quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A Sexta Turma do STJ aplica o princípio da insignificância em caso de réu reincidente


6ª Turma do STJ aplica insignificância em caso de réu reincidente



Só o fato de o réu ser reincidente não afasta a aplicação do princípio da insignificância. Devem ser analisadas também particularidades do caso, como a expressividade da lesão, o valor do objeto furtado e o que significava para a vítima ou se houve violência. Foi o que decidiu a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao trancar ação penal aberta contra homem que furtou chocolate e já tinha uma condenação transitada em julgado.

A 6ª Turma seguiu o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior. Seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, ele afirmou que, em casos com este, deve ser aplicado o princípio da ponderação entre o dano causado pelo crime e a pena que será imposta ao réu depois.

O réu foi preso em flagrante pelo furto de uma barra de chocolate em um supermercado em São Paulo. O chocolate custava R$ 28 e foi imediatamente devolvido, mas, por conta de sua outra condenação também por furto, o homem acabou condenado.

Em Habeas Corpus, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o caso não deveria ser trancado. O tribunal entendeu que aplicar o princípio da insignificância ao caso de réu reincidente seria como estimular a prática criminosa.

Mas o ministro Sebastião Reis Júnior discordou. “Nem a reincidência nem a reiteração criminosa, tampouco a habitualidade delitiva, são suficientes, por si sós e isoladamente, para afastar a aplicação do denominado princípio da insignificância”, afirmou. Seu voto foi seguido à unanimidade.

Questão pendente
Com a decisão, o STJ contribui para uma discussão que ainda não foi travada no Plenário do Supremo Tribunal Federal. No início do mês, o ministro Luis Roberto Barroso afetou ao Pleno um HC do qual era relator na 1ª Turma.

Na 1ª Turma do Supremo, a jurisprudência é no sentido de que não se aplique a bagatela a casos de reincidentes. E ambas as turmas afastam o princípio quando há qualificadoras no cometimento do crime.

Mas a intenção de Barroso com a afetação é que o STF defina parâmetros para a aplicação da insignificância. Segundo o voto do ministro na concessão da liminar no caso afetado, “não são incomuns” decisões do próprio STF conflitantes umas com as outras.

No caso do homem que furtou o chocolate em São Paulo, o ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, afirmou que devem ser levadas em conta todas as particularidades do caso concreto, não algumas. Por isso entendeu, e foi acompanhado pelos colegas, que a bagatela se aplica a réus reincidentes, a depender das circunstâncias.

O caso que será julgado pelo Supremo veio justamente da 6ª Turma do STJ. Em decisão monocrática, a ministra Maria Thereza de Assis Moura entendeu que, para analisar as peculiaridades do caso concreto e decidir se aplicaria ou não a bagatela, deveria analisar questões probatórias e factais. E isso é proibido pela Súmula 7 do STJ. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.


Revista Consultor Jurídico, 24 de setembro de 2014, 06:01

terça-feira, 23 de setembro de 2014

ESTUDOS SOBRE TERCEIRIZAÇÃO

Por Luiz Cláudio Borges

Seguem abaixo dois materiais de pesquisa, um artigo científico e uma dissertação de mestrado, ambos tratando do instituto da terceirização.
Boa leitura!





Por uma definição de terceirização

Paula MarcelinoI; Sávio CavalcanteII

IDoutora em Ciências Sociais. Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Avenida Professor Luciano Gualberto, 403 /315, Departamento de Sociologia. Cidade Universitária. Cep: 05508-900 - São Paulo, SP - Brasil. prpmarcelino@gmail.com
IIDoutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp). saviomc@gmail.com

RESUMO

O leitor tem em mãos um texto cujo objetivo principal é propor uma definição de terceirização que seja, ao mesmo tempo, rigorosa do ponto de vista analítico e útil do ponto de vista político. Defenderemos que a terceirização étodo processo de contratação de trabalhadores por empresa interposta, cujo objetivo último é a redução de custos com a força de trabalho e (ou) a externalização dos conflitos trabalhistas. Se a formulação parece e é simples, de maneira alguma ela é consensual. Tal como veremos ao longo do texto, a terceirização é objeto de estudo de várias disciplinas e, dentro de cada uma delas, muitas são as controvérsias em torno da sua definição. Este texto é resultado de ampla pesquisa bibliográfica e de estudos de casos específicos realizados pelos autores ao longo de suas pesquisas de pós-graduação.

Palavras-chave: terceirização, subcontratação, trabalho.







A terceirização no contexto de eficácia dos direitos fundamentais

Resumo em português

O presente trabalho tem por objeto central o estudo do fenômeno da terceirização, propondo uma análise a partir de diferentes enfoques a fim de compreendê-lo de forma integral. Inicialmente, apresenta-se uma reconstrução histórica para entendermos os fatores determinantes em sua origem, bem como os interesses por trás de sua disseminação. Em sequência, são apresentadas as alterações jurídicas promovidas tanto pelo Poder Legislativo quanto pelo Judiciário que, se primeiro proibiram a terceirização- porquanto contrária ao ordenamento jurídico pátrio -, a seguir foram alterando seu posicionamento e cedendo espaço à sua utilização até que alcançasse o estado atual de ampla disseminação. O estudo prossegue apresentando a forma como esse mecanismo de gestão da mão de obra é aplicado na prática, bem como os efeitos gerados aos atores envolvidos: empresas, sindicatos e trabalhadores. Por fim, tendo em mente os direitos e princípios fundamentais constantes de nossa Constituição Federal, bem como a realidade produzida pela terceirização e sua ampla aceitação através do desmonte promovido em nosso ordenamento jurídico, o presente estudo propõe sugestões de solução ao rastro de precarização da classe operária, baseando-se não em sugestões a serem legisladas, mas na interpretação jurídica a partir da consideração de princípios constitucionais e específicos do Direito do Trabalho e demais regras já positivas em nosso ordenamento.

Judiciário atingiu ápice da produtividade, enquanto demanda continua a aumentar



JUSTIÇA EM NÚMEROS
Judiciário atingiu ápice da produtividade, enquanto demanda continua a aumentar


Por Pedro Canário


O Judiciário parece ter chegado ao máximo de produtividade que pode oferecer com sua atual estrutura. Enquanto entre 2012 e 2013 aumentou o número de casos novos na Justiça e a quantidade de processos pendentes, a produtividade dos juízes manteve-se estável. Foi o que mostrou a edição 2014 do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, lançado nesta terça-feira (23/9).

De acordo com o estudo, o número de casos baixados em 2013 subiu só 100 mil em relação a 2013, e ficou em 27,7 milhões, enquanto que o número de novas ações aumentou 400 mil em relação ao mesmo período e fechou em 28,3 milhões. Ao todo, há 95,14 milhões de processos em tramitação no país, sendo 67 milhões pendências de antes de 2013.

Desde 2011 o número de processos baixados ou resolvidos pelo Judiciário é menor que a quantidade de novas ações na Justiça. No entanto, 2013 foi o primeiro ano em que houve descompasso nas demonstrações entre o volume de trabalho e a produção: ao mesmo tempo que tanto o número de casos novos quanto o de pendentes aumentou, a quantidade de processos baixados manteve-se estável entre 2012 e 2013.

A estagnação da produtividade em 2013 fica clara ao se comparar os dados de 2012, quando foram baixados 27,6 milhões de processos, alta de 7,5% em relação ao ano anterior. No período, o número de ações novas subiu 1,2% e o número de casos pendentes subiu 4,2%, o que aumentou a carga de trabalho por magistrado em 1,8%.


Proporcionalmente, a relação entre casos novos e antigos manteve-se a mesma de 2012. Do total, 70% são acervo e 30% são novidade. Mas o Índice de Atendimento à Demanda (IAD) vem caindo. O número é o resultado da divisão do número de casos baixados pelo número de casos novos. Em 2009, o quociente era de 103%. Em 2013, ficou em 98% — mesmo cada juiz brasileiro tendo julgado, em média, 6 mil processos no ano.

E os números não são só gerais. O Índice de Produção por Magistrado (IPM) caiu 1,7% no ano passado em relação ao ano anterior. O mesmo aconteceu com o Índice de Produção por Servidor (IPS), que caiu 1,8%. “O Poder Judiciário não consegue baixar nem o quantitativo de processos ingressados, aumentando ano a ano o número de casos pendentes”, conclui o CNJ.


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 23 de setembro de 2014, 09:10

Trabalhadora discriminada e desrespeitada por ser mulher será indenizada




Trabalhadora discriminada e desrespeitada por ser mulher será indenizada  





A juíza June Bayao Gomes Guerra, titular da Vara Trabalhista de Araxá/MG, reconheceu a uma trabalhadora o direito a receber indenização por danos morais, por ter sido tratada de forma discriminatória e humilhante no ambiente de trabalho pelo simples fato de ser mulher.

Ela era empregada de uma empresa produtora de cana e trabalhava na moenda. De acordo com os depoimentos das testemunhas, havia um líder nesse setor que tinha preconceito contra todas as mulheres que ali prestavam serviços. Dizia que o serviço da moenda era pesado e por isso não gostava de mulheres por lá. Gritava com a reclamante e depois jogava papel no chão e pedia para ela pegar. Alem disso, conforme informou uma testemunha, um gerente da empresa não aceitou um atestado médico apresentado pela empregada, dizendo a ela para ir trabalhar e chamando-a de "negra preguiçosa".

Com base nessas declarações, a juíza entendeu comprovado que a ex-empregada era discriminada e desrespeitada por seus superiores hierárquicos no ambiente de trabalho. "Não há dúvida quanto ao constrangimento causado e à ilicitude do procedimento dos prepostos da reclamada. Trata-se de nítida ofensa à dignidade do empregado, bem como ao direito à honra e a imagem da pessoa humana, assegurados pelo artigo 1o., III e 5a., X da CF/88, tendo a reclamada tolerado e permitido o comportamento de seus prepostos em relação à autora.", destacou.

Segundo esclareceu a julgadora, o procedimento da empresa causou constrangimento, humilhação e dor, configurando claramente o dano moral alegado pela reclamante. E não há necessidade de prova específica desse dano, que está implícito na própria situação, considerado o padrão do homem médio.

Considerando a gravidade do dano, o grau de culpa do ofensor e a condição econômica das partes, a juíza arbitrou a indenização em R$7.000,00. A decisão está ainda pendente de recurso em tramitação no TRT de Minas.( 0000604-51.2013.5.03.0048 RO )

Fonte: TRT3ª

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Presidente o c. STF defende diálogos com a sociedade na análise de temas sensíveis



Presidente do STF defende diálogo com a sociedade na análise de temas sensíveis


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, defendeu o maior uso de instrumentos de participação social nas discussões levadas ao Tribunal como uma forma de democratizar as atividades do Poder Judiciário. Isso significa, no STF, intensificar a abertura de audiências públicas para discutir temas sensíveis e ampliar a participação dos chamados “amigos da Corte”.

"O presidente do Supremo Tribunal Federal não pode atuar, exercer seu mister sem dialogar com aqueles que o cercam. Essa é a democracia participativa”, afirmou o ministro na sua apresentação em seminário organizado pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB). O seminário “Judiciário e democracia – perpectivas de efetividade” foi realizado nesta sexta-feira (19) em João Pessoa.

Concretização dos direitos humanos

O ministro também destacou que nesse novo modelo de participação popular na atuação da Justiça, o Poder Judiciário passa a ser um ator na concretização dos direitos humanos, considerados fundamentais pela Constituição de 1988, buscando a efetiva aplicação através de políticas públicas. "O Poder Judiciário, de modo geral, assim como o Supremo Tribunal Federal, passa dentro desse cenário, valorizando os direitos fundamentais, a ser um copartícipe na formatação de políticas públicas na área do consumidor, meio ambiente, proteção da família, do idoso. O Poder Judiciário do século XIX ganhou um corpo e uma visibilidade extraordinários”, disse o presidente do STF.

Solução de conflitos

Questionado sobre o seu maior desafio à frente do STF, o presidente destacou a tarefa de ajudar a solucionar os 100 milhões de processos que tramitam no país. Mencionou como medidas a serem adotadas no STF a aprovação de novas súmulas vinculantes e a prioridade ao julgamento dos processos com repercussão geral. Também destacou a necessidade de ampliação da solução extrajudicial de conflitos. “Vamos fazer um esforço com todos os juízes brasileiros e com a sociedade para que grande parte dos conflitos sejam resolvidos fora do Judiciário, com uso dos instrumentos da mediação, da conciliação e da arbitragem”, afirmou.

Carga de trabalho

Ao introduzir a participação do presidente do STF no seminário, a presidente do TJ-PB, desembargadora Fátima Bezerra Cavalcanti , destacou a missão que o ministro Ricardo Lewandowski tem à frente do STF, com um acervo de 68 mil processos, e cerca de 5 mil novas ações distribuídas anualmente para cada ministro.

A desembargadora mencionou dados da gestão do presidente do STF, como o julgamento de processos que obstruíam a pauta e a criação de uma força tarefa para zerar o estoque de 2,6 mil processos pendentes de distribuição. Mencionou ainda o esforço do ministro para reduzir o estoque de processos em seu próprio gabinete antes de assumir a Presidência.

Destacou ainda, a necessidade de mudanças no quadro de congestionamento da Justiça, lembrando que a Justiça da Paraíba atingiu as metas 1 e 2 do CNJ. “Sabemos que toda mudança necessita de tempo. Mas fique certo que Vossa Excelência não estará sozinho nesse projeto, pois, sem dúvida, os magistrados de todo o Brasil estarão juntos nessa caminhada, porque confiam e têm muita esperança no seu presidente”.

FONTE: STF

A LEGITIMIDADE DO PROCON EM QUESTÃO


Procon não pode exigir que empresa devolva a cliente valor pago por produto



O Procon não tem legitimidade para obrigar, sob pena de aplicação de multa, uma empresa a devolver ao consumidor valor pago por um produto defeituoso. Com esse entendimento, a Vara da Fazenda Pública de Lages (SC) suspendeu penalidade de R$ 10,4 mil imposta às Lojas Colombo.

Segundo o processo, o Procon, no Processo Administrativo 545/11, multou as Lojas Colombo por vender um celular quebrado. Além disso, determinou que a empresa devolvesse ao cliente o valor pelo aparelho. O advogado da companhia, Robson Fronchetti, do escritório Andrade Maia, argumentou que o órgão tem que se limitar a apurar e fiscalizar ofensas aos direitos do consumidor.

A tese foi aceita pelo juiz Ricardo Alexandre Fiuza. Em sua decisão, ele afirma que, no caso, a entidade “extrapolou seu poder de polícia, pois, aparentemente, impôs o cumprimento de obrigação de natureza individual entre as partes, qual seja, a restituição à consumidora do valor pago pelo produto, o que, em tese, ocasionaria a nulidade do proceso administrativo e das penalidades dele decorrentes”.

Fiuza cita também caso similar julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Na apelação cível 2013.065052-0, o relator, desembargador Luiz César Medeiros, afirma: “A solução de litígio com a obrigatoriedade de submissão de um dos litigantes à decisão que favorece a outra parte é prerrogativa da jurisdição, cujo exercício incumbe exclusivamente ao poder Judiciário”.

Processo 0302506-2.2014.8.24.039

Clique aqui para ler a decisão.


Revista Consultor Jurídico, 22 de setembro de 2014, 07:29

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Por analogia, advogados devem invocar em seu favor o princípio da amorosidade!


Por analogia, advogados devem invocar em seu favor o princípio da amorosidade!




É simples. O que me levou a escrever esta coluna foi ter lido sobre alguns novos princípios inventados por aí. Já havia falado aqui na ConJursobre esse fenômeno que não me canso de denunciar: o pamprincipiologismo, doença contemporânea do direito, algo como uma espécie de direito-alternativo-tardio (woodstock jurídico) utilizado contra a lei e a Constituição, tudo em nome de valores morais (o que seria isto?) e coisas como “princípio da primazia da realidade” (o que é isto – a real-idade?). Listei já dezenas de pseudo princípios, que não passam de enunciados com pretensões performativas[1] que vicejam em dissertações, teses, acórdãos e cardápios de cursinhos de preparação. Cito, de cabeça, alguns como “princípio” da confiança no juiz da causa, proibição do atalhamento constitucional (este deve ser indicado ao oscar dos princípios), da pacificação e reconciliação nacional, da eventual ausência do plenário (nesse, a deontologia é ontológica!), do livre convencimento, da livre apreciação da prova (esses dois são princípiosomnibus), da rotatividade (também conhecido como princípio Fogo de Chão por causa da remessa ao significante “rodízio”), do deduzido e do dedutível, da proibição do desvio de poder constituinte, da parcelaridade (princípio Casas Bahia), do subprincípio da promoção pessoal (princípio série B ou princípio Instagram), da nulidade do ato inconstitucional (cuja inutilidade é autoexplicativa), etc. Trata-se de uma bolha especulativa dos princípios, espécie de subprime do Direito. Ou seja: uma fábrica de derivados e derivativos. No meu Verdade e Consenso, faço uma listagem de mais de quarenta desses standards jurídicos, construídos de forma voluntarista no seio da comunidade jurídica.

Para não esquecer: um dos meus preferidos é o Princípio da afetividade. Sobre ele já muito falei. Esse standard apenas escancara a compreensão do Direito como subsidiário a juízos morais (sem levar em conta os problemas relacionados pelo “conceito” de afetividade no âmbito da psicanálise, para falar apenas desse campo do conhecimento). Isso para dizer o mínimo. Trata-se, na verdade, de mais um álibi para justificar decisões pragmatistas e que dão capa de jornal. É evidente que a institucionalização das relações se dá por escolhas pela relevância delas na sociedade. Ocorre que as decisões devem ocorrer a partir de argumentos de princípio e não por preferências pessoais, morais, teleológicas, etc. No fundo, acreditar na existência desse “princípio” é fazer uma profissão de fé em discursos pelos quais a moral corrige as “insuficiências ônticas” das regras jurídicas. Em nome da “afetividade”, tudo é possível, como registrar dois ou três pais para um filho (duas mães e um pai – leia aqui) registrar filho só com pais (sem mãe), dar a metade da herança para a amante-concubina-adulterina, etc (rogo para que os comentaristas não se digladiem sobre se um filho pode ser registrado com dois pais e sem mãe; usei apenas como exemplo a partir doprincípio da aleatoriedade!). Aliás, a vingar a tese, por que razão não elevar ao status de princípio o amor,[2] o companheirismo, a paz, a proibição da tristeza, enfim, tudo o que pode ser derivado do respeito (ou não) do princípio da dignidade da pessoa humana, alçado, aliás, à categoria de “superprincípio”? Por que só a afetividade?

Qual é o “busílis” desses princípios-que-não-são-princípios? Simples: servir de katchanga real (ler aqui). Quando a lei e/ou a Constituição estão contra o que se pensa, bingo! Saca da manga do colete um princípio. Se ainda não existir um que caiba na tese, construa um. É facinho. Algo como o conselho que o pai dá ao seu filho Janjão, ao completar 18 anos, no conto A teoria do Medalhão, de Machado de Assis: “Longe de inventar um Tratado Científico da Criação de Carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar...”. É bem fácil, útil e proveitoso...

Diz-se por aí que “princípios são valores”. Em nome disso outro dia a juíza Carine Labres, de Santana do Livramento, a propósito do casamento homoafetivo[3] em um Centro de Tradições Gaúchas (CTG) no RS: “Estou tentando mudar a sociedade, suprimindo o véu da hipocrisia para que as minorias tenham voz ativa e possam concretizar seus direitos e felicidade como ser humano”. De acordo. Sou contra discriminações. Óbvio. Mas esse não é o busílis da questão. O ponto é: de que lugar queremos mudar a sociedade? Perguntando de outro modo: Por que não tínhamos pensado nisso antes? Juízes, promotores, delegados e defensores (e por que não procuradores do Estado, da Fazenda e oficias de justiça) todos querendo “mudar e melhorar a sociedade”. A sociedade não sabe pensar. É ruim. Nós, da guerrilha da VPJJ (Vanguarda do “Povo Jurídico-Judiciário”) temos a salvação dessas almas corrompidas. O lema: “Tudo o que ruim está na política; e tudo o que é bom está no nosso meio...”. Pois é. Vejam o que o PDP (Partido do Pamprincipiologismo) conseguiu fazer.

Sendo bem científico, digo: Ora, essa referência reiterada aos “valores” demonstra bem o ranço neokantiano que permeia o imaginário[4] de amplos setores do Direito (com pretensões críticas ou não). De fato, não é exagero afirmar que, em termos teóricos, parcela dos juristas brasileiros permanece, de algum modo, atrelada ao paradigma filosófico que se formou a partir do neokantismo oriundo da escola de Baden. Ou seja, ainda estamos reféns de um culturalismo ultrapassado que pretendia fundar o elemento transcendental do conhecimento na ideia sintética de valores, sendo que a união de todos esses valores, portanto, representaria o mundo cultural. Chega a ser intrigante o fato de que toda tradição constituída depois dolinguistic turn — inclusive alguns setores da filosofia analítica — tenha criticado o objetivismo ingênuo dessa concepção do neokantismo valorativo, demonstrando que a questão dos valores não dava conta radicalmente dos fundamentos linguístico-culturais que determinam o processo de conhecimento. Sim: eu já escrevi isso. Mas não esqueçamos que sofro de LEER (Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo). Ou seja, invoco o “princípio da LEER”... E invoco também o “paradoxo de Humboldt”: nós possuímos linguagem porque temos cultura ou temos cultura porque possuímos linguagem? Portanto, o discurso axiológico no interior do Direito deveria ter sucumbido junto com o paradigma filosófico que o sustentava. A despeito disso, continua-se a falar — acriticamente, por certo — em “valores”, sem levar em conta a sua conhecida e problemática origem filosófica. Quando alguém fala em valores, tenho tremores. E vejo o direito esfarinhando. Dúctil. Fofo. Flambado.

E surgiram novos “princípios”...
Um deles é o mote desta coluna. Trata-se do “princípio” da coloquialidade, que, segundo consta, quer dizer o seguinte: que as palavras da lei devem ser entendidas no seu sentido coloquial, usual, “normal” (sic). Como assim? Quer dizer que se uma lei diz que três pessoas disputarão uma cadeira no Senado, a interpretação correta é que três pessoas disputarão o móvel do Parlamento? Cada uma pegando em um pé da cadeira? Como se interpreta “remédio heroico”? Como Fontol ou Melhoral? Aliás, como se afere o sentido “coloquial” de Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung, a famosa nulidade parcial sem redução de texto? E por que ele — o SC (sentido coloquial) — deve ser melhor do que o SJ (sentido jurídico)?[5] Mas, não somos juristas? O direito é uma mera questão de linguística? Por que então não substituímos os juristas por professores de português? Em que momento, por exemplo, esse “princípio” (sic) poderia entrar em campo (“campo”, aqui, não tem sentido coloquial...!)? E, raios, qual é a sua normatividade? Onde reside o seu caráter deontológico? Aliás, aqui vai uma pergunta: qual seria o sentido coloquial da palavra “deontológico”? Será que não estamos indo longe demais?

Sigo. Recebi, semana passada, uma sentença proferida por um juiz do Espírito Santo, nos Juizados Especiais, em que ele manda emendar uma inicial porque esta tinha dezoito laudas, com citação de doutrina e jurisprudência. Fundamento para o emendamento: o princípio da simplicidade. Bingo. Katchanga! Agora vai. Outro argumento usado foi o de que a lei dos juizados fala em “pedido”. Como o advogado fez uma petição, haveria, ali, uma ilegalidade. Minha pergunta: entraria, aqui, o “princípio” da coloquialidade, para “determinar” o sentido de “pedido”? Petição não é o mesmo que pedido? E onde está escrito que o causídico não pode sustentar o “pedido” com doutrina e jurisprudência? Vão nos impedir até de fazer isso? Teremos que escrever como no twitter?

Pois é: advogar está se tornando, além de uma corrida de obstáculos e um exercício de humilhação, um mal-estar para a “civilização jurídica”. Chegará o tempo em que o advogado, para protocolar uma petição, terá que passar por um fosso de jacarés e escapar, ziguezagueando, de um snipper postado no edifício do fórum. E ainda terá que passar pelo detector de metais, o mau humor do porteiro e enfrentar o olhar sobranceiro do escrevente-atendente da Vara. Que coisa, não? Dias atrás um juiz do Rio Grande do Norte indeferiu uma petição porque era muito extensa. Por favor: deixemos os advogados trabalharem. Cada um no seu quadrado.

Vamos aplicar a amorosidade por analogia?
Por fim, nessa toada (estou sendo coloquial, entendem?), ainda gostaria de registrar um “princípio” sobre o qual aqui já falei, mas, no contexto, vale repetir, até para invocá-lo contra decisões e despachos como o do Juiz que indeferiu a petição e daquele que mandou emendar a petição mandando transformá-la em “pedido”: falo do Princípio da amorosidade. Faço uma conclamação aos magistrados de todo o Brasil: Eis um princípio a ser invocado por todos os causídicos. Esse princípio está no Diário Oficial e deverá nortear o atendimento no SUS (leia aqui). Ou seja: se no SUS deve haver amorosidade e sensibilidade no atendimento aos utentes, deduzo que nos-fóruns-e-tribunais-deve-haver-também (minha dedução vem a partir doprincípio do deduzível — boa essa, não?). E a aplicação é por analogia, conforme o artigo 4º da LINDB (boa essa também, não?). Pronto. Eis aí uma ideia para uma SV — súmula vinculante. Nada mais preciso dizer, pois não?

Numa palavra final
Vejam os leitores que, se substituirmos os aludidos princípios por qualquer palavra com caráter retórico (por exemplo, canglingon), nada mudará, por uma razão simples: onde está a normatividade dos aludidos standards? Onde está o caráter deontológico? Se princípios são normas (dever-ser), restaria ainda uma pergunta fatal: qual-é-a-legitimidade-de-sua-constituição? Quem os elaborou? Em que condições? Mas, e a lei e a Constituição, construídos democraticamente, o que fazer com esse material? Afinal, somos juristas, pois não? Se decidir é algo como “escolha moral”, não é melhor deixar que gente mais especializada cuide disso, como filósofos morais? Se a realidade tem primazia, não é melhor chamar os sociólogos?

Invocando o princípio da economia de linhas vigorante na ConJur, descanso minha causa (sendo coloquial, para não dizer I rest my case!). 



[1] Estagiário levanta a placa com os dizeres: procurar nas colunas anteriores o significado de “enunciado performativo”.


[2] Deixei de fora, deliberadamente, o propalado “princípio da felicidade”. Sobre ele falarei em coluna própria. Já o fiz em outros tempos. Mas prometo voltar ao tema.


[3] Por favor: que os leitores não abram polêmica sobre se os gaúchos do CTG devem aceitar nos seus clubes casamentos heterodoxos. Não é disso que trata esta coluna. Poupemo-nos, pois, dessa discussão. Estou tratando da relação direito-moral e os limites da fabricação de princípios. Estamos entendidos?


[4] Com se explicaria o conceito de “imaginário” a partir do “princípio da coloquialidade”? Ganha um exemplar de Lições de Crítica Hermenêutica do Direito quem acertar.


[5] Por que as siglas SC e SJ? Por nenhuma razão. Fi-lo apenas para flambar epistemicamente a discussão...! É que, quando escrevi a coluna, estava de bom humor.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 18 de setembro de 2014, 08:00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...