quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

O nome que o STF dá é o nome que fica? Eis o busílis do caso Delcídio!







Abstract: O caso Delcídio suscita vários questionamentos. A coluna de hoje busca discutir este caso de forma não ortodoxa, não dogmática, com a intenção de refletir. Mais sobre o futuro do que sobre o “agora”.

Calvo Gonzalez e eu discutimos dias destes, em seminário em Málaga, sobre como os primeiros gregos “disseram o mundo”. Na aurora da civilização, houve um dia em que alguém tinha de nominar. Platão, pela boca de Sócrates, escreveu o primeiro livro de filosofia da linguagem, o Crátilo. O capítulo mais bonito: Da justeza dos nomes. Por que uma coisa tem o nome x e não y? Não vou contar a história, até porque em meus livros falo disso amiúde.

Sigo. No início, o homem era a medida de todas as coisas. Aliás, Protágoras foi quem disse essa frase: o homem é a medida de todas as coisas. Claro. Seu corpo “media tudo”. Interessante é que, até hoje, usamos as primeiras formas de nomear: pé da árvore, pé direito dos prédios, medimos a altura em pés, palmos, polegadas; falamos do ventre da montanha, da garganta da serra; do olho do furacão, do céu da boca, da pele da fruta, do corpo de baile etc.. Para dizer “instante”, o primeiro grego disse “num piscar de olhos” (em alemão é Augenblick, para se ter uma ideia do valor da semântica). E assim por diante.

Protágoras... Quase poderia dizer que protagonismo vem de Protágoras (mas vem de Protos + agonistes; principal lutador). Por que estou falando (d)isso? Para lembrar as circunstâncias e contingências pelas quais passa o Supremo Tribunal Federal. Sim. Por vezes, o STF está como o primeiro grego: tem de nomear. Assume o papel de protos agonistes. Só que, quando nomina, repercute. Para retomar os gregos: o STF, para o bem e para o mal, funciona (às vezes e em raríssimas exceções) como o nomoteta. E quem era onomoteta? Era o “dador de nomes”. Na verdade, era o “grande legislador”, como se vê na obra Crátilo. Não é por nada que, em alemão, legislador se chame Gesetzgeber, que quer dizer, literalmente, o que dá as leis (logo, legislador). Bingo.

Assim, o “nome” (a decisão) que o STF dá repercute. Protago...niza. Ele acaba sendo mesmo uma espécie de Protágoras, porque, excepcionalmente — diante de uma contingência — diz o direito “pela primeira vez”. Por causa disso, por vezes, ele, o STF, acaba sendo a “medida de todas as coisas”, quer dizer, “do direito”. Por isso, suas nominações (sim, quem decide “dá nome àquele caso”) têm — sempre — efeitos colaterais. Por vezes, indesejados. Os casos têm filhotes. São reproduzidos. E, em algumas ocasiões, a origem se esfumaça. O “nome” dado adquire vida própria. E perde o DNA.

Dois episódios sobre “nominação”
Dois episódios merecem ser colocados no contexto de nominação protagonizado pela Suprema Corte. Como diria o Pequeno Príncipe, se tivesse uma causa no STF, “a Suprema Corte é responsável pelas causas que cativa”, quer dizer, que nomina.

O primeiro episódio é o da ADI 3.943, pela qual o STF disse que a Defensoria pode patrocinar ações civis públicas. OK. Decisões do STF valem. São definitivas. Só que o “nome dado” pelo STF, nesse caso, ficou ambíguo, porque não disse, com todas as letras necessárias, quem seriam os destinatários desta nova forma de atuação. Quaisquer pessoas, ou apenas aquelas que a Constituição (que nomina as coisas antes do STF) indicou, os tais carentes de recursos (artigo 5º, LXXIV)? Resultado: uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1.192.577) — interpretando o “nome” dado pelo STF à coisa “carentes de recursos” — permite a existência de um outro nome para os “carentes” (lá, no STJ, falou-se em vulnerabilidade existencial); já no Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça estadual disse que a Defensoria podia patrocinar a causa de uma Delegada de Polícia, porque decidiu que a expressão necessitados, empregada pela Constituição (artigo 134), abrangeria os hipossuficientes organizacionais. Não bastasse, mais recentemente, a Defensoria Pública do RS postulou em Juízo que a Uber fosse autorizada a trabalhar no Brasil. Sim, a UBER, esse giganteorganizacional, para usar a linguagem cara à Defensoria, com o novo nome que se dá ao que é “carente de recursos”, poderá se beneficiar desse protagonismo. Uber vale bilhões. Pagou os melhores pareceres dos maiores juristas (a ConJur publicou os pareceres, por certo não dados pro bono). Qual será o novo nome a ser dado à expressão “carente de recursos”?

Eis, portanto, o problema das repercussões dos “nomes dados”. A cada nomeação/nominação que o STF faz (e nem é necessário discutir o mérito), o sistema reage. Como foi na aurora da civilização, uma ADI é, hoje, a aurora epistêmica do sentido da lei. O STF funciona como o Sinngeber (o dador de sentidos, isto é, o atribuidor de sentidos). Por isso é que ele deve dar o nome bem simples e claro ao que seja “carente de recursos”. Deve dizer se carentes de recurso é carentes de recursos, carente organizacional, carente existencial, carentes de afetos... Para o bem e para o mal. Antes que a Vale do Rio Doce seja beneficiada por alguma ação da Defensoria... Afinal, por trás da Vale existem milhões de hipossuficientes... Como no caso da Uber, que transportará... hipossuficientes e hipersuficientes. Ou Übersuficientes, se me permitem a ironia (Über, em alemão, é acima, sobre, super). Eis o problema.

Claro, a Defensoria não admite patrocinar a causa da Uber (ver aqui), mas, sim, a dos “motoristas particulares” e dos “consumidores do serviço”, estes “grupos em situação de vulnerabilidade”. Mas, sejamos francos: os interesses desta gente são, ou não, confluentes com os da própria Uber? E a Uber já não está devidamente assistido, em Juízo e fora dele? Qual é o argumento original, inovador, que a Defensoria trouxe para o debate processual a respeito dessa questão (que ocupa a ordem do dia em Porto Alegre)? E o pior — e isso deve ser dito — é que este clima de anything goesestá sendo de algum modo, permitido/provocado pelo próprio STF. Por quê? Por causa da nominação. Como falei acima, a Suprema Corte deve dar o nome certo à coisa. Entendem o que quero dizer? Como dizia Stephen Georg, que nada seja onde falta a palavra (Kein Ding sei wo das Wort gebricht).

O segundo episódio é o da prisão do senador Delcídio do Amaral. Como é a primeira vez que um senador é preso, tem-se, evidentemente em face das particularíssimas circunstâncias do caso — uma vez que todos os “demais gregos” tinham até então, um determinado sentido de flagrante e inafiançabilidade — a aurora do sentido do que seja “flagrante” e “crime inafiançável”. O STF esteve diante de uma situação inusitada, como quando alguém diz “não tenho palavras para dizer tal coisa...”. E fê-lo.

Ocorre que, na medida em que não podemos sair por aí trocando o nome das coisas, essa “nominação” do STF tem/terá repercussões imensuráveis. Veja-se: não preciso traçar uma linha de elogio ou crítica à decisão. Não é a intenção desta reflexão. Ademais, prefiro não me precipitar, uma vez que o próprio STF terá em breves dias uma rediscussão da matéria, quando chegar para seu exame a denúncia (peça ovo criminal) contra Delcídio e os demais. Provavelmente o PGR denunciará Delcídio também por organização criminosa (outra questão — o que é isto — a organização criminosa? Qual é o “nome” dessa coisa?).

Por isso, o que mais deve nos preocupar não é fato em si, isto é, se a Suprema Corte acertou ou errou ao dar o sentido do alcance da expressão “flagrante”, estendendo-o até caber no conceito de crime permanente, ou se crimes inafiançáveis não são apenas o racismo, o tráfico, a tortura, o terrorismo, a ação armada contra o Estado e os crimes hediondos. Não. O que mais deve preocupar a comunidade greco-forense (permito-me a alegoria) é o dia seguinte: já que o STF deu o nome a essas coisas novas(afinal, nunca um senador fora preso), teremos que passar a chamá-las agora por esse nome (faço, de novo, uma alegoria com a filosofia).[1] Não esqueçamos, como dizia Saussure — lembro de minhas aulas de semiologia nos anos 80 do mestre Warat —, que a atribuição de sentido possui quatro caracterizações: 1) o sentido é, primeiramente, convencional (como o primeiro grego fez); 2) surge, então, a imutabilidade (nome dado, nome “ficado”); 3) exsurge a mutabilidade (passa o tempo, mudam os fatos... e os sentidos podem ser alterados); 4) por último, a linearidade (um sentido não ocupa o mesmo “espaço” do outro). Eis, pois, o busílis da questão do caso Delcídio: quais serão as repercussões dos sentidos atribuídos pelo Supremo Tribunal?

Se pensarmos, por exemplo, que a jurisprudência deve ter estabilidade, coerência e integridade, talvez o grande problema do STF seja o “de que modo ele tratará os próximos casos”. Não parece que o caso Delcídio possa ser entendido como o estabelecimento provisório de um Estado de Exceção Hermenêutico, algo que o jornalista-filósofo da Folha de S.Paulo, Hélio Schwartsman, chamou de “Decisão forçada” (leia aqui). Como referi, prefiro ser mais cauteloso e aguardar os próximos acontecimentos. A matéria ainda passará por mais discussões, com as complexidades de coisas como a Súmula 606, que impede HC contra decisão colegiada do STF (mas isso é assunto para outro dia, uma vez que existe o HC 127.483/PR – Rel. Min. Dias Toffoli, em que houve empate e o paciente foi beneficiado). O próprio PGR está com um “pepino” nas mãos, porque terá que oferecer denúncia e justificar tudo o que pediu antes (sem considerar que, cá para nós, o PGR deveria explicar por que razão a mais alta autoridade do MP faz um pedidocontra legem, que, fosse o STF interpretá-lo de forma mais ortodoxa, não o teria conhecido; afinal, se não existe prisão processual de parlamentar, como requerer a sua preventiva? Sim, exatamente com esse nome?).

O quero dizer é que, assim como o homem era a medida de todas as coisas na aurora da civilização, também o STF acaba assumindo o papel de ser a medida do direito (veja-se: não estou me rendendo, nem de longe, ao aforisma de que “o direito é o que o judiciário diz que é”; quero dizer que, institucionalmente, o STF tem o poder de dizer por último – e em alguns casos, por primeiro, o sentido — dar o nome — do direito). Obviamente, esta situação se torna cada vez mais rara diante do aumento da complexidade do sistema jurídico com o passar do tempo.

Então qual é ponto central? O busílis é que nos resta saber qual é a régua (régua = medida, lembrando de Protágoras) que o STF usará nas causas que vem por aí tratando de prisão em flagrante e sua respectiva extensão a partir do critério da permanência da atividade criminosa. Nome dado, nome que fica? Do mesmo modo, terá que definir qual a medida que usará para definir a prisão preventiva em casos de inafiançabilidade. Claro: reconheço que os gregos tinham uma vantagem. É que depois de Protágoras, vieram Platão, Aristóteles e, no medievo, Agostinho, Aquino, Ockham para só depois chegarmos à filosofia da consciência. No caso do Supremo, é tudo com ele mesmo. Ele é que decide em última ratio a matéria para o qual a Constituição lhe atribui a primeira e a última palavra (eis o paradoxo), podendo errar ou acertar, ou um pouco das duas coisas simultaneamente. O Supremo é, ao mesmo tempo, Protágoras, a antiguidade, a modernidade, a viragem linguística. Eis a especificidade do direito: a fala, o discurso, a decisão jurídica institui; estabelece; fixa. Vincula. O STF terá que dizer qual é a força normativa da Constituição. Os limites semânticos importam? Não tenho dúvida de que sim, eis que até de positivista exegético sou “acusado”. O STF é que tem a responsabilidade política do ônus argumentativo. Ou seja: é como se perguntassem para Protágoras porque nominou a distância em braças, pés e passos. A diferença é que Protágoras não tinha que dar explicações.

Numa palavra reflexiva.
Quando se lida com o Direito, lida-se com conceitos interpretativos. Digo isso para deixar claro que o que quero discutir não é com quantos centavos se faz um necessitado (ou carente) e nem bem qual o conceito de flagrante ou deinafiançáveis, atribuído de forma convencional. Quero, isto sim, debaterconteúdo. O argumento jurídico é sempre um argumento substantivo.

Qual o estatuto, por assim dizer, das chamadas imunidades parlamentares? Muito genericamente, poderíamos dizer que as tais imunidades são prerrogativas de que o mandato parlamentar seja exercido de forma livre de coação. É uma garantia da independência da atuação do parlamentar. A ideia é, por um lado, garantir a livre expressão de opinião, palavras e votos; e, por outro, proteger o congressista contra restrições arbitrárias à privação de sua liberdade. Com alguma licença, para me fazer entender: o que não se quer é proibir o político de fazer... política. Sim: política e não outras coisas. Aliás, foi graças aos nossos maus antecedentes que incluímos imunidades no texto constitucional. Trata-se de proteger a democracia.

Com isso em mente, e deixando de lado o debate sobre se inafiançáveisseriam apenas aqueles crimes referidos no próprio texto constitucional, temos que discutir o “nome” dado à prisão em flagrante nesse caso e suas repercussões para o futuro. Qual é a relação entre flagrante e permanência? Mas, mais do que o “nome” dado à flagrância, temos que discutir se o STF fez uma interpretação relativizando a imunidade ou se fez uma interpretação devidamente justificada pelas circunstâncias.

Por óbvio, não estou sugerindo uma interpretação teleológica da Constituição. Todos sabem que não sou consequencialista. Não estou dizendo que o texto pode ser subvertido quando “um valor mais alto se alevanta” (sic). Não é isso. Mas uma coisa parece certa: em alguns casos muito excepcionais, se inaugura, institucionalmente, uma nova cadeia interpretativa (eis a característica da “mutabilidade” que parece ter ocorrido com a nominação de que falei). Mas, atenção: daí exsurge um ônus, representado pelo fato de que os nossos olhos não devem apenas voltar-se para o agora, mas sobretudo, para os próximos capítulos que se estão a suceder. Um nome que é dado é um nome que fica? Para todos os “greco-brasileiros”? Esse é o busilis.


[1] Só para registrar: adoro discutir Protágoras; adoro discutir também Ockham (que de certo modo faz algo parecido ao dizer que só existem coisas particulares). Mas, é claro, como hermeneuta, sou adepto do giro linguístico-ontologico, em que os sentidos se dão em um a priori compartilhado.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.



Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2015, 8h00

Errar o nome do advogado na intimação anula o julgamento, decide TST




O eventual erro na grafia do nome do advogado indicado para o recebimento das intimações é uma forma cerceamento ao direito de defesa, assim entendeu, por unanimidade, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao anular um julgamento porque o nome do advogado de uma das empresas envolvidas no processo saiu com erro na publicação de pauta de julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná).

Na pauta, o sobrenome do advogado saiu com uma letra a mais. Desse modo, a empresa representada pelo profissional alegou que o TRT-9 violou o artigo 236, parágrafo 1°, do Código de Processo Civil, por publicar o nome de forma "insuficiente para sua identificação".

Com isso, ele não foi intimado da data do julgamento nem da decisão, e a falha impediu a realização de defesa oral no julgamento. Ao analisar o caso, o ministro Hugo Scheuermann destacou que, de acordo com a Súmula 427 do TST, se houver pedido expresso de que as intimações e publicações sejam promovidas exclusivamente em nome de determinado advogado, "a comunicação em nome de outro profissional constituído nos autos é nula, salvo se constatada a inexistência de prejuízo".

Assinalou também que a empresa opôs embargos de declaração informando o erro, mas o TRT-9 não conheceu dos embargos. Nessas condições, o ministro entendeu que realmente ocorreu violação ao artigo 236, parágrafo 1º, do CPC, conforme alegações da GDO. Segundo ele, o erro na grafia do nome do advogado indicado para o recebimento das intimações privou a empresa de exercer seu direito à sustentação oral no TRT-PR, caracterizando cerceamento ao seu direito de defesa.

Essas informações levaram a 1ª Turma a prover o recurso, anulando o julgamento e determinando que outro seja realizado, mediante intimação prévia do advogado indicado para esse fim. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

Clique aqui para ler o acórdão.
RR-54100-11.2008.5.09.0013


Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2015, 11h42

Entidade precisa de autorização de associado para propor ação coletiva que busca obter medicamento produzido no exterior



Associações precisam da autorização expressa de seus associados para propor ação coletiva em defesa do interesse de seus representados. A decisão foi tomada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao jugar um recurso especial envolvendo uma associação que pleiteava o fornecimento obrigatório de um remédio por parte das operadoras de planos de saúde Sul América e Porto Seguro.

A Associação Brasileira de Asmáticos de São Paulo argumentou que o acesso ao medicamento Xolair para o tratamento de asma alérgica deveria ser um direito básico dos usuários de planos de saúde dos segmentos hospitalar e ambulatorial.

No voto, aprovado por unanimidade, o ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva reconheceu a legitimidade da associação para propor a ação, “visto que o objetivo social da autora (promover uma melhor qualidade de vida aos pacientes portadores da enfermidade asma) e os seus fins institucionais são compatíveis com o interesse coletivo a ser protegido com a demanda (proteção da saúde de seus filiados com o fornecimento, pelas operadoras de plano de saúde, de determinado medicamento - Xolair - para o tratamento eficaz de asma de difícil controle)”.

O relator salientou, entretanto, que a entidade associativa precisa de prévia autorização, “seja por ato individual seja por deliberação em assembleia”, para promover ação coletiva em defesa de seus associados, não bastando autorização estatutária genérica.

Villas Boas Cueva destacou, ainda, que estão excluídos da exigência mínima de cobertura a ser oferecida pelas operadoras saúde o fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados e remédios para tratamento domiciliar, salvo se for o caso de tratamento antineoplásico (quimioterapia).

O ministro lembrou que, embora o medicamento "Xolair" seja produzido fora do território nacional, possui registro na ANVISA, ou seja, é nacionalizado. Ademais, a sua administração deve ser feita em clínicas ou hospitais, sob supervisão médica, não podendo ser adquirido em farmácias (uso restrito nas unidades de saúde)”, afirmou.
Fonte: STJ

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

TST afasta possibilidade de enquadrar empregado de Banco Postal como bancário



O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, em sessão extraordinária realizada nesta terça-feira (24), pela impossibilidade de enquadrar como bancários os empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) que trabalham no Banco Postal. A maioria dos ministros presentes à sessão entendeu que esses trabalhadores não têm os mesmos direitos do bancário, entre eles a jornada de seis horas, porque as atividades do Banco Postal são acessórias, e não tipicamente bancárias.

O julgamento foi de recurso da ECT, provido para julgar totalmente improcedente o pedido de enquadramento de um empregado da ECT como bancário. A decisão fixa um precedente a ser seguido nos próximos julgamentos sobre o tema. O resultado final foi de 11 votos a favor do entendimento da relatora, ministra Dora Maria da Costa, provendo o recurso, e 10 acompanhando a divergência do ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho. Ele dava provimento parcial ao recurso da ECT, deferindo ao trabalhador apenas o direito à jornada de seis horas, e não todos os direitos dos bancários, como havia feito o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO).

Dora Maria da Costa lembrou a polêmica em torno da questão, com decisões judiciais díspares na primeira e na segunda instâncias, e também no próprio TST. "Enquanto algumas Turmas entendem que não há que se enquadrar os empregados do Banco Postal como trabalhadores bancários, outras Turmas consideram que, se eles exercem atividades no Banco Postal, embora não se enquadrem como bancários, têm direito à jornada especial de seis horas", observou, mencionando ainda decisões esparsas que deferiram todas as vantagens asseguradas à categoria bancária.

Em seu voto, a relatora afirmou que os Bancos Postais não fazem atividades tipicamente bancárias como compensação de cheques, abertura de contas, aprovação de empréstimos, negociação de créditos ou aplicação dos recursos captados, nem mesmo guarda de valores. "A ECT simplesmente agregou esse serviço às suas inúmeras funções, o que de forma alguma resultou na sua integração ao Sistema Financeiro Nacional", assinalou.

Para a relatora, a atividade bancária compreende coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros e custódia de valores de propriedade de terceiros, "atividades que passam longe das executadas num Banco Postal". Essas circunstâncias, a seu ver, impedem o enquadramento do postalista como bancário, pois suas atividades não exigem o conhecimento técnico e especializado exigido dos bancários, como matemática financeira e contabilidade, administração de recursos de terceiros, prática de investimentos, cartões de crédito, consórcios, seguros, previdência, títulos de capitalização.

"A atividade econômica predominante do empregador prevalece, como regra geral, para averiguação do enquadramento sindical, qual seja, a prestação de serviços postais", afirmou a ministra, observando que esses empregados, além dos trabalhos tidos como bancários, realizam serviços tipicamente postais, inclusive o manejo de valores. "Se nem os trabalhadores de cooperativas de crédito, que executam várias outras atividades bancárias além das realizadas pelos empregados da ECT que atuam no Banco Postal, têm direito à jornada dos bancários, com mais razão se justifica a sua inaplicabilidade aos empregados dos Correios".

Divergência

Ao divergir da relatora, o ministro Augusto César Carvalho argumentou que, no caso em questão, havia preponderância significativa do serviço bancário no trabalho realizado pelo empregado da ECT no Banco Postal: de acordo com o TRT-GO, o percentual era de 70% das atividades. Por isso, defendeu a concessão da jornada especial de seis horas, prevista no artigo 224 da CLT. "O que temos que levar em conta são os fatos, retratados pelo acórdão regional, e essa realidade é que, no caso, há predominância do serviço bancário", justificou, aplicando o princípio da primazia da realidade.

Quanto à alegação de que o empregado do Banco Postal só realizava alguns serviços bancários e não todos, questionou: "Todos os bancários, todos sem exceção, realizam todos os serviços?" O fundamental, segundo ele, era que o trabalho realizado era essencialmente serviço bancário, na maior parte da sua jornada.

Resultado

A tese vencedora da relatora foi seguida pelos ministros Alberto Bresciani, Aloysio Corrêa da Veiga, Emmanoel Pereira, Guilherme Caputo Bastos, Ives Gandra Martins Filho (que presidiu a sessão), João Oreste Dalazen, Maria Cristina Peduzzi, Maria de Assis Calsing, Márcio Eurico Vitral Amaro e Walmir Oliveira da Costa.

Acompanharam a divergência os ministros Alexandre Agra Belmonte, Cláudio Brandão, Delaíde Miranda Arantes, Douglas Alencar Rodrigues, Hugo Carlos Scheuermann, José Roberto Freire Pimenta, Vieira de Mello Filho, Maria Helena Mallmann e Renato de Lacerda Paiva. 

(Lourdes Tavares/CF)


Fonte: TST

JT deve julgar caso de assédio moral a caminhoneiro que depôs em investigação do MPT



A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho declarou a Justiça do Trabalho competente para julgar ação civil pública que pede a condenação da Rodoroth Transportes Ltda. por dano moral coletivo por praticar assédio moral contra trabalhador que atuou como testemunha em procedimento investigatório do Ministério Público do Trabalho (MPT). Por unanimidade, a Turma proveu recurso do MPT e determinou o retorno do caso à 1ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), para que seja julgado.

O caso que deu origem à ação teve início em dezembro de 2011, quando o MPT realizou, em conjunto com a Polícia Rodoviária de São Paulo, operação na rodovia Washington Luiz a fim de reprimir o excesso de jornada nas estradas. Cerca de 50 caminhões foram parados, e os caminhoneiros foram ouvidos como testemunhas no procedimento investigatório. Um deles, empregado da Rodoroth, afirmou que trabalhava 13 horas sem intervalos, e recebia salários "por fora".

A partir deste depoimento, o MPT firmou com a empresa um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) pelo qual a Rodoroth se comprometia a não exigir horas extras em excesso nem suprimir intervalos, entre outras obrigações. Segundo a ação, porém, cerca de um mês depois da assinatura do TAC, o caminhoneiro procurou o MPT e informou que a empresa passou a assediá-lo, ameaçando-o primeiro de dispensa e mantendo-o, depois, em situação de "ociosidade forçada".

Na ação civil pública, o MPT sustenta que a conduta da empresa constitui, por via reflexa, agressão a seus poderes e atribuições, "mas, primordialmente, ultraje ao próprio trabalhador assediado e a toda a coletividade", pois afeta e abala todo o ambiente de trabalho "vitimando o conjunto de trabalhadores da empresa".

O juízo de primeiro grau considerou que o caso não era da competência da Justiça do Trabalho, e a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), sob o entendimento de que a ação não se originou da relação de emprego, mas de defesa das prerrogativas do MPT, e a relação de trabalho seria apenas "cenário" onde transcorreu a situação principal, ou seja, o constrangimento da testemunha. Para o TRT, a situação seria semelhante à de crime contra a administração da Justiça, cuja competência para apreciação e julgamento é da Justiça Federal.

TST

No recurso ao TST, o MPT sustentou que a ação tem clara natureza trabalhista, pois visa proteger a saúde psicológica, e a dignidade dos trabalhadores afetados pela conduta assediante da empresa, "evitando-se, assim, um ambiente de trabalho hostil, intimidatório, degradante e ofensivo para a coletividade por eles formada". Segundo a argumentação, "caso se permita que condutas como essa se repitam e se multipliquem, nenhum trabalhador aceitará ser ouvido como testemunha pelo MPT, pois saberá que, se o fizer, será submetido ao assédio moral e/ou perderá o emprego".

Para a relatora do recurso, desembargadora convocada Jane Granzoto, trata-se, sem dúvida, de ação oriunda da relação de trabalho, estabelecida no artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, "a qual não constitui, no caso, um simples ‘cenário', mas é a própria gênese dos direitos e obrigações que justificam a atuação institucional do Ministério Público do Trabalho".

Ao contrário do TRT-Campinas, a desembargadora avaliou que a questão da ameaça às as prerrogativas do MPT é que tem, no caso, "feição nada mais do que periférica ou acessória", não justificando o deslocamento da competência para a Justiça Federal. "A ação não visa primordialmente garantir a livre atuação do MPT no exercício de suas prerrogativas funcionais ou institucionais, mas sim inibir a demandada de submeter a coletividade de seus empregados a novos constrangimentos ou represálias", concluiu.

A decisão foi unânime.

(Mário Correia e Carmem Feijó)


Fonte: TST

Financiamento: antes de 2014, é possível purgar a mora pagando prestação em atraso sem quitar todas as prestações vincendas



A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça tomou decisão relativa à vigência da Lei 13.043 de 2014, que alterou pontos do arrendamento mercantil, modalidade de financiamento também conhecida como leasing, no que diz respeito à purgação da mora, que é uma obrigação que se toma para sanar o atraso de uma obrigação contratual.

Os ministros entenderam que quem possui contrato de arredamento anterior à entrada em vigor da lei não é obrigado a quitar todas as prestações do financiamento que ainda vencerão para reaver bem tomado pela financeira em razão de atraso nas prestações.

A decisão foi tomada no julgamento de um caso de automóvel financiado em 60 prestações. Na 24ª parcela, o comprador deixou de pagar, e, em setembro de 2011 (antes da lei), o Santander Leasing entrou na Justiça com uma ação de reintegração de posse para recuperar de volta o carro. Em um primeiro momento, a Justiça do Paraná, por meio de decisão liminar, determinou que a financeira obtivesse a reintegração do veículo, mas mudou a decisão depois que o devedor comprovou o pagamento, com juros e multa, da parcela em atraso, além do pagamento das custas da ação no Tribunal e dos honorários advocatícios (o que se paga a um advogado em uma ação na Justiça).

A financeira entrou com recurso no STJ alegando que a quitação da dívida só poderia ser reconhecida se todo o financiamento fosse pago. O Satander Leasing usou como base da alegação o artigo 3º, parágrafo 2º, do Decreto- Lei 911/69, que foi alterado pela Lei 10.931/04.



A relatora, ministra Isabel Gallotti, negou o recurso. Segundo ela, o decreto-lei se aplicava apenas aos contratos de alienação fiduciária – outro tipo de financiamento –, e não a contratos de arrendamento mercantil.

“Entendo que a proibição de purgação da mora introduzida Lei 10.931/2004 na regência dos contratos de alienação fiduciária em garantia é regra de direito excepcional e, portanto, não pode ser aplicada por analogia a outras modalidades de contrato, como o arrendamento mercantil, por maiores que sejam as semelhanças entre os institutos”, disse a ministra.A Lei 13.043 determina que, no caso de a financeira pegar de volta um bem por falta de pagamento, esse bem só poderá ser devolvido à pessoa que fez o financiamento se ela pagar não apenas as prestações em atraso, mas também as que vencerão. A ministra lembrou que outra lei, a Lei n. 6.099, que trata de operações de arredamento mercantil, é omissa quando o assunto é a chamada purgação de mora e que a situação só foi regulamentada quando a Lei n. 13.043 entrou em vigor, em 2014. Como o caso julgado aconteceu três anos antes, o pagamento apenas da prestação em atraso teve o efeito de purgar a mora, permitindo a devolução do veículo ao comprador.
Fonte: STJ

O Senado vai permitir a mutilação do novo CPC antes de entrar em vigor







Saibam todos os que lerem este texto que o novo Código de Processo Civil está sendo reformado antes de entrar em vigor. Trata-se do Projeto de Lei da Câmara 168/2015. Sim, no Brasil não se pode fazer previsões e apostas nem sobre o passado. Sempre somos surpreendidos. Mas o pior não é isso. O que ocorre é que, com essa reforma, o Congresso está promovendo, sem se dar conta, uma renúncia de parcela de seu papel constitucional e de sua importância, pois a partir dele os tribunais superiores, sem controle, poderão legislar. O leitor não leu errado, não. Com a reforma que o Senado promove — o relator é o senador Blairo Maggi — o Judiciário legislará. Pior: essa alteração está ocorrendo sob os aplausos efusivos da grande maioria da academia e dos próprios políticos. Explicaremos... 

Ao longo dos últimos anos, os autores do presente ensaio vêm apontando os riscos de um sistema que adote o protagonismo do Judiciário e no qual tal ingerência máxima, especialmente dos tribunais superiores, cria uma competência (quase) legislativa dos mesmos em face da adoção de decisões que amoldam o direito em conformidade com seus entendimentos discricionários e incontroláveis. Basta lembrar as críticas que fizemos àcommonlização do novo CPC.[1]

Isto certamente veio se agravando com o aumento exponencial da importância do direito jurisprudencial em nosso país e com seu uso irrefletido como fundamento de boa parcela das postulações e decisões, muitas vezes ao largo do que diz a lei e a doutrina. Isto é: no Brasil, a lei não é o que o legislador diz que é; no Brasil, a lei e o Direito são o que o Judiciário diz que é. E o projeto 168/2015 confirma essas tenebrosas previsões e denúncias.

Não foi por outro motivo que se buscou ao longo da tramitação do Novo Código de Processo Civil criar um novo modelo normativo, altamente dialógico, de formação e aplicação de precedentes que permitiria amplo debate na construção da decisão e possibilidades técnicas de distinção entre casos e de superação de entendimentos equivocados.

Busca-se um sistema — pelo menos é o que foi aprovado (e que agora querem alterar) — no qual os tribunais levem a sério suas próprias decisões, mas sem que, para tanto, se crie um fechamento argumentativo e se impeça a aplicação do direito como num jogo de encaixes (tipo brinquedo “lego”) onde se busca uma ementa (trecho de julgado colhido “self service” ou enunciado de súmula) e o acopla a um novo caso em conformidade com o viés de confirmação (confirmation bias) do aplicador.

Na lei já aprovada (o novo CPC), o fato do juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários ter sido transferido para o tribunais superiores auxiliava que ele fosse acessível para rever seus posicionamentos, uma vez que somente o próprio tribunal que forma um precedente pode revê-lo (overrule). Tirava-se a intermediação, demorada e contraproducente — dos tribunais de segundo grau.

Ora, o sistema do CPC-2015 foi debatido à exaustão durante anos no Congresso Nacional e cada dispositivo buscava promover um modelo de aprimoramento do direito e de exercício constitucional da função jurisdicional.

Com sua sanção em março deste ano era natural que surgissem vozes tentando manter as coisas como se encontram, mas foi com grande espanto que se percebeu, em um projeto de lei com tramitação relâmpago e sem qualquer debate (à socapa e à sorrelfa, portanto), em vias de ser aprovado no Senado Federal, promover-se-á uma mudança no CPC mediante a qual oCongresso Nacional renunciará parcela de seus poderes, além de chancelar um modelo no qual os Tribunais Superiores “dirão o direito” como se legisladores fossem. E qual é o ponto fulcral? O ponto é que as decisões dos tribunais — nesse modelo que está sendo “reformado” pelo Senado — alcançará um nível de fechamento e vinculatividade nunca dantes visto na República, transferindo a legitimidade da feitura da legislação para o Judiciário. Nem no common law nunca foi assim. Daí o apelo ao Senado: por favor, parem com isso. Reflitam! Se não for amor ao Direito e à Justiça, façam para preservar suas (do Senado) próprias prerrogativas.

Para sermos mais simples: O Projeto de Lei da Câmara 168 (PLC 168)[2] além de fazer retornar o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários para os tribunais de origem (TJs e TRFs) e tornar a ordem cronológica de julgamentos preferencial, promoverá mudanças profundas no CPC-2015 que viabilizarão aos tribunais superiores um poder incomensurável e quase incontrolável.

Para se ter uma ideia: Com o retorno do juízo de admissibilidade para os TJs e TRFs, o PLC em seu novo artigo 1.030 determina que o órgão competente (na origem), quando da análise dos recursos extraordinários e especiais, impeça que as temáticas já julgadas pelos tribunais superiores voltem aos mesmos (aos tribunais superiores) para o julgamento do mesmo tema.

E o Senado não sabe o que está fazendo. Basta conferir a exposição de motivos do senador e relator Blairo Maggi ao artigo 1.030 que se perceberá que ele crê só estar mudando o juízo de admissibilidade.[3] O senado(r) não sabe que não sabe… Por isso estamos avisando!!!!

Onde está a indevida vinculação? E onde está o poder de legislar dos tribunais superiores? Simples, porque o projeto atribui deveres ao presidente e vice-presidente do tribunal de Justiça (por exemplo) de impedir que estes recursos subam ao STJ e STF se a decisão impugnada estiver em conformidade com decisão padrão proferida pelos referidos tribunais superiores pelo sistema repetitivo (artigos 1.036 a 1.041), pelo fato destas serem precedentes normativos (artigo 927) e, caso estejam em dissonância com o padrão decisório, será determinado que o órgão colegiado se retrate para se adaptar ao “precedente”.

E para piorar, contra tal decisão somente caberá um agravo interno para o próprio tribunal de Justiça, de modo que não haverá mais acesso ao STJ e STF para que o mesmo modifique seus entendimentos.[4] Entenderam, senhores senadores?

Parece que a ideia do projeto repete o estilo “organizações tabajara” — “seus problemas acabaram”: se eu, tribunal superior, julguei um caso repetitivo, você, patuleu, não me venha mais com churumelas (ou coisas desimportantes); simplesmente aplique mecanicamente meu entendimento celestial e, perceba, nem existirá mais recurso que consiga me fazer mudar de entendimento. Uma vez dito, acabou! Aqui, de novo, apelamos aos senadores e senadoras: se não for por amor ao direito e à Justiça, apelamos para o seu senso de sobrevivência: afinal, sua causa poderá ser uma das vítimas no futuro (quem dos senadores não tem um litigiosinho por aí?).

Ou seja, a partir da lei, uma vez que o STF ou STJ tenham julgado uma temática repetitiva, do modo que entenderem, não mais conseguiremos chegar aos tribunais superiores, salvo numa situação sui generis[5] do tribunal de origem se negar ao exercício do juízo de retratação por julgar contra um precedente.

Ademais, caso o PLC seja aprovado, o STF e STJ, quando estiverem julgando casos repetitivos, poderão suspender a tramitação de todos os processos da federação que tratarem do mesmo tema por tempo indeterminado, eis que se revogam todos os dispositivos que estabeleciam um marco temporal máximo para a suspensão dos processos (com a revogação dos artigos 1.035, parágrafo 10 e 1.037, parágrafos 3º a 5º). Em suma, eles suspendem todos os processos idênticos até quando eles decidirem julgá-los em conformidade com sua escolha decisionista.

Mas o que mais causa perplexidade é que o Parlamento, que vem percebendo na carne os riscos de uma juristocracia dos tribunais superiores, está chancelando esta reforma que macula os principais ganhos democráticos que o Novo Código de Processo civil traz consigo e viabiliza um papel legislativo incontrolável dos tribunais superiores.

E a coisa não para por aí na fúria reformista. A tesoura do PLC quer mais: a) a redução drástica das hipóteses de reclamação (com nova redação do artigo 988, parágrafo 5º); b) a possibilidade de ampliação federativa da suspensão dos processos idênticos, pelos tribunais superiores, sem prazo para o seu término no incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo 1.029, parágrafo 4º) até o julgamento dos recursos extraordinários e sem garantia de que os referidos recursos sejam admitidos pela supressão da presunção legal de repercussão geral (revogação do artigo 1.035, parágrafo 3º, II); a retirada do dever de fundamentação analítica para a distinção em casos de dissídio jurisprudencial e embargos de divergência (artigo 1.029, parágrafo 2º; artigo 1.043, parágrafo 5º) e para que se apontem e enfrentem os fundamentos contrários (nova redação do artigo 1.038, parágrafo 3º); d) a retirada do dever de congruência entre o que foi afetado no recurso extraordinário e julgado (revogação do artigo 1.037, parágrafo 2º)[6] com mitigação da garantia de não surpresa (artigo 10); e) redução sensível das hipóteses de cabimento dos embargos de divergência (com revogação dos incisos II e IV do artigo 1.043), entre outras.

Em face do evidente retrocesso que o PLC 168[7] trará e da ausência quase completa de percepção e debate por parte da comunidade jurídica somente nos resta conclamar os senadores e senadoras — e a comunidade jurídica em geral — a pedir que o Projeto de Lei da Câmara 168/2015 seja revisto integralmente ou ao menos a revogação, em seu texto, dos incisos I a IV, alínea “c” do VI, e §2º do novo artigo 1.030[8], assim como a supressão das revogações de seu artigo 4º,[9] que maculam de morte grandes ganhos do Novo CPC, sob pena de se criar um sistema obtuso de padronização decisória no qual o Parlamento e toda a sociedade se verão reféns dos entendimentos e decisionismos dos tribunais superiores.

Sim, é um texto duro. Debatemos por anos o novo CPC. Chegamos a um texto que, se não é o melhor, trazia esperança de que a força da doutrina e a necessidade da fundamentação pudessem apontar para novos horizontes na aplicação do direito. Mas, não adianta. É duro ser brasileiro. O establishmentsempre consegue dar a volta. Não gostaram do resultado e, em vez de buscar o diálogo, atropelam o Parlamento que, sem se dar conta, enrolado em suas contradições em tempos de crise, aprova até mesmo uma legislação que representa um retrocesso, um tiro no pé na democracia.

Ainda há tempo de o Senado ajustar as contas consigo mesmo e não aprovar a reforma de um Código que nem sequer foi colocado à prova. Deixemos que a comunidade jurídica responda, senhores e senhoras Senadores. Não se substituam ao povo. Os senhores e senhoras o representam. Ou não?


[1] STRECK, Lenio. Novo CPC decreta a morte da lei. Viva o common law!





[3] “Esse dispositivo precisa ser modificado, a fim de reavivar o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Afinal de contas, essa triagem desempenhada atualmente pelos tribunais locais e regionais conseguem poupar o STF e o STJ de uma quantidade vertiginosa de recursos manifestamente descabidos. Suprimir esse juízo de admissibilidade, como pretende o texto atual do novo CPC, é entulhar as Cortes Superiores com milhares de milhares de recursos manifestamente descabidos, fato que deporá contra a celeridade que se requer dessas instâncias extraordinários no novo cenário de valorização da jurisprudência desenhado pelo novo Código” Acessível na integralidade aqui:http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/183392.pdf


[4] Como explicado em outra sede: “Como se sabe, em quaisquer sistemas que adotam precedentes normativos, todos os órgãos jurisdicionais podem distinguir (distinguish) casos, mas somente o próprio juízo prolator da decisão é quem possuirá competência para promover sua superação (overrule). No sistema ora posto no CPC-2015, com a admissibilidade dos recursos extraordinários concentrada nos tribunais superiores, as partes sempre teriam possibilidade de chegar ao órgão prolator do precedente normativo (art. 927) uma vez que inexistiria filtragem prévia na origem, viabilizando-se, sem embaraços, que o tribunal superior revisse seus entendimentos e mantivesse a grande virtude do sistema de precedentes: a de se impor a possibilidade de revisão e reinterpretação dos fundamentos determinantes dos casos, mantendo a possibilidade constante de aprimoramento do direito. Ocorre que o PLC, como propagado aos quatro ventos, manteve o sistema ora em vigor (do CPC-1973 reformado) no qual o juízo de admissibilidade ocorrerá na origem. Esta escolha não traria grandes embaraços se fosse assegurado acesso técnico aos tribunais superiores para viabilizar a mudança (superação) de seus entendimentos, pois os mesmos não pode(ria)m petrificar seus entendimentos, sob pena de uma falsa e equivocada crença de que caberia a tais órgãos dar a última e definitiva palavra sobre o direito. E se perceba que nem no período mais forte de adoção de precedentes vinculantes na Inglaterra (1898 a 1966) se adotou tal fechamento argumentativo. A intenção de criar uma fórmula metodológica mágica de resolução de demandas repetitivas pode, com o PLC, delinear um modelo brutal de piora do direito. Ocorre que além de estabelecer o juízo de admissibilidade na origem, o PLC estabelece como dever do presidente ou vice-presidente na origem, nos transcritos (nota 2) incisos I, II e III do art. 1.029, de negar seguimento a recurso que contrarie precedente normativo ou determinar que o órgão julgador se retrate, se o acórdão recorrido divergir de precedente, sendo que nas duas primeiras hipóteses caberá um agravo interno para o próprio tribunal de origem (art. 1.029, §2º) para órgão a ser indicado pelo regimento interno (potencialmente suas cortes especiais). Da decisão caberá reclamação (art. 988, §5º, II) somente para garantir a observância do precedente. Ou seja, a discussão não chegará mais ao tribunal superior para sua reanálise, mas tão só para manter suaincolumidade petrificadora. NUNES, Dierle. Proposta de reforma do novo Código de Processo Civil apresenta riscos. http://www.conjur.com.br/2015-nov-26/dierle-nunes-proposta-reforma-cpc-apresenta-riscos


[5] E somente na hipótese III, quando o colegiado se negar a retratar, é que o recurso admissível terá acesso ao tribunal superior. Em síntese, a superação de entendimentos sofrerá um duro golpe caso o referido projeto se mantenha nesta parte uma vez que se dificultará sobremaneira que recurso que ataque precedente normativo chegue aos tribunais superiores. Sem olvidar que na busca deste fechamento argumentativo esta reforma pode induzir um comportamento insurgente dos TJs e TRFs que se verão constritos a não seguir precedentes normativos superiores, e negar a retratação do inc. III, para viabilizar que a discussão chegue aos Tribunais Superiores para uma potencial reanálise e aprimoramento, eis que agora, com a reforma, o CPC-2015 não preverá mais técnicas de acesso ao STJ e STF. NUNES, Dierle. Proposta de reforma do novo Código de Processo Civil apresenta riscos. http://www.conjur.com.br/2015-nov-26/dierle-nunes-proposta-reforma-cpc-apresenta-riscos


[6] Defendido aqui: NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. A doutrina do precedente judicial - fatos operativos, argumentos de princípio e novo Código de Processo Civil. In:. PRODIREITO: Direito Processual Civil: Programa de Atualização em Direito: Ciclo 1. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2015. p. 9-58. E chancelado no Enunciado 522 aprovado no Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 489, inc. I; arts. 931 e 933): O relatório nos julgamentos colegiados tem função preparatória e deverá indicar as questões de fato e de direito relevantes para o julgamento e já submetidas ao contraditório. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência)”


[7] Já aprovado na Câmara dos Deputados e na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.


[8] “Art.1.030. […] I — negar seguimento a recurso extraordinário que trate de controvérsia a que o Supremo Tribunal Federal tenha negado a repercussão geral; II — negar seguimento a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão em conformidade com o precedente de repercussão geral ou de recurso especial em questão repetitiva; III — encaminhar o processo ao órgão julgador para juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir de precedente de repercussão geral ou de recurso especial em questão repetitiva; IV — sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida por tribunal superior; […] § 1o Das decisões de inadmissibilidade proferidas com fundamento no inciso VI caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042. §2o Das decisões proferidas com fundamento nos incisos I, II e IV caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021.” (NR)


[9] Art. 4º. Ficam revogados o art.945; o §2º do art.1.029; o inciso II do §3º e o § 10 do art. 1.035; os §§ 2° e 5º do art. 1.037; os incisos I, II e III do caput e o § 1°, incisos I e II, alíneas a e b, do art. 1.042; e os incisos II e IV do caput e o § 5º do art. 1.043 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015.



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.

Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.



Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2015, 7h58

STF rejeita queixa-crime de Lula contra o senador Ronaldo Caixado






Ao dizer, no Facebook, que o ex-presidente Lula tem “postura de bandido, bandido frouxo”, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) estava protegido pela imunidade parlamentar a suas opiniões e manifestações, como manda o artigo 53 da Constituição Federal. Foi o que decidiu nesta terça-feira (1º/12) a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. A decisão foi por três votos a um, vencido o ministro Marco Aurélio.

Lula ajuizou duas queixas-crime contra Caiado por causa de declarações feitas pelo senador no Facebook. Na primeira, Caiado diz: “Lula tem postura de bandido. E bandido frouxo! Igual à época que instigava metalúrgicos a protestar e ia dormir na sala do delegado Tuma. Lula e sua turma foram pegos roubando a Petrobras e agora ameaça com a tropa MST do Stédile e do Rainha para promover a baderna”.

Na segunda, o senador afirma que, “temendo ser preso pelos malfeitos que cometeu — disso ninguém mais duvida — Lula apresenta Habeas Corpus”.

O ex-presidente Lula é representado pelo advogado Cristiano Zanin Martins, para quem as declarações de Caiado extrapolaram a imunidade parlamentar. “A imunidade parlamentar não confere carta branca ao parlamentar para que ele possa desancar a honra e a imagem de terceiros”, disse, em sustentação oral.

Entretanto, o relator, ministro Luiz Edson Fachin, discordou. “No caso concreto, embora reprovável e lamentável o nível rasteiro com o qual as críticas à suposta conduta de um ex-presidente da República foram feitas pelo querelado, entendo que o teor das declarações, depuradas dos assaques, guardam pertinência com sua atividade parlamentar”, escreveu em seus votos.

O único a concordar com Lula foi o ministro Marco Aurélio. “Tempos de abandono de princípios, de perda de parâmetros, de inversão de valores. Cabe perguntar: aonde vamos parar? Num jargão carioca, digo que o cidadão querelado [Ronaldo Caiado] pegou pesado”, afirmou o ministro.

“Não tenho a menor dúvida de que pode haver a imunidade em se tratando de opiniões, de palavras lançadas fora da Casa Parlamentar. Mas, indaga-se, há algum nexo com o exercício do mandato no que se lançou o senador? Para mim, a resposta é desenganadamente negativa.”

Clique aqui e aqui para ler os votos do ministro Luiz Edson Fachin.

Inq 4.088 e 4.097

Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2015, 19h00

Lei de Acesso à Informação no Judiciário é regulamentada





O texto que regulamenta a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) em todos os órgãos do Judiciário brasileiro foi aprovado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça por maioria de votos nesta terça-feira (1º/12), durante a 222ª Sessão Ordinária. Os tribunais e conselhos terão 120 dias, a partir da publicação da resolução, para colocar as novas normas em vigor.

A votação do tema foi retomada depois de cinco meses, com a apresentação do voto-vista do conselheiro Bruno Ronchetti, que sucedeu a conselheira Deborah Ciocci, responsável pela suspensão da análise em junho de 2015. Ronchetti se manifestou favorável ao voto do então relator, Gilberto Valente, propondo algumas alterações ao texto.

As proposituras foram acolhidas pelo atual relator, conselheiro Arnaldo Hossepian, sucessor de Valente. A resolução tem efeitos sobre dados, processados ou não, que podem ser usados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato.

“Com essa aprovação, demos um grande passo na garantia da transparência e da publicidade da gestão pública”, comemorou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski.

Longa discussão
O debate sobre como seria a inserção do Judiciário nos parâmetros estabelecidos pela Lei de Acesso à Informação se estendeu por três anos. Uma das maiores preocupações dos integrantes da Justiça brasileira era o acesso indiscriminado às informações sob análise das cortes. Devido a isso, comissões foram instituídas para tratar do tema.

No Supremo Tribunal Federal, o grupo foi formado pelo presidente da corte, Ricardo Lewandowski, o ministro Marco Aurélio e o ministro aposentado Joaquim Barbosa. No Superior Tribunal de Justiça, um comitê gestor formado pelo diretor-geral e secretários deliberou sobre o tema.

Em maio de 2012, uma comissão geral, composta de representantes dos tribunais superiores e de conselhos superiores de Justiça, foi anunciada para apresentar suas conclusões. À época, o tema principal era a criação de parâmetros gerais para classificação de documentos.

Transparência ativa e passiva
Com a legislação formalizada, as informações de interesse geral que são produzidas pelos órgãos do Poder Judiciário ou estão sob custódia dessas instituições devem ser prestadas por meio de sites dos tribunais e conselhos.

As páginas na internet deverão conter um campo chamado “Transparência”, onde devem ser alojados dados sobre a programação e execução orçamentária; tabela de lotação de pessoal de todas as unidades; estruturas remuneratórias; remuneração e proventos recebidos por todos os membros e servidores ativos, inativos, pensionistas e colaboradores do órgão; e relação de membros e servidores afastados para exercício de funções em outros órgãos da administração pública.

Em casos envolvendo informações parcialmente sigilosas ou pessoais, é assegurado o acesso à parte não sigilosa, que deve ser fornecida por meio de cópia com ocultação da parte sob sigilo. Quando a ocultação não for possível, o documento solicitado deverá ser fornecido mediante certidão ou extrato.

A medida busca garantir que o contexto da informação original não seja alterado devido à parcialidade do sigilo. A negativa de acesso às informações solicitadas, quando não houver fundamentação da decisão, fará com que o responsável pela resposta esteja sujeito a medidas disciplinares. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.


Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2015, 21h36

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Advogado tem de saber a hora de se calar no tribunal do júri






Diante de uma disputa fácil, o ser humano sente um desejo irresistível de “arrasar” o adversário, de ganhar de 7 a 1 e tornar aquela humilhação memorável. Advogados e promotores não estão imunes a essa fraqueza. Mas devem aprender a vencê-la, especialmente no tribunal do júri, onde as palavras mais sábias, em alguns momentos, são “sem perguntas, meritíssimo”.

A sabedoria, muitas vezes, está em saber se calar, em vez de falar demais na ânsia de buscar a glória. É o que diz o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do TrialTheather. Isso fica evidente na inquirição de testemunhas, seja direta ou indireta, quando o caso já está praticamente resolvido, mas o advogado quer desfrutar ao máximo um sucesso inesperado.

Ele dá o exemplo de um caso, que já soa como folclórico, de um advogado que defendia um suposto traficante de heroína, em que o fator mais favorável à defesa era a inexperiência do promotor, com menos de seis meses de carreira.

A promotoria alegou, no processo, que Desmond Llewellyn Witherspoon fazia parte de uma “conspiração” para vender 500 gramas de heroína. A defesa pretendia sustentar que a participação dele na tal “conspiração” era muito pequena. Ele teria falado apenas com uma pessoa, que era um “informante confidencial” — o informante que estava, então, no banco das testemunhas.

Durante a inquirição direta de sua única testemunha, o promotor pergunta: “Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente nas negociações?” Para a surpresa de todos, a testemunha responde: “Acho que não”. Abalado com a resposta, o inexperiente promotor esboça um “sem mais perguntas” e se senta.

A palavra é passada para o advogado. Com um pouco mais de sabedoria, o advogado teria dito “sem perguntas, meritíssimo”. E o produto do julgamento teria sido melhor do que a encomenda. Mas o advogado não se contentou em ganhar por 1 a 0. Levantou-se e encarou solenemente à testemunha:

“Você disse ao promotor que você não acha que Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente nas negociações...”.

“Correto. Eu não acho que ele estava”, respondeu a testemunha.

“E Desmond Llewellyn Witherspoon não armou as negociações para vender 500 gramas de heroína... ou armou?, perguntou o advogado.

“Eu acho que não”, respondeu mais uma vez a testemunha.

“Você fica repetindo que acha que não. Mas você poderia esclarecer para todos nós... [e apontando para seu cliente] se o homem sentado naquela mesa tem alguma coisa a ver com as negociações para a venda de heroína?”, perguntou o advogado em alto tom.

Resposta: “Oh, ele? Pookie? Sim, Pookie foi o cara que armou toda a negociação. Ele me chamou, negociou os preços, falou sobre a qualidade da heroína, me disse que podia me assegurar uma quantidade ilimitada da droga, porque ele matou uns concorrentes na Colômbia e tinha em sua folha de pagamentos vários agentes de fronteira”.

E continuou: “Pelo que entendi, ele tem uma grande região sob seu controle e poderia trazer tanta heroína quanto eu quisesse. Sim, Pookie é o chefão de toda a organização. Mas aquele nome que vocês mencionaram, Desmond... Witherspoon, eu nunca ouvi. Ele nunca me disse seu nome verdadeiro. Todo mundo o chama de Pookie”.

Casos como esse ocorrem com maior frequência na inquirição cruzada, depois que a testemunha da acusação já tenha declarado algo que favoreceu a defesa, diz Wilcox. Ele imaginou a seguinte situação, depois que a testemunha já dissera ao promotor que “não ouviu nada”.

Em vez de se calar, o advogado se levanta, se dirige solenemente à testemunha, e pergunta:

“Então, você não ouviu nada”.

“Nada”, diz a testemunha.

“Você tem certeza disso”, pergunta o advogado.

“Sim”, responde a testemunha.

“Então, você tem certeza de que não ouviu nada, nada mesmo, de forma alguma”, pergunta o advogado, esfregando as mãos em regozijo.

“Nada... a não ser por uma vez que... [Wilcox pede aos leitores para imaginar o tamanho do desastre que se sucedeu].

Se for para inquirir a testemunha da acusação, depois que ela já “entregou” o caso de mão beijada à defesa, pelo menos faça perguntas diferentes, que não envolvam o risco de a testemunha desmentir o que já afirmou ou que lhe dê uma oportunidade de explicar os fatos de uma maneira desfavorável, aconselha Wilcox.



João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.



Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2015, 10h19

Novo Código de Processo Civil quebra paradigma das "condições da ação"







O presente artigo busca, de maneira sintética, esclarecer as principais alterações acarretadas pelo novo Código de Processo Civil no que tange às condições da ação.

Para tanto, estabeleceremos o conceito, natureza jurídica e espécies de condições da ação, quais sejam: a legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

Devidamente conceituadas as condições da ação, passaremos a analisar como se inseriam na sistemática do Código de Processo Civil de 1973. Explicaremos a Teoria Eclética da Ação, bem como as duas principais correntes que se formaram ante a problemática surgida em relação a seus efeitos práticos — a Teoria da Apresentação e a da Asserção.

Por fim, discorreremos acerca do tratamento dado à matéria pelo novo Código de Processo Civil e do encerramento da celeuma doutrinária encabeçada pelas duas teorias supracitadas.

Condições da ação: conceito, natureza jurídica e espécies
Condições da ação são requisitos processuais essenciais para o regular trâmite processual e eventual julgamento do mérito. Em caso de ausência de qualquer uma das condições da ação, teremos a carência da ação, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267, VI, CPC/73). Note-se, contudo, que tal regra foi e vem sendo mitigada pela teoria da asserção, a qual analisaremos mais à frente.

A Teoria Geral do Processo costuma compreender as condições da ação como uma categoria fundamental do processo moderno, localizada entre os pressupostos processuais e o mérito da causa.

Entendemos, no que tange o processo civil, condições da ação como um feixe composto por três institutos, quais sejam: legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

Legitimidade ad causam nada mais é do a pertinência subjetiva da ação, ou seja, qualidade expressa em lei que autoriza o sujeito (autor) a invocar a tutela jurisdicional. Nessa lógica, será réu aquele contra qual o autor pretender algo.

Para a compreensão do interesse de agir (artigo 3° CPC/73), devemos cingir o conceito em três acepções:

a) Necessidade: traduz-se na idéia de que somente o processo é o meio hábil à obtenção do bem da vida almejado pela parte;

b) Utilidade: significa que o processo deve propiciar, ao menos em tese, algum proveito ao demandante;

c) Adequação: por ele, entende-se que a parte deve escolher a via processual adequada aos fins que almeja.

Significativa parte da doutrina critica esta última acepção do interesse de agir, vez que, nas palavras de Fredie Didier Jr.[1]:

“O procedimento é a espinha dorsal da relação jurídica processual. O processo, em seu aspecto formal, é procedimento. O exame da adequação do procedimento é um exame de sua validade. Nada diz respeito ao exercício do direito de ação.

“Não há erro na escolha do procedimento que não possa ser corrigido, por mais discrepantes que sejam o procedimento indevidamente escolhido e aquele que se reputa correto. Um exemplo talvez sirva para expor o problema: se o caso não é de mandado de segurança, pode o magistrado determinar a emenda da petição inicial, para que o autor providencie a adequação do instrumento da demanda ao procedimento correto. Não existisse o inciso V do art. 295, que expressamente determina uma postura do magistrado no sentido aqui apontado, sobraria a regra da instrumentalidade das formas, prevista nos arts. 244 e 250 do CPC, que impõe o aproveitamento dos atos processuais, quando houver erro de forma.”

Nessa toada, podemos conceituar interesse de agir como o binômio necessidade/utilidade.

A possibilidade jurídica do pedido, por fim, terceiro e último instituto da classificação clássica das condições da ação, consubstancia a aptidão — implícita ou explícita — no ordenamento jurídico, de que a demanda do autor possui para ser julgada procedente.

Ilustremos com exemplo doutrinário pedestre, mas didático: carece de possibilidade jurídica do pedido aquele que busca ajuizar ação de divórcio em país que expressamente o veda em seu ordenamento legal.

Teoria Eclética da Ação e suas controvérsias
Inicialmente, devemos deixar claro que as condições da ação, embora expressamente previstas no Código de Processo Civil de 1973, nunca foram matéria doutrinariamente pacífica ou unânime.

As condições da ação são fruto de uma teoria encabeçada por Liebman que informa todo o CPC de 1973: a Teoria Eclética da Ação.

Considera citada teoria que, para o exercício regular do direito de ação, imprescindível o preenchimento de certos requisitos (legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido), que formariam a categoria denominada “condições da ação”. Não preenchidas estas condições, estaríamos diante da carência da ação.

Ocorre que, na realidade processual, o magistrado não realiza um juízo específico de análise das condições da ação, e sim um juízo de admissibilidade e um juízo de mérito.

Nessa toada, verifica-se que as condições da ação não são analisadas autonomamente, recaindo, portanto em um desses dois juízos. Dessa forma, tem-se que as condições da ação ou seriam questões de admissibilidade ou questões de mérito.

Diante desse problema, duas correntes se formaram.

A primeira é a Teoria da Apresentação, capitaneada por Cândido Rangel Dinamarco. Sustenta, na linha do disposto no §3°, artigo 267, CPC, que “o juiz conhecerá a qualquer tempo ou grau de jurisdição, enquanto não proferida sentença de mérito, as matérias constantes nos incisos VI (...)”. O inciso VI, por sua vez, trata justamente da extinção do processo sem resolução de mérito por ausência de “possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”.

A segunda corrente consubstancia-se na adoção da chamada Teoria da Asserção.

Tal teoria cinge o momento e os efeitos do reconhecimento de ausência de qualquer das condições da ação.

Primeiramente, o magistrado verificará, abstratamente, a presença das condições da ação na fase postulatória. Caso averigue a ausência de qualquer uma delas, extinguirá o feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, CPC.

Se, contudo, a ausência de uma das condições da ação for averiguada após o início da fase instrutória, extinguirá o feito com resolução do mérito, julgando improcedente o pedido.

Os efeitos de tais decisões, como podemos imaginar, são absolutamente distintos. No primeiro caso teremos carência da ação, permitindo-se sua repropositura, não sendo apta, tal decisão, a gerar coisa julgada. O exato oposto ocorre no segundo caso. Estaremos diante sentença que resolve o mérito, apta, portanto, à coisa julgada. Do mesmo modo, incabível a repropositura da ação, devendo o autor irresignado perseguir a procedência de sua demanda pelas vias recursais.

De fato, parece-nos correta a aplicação da Teoria da Asserção, inclusive por privilegiar os princípios da efetividade e da celeridade.

Verifica-se, contudo, que com o surgimento do novo Código de Processo Civil, tal teoria perdeu a razão de ser.

O Código de Processo Civil de 2015 e as condições da ação
O Código de Processo Civil de 2015 extinguiu, como categoria, as condições da ação. Note-se: o instituto foi extinto, mas seus elementos permaneceram intactos, tendo sofrido, contudo, um deslocamento.

Tomando-se o fato de que o magistrado realiza dois juízos (de admissibilidade e mérito), o novo CPC buscou separar os elementos integrantes das condições da ação alocando-os em pressupostos processuais (relativos ao juízo de admissibilidade da ação) e como questão de mérito.

Nos informa o artigo 17 do CPC 2015: “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. Temos, portanto, que o interesse de agir e a legitimidade ad causam passaram a ser tratados como pressupostos processuais.

Dessa forma, verificando o juiz, ao receber a inicial, que se encontram ausentes interesse de agir ou legimidade ad causam, indeferirá a petição inicial. Nesse sentido:

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

(..)

II - a parte for manifestamente ilegítima;

III - o autor carecer de interesse processual;

Caso for verifique-se a ausência de um desses pressupostos após a fase postulatória, será declarada a carência da ação. Afirma o art. 485. CPC 2015:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

(...)

VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

A possibilidade jurídica do pedido, por sua vez, passou a ser considerada questão de mérito. Nada mais coerente. De fato, quando a parte apresenta demanda de manifesta impossibilidade jurídica, por certo não se trataria de carência da ação, mas sim de uma verdadeira improcedência do pedido, resolvendo-se, assim, o mérito.

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;

Concluímos, assim, louvando o tratamento dado pelo novo Código de Processo Civil à legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Pôs-se um fim a um debate doutrinário de mais de quarenta anos e quebrou-se o paradigma das “condições da ação” que, muitas vezes, era alçada a um status ontológico. 

Referências
- DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, ed. 11. Ed. Juspodivm.

- GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Ed.



[1] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, ed. 11. Ed. Juspodivm. Salvador: 2009, p. 199.


Otávio Bueno da Fonseca Filho é advogado em São Paulo.



Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2015, 9h45

Lei 13.151/15 estabelece novo regime jurídico paras as Fundações (Parte 2)





É com grande satisfação que se volta a falar para os leitores dessa respeitável coluna Direito Civil Atual, mantida pela Rede de Pesquisa em Direito Civil Contemporâneo.

Como prometido na coluna anterior, retorna-se para tratar das novas regras sobre a atribuição legal do Ministério Público para fiscalização ou velamento das fundações, introduzidas pela Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, por meio da alteração dos artigos 66, parágrafo 1º, e 69, III, do Código Civil.

Há, assim, duas alterações a serem analisadas: a) a do parágrafo 1º do artigo 66, que retira do Ministério Público Federal a atribuição para fiscalizar as fundações sediadas no Distrito Federal e Territórios, conferindo-a ao Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios; e b) a do inciso III do artigo 67, por meio do qual se fixa um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para que Ministério Público aprecie uma alteração estatutária que lhe seja submetida.

Como se sabe, no Brasil, é de grande relevância a missão conferida ao Ministério Público consistente na atividade de velamento das fundações, incidido sobre todos os momentos de sua existência, inclusive sobre aquele que antecede a sua própria criação [[1]]. A principal razão de ser dessa proteção está na sua própria natureza, ou seja, a fundação é, em essência, uma dotação patrimonial realizada em benefício de uma determinada coletividade ou da própria sociedade [[2]]. As fundações, todas elas, porque manipulam patrimônio destinado ao serviço de terceiros, sujeitam-se ao controle estatal para a proteção dos interesses e direitos dos beneficiários [[3]].

Ocorre que a estrutura do Ministério Público brasileiro, assim como a do Poder Judiciário, é federativa. Com efeito, de acordo com o artigo 128, da Constituição Federal de 1988, há o Ministério Público da União e dos Estados. Entre aqueles primeiros, há o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. Tanto esses últimos, quanto o Ministério Público Estadual, detêm potencial atribuição de velamento das fundações. Consequentemente, tal atribuição deve ser repartida, em consonância com o modelo constitucional vigente.

Na vigência da primeira codificação brasileira, caso a fundação estivesse situada em apenas um Estado ou no Distrito Federal, ela seria velada pelo órgão do Ministério Público local, ou seja, pelo Promotor de Justiça, Curador de Fundações (caput e parágrafo 1º do artigo 26, do Código civil de 1916). Contudo, caso a fundação estendesse a sua atividade a mais de um Estado ou ao Distrito Federal, ou, se situada no Distrito Federal, ampliasse a sua atuação para outros Estados da Federação, caberia a cada um dos respectivos Ministérios Públicos esse encargo ( parágrafo2º do citado artigo 26). Havia, assim, uma repartição legitima das atribuições [[4]].

O Código Civil de 2002, todavia, por meio do parágrafo 1º do artigo 66, alterou a sistemática do código anterior, ao conferir a atribuição da fiscalização das fundações instituídas no Distrito Federal e Territórios ao Ministério Público Federal. Obviamente que se tratou de um grande equívoco do legislador de 2002. Isso porque o mencionado dispositivo, ignorando que a estrutura do nosso Ministério Público é federativa, afastava o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios de suas atribuições constitucionalmente legítimas.

Diante dessa questão, parte da doutrina se posicionou no sentido em que as atribuições do Ministério Público não poderiam ser criadas por meio de uma lei ordinária (no caso, o Código Civil), mas somente através de uma lei complementar, com base no parágrafo 5º do artigo 128 do Texto Constitucional. Outros, todavia, defendiam a tese da interpretação harmônica entre os conteúdos do Código Civil e da Lompu, segundo a qual a expressão “Ministério Público Federal” deveria ser compreendida como “Ministério Público da União”. Nesse contexto, editou-se o Enunciado 10 da Jornada de Direito Civil, com o entendimento de que, “em razão do princípio da especialidade, o artigo 66, parágrafo 1º, deve ser interpretado em sintonia com os arts. 70 e 178 da Lei Complementar nº. 75/93”.

Essa questão também mereceu a análise do STF, ao julgar a ADI nº. 2.794-8, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), cuja relatoria coube ao ministro Sepúlveda Pertence. Consoante entendimento firmado pela Augusta Corte, a atribuição fiscalizatória das fundações sediadas no Distrito Federal fica a cargo do Ministério Público do Distrito Federal.

Nos termos do voto do relator, embora tenha sido afastada a tese da inconstitucionalidade formal – sob o argumento de que o artigo 128, parágrafo 5º, da Constituição Federal não assegura uma reserva absoluta à lei complementar para conferir atribuição ao Ministério Público –, acabou por ser declarada a inconstitucionalidade material o parágrafo 1º do artigo 66 do Código Civil de 2002, ao fundamento de que é do próprio sistema da Constituição que se infere a identidade substancial entre a esfera de atribuições do Ministério Público do Distrito Federal e aquelas confiadas ao MP dos estados, as quais, à semelhança do que acontece com o Poder Judiciário, apuram-se por exclusão das atribuições que expressamente correspondem ao Ministério Público Federal, ao do Trabalho e ao Militar.

Enfim, embora o conflito já estivesse devidamente pacificado no julgamento da ADI nº. 2.794-8, a Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, por meio do seu artigo 2º, houve por bem alterar o dispositivo em questão, para o fim de conferir a atribuição da supervisão das fundações que funcionem no Distrito Federal e Territórios ao próprio MPDFT. Pode-se afirmar, então, que não houve qualquer mudança substancial no direito vigente, conquanto não se ignore que a alteração em voga buscou corrigir aquilo que foi um grande equívoco do legislador de 2002, visando, assim, a manter a coerência do sistema.

Novidade mesmo apenas se vê no artigo 3º da mencionada Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, que atribuiu nova redação ao inciso III do artigo 69 do Código Civil, para o fim de ali fixar um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para que os membros do Ministério Público se manifestem a respeito de eventuais alterações estatutárias que venham a ser requeridas pelas fundações interessadas.

O tema comporta temperamentos. No direito comparado, observam-se variações quanto à possibilidade de alteração do estatuto da fundação, não apenas quanto à forma em si, mas também quanto ao conteúdo.

No direito alemão, por exemplo, admite-se, excepcionalmente, a transformação do fim fundacional, quando se demonstre impossível o alcance dos objetivos originários ou quando se ponha em risco o bem comum, devendo-se buscar, em qualquer dos casos, a preservação do desejo do instituidor e que as rendas do patrimônio da fundação sejam mantidas, quanto possível, no mesmo círculo de favorecidos ( parágrafo 87 do BGB) ([5]). De maneira semelhante, opera-se no direito português (artigos 189 e 190 do Código Civil português).

No Brasil, a alteração dos estatutos de uma fundação é algo também possível, embora de maneira não tão ampla.

Admite-se alteração desde que haja necessidade de se adaptar os fins originariamente previstos às novas circunstâncias, visando-se, assim, ao aperfeiçoamento da estrutura e das regras da entidade para que ela possa melhor atender a esses objetivos. Adaptam-se, assim, as atividades-fins para a consecução da finalidade maior [[6]]. Em outras palavras, as alterações, ainda quando necessárias, não poderão contrariar ou desvirtuar a finalidade da fundação, fixada no ato de instituição, encontrando aí um limite de ordem substancial.

Há ainda mais dois requisitos, de ordem formal, quais sejam: as alterações propostas devem ter sido aprovadas por dois terços dos integrantes do órgão incumbido da gestão e representação da fundação; e necessitam ser submetidas ao órgão competente do Ministério Público, que vela pela fundação, para que as aprove.

Aprovadas as alterações, serão registradas na forma legal. Caso sejam recusadas pelo órgão do Ministério Público, poderão ser supridas pelo juiz competente, mediante requerimento da parte interessada, nos termos do inciso III, do artigo 67, do Código Civil, mediante procedimento específico previsto nos artigos 1200 a 1204 do CPC-73.

Esse era o cenário legislativo vigente até então. A novidade agora é que, de acordo com a nova redação do inciso III do artigo 69 do Código Civil, dada pela Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, haverá um prazo para essa manifestação de aprovação ou desaprovação do Ministério Público acerca das alterações propostas, ou seja, caso o Promotor de Justiça Curador das Fundações não se manifeste sobre o pedido de alteração dentro do prazo de 45 dias, o seu silêncio poderá ser suprido pelo juiz, a requerimento do interessado.

Alem disso, o novo Código de Processo Civil – editado pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 –, diversamente do CPC-73, houve por bem não trazer quaisquer disposições acerca do procedimento para a aprovação e alteração dos estatutos das fundações junto ao Ministério Público. Nada disse, tampouco, a respeito dos prazos para que o Ministério Público manifestasse sobre tais pedidos, revogando os dispositivos do código anterior que tratavam do assunto (artigo 1201 do CPC-73).

Limitou-se, assim, o CPC-15 a indicar as hipóteses de suprimento judicial a respeito da aprovação ou alteração dos estatutos das fundações, sempre que o Ministério Público denegar previamente o pedido ou condicionar a aprovação dos estatutos às adaptações que entender pertinentes (artigo 764, I), praticamente repetindo as hipóteses já previstas no Código Civil de 2002 (artigos 65 e 67, III).

Logo, a partir da nova redação dada ao referido artigo 67, inciso III, do Código Civil, o suprimento judicial, que era hipótese já prevista para os casos de denegação da alteração estatutária, poderá também ser utilizado nas hipóteses de silêncio ou falta de manifestação do Ministério Público, depois de transcorrido o referido prazo de 45 dias.

Na prática, caso não se concorde com a postura adotada pelo órgão do Ministério Público – seja ela no sentido de denegar previamente o pedido de alteração, de condicioná-lo a reparos, ou simplesmente de silenciar-se por um prazo superior a 45 dias –, poderá o interessado valer-se do pedido de suprimento judicial, cujo rito a ser adotado será o dos procedimentos de jurisdição voluntária (previstos nos artigos 719 a 725 do CPC-15).

Trata-se de alteração louvável, pois busca dotar essa manifestação da necessária celeridade, considerando-se a eventual necessidade de uma rápida adaptação das fundações às constantes alterações regulatórias e econômicas, sem que, entretanto, abra-se mão do papel fiscalizador do Ministério Público, este que é considerado fundamental para garantir a lisura e a regularidade do funcionamento das fundações.

Propõe-se, ao final, uma reflexão: note-se que as alterações no regime das fundações, trazidas pela Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, aqui sumariamente apresentadas, ainda quando louváveis e tragam alguma repercussão prática, revelam-se tímidas. Com efeito, parece ser cada vez mais premente a necessidade de se aprofundar as discussões quanto à necessidade crescente de estabelecimento de controle dessas entidades, por parte da sociedade, mas sem descurar da imprescindibilidade de oferecer maiores estímulos ao desenvolvimento do denominado terceiro setor. Há um fino equilíbrio nessa balança.

Nesse sentido, parecem alvissareiras as possibilidades trazidas pela recente entrada em vigor da Lei nº. 13.019/2014, que vem sendo denominada de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, mas que, apesar do nome, trata apenas do relacionamento entre a Administração Pública e as instituições sem fins lucrativos.

Soam como avanços, por exemplo, a questão da segurança jurídica, conferida pelo caráter nacional da referida lei, e o aprimoramento do delicado relacionamento entre essas entidades e o Poder Público, por meio da criação de instrumentos jurídicos próprios de fomento e colaboração, do favorecimento à agregação de projetos e atuação das OSC em rede, da prestação de contas simplificadas, dentre muitas outras. Mas é importante ter em mente que a lei não regula uma série de outros aspectos relativos às referidas organizações da sociedade civil e que merecem ainda maiores atenções, em especial a necessidade do incentivo ao aporte de recursos, no denominado terceiro setor, pela iniciativa privada.

* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).

[1] MELLO FILHO, Jose Celso de. Notas sobre as fundações. Revista de Direito Privado. Ano 14, vol. 53, jan.-mar./2013, p. 274.

[2] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord). Comentários ao novo código civil: das pessoas: (Arts. 1º ao 78), volume I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 1046-1051.

[3] FAGUNDES, Miguel Seabra. Fundações. Âmbito de atuação do Ministério Público em sua defesa – interpretação do art. 26 do Código Civil – Afastamento imediato de seus administradores – legalidade da providência, tanto como medida de natureza administrativa, como medida de caráter judicial preventivo. Revista dos Tribunais. São Paulo. 50(304):58-77. Fevereiro/61, p. 59.

[4] PAES, José Eduardo Sabó. O Ministério Público e o velamento às fundações que estendam suas atividades a mais de um estado ou ao Distrito Federal. In: Âmbito Jurídico, maio de 2001, disponível em:http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5760, Acesso em set. de 2015.

[5] ENNECERUS, Lugwig; KIPP, Theodor; et WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil, trad. Blas Pérez Gonzalez e José Alguer, Parte Geral, I, 2ª. Ed. Barcelona: Bosh, 1953, 1º Tomo, p. 516.

[6] CASTRO, Lincoln Antonio de. O ministério público e as fundações de direito privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 22.



Antonio Lago Júnior é mestre em Direito pela UFBA, professor de Direito Civil nos cursos da Universidade Salvador (Unifacs), advogado e procurador do estado da Bahia.



Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2015, 8h00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...