento, é o aumento de traumas ortopédicos registrados nas emergências dos hospitais nesse período do ano, sendo a amputação de membros o mais grave desses traumas.

Problemas auditivos gerados por estampidos também são registrados. As queimaduras, muito frequentes, principalmente entre crianças de 3 a 12 anos, podem ocorrer nos olhos, inclusive, com a possibilidade de causar cegueira, ou nas mãos, podendo gerar amputação de dedo ou da própria mão. A maior causa de óbitos são as queimaduras maiores, que envolvem grande parte do corpo.

Os danos causados às pessoas pelo uso dos fogos de artifícios nessa festa típica são tidos como sério problema de saúde pública, já que, assim como as festas, os acidentes ocorrem de norte a sul do país. E, para não estragar a folia durante os festejos juninos e julinos, alguns cuidados são essenciais, principalmente com as crianças: elas só devem lidar com fogos leves e, mesmo assim, quando acompanhadas de algum adulto. Todos, até os adultos, devem observar as recomendações, como só soltar foguetes utilizando varas longas, não usar fogos em ambientes fechados e não apontá-los para pessoas ou janelas. Esses artefatos nunca devem ser transportados nos bolsos, pois, se inflamarem, a pessoa certamente será atingida. As fogueiras também exigem extrema cautela e jamais se deve alimentá-las com álcool, pois a garrafa poderá explodir.

Em caso de acidentes, a orientação dos especialistas é colocar a área atingida em água corrente até o alívio da dor, não usar nenhuma pomada ou substância sobre a lesão antes de ouvir um médico e procurar imediatamente atendimento especializado. Bastidores da indústria pirotécnica: o lado sombrio do show de luz

Por trás da beleza, da alegria e dos barulhos festivos dos fogos de artifício existe ainda uma triste realidade: a angústia e o medo enfrentados pelos trabalhadores da indústria pirotécnica, extensivo a seus familiares e amigos. É que os acidentes de trabalho nesse setor não são raros, e o pior, são, geralmente, fatais ou mutilantes.


No Brasil, a história dos artigos pirotécnicos está ligada a Santo Antônio do Monte, cidade mineira considerada como "a terra dos fogos". A região é referência no mundo da pirotecnia, representando o segundo maior pólo mundial produtor de fogos de artifício, perdendo apenas para a China (de acordo com pesquisa do Instituto Euvaldo Lodi, de 2003). Com uma população de cerca de 30.000 habitantes, a cidade abrange cerca de 45 empresas do ramo, que geram aproximadamente 6.600 empregos no setor (dados de 2007).

"O estrondo das explosões é ouvido de longe, o que provoca uma busca de notícias. A população vai para as esquinas (especialmente na periferia), os carros partem em direção da fumaça, depois retornam para informar os moradores, tranquilizá-los ou não. Esse movimento de identificar a fábrica e as possíveis vítimas é prioritário, já que todos têm alguém da família ou um conhecido que trabalha com fogos". O trecho foi extraído de dissertação apresentada por Elisângela Maria Melo Santos ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-MG (Santos, E.M.M., 2007, "O trabalhador pirotécinico de Santo Antônio do Monte e seu convívio diário com o risco de acidente súbito").

Com clareza e sensibilidade, próprias de quem cresceu em Santo Antônio do Monte e vivenciou essa realidade de perto, ela descreve a angústia desses trabalhadores e de toda uma comunidade, em razão dos acidentes frequentes nas fábricas de fogos. O trabalho investiga o sofrimento do trabalhador pirotécnico da região, nas palavras dela: "Essa categoria profissional que vivência, em seu cotidiano, não só o risco de acidente súbito, mas o próprio acidente em si". O estopim do perigo nas fábricas de fogos de artifício

O elevado índice de acidentes de trabalho na indústria pirotécnica e suas graves consequências aos trabalhadores preocupa autoridades, entidades sindicais e pesquisadores. Eles alertam para o fato de que, além dos riscos de explosão - o principal perigo na fabricação desses artefatos - há vários registros de doenças relacionadas ao trabalho. Muitos desses acidentes decorrem da falta de treinamento adequado dos trabalhadores do setor, enquanto as doenças surgem pelo exercício de atividades penosas e nocivas, causadoras de lesões por esforço repetitivo (LERs) e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORTs).

Inspeções realizadas pela DRTMG (Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais) em algumas fábricas de fogos de artifício em 1998 conduziram a um estudo que, posteriormente, serviu de base para intervenção desse órgão, em parceria com MPT (Ministério Público do Trabalho) e a Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho de Minas Gerais). Os principais problemas constatados foram os seguintes: os empregadores não viam custos com segurança como investimento; os trabalhadores desconheciam as características perigosas das misturas e dos produtos que manuseavam e, assim, não sabiam como os prevenir explosões; não eram implementados programas de controle de qualidade e gestão de riscos; o perigo e a ocorrência de explosões eram socialmente aceitos como "fato normal" ou "inerente ao processo" por todos os membros da comunidade.

Após quase uma década, evidências recentes demonstram que essa realidade permanece praticamente a mesma, ou seja, não houve mudanças significativas nas condições de trabalho na indústria pirotécnica. Pressões e intimidações dos empregadores são apontadas como causas da frágil mobilização dessa categoria profissional e como elemento que dificulta a atuação do Sindifogos (Sindicato dos Trabalhadores de Fogos de Artifício) na defesa dos direitos dos trabalhadores. A falta de interesse das empresas na melhoria das condições de trabalho e saúde permanece. Os acidentes de trabalho, quase sempre fatais ou mutilantes, continuam semeando medo, tensão e angústia entre os pirotecnistas. O exercício de atividades sem o treinamento adequado ainda coloca em risco a vida dos operários. Além disso, as jornadas longas e desgastantes, muito comuns nas fábricas de fogos, também é fator que contribui para a ocorrência desses incidentes, pois o cansaço compromete a atenção e a diligência dos trabalhadores com as medidas de segurança.

Em pesquisa de campo realizada de fevereiro de 2010 a junho de 2012 para Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Arcos, MG), foi constatado que o caráter monótono e repetitivo das tarefas, o ritmo de trabalho penoso, a ausência de pausas, as longas jornadas de trabalho, somados às pressões por produção e supervisão exercidas pelas empresas, contribuem consideravelmente para a sobrecarga musculoesquelética dos membros superiores e, consequentemente, para o aparecimento de lesões por esforços repetitivos (LERs) e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORTs) ("Os bastidores da produção de fogos de artifício em Santo Antônio do Monte: degradação das condições de trabalho e saúde dos pirotecnistas", Carlos Eduardo Carrusca Vieira; Ana Cláudia de Oliveira; Ionára Alves da Silva; Rafaela Isabel Couto). Acidentes de trabalho no setor pirotécnico e suas causas: dados sombrios.

O processo de fabricação dos artigos pirotécnicos é de caráter manufatureiro. A rígida divisão das tarefas, a repetitividade e o ritmo intenso do trabalho são traços bem característicos, sendo rigidamente estabelecidos e fiscalizados pelos encarregados, que circulam pelos pavilhões e barracões onde se produzem os artigos pirotécnicos.


Análises das informações do AEAT (Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho), do Ministério do Trabalho e Previdência Social, referentes ao período de 2006 a 2008, mostram que a maior parte dos acidentes de trabalho no setor de fogos de artifício ocorre durante a realização das tarefas ligadas à produção (mais de 60% do total de acidentes nesse setor). Entre estes, os mais frequentes são os que atingem dedos, mãos, punhos, braços e outros elementos dos membros superiores, geralmente causando amputações. No que se refere às doenças identificadas, pode-se dizer que, em geral, são doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, tais como as tenossinovites e sinovites. Também existem as queimaduras causadas por fogo, chama ou material incandescente, juntamente com problemas no sistema respiratório causados por inalação de fumaça.

Vários fatores são apontados como causa desses acidentes. O primeiro deles, segundo relatos dos próprios trabalhadores, é a inadequação do treinamento técnico oferecido aos empregados para o desempenho das funções e também quanto às normas de segurança. Nos setores onde os operários manipulam produtos perigosos, como a pólvora branca (considerada a mais perigosa, por sua composição altamente inflamável), nem sempre são asseguradas as condições mínimas de segurança, como, por exemplo, a existência de uma lâmina d'água que impeça o atrito dos calçados com os produtos químicos que se alojam no chão.

A forma de gestão do trabalho também parece contribuir para os acidentes. É comum que os operários sejam transferidos para postos de trabalho que não conhecem. Isso atende aos interesses imediatos da produção, mas não considera os riscos a que serão expostos os trabalhadores que se deparam com incertezas e dificuldades. As condições materiais e ambientais de trabalho e a regulamentação legal

A concessão do registro e a fiscalização do funcionamento das fábricas de fogos de artifício são atribuições do Exército Brasileiro. Para funcionar, as fábricas têm de satisfazer severas normas de segurança, que estabelecem os parâmetros para armazenamento, fabricação, aquisição e transporte de produtos controlados, como é o caso das peças pirotécnicas. O Decreto. 3.665, de 20 de novembro de 2000 (Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados) e a Norma Regulamentadora n. 19 (Explosivos), do Ministério do Trabalho e Emprego, determinam que as fábricas de fogos de artifício sejam instaladas na zona rural, distantes de edificações e habitações urbanas. Os barracões e cargueiros, respectivamente, onde se produzem e armazenam os explosivos e produtos pirotécnicos, também devem ficar distantes entre si.


As condições ambientais e materiais de trabalho no setor pirotécnico são, em geral, precárias. Os barracões são ambientes muitas vezes pequenos, pouco iluminados e abafados. O setor de cartonagem, onde há a confecção dos canudos e da parte externa dos artigos pirotécnicos, diferencia-se dos demais, pois os operários não chegam a manusear materiais explosivos. Já nos setores de manipulação da pólvora, os trabalhadores manuseiam as misturas químicas que, no setor de matriz, vão preencher os pequenos tubos que ficarão alojados dentro de cada um dos foguetes. Os barracões onde se manipula a pólvora branca, considerada a mais perigosa, por sua composição altamente inflamável, devem ter no mínimo 12 m2, sendo permitida a permanência de apenas uma pessoa. O piso desse barracão deve ser impermeável e, sobre ele, deve haver uma lâmina d'água com, pelo menos, 10 cm de profundidade, para evitar explosões decorrentes do contato entre elementos que participam de reações químicas. Os operários devem utilizar botas de borracha que cobrem até a altura do joelho, para não ter contato direto com água carregada com resíduos químicos.

Em todos os setores onde se trabalha com explosivos é proibido utilizar calçados que possam acumular pólvora ou causar um forte atrito com o solo, com o fim de prevenir a contaminação de outros locais por esse produto. O processo de produção dos artigos pirotécnicos é finalizado com a arrematação, momento em que são montados e embalados em caixas.

Enfim, o que se percebe é que as precárias condições de trabalho nas fábricas de fogos de artifício estão diretamente relacionadas aos problemas de saúde e aos graves acidentes de trabalho de que são vítimas os trabalhadores pirotécnicos. A forma inadequada de organização e de gestão da força de trabalho também contribui para esse quadro. Os acidentes súbitos no setor rapidamente viram notícia na imprensa e, como não poderia deixar de ser, geram inúmeras ações da Justiça do Trabalho mineira, com pedidos de indenização por morte, feito pelos herdeiros do trabalhador, e também por danos morais, materiais e estéticos, decorrentes de queimaduras, amputações, etc. O entendimento majoritário dos julgadores que atuam no TRT mineiro é no sentido de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, devido ao grau de risco acentuado presente na atividade exercida pelo empregado, como se vê na seguinte jurisprudência: EMENTA: TRABALHO COM PÓLVORA EM EMPRESA FABRICANTE DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. ACIDENTE FATAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA EMPREGADORA. A legislação adotou o entendimento de que, quando a atividade exercida pelo empregado implica um grau de risco acentuado, a reparação civil demanda aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, - artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002. No caso dos autos, a vítima laborava manipulando bombas para a reclamada, empresa cujo objeto social é o fabrico de fogos de artifícios e outros artigos pirotécnicos, sendo este o seu trabalho rotineiro, quadro que a expunha a um acentuado risco diariamente, em nível infinitamente maior do que um empregado comum. Assim, o acidente fatal que envolveu a trabalhadora impõe a responsabilização objetiva por parte de sua ex-empregadora. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0002359-70.2014.5.03.0050 RO; Data de Publicação: 06/11/2015; Disponibilização: 05/11/2015, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 460; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator: Taisa Maria M. de Lima; Revisor: Rosemary de O.Pires).

Confira, a seguir, duas decisões das Turmas do TRT-MG em ações que tratam da matéria e que ilustram o drama dos trabalhadores do setor pirotécnico, vítimas de acidentes de trabalho. Caso 1: Viúva e filhos de trabalhador que sofreu acidente fatal em fábrica de fogos serão indenizados

No recurso analisado pela 5ª Turma do TRT-MG, uma fábrica de fogos não se conformava com a sentença que a condenou a pagar indenização por danos morais e materiais à viúva e aos filhos de um trabalhador que morreu quando produzia fogos para a empresa. A fábrica afirmou que não teve culpa no acidente que vitimou o trabalhador. Mas, adotando o entendimento da relatora, desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, a Turma não acolheu esses argumentos. Além de ter concluído que a fábrica não cumpriu com as normas de segurança do trabalho, o que seria suficiente para demonstrar a culpa no acidente, os julgadores também reconheceram a responsabilidade objetiva da empresa (que independe de culpa), em razão da atividade de alto risco desenvolvida, qual seja, a fabricação de artefatos explosivos. Assim, foram mantidas as indenizações deferidas aos herdeiros do trabalhador, negando-se provimento ao recurso a empresa.

Pelo que foi apurado no processo, o empregado foi vítima de explosão em razão da inobservância das regras de segurança quanto ao manuseio do material para a confecção de fogos de artifício. O laudo realizado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil apurou que foi identificado um volume elevado de bombas armazenadas para secagem no galpão atingido pela explosão. Além disso, informou que se faz necessária a presença ostensiva e contínua de supervisor na conferência dos serviços internos, principalmente quanto ao volume limite de material explosivo em cada barracão, o que não foi observado pela fábrica como deveria.

Outro dado importante do laudo foi destacado na decisão: "A distância entre o barracão de colagem e o de secagem não se encontra coerente com o volume de material explosivo armazenado tendo em vista o grau de destruição atingido conforme exigência da NR19 e do R105. A distância atual entre o secadouro e a colagem é inferior a 10,00m conforme planta de situação da fábrica".

Foram trazidos ao processo outros relatórios, inquéritos e apurações visando esclarecer o acidente fatal que vitimou o trabalhador. A conclusão constante do Relatório do Ministério da Defesa foi de que "houve por parte da empresa negligência em não fiscalizar os pavilhões e cobrar dos funcionários e principalmente do Técnico de Segurança, o cumprimento das normas de segurança".

Ao final, aponta que "a empresa não atende a todos os itens considerados obrigatórios quanto às condições de segurança".

Para a desembargadora relatora, ficou clara a culpa da empresa no acidente. "A simples violação pelo empregador de norma de conduta relativa à saúde, higiene e segurança do trabalhador basta para caracterizar a sua culpa. Os ônus do trabalho em condição insegura não podem ser impostos ao trabalhador, pois cabe à empresa impedir esse trabalho inseguro", frisou, ressaltando que o parágrafo 1º do artigo 19 da Lei nº 8.213, de 1991, fixa a responsabilidade do empregador pela adoção de medidas individuais e coletivas de segurança e proteção da saúde do empregado, reportando-se aos equipamentos protetivos do corpo do trabalhador. Ela citou ainda o direito do empregado ao ambiente de trabalho saudável e seguro (inciso XXII do art. 7º da CF/88) e o dever do empregador de cumprir as regras legais de cuidado com a segurança e medicina do trabalho, nos termos do art. 157 da CLT.


Além disso, ficou registrado que a reponsabilidade da empresa é objetiva (art. 927/CCB), ou seja, existe independentemente da demonstração de culpa no acidente, por se tratar de trabalho com explosivos, em que o risco é inerente à função. E, segundo a desembargadora, apesar de alguns riscos serem facilmente detectáveis, pela natureza da própria atividade da empresa (fabricação de artefatos explosivos), "cabe à empregadora não somente avaliar todas as possibilidades de trabalho inseguro, mas também neutralizar as condições de risco, de forma a evitar a ocorrência de acidentes".

Acompanhando a relatora, a Turma manteve a indenização por dano material fixada na forma de pensão mensal aos herdeiros, equivalente a 2/3 da última remuneração do trabalhador falecido, desde o dia do acidente até a data em que ele completaria 70 anos. Quanto aos filhos, foi limitada à data em que completariam 25 anos. Já a indenização por danos morais foi fixada na sentença no valor de R$25.000,00 para cada um dos herdeiros, tida como suficiente e adequada pela Turma reparar os prejuízos morais causados, além de desestimular novas práticas do gênero. TRT-03038-2013-050-03-00-7-RO. Acórdão em 24/02/2015Caso 2: Acidente em fábrica de fogos de artifício mata quatro empregadas: filha de uma das vítimas consegue indenização.

Nessa situação, analisada pela 10ª Turma do TRT mineiro, uma outra fábrica de fogos de artifícios foi condenada em primeira instância a pagar indenização por danos morais no valor de R$40.000,00 e pensionamento mensal à filha de uma empregada que também faleceu em virtude de explosão no ambiente de trabalho. Ao julgar o recurso da empresa, a Turma adotou o entendimento da relatora, desembargadora Taisa Maria Macena de Lima, e manteve as indenizações deferidas, determinando, apenas, que a indenização por danos materiais seja reduzida para R$30.000,00.

Conforme ressaltou a relatora, a atividade da ré implica o manuseio e armazenamento de produtos explosivos e de fácil combustão. Esse alto risco atrai a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade civil, que não depende de culpa (artigo 927 do Código Civil). E, no caso, como a empregada faleceu em razão de explosão seguida de incêndio ocorridos no local em que trabalhava (setor de colagem de bombas), a empresa está obrigada a reparar os danos que o acidente de trabalho gerou na vida da filha da vítima.

"No caso, a vítima trabalhava manipulando bombas para a reclamada, empresa cujo objeto social é o fabrico de fogos de artifícios e outros artigos pirotécnicos, sendo este o seu trabalho rotineiro, quadro que a expunha a um acentuado risco diariamente, em nível infinitamente maior do que um empregado comum. Assim, o acidente fatal que envolveu a trabalhadora impõe a responsabilização objetiva por parte de sua ex-empregadora", destacou a desembargadora, em seu voto.

A empresa alegou a existência de culpa exclusiva da vítima, a qual, segundo a desembargadora, se provada, atuaria como excludente de responsabilidade da fábrica. Na versão da ré, a conduta da ex-empregada foi determinante para a ocorrência do acidente. Mas essa excludente dependeria de prova clara, o que não ocorreu.

E mais: o relato do único sobrevivente que presenciou o trágico acidente, em que quatro empregadas morreram, não revelou a existência de culpa da vítima. Esse relato constou da "Análise e Investigação de Acidentes", elaborado pela própria empresa e mostra o terror que os trabalhadores pirotécnicos vivem em acidentes na produção de fogos de artifício: "No momento em que ele descarregava a quarta tabuinha friccionando as mãos sobre as bombas, para que as mesmas se soltassem da borracha, ele ouviu um chiado e logo em seguida viu um clarão à sua frente. Nesse momento ele saiu imediatamente do local correndo em direção ao pavilhão número 120, quando foi atingido pela onda de choque proveniente da explosão do pavilhão número 86/85 que o lançou em direção ao barranco próximo e que vitimou fatalmente quatro trabalhadoras que estavam dentro deste pavilhão exercendo as atividades de encher e bicar tabuinhas".


Entretanto, por ser a ré uma empresa de pequeno porte, com capital social de menos de R$100.000,00, a desembargadora entendeu que a indenização por danos morais deferida pelo juiz de primeiro grau à filha da trabalhadora, no valor de R$40.000,00, poderia prejudicar o funcionamento da empresa e, dessa forma, reduziu-a para R$30.000,00, no que foi acompanhada pelos demais julgadores. Assim, a Turma deu provimento ao recurso da fábrica, apenas nesse aspecto.

O juiz de primeiro grau também deferiu à filha da falecida um pensionamento mensal correspondente a 2/3 do salário da mãe, até que a herdeira complete 25 anos de idade, o que foi mantido pela Turma revisora. "A autora é filha única da falecida, fato fora de debate, o que, em princípio, já justificaria o deferimento de 2/3 do valor auferido pela trabalhadora, mesmo porque o terço restante, presume-se, destinava aos gastos pessoais da vítima. Além disso, ficou provado que a falecida empregada era responsável por despesas da filha, quadro que justifica a manutenção do pensionamento", finalizou a relatora. TRT-02359-2014-050-03-00-5-RO. Acórdão em 28/10/2015

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Fonte: TRT3

Gerente de banco vítima de sequestro será indenizada por danos morais



A gerente de um banco estava chegando em casa com o seu marido após um dia de trabalho, quando foi surpreendida por bandidos. Após anunciarem que se tratava de um assalto voltado à instituição onde ela trabalhava, os assaltantes a mantiveram em casa durante a noite, enquanto seu marido foi transportado para um cativeiro. Na manhã seguinte, a trabalhadora foi obrigada a se dirigir até a agência bancária para retirar o numerário. Após entregar o dinheiro do banco aos assaltantes, o marido dela foi libertado.

Esse foi o contexto que levou 4ª Turma do TRT-MG, por maioria de votos, a dar provimento ao recurso da autora e condenar a instituição financeira ré ao pagamento de uma indenização por dano moral no valor de R$50 mil reais. Atuando como relatora, a juíza convocada Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt solucionou o caso com base na responsabilidade objetiva do empregador por danos sofridos pelo empregado, nos termos do artigo 927 do Código Civil.

A tese defendida pelo banco reclamado era a de que o sequestro teria ocorrido quando a reclamante já se encontrava em sua residência. Portanto, fora das dependências do trabalho. Ademais, o réu sustentou que teria tomado todas as providências médicas necessárias e de apoio psicológico à empregada. Mas a magistrada não acatou esses argumentos, dando razão à reclamante.

Em seu voto, a relatora expôs que pouco importa o fato de os bandidos não terem ingressado na agência bancária. A violência sofrida pela reclamante e seu marido somente ocorreu porque ela era gerente da agência bancária. "O objetivo daqueles assaltantes era valer-se da coação da empregada bancária com o fim obter numerários da instituição financeira", concluiu. De acordo com a decisão, a própria CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) emitida pelo banco denuncia o abalo psicológico sofrido pela trabalhadora, ao indicar afastamento em razão de "episódio depressivo grave".

Na avaliação da julgadora, houve dano relacionado às atividades desenvolvidas (nexo causal) pela gerente em favor do réu. O caso foi considerado capaz de atrair a aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil. A magistrada esclareceu que o dispositivo consagra a teoria do risco independente da culpa, aplicável às atividades que representem riscos pela própria natureza. É o caso do banco, cuja atividade envolve manuseio de elevadas somas de dinheiro. "É certo ainda que aqueles que trabalham em instituições financeiras ficam expostos à possibilidade de uma violência maior do que os empregados que prestam serviços em outros locais, o que justifica, inclusive, a necessidade de diferenciado serviço de vigilância, no ambiente bancário, a teor da Lei nº 7.102/83", registrou no voto.

Também foi ponderado que o risco não se limitava ao período em que a gerente estava trabalhando. "Ainda que o sequestro não tenha ocorrido na própria agência bancária, evidente que a ação dos criminosos tinha como objetivo o patrimônio do Banco, donde se depreende, reitero, que a Reclamante somente foi vítima desse episódio em razão da relação de emprego com o Réu, e, sobretudo, em face do cargo de gerente da agência por ela ocupado", destacou.

Com esses fundamentos, a Turma de julgadores reconheceu a responsabilidade objetiva do réu em relação ao sequestro da empregada, modificando a sentença para condenar o banco ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 50 mil, levando em conta a agonia e pavor vivenciados pela reclamante durante o tempo em que o marido era mantido em cativeiro sob a ameaça de criminosos.
PJe: Processo nº 010079-87.2015.5.03.0136. Acórdão em: 18/05/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam
 
Fonte: TRT3

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...