quinta-feira, 22 de maio de 2014

O juiz, a umbanda e o solipsismo: como ficam os discursos de intolerância?

O juiz, a umbanda e o solipsismo: como ficam os discursos de intolerância?


Caricatura Lenio Streck [Spacca]
Explicando o case

O Ministério Público Federal entrou com Ação Civil Pública para a retirada de vários vídeos ofensivos (e intolerantes) contra as religiões afro-brasileiras (umbanda e candomblé). O juiz Federal do Rio de Janeiro, encarregado do caso, negou a antecipação de tutela sob o argumento de que as “manifestações religiosas afro-brasileiros não se constituem em religião”. E acrescentou: faltariam a elas “traços necessários de uma religião”, como um “texto base”, a exemplo da Bíblia ou do Alcorão. Apontou, ainda, a ausência de uma estrutura hierárquica e de um Deus a ser venerado. Também disse que não havia urgência na retirada. Sobre o sentido de religião e liberdade, trataria no mérito. O Ministério Público ingressou com agravo. É o relatório (brincadeira, vício de profissão).
O velho problema do decisionismo
Como o juiz negou a antecipação de tutela? Nitidamente — e tudo dá a entender isso — a partir de sua percepção pessoal sobre religião, Deus, etc. Na semana passada fiz uma coluna criticando (ler aqui) o fator “decido-conforme-minha-consciência”. Portanto, repito, não é implicância minha. Juiz não deve decidir conforme seus humores, pendores, desejos, crenças etc. Dworkin, por exemplo, diz que não importa o que pensam os juízes sobre impostos, jogos etc. Importa é que seu ato é de responsabilidade política.
Com Dworkin: Juiz decide por princípios e não por políticas ou por moral(ismos). Digo isso pela centésima vez. Democracia se faz a partir de responsabilidade política. Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões a ele relativas encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador. Portanto, direito não é moral. Não é religião. Não é futebol. Não é política.
Pois o juiz Federal do Rio de Janeiro, em vez de reconstruir a história institucional do problema relativo aos discursos de ódio versus liberdade de expressão (por exemplo), ele atalhou e usou os seus próprios pré-juízos, que, como se viu, causaram um enorme prejuízo.
A decisão do juiz é inconstitucional porque a distinção entre religião e manifestação religiosa para efeito de negação de tutela constitucional viola o princípio da proibição de proteção deficiente ou insuficiente (Untermassverbot). Melhor ainda, a decisão, ao desproteger as religiões afro-brasileiras, violou o dispositivo constitucional que estabelece a liberdade de crença etc. Ou seja, não somente o legislador pode incorrer em uma violação da Untermassverbot, como também o órgão julgador.
E não adianta reconhecer o caráter de ancestralidade aos "cultos afrobrasileiros" (que ele colocou entre aspas) para depois negar-lhes proteção, algo que já denunciei alhures como sendo a aplicação da fórmula Scalia (refiro-me ao voto de Scalia no caso Bowers v. Hardwick). 
Discuti esse assunto amiúde com Marcelo Cattoni (professor da UFMG), jusfilósofo da cepa que, em vários escritos, explicita e compreende sobremodo o sentido das exigências de reconhecimento do pluralismo social e cultural próprias ao Estado Democrático de Direito que, como no caso da Constituição de 1988, condena o racismo social, cultural e de classe, além de assegurar direitos culturais aos indivíduos e às comunidades ancestrais.  Sim, existe racismo cultural do mesmo modo que existe o “racismo comum”.
Pergunta, então, Cattoni: “De qualquer forma, faz algum sentido, para efeito de garantir a liberdade religiosa (inclusive de não ter nenhuma religião!!) diferenciar manifestações religiosas e religião? Afinal, o que é liberdade religiosa e de crença num Estado Democrático de Direito, republicano, laico e protetor do pluralismo social e cultural que constitui internamente a nacionalidade e a cultura brasileira”? 
Não esqueçamos que o STF, no HC 82424 (Caso Ellwanger),[1] negou o sentido constitucional da liberdade de expressão a discursos de ódio, a expressões de preconceito e de discriminação de qualquer natureza, que visam a inferiorizar ou a não reconhecer a liberdade como igualdade na diferença e a dignidade de todos e de cada um como expressão constitucional do direito fundamental a ser tratado pelo Estado com igual respeito e consideração (o sentido amplo ali adotado pelo STF para "racismo"). 
Com relação à não concessão de tutela antecipada, não esqueçamos também, aqui, que, no caso Ellwanger, o STF não exigiu, para efeito de garantia de direitos fundamentais, que houvesse caso de dano iminente e irreparável, mas considerou a própria publicação e divulgação de material racista lesivo não apenas às comunidades judaicas, mas também à própria sociedade democrática. Bingo.
Enfim: se a Umbanda e o Candomblé são manifestações culturais centenárias e profundamente enraizadas na cultura brasileira, somente isso já justifica a sua proteção contra formas de discriminação social e cultural, expressão, em sentido amplo, de racismo social e cultural. 
Dito isso, qual é o papel de um juiz? 
Decidir não é escolher. Escolhas são da ordem de nossa razão prática. Escolhe-se entre ir ao cinema ou ao futebol. Mas quando o juiz decide (judicialmente falando) deve fazê-lo a partir do Direito. Evidente que a decisão não é um ato subsuntivo (a subsunção sequer se sustenta filosoficamente; subsunção é tão fictícia quanto a sustentação da verdade real). Mas a decisão tampouco é um ato arbitrário. O juiz não é escravo da lei... Óbvio isso. Mas, por favor, ele tampouco é dono da lei (ou da Constituição ou do conceito de religião ou do conceito de cultura ou do conceito de preconceito ou do conceito de discurso de ódio...).
Juiz não é neutro. Ninguém o é. Não é disso que se trata. O que venho sustentando em meus escritos sobre teoria da decisão é que a subjetividade do juiz deve ser constrangida epistemologicamente (quer dizer, controlada) pela intersubjetividade. Se o juiz não consegue suspender seus pré-juízos, ele não pode (e não deve) ser juiz. Ele pode odiar ou amar algo. Mas na hora da decisão isto deve ficar suspenso (uma epoché). Isso se chama de responsabilidade política. Democracia é isso. Caso contrário, meus direitos dependerão da boa vontade do juiz. E, repito a frase (que não é minha, é do Agostinho Ramalho): Deus me livre da bondade dos bons.
Ora, no caso dos vídeos objetos da Ação Civil Pública promovida pelo MPF, há que se consultar as práticas sociais e aquilo que a tradição acerca do que seja religião e cultura afro significa (o comentário acima elucida a quaestio juris). Aquilo que já faz parte da tradição de um povo. Esse é o primeiro movimento que o juiz deve fazer: buscar o sentido a partir do revolvimento do chão linguístico em que está assentada determinada tradição sob questionamento. É o que se chama de método hermenêutico, que venho trabalhando amiúde sob a epígrafe de “a alegoria do hermeneuta” (neste sentido, meu Lições de Crítica Hermenêutica do Direito).
Nitidamente os tais vídeos configuram abuso de liberdade de expressão. São discursos de ódio e de intolerância que a democracia veda. No mínimo, racismo cultural. Parafraseando Dostoievski e sem fazer trocadilhos (e invertendo a frase), se Deus morreu, agora não podemos tudo...
Portanto, muita calma. Liberdade de expressão não quer dizer que dê para passar a mão na bunda do guarda. E nem ofender a crença e a cultura de milhões de brasileiros. Para que existe a Lei da Igualdade Racial, por exemplo? Por que o Brasil assina tratados e acordos contra a descriminação?
Por isso, a minha insistência: aos juízes incumbe a apuração da coerência, ou não, do texto de cada lei em relação à Constituição. O juiz cumpre um papel. São os dois corpos do Rei, tese desenvolvida por Kantorowitz. No seu cotidiano, na sua vida pessoal, o juiz pode fazer as coisas que quiser. Mas, no papel de juiz, tem uma representação social e política.
Cada coisa no seu lugar, como diria Voltaire, falando do personagemPangloss (e compreendamos as suas desventuras): “reparem que o nariz foi feito para sustentar óculos. Por isso usamos óculos. As pernas foram visivelmente instituídas para vestirem calças; por isso usamos calças. As pedras foram feitas para serem talhadas...”.
Post scriptum I
Já finalizada a coluna — no “crepúsculo de jogo”, como dizia Fiori Gigliotti — soube da noticia que dava conta de uma espécie de retratação do juiz no que tange ao problema semântico-conceitual a fim de se saber se os cultos afro-brasileiros representam religião ou não. Segundo o jornal Estado de S. Paulo (clique aqui), o juiz autor da decisão voltou atrás na fundamentação, mas manteve a decisão liminar que autorizou a permanência no YouTube dos vídeos considerados ofensivos pelo Ministério Público Federal.
Note-se: a nova argumentação possui um nítido caráter instrumental. A decisão, em si, não mudou. Mesmo com uma nova roupagem, seu teor solipsístico continua inalterado. Trata-se de uma demonstração do velho “decido primeiro para fundamentar depois”, que também pode se expressar da seguinte maneira: “na minha jurisdição, primeiro decido segundo minha formação humanística e experiência, depois procuro justificar a decisão nos aspectos técnicos oriundos do ordenamento jurídico”. Caráter instrumental da fundamentação/argumentação, indeed. E não se venha dizer que o “juiz decidiu conforme sua consciência”. Isso não é argumento na democracia. Aliás, o juiz de Três Passos (RS), do “caso Bernardo”, também justificou a sua decisão de deixar que o pai — acusado de matar o menino — ficasse com a sua guarda. Disse: “decidi conforme minha consciência”. E quando a “consciência” não bate com a lei e a Constituição?
Sigo. Ainda segundo a notícia, a fundamentação foi readequada (sic) de modo a "registrar a percepção (sic) deste juízo de se tratarem os cultos afro-brasileiros de religiões". Quer dizer que o-sentido-do-que-seja-religião depende de uma “nova” percepção? Ou de uma “percepção melhor ou mais adequada”? Mas, afinal, o que é isto — a religião ou a manifestação cultural? É uma questão meramente semântica? Trata-se de um neo-nominalismo?
Na versão 2.0 da decisão, o juiz explica que a manutenção dos vídeos teve como fundamento a defesa da liberdade de expressão. A partir de um pretenso liberalismo, afirma que, embora os vídeos sejam de mau gosto “refletem exercício regular da referida liberdade”. E, novamente, errou o alvo. Isto porque tanto a proteção da liberdade de religião e crença, quanto a tutela da liberdade de expressão não implicam indiferença do Estado para com esses campos.
Explico melhor: há um erro de base naqueles que pensam que a liberdade de expressão representa uma espécie de direito absoluto em uma democracia constitucional: o esquecimento que a liberdade de expressão implica o exercício da tolerância. Como dizia o velho Kant  que, por sinal, era um liberal , a autoridade política, no campo da liberdade de religião, possui um direito negativo de preservar a comunidade política de toda influência que possa ser prejudicial à tranquilidade pública. Nesse passo, a autoridade política  no caso o Estado  deve, por consequência, diz Kant, não permitir que a concórdia civil fique em perigo, seja pelas disputas internas, seja pelo conflito de diferentes religiões entre si, o que constitui, então, um direito de polícia. Ponto para o velho Imannuel!
Ou seja, diante de discursos que incitam o ódio e a intolerância (quem tem paciência, veja os vídeos), não podemos falar em exercício legítimo da liberdade de expressão. Logo, mudar a fundamentação não retirou o caráter solipsista (e inconstitucional) da decisão. Ao contrário, apenas serviu para demonstrar, de forma mais categórica, a sua ocorrência.
Aliás, por ocasião do julgamento do famoso caso Ellwanger, acima referido, chegou-se a sustentar que “judeu não era raça”, para descaracterizar o crime de racismo... Quer dizer que se “judeu não fosse raça”, os livros de Ellwanger poderiam ter sido publicados (por exemplo, Acabou o Gás, entre outros)? Se judeu não é raça, o que mudaria? No caso aqui sob comento, o que muda se a umbanda é religião ou não? Quer dizer que, em sendo religião, pode ser vítima de discurso de ódio ou de intolerância ou de racismo cultural?
Mais: o que é isto — a fundamentação? Ela é condição de possibilidade ou é meramente um adorno, um artifício retórico? Como é possível que uma decisão seja proferida tendo por base a premissa de que umbanda não é religião e, depois, reconhecida a circunstância desta ser religião, permanecer igual? Ou seja: ao que entendi, tanto faz se umbanda e candomblé são religiões; em nome de liberdade de expressão, pode-se delas dizer o que se quiser!
Na democracia tudo pode? Veja-se como, em nome da liberdade, vamos criando permissividades: de repente, sem qualquer aviso, São Paulo é vítima das greves de ônibus. Milhões de pessoas prejudicadas. Viva a liberdade de fazer greve! Viva a liberdade de expressão em poder fazer vídeos recheados de intolerância. Viva! E as consequências desse “Deus morreu e agora pode tudo”? Bem, as consequências sempre vem depois...como dizia o genial Conselheiro Acácio.
Post Scriptum II - um pequeno desagravo 
Li o artigo do ex-ministro Eros Grau (aqui) em que ele espinafra a coluna Diário de Classe, na qual André Karam Trindade criticou a decisão do ministro Joaquim Barbosa acerca da polêmica sobre o cumprimento de um sexto da pena. Embora Grau não tenha citado o texto de André, é evidente o alvo (embora politicamente o texto de Grau possa ter outro endereço). A crítica de Grau foi, no mínimo, deselegante. Não fica bem usar falácia do tipoad hominem. Não ficou “legal” isso. Só para registrar. 

 [1] A crítica mais consistente até hoje feita ao caso Elwanger foi feita por Marcelo Cattoni, no artigo Direito, política e filosofia: contribuições para uma teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. Rio de Janeiro: Mandamentos, 2007, cap. 8., p. 113-125.
 é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2014, 08:00h

Análise de fatos que levaram a uma sentença deve ser refeita em nova ação

Análise de fatos que levaram a uma sentença deve ser refeita em nova ação



O julgamento de um processo não precisa seguir a mesma conclusão sobre a verdade dos fatos que motivou sentença em outra ação já transitada em julgado, ainda que seja relacionado ao mesmo caso e às mesmas partes. Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao avaliar disputa entre uma pousada e uma construtora que discutiam o valor da compra de um imóvel.22 de maio de 2014, 09:39h

O conflito chegou à Justiça quando a construtora decidiu cobrar a pousada por dívidas sobre parte do montante estabelecido em contrato. Mas uma sentença negou o direito a novos pagamentos, avaliando que a pousada já havia pagado pelo imóvel valor três vezes superior ao de mercado. Quando a decisão transitou em julgado, a pousada ajuizou nova ação, agora pedindo a devolução dos valores pagos a mais pelo imóvel. O pedido foi negado tanto em primeira instância quanto pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
No recurso ao STJ, discutiu-se a ocorrência ou não de ofensa à coisa julgada, tendo em vista que, na segunda ação, não foi reconhecido o pagamento maior apontado na sentença do primeiro processo. O ministro Sidnei Beneti, relator do caso, avaliou que a conclusão fática não precisaria ser a mesma, pois o artigo 469 do Código de Processo Civil diz que a verdade dos fatos estabelecida como fundamento de sentença não faz coisa julgada.
Embora o artigo 301 do CPC estabeleça que “há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso”, Beneti apontou que o artigo 469 fixa três situações em que isso não ocorre: os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; e a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo. A decisão, unânime, ainda não foi publicada. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.298.342

Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2014, 09:39
h

terça-feira, 20 de maio de 2014

"STF e STJ não comunicam bem sua jurisprudência a tribunais"

"STJ e STF não comunicam bem sua jurisprudência a tribunais"

Caricatura Thiago Bottino, advogado e professor da FGV-RJ [Spacca]Proferida em agosto de 2012, a decisão do ministro Marco Aurélio, na qual negou a possibilidade do Habeas Corpus como substitutivo do Recurso ordinário, determinou nova jurisprudência sobre o tema no Supremo Tribunal Federal. A partir daí, o Superior Tribunal de Justiça e os demais tribunais seguiram o mesmo entendimento e passaram a não conhecer mais os pedidos em HC que achassem que caberiam em recursos.
A medida, adotada como forma de administrar a sobrecarga de pedidos de HCs que chegam a Brasília todos os dias, revelou outro grave problema da Justiça brasileira: a incapacidade do STF e do STJ em comunicar aos demais tribunais, de maneira eficiente, a jurisprudência que aplicam.
A avaliação é do professor Thiago Bottino, responsável pela coordenação da pesquisa "Panaceia universal ou remédio constitucional? Habeas Corpus nos Tribunais Superiores”, desenvolvida pela Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio) a pedido do Ministério da Justiça.
“Mais importante do que fechar a porta é saber por que existe essa demanda altíssima de Habeas Corpus. Foi esse o interesse do Ministério da Justiça ao encomendar a pesquisa", explica Bottino, em entrevista exclusiva concedida à revista eletrônica Consultor Jurídico.
De acordo com o professor, o estudo mostra que os ministros do Supremo e do STJ deveriam priorizar a identificação dos temas de maior demanda que chegam às cortes e transformá-los em súmulas. “No momento em que fizerem isso, vão comunicar mais rápido às instâncias de baixo e, consequentemente, o entendimento vai se uniformizar e não se terá mais tantos recursos subindo”, acredita.
Coordenar por seis meses o trabalho de leitura e classificação de 13,8 mil Habeas Corpus ajudou a construir essa convicção, admite o doutor em Direito pela PUC-RJ, que dedica seu tempo às aulas de Direito Penal na UFRJ e na FGV-Rio, onde também coordena a graduação.
O universo retratado pela pesquisa corresponde a 5% dos pedidos de HC que aportaram nas cortes superiores entre 2008 e 2012. Durante os cinco anos analisados, foram impetrados, em média, 180 pedidos de HC por dia no STJ e 30 no STF.
Além de profissionais e estudantes de Direito, o time de 30 pessoas envolvido na empreitada incluiu um matemático e um técnico em TI. Isso possibilitou explorar mais bem os números para responder a perguntas como: "quais os tipos penais mais comuns entre os HCs que chegam ao STJ e STF?"; "qual o ranking dos tribunais responsáveis pela maioria dos recursos?"; "como os ministros de Brasília julgam?"; "que tipo de decisão prevalece entre eles, colegiada ou monocrática?".
Uma das surpresas da pesquisa foi a liderança isolada do Tribunal de Justiça de São Paulo entre os pedidos de HC que subiram ao Supremo e ao STJ, com 44% do total.
Para se ter ideia do que isso significa, ainda que se reunisse os recursos dos quatro tribunais seguintes no ranking — Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal —, não se chegaria nem à metade dos recursos originados no TJ-SP. Para Bottino, esse dado revela que juízes e desembargadores de São Paulo resistem a seguir a jurisprudência pacificada do STJ e STF.
Clique aqui para consultar o site exclusivo que permite explorar todas as variáveis da pesquisa, que foi lançada semana passada no TJ-SP, e tem lançamento previsto, no TJ do Rio, para o próximo dia 2 de junho. Depois, o Ministério da Justiça deverá lançar oficialmente o estudo em Brasília, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil. A data ainda será confirmada. Clique aqui para ler a pesquisa no formato tradicional, com a análise dos números. 
Leia a entrevista:
ConJur — O que motivou o Ministério da Justiça a encomendar essa pesquisa?
Thiago Bottino No fim de 2012, o Supremo Tribunal Federal, por meio do ministro Marco Aurélio, que relatou a decisão, mudou a orientação no que diz respeito ao Habeas Corpus e passou a não conhecer mais o HC em determinados casos. Deferir ou não deferir é uma coisa, outra é não analisar nem o mérito, simplesmente não conhecê-lo.
ConJur — Em que tipo de situação isso passou a ocorrer?
Thiago Bottino O Supremo e o STJ passaram a não conhecer o HC em um caso muito particular. Digamos que um juiz pratique uma ilegalidade. O advogado recorre ao tribunal. Normalmente se faz isso por meio de um HC, visto que em muitas decisões não cabe Apelação e a única via é mesmo o HC. Caso o tribunal negue, pode-se recorrer ao STJ. O recurso correto seria o Recurso Ordinário de Habeas Corpus. Mas, nesse caso, é preciso aguardar a publicação do TJ. Quanto tempo isso pode levar? Uma semana, um mês, um ano?
ConJur — Chega a um ano?
Thiago Bottino Em alguns casos, até passa de um ano. E o que fazer com quem está preso injustamente? Se o advogado não pode entrar com recurso, faz um Habeas Corpus em substituição no STJ. Se o STJ nega, o caminho seria impetrar um recurso no STF. Mas o advogado costuma entrar logo com um HC substitutivo, o que, aliás, sempre se fez. Porque, na prática, não há diferença entre um recurso e um HC.
ConJur — Se não há diferença, por que o STJ e o STF negam?
Thiago Bottino No seu voto, o ministro Marco Aurélio Mello diz que existe uma quantidade absurda de processos no Supremo e que não há condições físicas e materiais de dar conta dessa demanda. Afirma, então, que só reconhecerá o pedido se ele vier no meio próprio, ou seja, no recurso. O que ele está fazendo com isso? Ganhando tempo.
ConJur — Fechando uma das portas...Thiago Bottino Quando o Supremo fez isso, o STJ decidiu fazer o mesmo. Só que o STJ resolveu que além de HC substitutivo de Recurso Ordinário, também não aceitaria substitutivo de Recurso Especial nem de Revisão. Ocorre que todos os recursos são demorados e o Habeas Corpus era a via adotada pelo advogado para demonstrar que havia uma ilegalidade.
ConJur — Efeito dominó?
Thiago Bottino Exatamente. Nesse momento, os Tribunais de Justiça resolveram que também não iriam mais reconhecer Habeas Corpus substitutivo de Apelação e de Agravo de Execução, como se o problema fosse o Habeas Corpus em si. Claro que isso vai reduzir o número de recursos, mas o que se perde do outro lado? Se impede que o cidadão tenha um caso conhecido de forma célere pela Justiça, o que é importante quando falamos de liberdade de locomoção. Imagine ficar até quatro meses preso porque o acórdão ainda não foi publicado? E se, mais tarde, ele tem reconhecido o direito de ficar em liberdade? Quem paga esse tempo que ele ficou preso a mais? Não tem como. O Ministério da Justiça reconhece que é um problema ter um volume tão grande de processos no STF e STJ, afinal, isso prejudica a prestação jurisdicional, as decisões demoram mais e a qualidade não é a mesma. Porém, mais importante que fechar a porta é saber por que isso está acontecendo. Foi para compreender esse fenômeno que o Ministério da Justiça encomendou a pesquisa.
ConJur — De quanto foi o crescimento de HCs?
Thiago Bottino Analisando a média histórica de impetração de HCs, entre 2008 e 2012 [período coberto pela pesquisa] chegou a um pico de 6 mil no Supremo, em 2009. No STJ, o boom acontece em 2011, com 36,5 mil HCs, caindo um pouco em 2012, para 32,5 mil. No período, isso dá 180 HCs por dia no STJ e 30 no Supremo.
ConJur — Isso é sintoma ou doença?
Thiago Bottino Sintoma. Trata-se de uma febre fortíssima.
ConJur — E a pesquisa descobriu a causa?
Thiago Bottino São várias as causas. Pegamos uma amostra estatística de 5% de todos os HCs julgados no STJ e STF nesse período de cinco anos. Parece pouco, mas como trata de um universo grande, é muito representativo. Estatisticamente é perfeito. Pegamos casos aleatórios, mês a mês, tribunal a tribunal. Em seis meses de trabalho, a equipe leu e classificou 13,8 mil casos.
ConJur — A pesquisa levantou a origem desses HCs. Como está esse ranking?
Thiago Bottino O primeiro lugar é de São Paulo, com quase 44%. Depois vem Minas Gerais, com 9,5%. Você vai me dizer: “ora, São Paulo é o estado mais populoso”. Ok, mas o estado que tem 21% da população do país concentrar 44% dos Habeas Corpus? A lista dos cinco primeiros reúne São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Curiosamente, se somar os HCs do segundo ao quinto colocado não chega à metade dos HCs originados em São Paulo.
ConJur — E a pesquisa ajuda a explicar essa liderança tão isolada?
Thiago Bottino Essa análise passa pelo perfil de cada impetrante, que pode ser o advogado, o paciente ou a Defensoria Pública. Vale dizer que até 2008 o estado de São Paulo não tinha defensores públicos. O primeiro concurso para a Defensoria Pública ocorre em 2007, e os primeiros defensores tomam posse ao longo daquele ano. Em 2008, finalmente, a população de baixa renda de São Paulo passa a ter acesso aos tribunais superiores como nunca antes.
ConJur — E, assim, libera-se a demanda reprimida de jurisdicionados.Thiago Bottino Uma demanda reprimida brutal. De repente, uma boa parte da população passa a ter alguém que levará o seu caso para um tribunal superior. Hoje, Defensoria Pública impetra mais HCs no STJ que advogado. Em 2008, 53% dos HCs do STJ foram impetrados por advogados, e 36%, por defensores. Quatro anos depois, o cenário se inverteu: 47% dos HCs chegaram por meio da Defensoria e 44% pelos advogados. No Supremo o percentual de HCs impetrados pela Defensoria Pública também cresceu.
ConJur — Então, o aumento de HCs no STJ e no STF tem relação direta com a criação da Defensoria Pública em SP?Thiago Bottino O que não é algo ruim. Na verdade, o que esses números estão dizendo é que a Defensoria está com a razão e o TJ de São Paulo está errado.
ConJur — Quais os principais tipos penais relacionados a esses HCs?
Thiago Bottino Em São Paulo, os tipos que predominam, pela ordem, são roubo, tráfico, homicídio e furto. Dentro de roubo, os temas que mais aparecem são progressão de regime, prisão cautelar, regime inicial de cumprimento — quando se discute se o cidadão vai cumprir a pena no regime aberto, semiaberto ou fechado —, regras de dosimetria e excesso de prazo.
ConJur — E a primeira conclusão foi...Thiago Bottino Que o TJ de São Paulo é muito resistente, diria até que em geral não segue a jurisprudência do STJ. Antes, quando não havia tantos recursos chegando a Brasília, ficava do jeito que estava. Mas com a chegada da Defensoria Pública, o índice de deferimento de HCs explodiu. Por exemplo, no tema roubo com erro na fixação do regime, a taxa de concessão no STJ chega a 62%.
ConJur — O que é possível concluir disso?
Thiago Bottino A questão é: o STJ está concedendo tantos HCs porque os ministros são bonzinhos, ou porque eles já examinaram esse tema, já firmaram uma jurisprudência e os tribunais de baixo não estão cumprindo?
ConJur — Qual a média de concessão de HCs no STJ e no STF?
Thiago Bottino No STJ é 27%, uma média alta. A do Supremo é bem inferior, 8%.
ConJur — O tema do princípio da insignificância também aparece nesses HCs?
Thiago Bottino Aparece muito. Aliás, uma das conclusões da pesquisa é que falta uma súmula sobre o tema. O princípio da insignificância não está na lei, na Constituição, no Código, em lugar nenhum. É uma construção jurisprudencial, doutrinária, e por essa razão, cada juiz decide de um jeito. Um decide que furtar melancia é insignificante, outro diz que furtar abóbora não é.
ConJur — Entre os tipos penais prevalentes, quais possuem entendimento pacificado e quais ainda não?
Thiago Bottino Dos cinco, ao menos um, roubo, possui diferentes entendimentos pacificados no STJ e no Supremo. O roubo pressupõe violência e grave ameaça. Se eu roubo você com uma arma de verdade é uma coisa, mas com uma de brinquedo é outra. Por quê? A qualificadora do emprego da arma de fogo só vale quando a arma é de verdade. Se a arma for de verdade, sua vida está em risco e sua pena aumenta. Já a de brinquedo não é capaz de matar, logo, não haverá uma pena tão grave. Sempre é roubo, mas é preciso dar respostas diferentes, de acordo com a periculosidade da ação do sujeito. Aí eu pergunto: no roubo em julgamento foi usada uma arma de verdade, que não atira ou está sem balas. Nesse caso, aumenta-se ou não a pena?
ConJur — Sem entendimento pacificado, o juiz decide sozinho.Thiago Bottino Exatamente. Bastaria uma súmula para resolver esse impasse. Mas os ministros do STJ e do Supremo não sabem disso porque estão sentados em 36 mil processos e não conseguem digerir tudo aquilo. O que a pesquisa está dizendo é que o STJ e o Supremo precisam criar mecanismos para identificar o tema que mais cresce e buscar pacificá-lo. O que não pode é esperar um ano, dois anos, cinco anos. Identificou uma situação que está sendo discutida, pacifica logo. Porque isso vai arrefecer a demanda, seja para o lado mais liberal ou mais conservador. O pior de tudo é não pacificar, porque aí aumenta o número de processos e cria desigualdade. Se o tema não está pacificado, você vai ter na mesma cela dois presos que roubaram com arma que não atira, mas que terão penas diferentes porque seus casos foram decididos por juízes com entendimentos diferentes, ou, quem sabe, cada processo caiu em uma Turma do STJ.
ConJur — Isso não fere o princípio da isonomia?Thiago Bottino Não apenas isso. Ter casos iguais com tratamentos diferentes gera insegurança jurídica e aumenta o número de processos, além, claro, de criar uma situação de desigualdade entre pessoas que praticaram o mesmo fato. Hoje, o STJ e o STF ainda não sabem, mas o tema do roubo com arma precisa ser enfrentado e pacificado.
ConJur — Súmula Vinculante do STF deve ser seguida pelos tribunais, já a Súmula do STJ tem caráter de sugestão. Isso se reflete nas decisões dos tribunais?Thiago Bottino No caso das Súmulas do STJ, o juiz e o desembargador têm independência para decidir como quiser. O problema é que quando se faz isso já sabendo que o outro tribunal pensa diferente. Nessa hora, o juiz está obrigando uma parte a recorrer. Ou, se aquela parte é mais humilde e não vai recorrer, está mantendo-a em uma situação de desigualdade em relação a que vai recorrer. Quando se diz que quem tem bom advogado consegue uma porção de coisas, é verdade, porque ele vai até a última instância, e assim consegue fazer valer o entendimento que já está pacificado, enquanto outros não conseguem. Isso vale para o crime, mas também para setores como cível e família.
ConJur — Entre as razões para o congestionamento de HCs no STJ e STF, alguma lhe chamou a atenção?Thiago Bottino A forma como é julgada a maioria desses casos. No Supremo as decisões monocráticas representam 68,8%, e no STJ, 59,4%. Isso é ruim, porque a expectativa é que quando o HC chega ao Supremo ele seja julgado por um colegiado. Se a decisão é monocrática, acabamos tendo a jurisprudência de cada ministro. Quando se leva o pedido de HC para o colegiado e se debate, o ministro que foi vencido vai aderir ao voto vencedor na próxima, justamente para manter a constância. Na decisão monocrática, não. A falta de um julgamento colegiado impede essa fixação de entendimento pacificado, de súmula. Fica cada um no seu quadrado, julgando sozinho, e isso não gera segurança jurídica, uniformidade de pensamento, nem diminui o número de processos. Vira uma loteria. O advogado passa a pensar, “se o meu caso cair com fulano eu ganho, se cair com sicrano eu perco”. Por outro lado, quando o julgamento acontece no Plenário, mesmo que seja por 6 a 5, acabou, ninguém vai levar aquilo de novo para o Plenário. No caso do STJ, as Turmas passam a julgar de acordo com o que foi decidido em Plenário.
ConJur — A alta demanda de processos é o motivo alegado para as decisões monocráticas, naturalmente.Thiago Bottino Mas enquanto os ministros julgarem assim, o volume de processos não vai diminuir.
ConJur — O que fazer, então?Thiago Bottino Identificar os temas com maior demanda, levá-los a Plenário, decidir e transformar em súmula. No momento em que fizerem isso, vão comunicar mais rápido para as instâncias de baixo, consequentemente o entendimento vai uniformizar e não se terá mais tantos recursos subindo.
ConJur — O julgamento colegiado no STF e STJ já não cumpriria esse papel?Thiago Bottino Mas ele comunica menos do que a súmula. O juiz que compra uma nova edição do Código Penal encontra a lei acompanhada das súmulas. Nem sempre ele lê o informativo do STJ e do Supremo para saber a decisão sobre aquele tema. A súmula resolve esse problema. A mensagem da súmula é essa: fechamos a questão, agora é definitivo, a divergência aqui acabou. Depois, imprime a súmula no Código e o acesso é muito mais fácil, seja para o delegado, o promotor, o advogado, o juiz, o desembargador. Às vezes, há decisões do Plenário do Supremo que só vão passar a ser aplicadas no dia a dia meses ou anos depois.
ConJur — A causa do excesso de HCs no STF e STJ está na falta de comunicação com os tribunais inferiores?Thiago Bottino Mas é preciso saber o que comunicar e o que comunicar. Qualquer especialista em comunicação que estivesse acompanhando o dia a dia do Supremo diria que eles estão comunicando mal suas decisões. Porque está chegando muita coisa repetitiva lá. Vários instrumentos têm sido criados, no âmbito do Judiciário, para comunicar melhor e diminuir o recurso repetitivo. Há a repercussão geral, nos recursos extraordinários, as decisões sobre recursos repetitivos e a súmula vinculante. Tudo isso existe para evitar decisões iguais. O que a pesquisa demonstra é que o crescimento de Habeas Corpus no STJ e Supremo embutem decisões repetitivas.
ConJur — Ou seja, não adianta o ministro não conhecer o Habeas Corpus.Thiago Bottino Dessa maneira, o ministro só estará represando ainda mais o andar de baixo. E isso é ruim, porque tem gente ali que está sofrendo. Quando o ministro não conhece o HC substitutivo, na verdade, não está resolvendo nem o problema dele. Porque em algum momento isso explode. Seja por meio da superpopulação prisional ou pelo sentimento de injustiça das pessoas. Cada vez fica mais difícil dar conta de todo esse volume de processos. Uma hora essa onda virá, como uma tsunami. Ninguém vai deixar de recorrer por causa disso, nem a defensoria, nem o advogado.
 é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 18 de maio de 2014, 09:38h

O STF RECONHECE REPERCUSSÃO GERAL SOBRE TERCEIRIZAÇÃO

Para advogados, decisão do STF sobre terceirização trará segurança inédita

 
A decisão mais importante dos últimos anos para o empresariado brasileiro será tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Caberá à corte definir os parâmetros para a terceirização, um dos temas que mais chegam à Justiça Trabalhista. Isso porque o Supremo reconheceu, na última sexta-feira (16/5), repercussão geral sobre a questão. Advogados consultados pela revista Consultor Jurídico mostraram preocupação com a falta de definição legal de conceitos como "atividade-meio" e "atividade-fim" e com regras criadas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
O ministro aposentado do TST e professor da PUC-SP Pedro Paulo Teixeira Manus explica que, em razão da falta de regramento legal para a terceirização, o TST foi obrigado a regular a questão, fazendo-o por meio do enunciado 256, posteriormente aperfeiçoado, criando a atual Súmula 331. O dispositivo diz que a terceirização somente é legal quando se refere à atividade-meio da empresa, e não à atividade-fim.
“A jurisprudência do TST impede, como regra, a terceirização na denominada ‘atividade-fim’, permitindo-a na ‘atividade-meio’, desde que ausente a subordinação direta do prestador de serviços ao tomador destes mesmos serviços. A par da dificuldade em definir em muitos casos o que seja ‘fim’ e ‘meio’, questiona-se o acerto do próprio critério eleito para disciplinar a terceirização”.
Manus aponta que a Justiça do Trabalho reage com veemência à terceirização, identificando-a com a precarização das condições de trabalho, com a contratação pela tomadora dos serviços com empresas inidôneas, que desrespeitam as garantias legais dos trabalhadores. Para o professor, a generalização no trato com o tema da terceirização — de parte a parte — é que ocasiona exagero do utilizar indevidamente o instituto, bem como exagero ao impedi-lo, mesmo quando lícito e autorizado por lei.
“Assim, reconhece agora o STF que a liberdade de contratar é conciliável com a terceirização dos serviços, ocasionando o exagero no trato com a questão ofensa à liberdade de contratar, fundada no princípio constitucional da livre iniciativa, constante do artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal. Diante da repercussão geral reconhecida pelo STF, cumpre agora delimitar o que é lícito e o que não é nesta questão da terceirização de mão-de-obra”, complementa.
O caso que será analisado chegou ao Supremo por meio de um recurso de autoria da empresa Celulose Nipo Brasileira (Cenibra) contra decisão da Justiça do Trabalho que a condenou por terceirização ilegal. A condenação se baseou em denúncia do Ministério Público do Trabalho segundo a qual a companhia terceirizava funcionários de empreiteiras para o florestamento e o reflorestamento. De acordo com os procuradores, “sendo essa sua principal atividade, o ato caracteriza terceirização ilegal”.
“É a decisão mais importante dos últimos anos. Porém, é extremamente preocupante que seja decidido no Supremo Tribunal Federal. Legislar por meio de 11 pessoas é muito complicado”, afirma o advogado Luís Carlos Moro, do Moro e Scalamandré Advocacia. Moro explica que os ministros do Supremo, ao julgar a ação, podem não utilizar os mesmos valores consagrados pela Justiça do Trabalho. "A terceirização é uma matéria que não demanda essa discussão no STF. É um tema que está em debate avançado no Congresso e que é pacificado na Justiça do Trabalho”, justifica.
De acordo com o advogado Marcello Badaró, do Décio Freire e Associados, é a primeira vez que o Supremo vai analisar o mérito da questão, encerrando a insegurança jurídica que existe atualmente. "É a ação mais importante da história recente do empresariado brasileiro, com milhares de empresas e milhões de trabalhadores interessados." O escritório é responsável pelo recurso que será analisado pelo STF. A relatoria é do ministro Luiz Fux.
Na ação que chegou ao Supremo, o Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais acusa a Cenibra, empresa que fabrica celulosa de eucalipto, de terceirização ilegal. Segundo o MPT-MG, a empresa terceirizava funcionários de empreiteiras para o florestamento e o reflorestamento. De acordo com os procuradores, “sendo essa sua principal atividade, o ato caracteriza terceirização ilegal”.
Porém, para o advogado de defesa da Cenibra, não há legislação que impeça as empresas de contratarem mão de obra. "Não há nenhum dispositivo na lei que defina o que seja atividade-fim e atividade-meio de qualquer seguimento. Há diversos projetos de lei que tratam da terceirização no Congresso, mas nenhum seguiu adiante. Agora, caberá ao Judiciário, mais uma vez, decidir o que pode e o que não pode. Hoje há uma insegurança justamente porque não há essa definição", diz.
Insegurança jurídicaPara a advogada Paula Corina Santone Carajelescov, sócia do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, o STF enfrentará uma questão que, em razão da insegurança jurídica de que se reveste, aflige o empresariado brasileiro e as relações de trabalho há muito tempo. "É um dos temas mais importantes para a área do Direito do Trabalho e há anos espera-se uma regulamentação, por parte do Congresso, do que seja atividade-meio ou atividade-fim da empresa. Precisamente por não haver uma lei que defina claramente isso, a questão sempre gerou interpretações divergentes nos Tribunais Regionais do Trabalho e no próprio Tribunal Superior do Trabalho”, comenta.
Paula Corina afirma que a definição de atividade-meio como determinante da licitude da terceirização não é assunto fácil e, em razão disso, é questão que atormenta a todos. “Assim, embora haja quem entenda que o critério da atividade-fim e atividade-meio já não seja mais suficiente para tratar do tema, especialmente porque em alguns setores seria possível terceirizar a atividade-fim sem precarizar as relações de trabalho, é inegável que a decisão do STF se reveste de extrema relevância, uma vez que colocará fim a uma longa discussão sobre este assunto. Todavia, a decisão ainda deverá ser observada com cautela, uma vez que o Tribunal Superior do Trabalho já adotou posicionamento divergente ao do STF em assuntos que haviam sido pacificados, mesmo após a alteração de entendimentos, na suprema corte”.
Daniela Moreira Sampaio Ribeiro, sócia do Trigueiro Fontes Advogados, observa que diante da falta de legislação à respeito, nas demandas envolvendo terceirização de atividades, as empresas ficam à mercê da interpretação do Poder Judiciário a respeito do que seria atividade-fim e atividade-meio, atual balizador entre a terceirização legal e a ilegal. Com isso, segundo ela, impera a total insegurança jurídica para o empresariado, até porque é cada vez mais tênue a linha que separa estes conceitos.
Para Daniela, um pronunciamento do STF pode ser decisivo para que o legislativo finalmente prossiga na votação da matéria, já que existem diversos projetos de lei sobre o tema em trâmite no Congresso Nacional — entre eles o mais polêmico, o PL 4.330/2012, que prevê a possibilidade de terceirização de todas as atividades e funções da empresa.
“O fato é que a terceirização está presente em praticamente todos os segmentos empresariais e representa aumento da eficiência na produção. Não procede a ideia de que a liberação da terceirização, em todas as atividades, representaria uma ameaça aos direitos dos trabalhadores, posto que, de qualquer maneira, ele poderá acionar judicialmente as duas empresas, prestadora e tomadora de serviços, em caso de sonegação de direitos trabalhistas”, conclui.
Garantias ao trabalhadorGláucia Massoni, sócia do Fragata e Antunes Advogados, explica que a terceirização não significa precarização dos direitos trabalhistas. “Não podemos confundir a terceirização com a busca exclusiva de melhor preço e descumprimento da legislação. A terceirização bem feita e regulamentada não é sinônimo de lesão ao trabalhador”, afirma. Segundo ela, a discussão sobre a matéria “é muito controversa e a regulamentação se faz necessária já que da forma como está, há uma grande insegurança jurídica”. 
A especialista afirma, ainda, que as empresas cada vez mais buscam a mão de obra especializada, “e a verdadeira terceirização se baseia nisso, na especialização, gerando maior produtividade, redução de custos e, evidentemente, maior lucratividade, aquecendo assim o mercado de trabalho, sem lesão aos direitos dos trabalhadores, preservando o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição Federal”.
A advogada Eliane Ribeiro Gago, sócia do Duarte Garcia Caselli Guimarães e Terra Advogados, também defende a terceirização. “Terceirizar não significa precarizar, pois a falta de registro, trabalho análogo ao de escravo ou quaisquer outras condições precárias de trabalho poderá ocorrer com empregados próprios trabalhadores diretos. A terceirização, por si só, não gera precariedade”.
Ela aponta que a contratação de trabalhadores mediante terceirização é um importante mecanismo de amenização dos efeitos do processo de recessão e, atualmente, imprescindível à economia moderna, tornando praticamente impossível descartar-se tal modalidade, não só no âmbito das áreas-meio, como até mesmo em algumas áreas-fim, dado o caráter multifacetado da cadeia produtiva. 
No entanto, segundo ela, tal procedimento tem sido objeto de questionamento e severas restrições por parte do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho, que não tem admitido a terceirização da atividade-fim, com base na Súmula 331 do TST, inclusive em segmentos nos quais há legislação amparando tal procedimento, como a construção civil e o setor de telecomunicação. 
Eliane Gago observa que Projeto de Lei 4.330 poderá, finalmente, eliminar às interpretações subjetivas da Justiça do Trabalho para estabelecer regras claras e objetivas com relação a terceirização. “Enquanto o projeto de lei não é aprovado, o que se espera do STF é uma decisão que não interfira na atividade econômica das empresas e obste a terceirização nas atividades finalísticas, mas que defina de forma clara e objetiva este tipo de relação, especialmente as responsabilidades da empresa tomadora com relação obrigações trabalhistas assumidas pela empresa subcontratada.”
A advogada Ilyonne Simone Camargo, do MPMAE Advogados, observa que a decisão do Supremo Tribunal Federal pode minimizar a intervenção do Ministério Público do Trabalho sobre a prática. “Essa decisão será de suma importância, visto que não há legislação que impeça a terceirização e nenhum dispositivo que defina atividade-fim de atividade-meio, podendo até decidirem pela legalidade da terceirização da atividade-fim fora do local da tomadora de serviço, conforme já vem se posicionando o TST. Bem como, minimizar a intervenção do Ministério Público do Trabalho sobre a prática de terceirizações ilícitas”, afirma.
ARE 713.211
*Texto alterado às 18h42 do dia 19 de maio de 2014.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2014, 17:27h

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Os dez mandamentos do advogado que é empreendedor

Os dez mandamentos do advogado que é empreendedor

 
1. Ser perseveranteImplementar o seu sonho não é tão fácil quanto você pensa que é. Leva anos. E muito mais se você não se manter focado, organizado e entender que você não conseguirá crescer de verdade se não arriscar de vez em quando, enquanto mantém a cabeça no lugar nos momentos de crise.
2. Saber valorizar o trabalho em equipe
Um pequeno escritório nunca tem internamente todos os recursos que precisa. Portanto, é essencial ter uma equipe de pessoas que possa pedir ajuda quando os problemas e dificuldades aparecerem. Tenha mentores para as áreas de marketing jurídico, finanças, produção jurídica, recursos humanos, tecnologia e toda área que você julgar necessário.
3. Manter o foco
Um escritório de advocacia só consegue prosperar quando se mantém focado naquilo que ele sabe fazer de melhor. Não insista na clínica geral, no “fazer tudo para todos”.
4. Manter-se constantemente informadoTodos os dias acontecem eventos que afetam os negócios dos seus clientes. Se você quer realmente prestar um excelente serviço jurídico, você precisa manter-se atualizado sobre as tendências do mercado, jurídico ou não, e implementá-las antes mesmo de o seu cliente saber. O conhecimento pode diferenciar você dos seus concorrentes.
5. Entender que comunicação é chave para o sucessoTenha certeza que você sempre fala de uma maneira clara, simples e consistente. Todo e qualquer processo de comunicação envolve documentar o que aconteceu entre você e o seu cliente para que não exista qualquer mal-entendido no futuro. Ambos os lados devem estar sempre cientes sobre as respectivas expectativas
6. Entender que dinheiro é fator críticoÉ sempre bom tratar as finanças do escritório com o rigor necessário e reservar uma verba para os eventos que você não imagina que possam acontecer. Por outro lado, não tenha medo de investir dinheiro onde você acredita que trará retorno.
7. Ser honesto e íntegro o tempo todoAcima de tudo, você precisa ser verdadeiro. Desonestidade é sinal de fraqueza, sem mencionar que é a pior estratégia de marketing que pode existir. Se os seus clientes souberem que você será sempre verdadeiro com eles, nunca terão dúvidas sobre acreditar em você. Uma excelente reputação jurídica leva anos para desenvolver, mas segundos para ser destruída.
8. Ser um aprendiz sempreO mundo está em constante movimento, e para você adaptar-se a ele e manter-se à frente dos seus concorrentes, você precisa ser um eterno aprendiz. Aprenda sobre economia, sobre gestão, sobre negócios, sobre biotecnologia, sobre tecnologia, sobre a Floresta Amazônica. Aprenda! Aprenda! Aprenda!
9. Trabalhar pelo sucesso dos outrosNunca esqueça o porquê de um advogado existir: ajudar os clientes a resolver os problemas que eles têm. E lembre-se: “faça o bem e jogue no mar”. O que vai, volta!
10. Fazer Marketing JurídicoNunca pare de fazer o marketing do seu escritório. Procure constantemente por novos negócios dentro dos atuais clientes, novos clientes e novos mercados para servir. Inove!
Assim, em um mundo sem heróis e de conceitos deturpados sobre o bem e o mal, prevalece a máxima socrática: conhece-te a ti mesmo. Conhecendo nosso espírito e buscando a luz do mundo (conhecimento e repertório), seremos o que desejamos: pessoas dispostas a mudar a ordem do tempo e das coisas. Se as coisas estão difíceis na profissão, se os contratos não estão sendo fechados como gostaria e tudo demora tempo demais, atitudes são possíveis de ser tomadas com planejamento, ética e ação. Inovar na advocacia é como o sangue que corre nas veias: não pode parar sob pena de falência dos órgãos vitais. A mudança depende de nós e de nossa alma. Isso e nada mais.
 
Rodrigo D’Almeida Bertozzi é especialista em Comunicação Jurídica Ética, sócio da Selem, Bertozzi Consultores Associados, autor dos livros Marketing Jurídico e Revolution Marketing Place, Consultor de Marketing de diversas sociedades de advogados, membro do conselho editorial da Juruá Editora e administrador com MBA em Marketing.
Lara Selem é advogada, consultora em planejamento estratégico, composição societária e gestão de pessoas na advocacia, International Executive MBA pela Baldwin-Wallace College (EUA), especialista em gestão de serviços jurídicos pela FGV-SP e em Liderança de Empresas de Serviços Profissionais pela Harvard Business School (EUA), sócia da Selem, Bertozzi & Consultores Associados e autora de obras sobre Gestão Legal.
Revista Consultor Jurídico, 17 de janeiro de 2014

Saia da zona de conforto antes que seja tarde

Saia da zona de conforto antes que seja tarde

 
Lara Selem e Rodrigo Bertozzi - 09/08/2012 [Spacca]Neste momento muitos sócios de escritórios de advocacia, diretores de departamentos jurídicos e até mesmo nas carreiras individuais, o fenômeno das postergações de decisões está a pleno voo. As desculpas são variadas, tais como: este é um ano morto, o carnaval começou tarde, vários feriados seguidos e obviamente Copa do Mundo e eleições. Em uma análise superficial parece realmente acertado simplesmente ficar parado até que terminem as eleições e vejam só: já seria meados de novembro de 2014 e tudo ficará para 2015, depois do carnaval é claro, que se inicia como se sabe sempre ruim para a advocacia devido a sazonalidade.
Em resumo: para muitos, o ano de 2014 começará mesmo em março de 2015. Este erro estratégico está ameaçando a saúde financeira de milhares de organizações jurídicas. A zona de conforto nunca custou tão caro.
Nossa opinião é que adotem o estilo Buy & Build — ou seja comprar o conhecimento em gestão legal e construir uma advocacia sólida. Bancas de volume precisam reduzir a dependência de poucos clientes ou seja pulverizar a carteira, reduzir custos e posicionar a marca em outros segmentos econômicos e em áreas do Direito. Boutiques, já enxutas em estrutura, precisam manter ativa sua reputação, se conectando cada vez mais com seus clientes. Departamentos jurídicos precisam ficar atentos a quem são os escritórios de advocacia que melhor atendem suas necessidades. Individualmente, advogados precisam trabalhar forte seu network e capitalizar todo o conhecimento acumulado numa direção correta.
Manter a direção é mais importante que andar rápido, porém não andar pode facilmente gerar a perda do norte.
6 reações táticas em tempos imprevisíveis.
- atacar fortemente na prospecção de novos clientes . Nunca abandonar a ideia de sempre girar novos clientes na carteira ativa da banca - seja consultivo ou contencioso, boutique ou volume;
- reduzir os custos com inúmeras medidas profissionais. Acreditem cortar na própria carne é muito difícil, mas existem certos custos ocultos que precisam ser enfrentados;
- criar serviços e produtos inovadores para furar o bloqueio imposto por empresas, sindicatos e pessoas físicas;
- treinar a equipe jurídica e administrativa para fazer mais com menos recursos;
- Mapear mercados que não estão atravessando momentos ruins e adaptar-se a eles com novos projetos;
- Investir em comunicação para neutralizar a crise. E mesmo que não esteja na crise ela chegará em alguma hora.
Analise o conjunto de decisões a tomar e não espere algum quadro positivo. As vantagens de ser corajoso é sair na frente da concorrência, reposicionar a marca, ser eficaz na relação com o cliente ativo e, claro, preparar para crescer. A bem da verdade, toda crise gera uma oportunidade. Apesar de muitos saberem disso (nossos avós já diziam), poucos executam as medidas necessárias e se agarram à ilusão de que os mercados e clientes atuais são imutáveis.
Para que passar sufoco se podemos decidir agora?
 
Rodrigo Bertozzi é administrador especializado em escritórios de advocacia, MBA em marketing e sócio da Selem, Bertozzi & Consultores Associados.
Lara Selem é advogada, consultora em planejamento estratégico, composição societária e gestão de pessoas na advocacia, International Executive MBA pela Baldwin-Wallace College (EUA), especialista em gestão de serviços jurídicos pela FGV-SP e em Liderança de Empresas de Serviços Profissionais pela Harvard Business School (EUA), sócia da Selem, Bertozzi & Consultores Associados e autora de obras sobre Gestão Legal.
Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2014

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Advogado faz perito levar choque para desmentir testemunho

Advogado faz perito levar choque para desmentir testemunho

 
No banco das testemunhas, o perito em eletricidade, identificado nos autos como Dr. A.P. Meliopoulos, prestava esclarecimentos técnicos em uma disputa de dez anos entre fazendeiros criadores de gado e uma companhia de eletricidade de Utah, nos EUA. Os fazendeiros acusam a companhia de fazer com que seu gado leiteiro tome choques constantemente, por causa da dispersão de corrente elétrica no solo, a partir de sua linha de transmissão.
Ao ser questionado pelo advogado dos demandantes, o perito da companhia de eletricidade ridicularizou o dano que qualquer dispersão de corrente elétrica no solo poderia causar ao gado leiteiro. “A corrente parasita é tão fraca que equivale à energia de uma pilha AAA, de apenas 1,5 volt. Ela não é sentida, nem mesmo por um ser humano”, testemunhou Meliopoulos.
O advogado Don Howarth, representando os fazendeiros, alegou que não é bem assim e propôs um teste. Mostrou a Meliopoulos uma caneta — uma espécie de caneta elétrica de brinquedo, inventada recentemente para emitir choques — durante o que foi descrito pelo juiz James Brady como “uma inquirição cruzada agressiva”:
“O senhor acabou de dizer aos jurados que, se fecharmos o circuito de uma pilha AAA, o senhor sequer sentiria qualquer choque, certo? Isso aqui é uma caneta, na qual eu coloquei uma bateria AAA. Se o senhor pressionar a parte de cima da caneta o circuito vai se fechar. O senhor gostaria de testá-la, para ver se sente o choque da bateria AAA?”, entregando a caneta ao perito. “Vá em frente, pressione o botão da caneta e diga ao júri se sentiu ou não um choque”, acrescentou.
O perito concordou, sem titubear. Levou um choque que o fez se mexer bruscamente na cadeira e deixar a caneta cair. Não precisou dizer aos jurados o que sentiu. Todos viram.
No entanto, havia um componente “perverso”, que o juiz descobriu mais tarde, ao examinar a atitude do advogado e as possibilidades de punição a ele. O juiz descreveu a caneta, na decisão em que mandou o advogado pagar uma multa de US$ 3 mil — US$ 1 mil para o perito e US$ 2 mil para a outra parte, a companhia de eletricidade. Embora seja alimentada por uma pilha de 1,5 volt, a caneta elétrica tem um transformador interno que pode gerar até 750 volts. “Uma voltagem que pode até causar a morte de uma pessoa com saúde ruim”, escreveu.
Segundo o juiz, a embalagem da caneta declara que o dispositivo não é recomendado para adultos com mais de 60 anos e crianças com menos de 12 anos, e para qualquer pessoa com saúde ruim. Meliopoulos tem mais de 60 anos e Howarth não lhe fez perguntas sobre o estado de sua saúde.
O juiz levantou a questão da “agressão à testemunha” e afirmou que “o tribunal tem o poder de sancionar um advogado por contato nocivo ou ofensivo com a testemunha”.
Ele escreveu: “Uma testemunha tem o direito de estar segura e protegida contra agressões ou intimidação física. Se o senhor Howard tivesse informado à corte que iria aplicar um choque no Dr. Meliopoulos, isso não seria permitido. Testemunhas são chamadas para responder a perguntas, podendo ser testadas suas qualificações, memória e credibilidade. E também para conferir seus depoimentos anteriores e explicar quaisquer inconsistências”.
E continuou: “Acrescentar a exigência de que façam isso, em um ambiente hostil, onde podem se sujeitar a choques elétricos sem advertência prévia, está muito longe do decoro e do profissionalismo requerido dos advogados e não pode ter lugar em uma sala de julgamento”.
O advogado Jefferson Gross, de Salt Lake City, que também representou os fazendeiros, disse que Howarth vai recorrer, porque a decisão do juiz não faz sentido. “Essa caneta é um brinquedo de crianças”, ele disse ao jornal da ABA (American Bar Association). “Ela transmite apenas um choque leve. A única coisa forte nela é o elemento surpresa”, afirmou.
Os advogados da companhia elétrica pediram ao juiz que cancelasse a autorização especial que o tribunal concedeu a Howarth, que é da Califórnia, para atuar no caso em Utah. O juiz negou o pedido. Mas impôs limitações à atuação do advogado nas próximas inquirições cruzadas do julgamento.
 
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...