quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O pamprincipiologismo e a flambagem do Direito



Por Lenio Luiz Streck

O pamprincipiologismo em terrae brasilis
Em 2010, junto com Ferrajoli, fiz a conferência de abertura do grande Congresso Bianual da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), em Curitiba. Lembro-me que Ferrajoli ficou impressionado com o tema que apresentei: o pamprincipiologismo em terrae brasilis. Disse ele ter dificuldade em acreditar que “fomos tão longe em nossa criatividade”. Na sequência, ele levou essa temática para um Congresso em Alicante, apresentando ponencia sobre a temática, no debate que promoveu sobre o positivismo e o pós-positivismo (registre-se minha diferença teórica em relação ao positivismo com o mestre fiorentino). Minha luta contra o pamprincipiologismo já vinha de antes dessa conferência, é claro. Havia feito uma longa lista de princípios que não passam de álibis teóricos, despidos de normatividade.

De todo modo, como deixo explicitado em Verdade e Consenso e no novo Jurisdição e Decisão Jurídica, não é a imperatividade da lei (juiz como “boca da lei”) ou a criatividade (sem limites) do intérprete que se constituem como “inimigos da autonomia do Direito” e da democracia, mas, sim, as condições pelas quais se dá a atribuição de sentido no ato interpretativo-aplicativo.

Essa temática dos princípios, aliás, é sedutora. Veja-se o que escreveu a respeito, há poucos dias, Mauricio Saliba Alves Branco. Não é necessário falar a respeito do que disse o referido articulista, que cai na armadilha do pamprincipiologismo e na esparrela dos “valores”. O leitor atento Sergio Niemayer matou a charada, com um certeiro comentário postado no mesmo dia do artigo (clique aqui para ler).

A angústia epistemológica
É evidente que em uma coluna não dá para explicar isso tudo. A função da coluna é levantar problemas e aguçar o senso crítico dos leitores. Se a coluna alcançar isso, já é sucesso. Ou seja, a função da coluna é provocar “angústias epistemológicas”. E, a partir do des-velamento da angústia, deixar que cada angustiado vá tratar dos gaps epistêmico-hermenêuticos resultantes dessa des-coberta.

Como venho referindo, o pamprincipiologismo tem origem complexa. Resumidamente, diria que vem da simplificação da tentativa de superação do velho positivismo. Expliquei isso na coluna passada, na parte das cinco recepções. Acrescento, apenas, ainda, que tudo isso tem origem na aposta na discricionariedade, cuja origem bem definida em Kelsen e Hart, tinha o objetivo, ao mesmo tempo, de “resolver” um problema considerado insolúvel, representado pela razão prática “eivada de solipsismo” (afinal, o sujeito da modernidade sempre se apresentou consciente-de-si-e-de-sua-certeza-pensante), e de reafirmar o modelo de regras do positivismo, no interior do qual os princípios (gerais do direito) — equiparados a “valores” — mostravam-se como instrumentos para a confirmação desse “fechamento”.

O ranço neokantiano e os discursos axiológicos do e no Direito
Aliás, a referência reiterada aos “valores” demonstra bem o ranço neokantiano que permeia o imaginário daqueles que lidam com a dogmática jurídica (com pretensões críticas ou não). De fato, não é exagero afirmar que, em termos teóricos, a maioria dos juristas brasileiros permanece, de algum modo, atrelada ao paradigma filosófico que se formou a partir do neokantismo oriundo da escola de Baden (e da noção de moral convencional).

Ou seja, ainda estamos reféns de um culturalismo ultrapassado que pretendia fundar o elemento transcendental do conhecimento na ideia sintética de valores, sendo que a união de todos esses valores, portanto, representaria o mundo cultural. Chega a ser intrigante o fato de que toda tradição constituída depois do linguistic turn — inclusive alguns setores da filosofia analítica — tenha criticado o objetivismo ingênuo dessa concepção do neokantismo valorativo, demonstrando que a questão dos valores não dava conta radicalmente dos fundamentos linguístico-culturais que determinam o processo de conhecimento.

A própria formação da cultura é algo muito mais propriamente ligado à linguagem e a constituição de contextos significativos do que propriamente ao problema da formação e transformação deste enigma chamado “valores”. Isso fica bem representado na formulação do “paradoxo de Humboldt”: nós possuímos linguagem porque temos cultura ou temos cultura porque possuímos linguagem? Portanto, o discurso axiológico no interior do Direito deveria ter sucumbido junto com o paradigma filosófico que o sustentava. A despeito disso, continua-se a falar — acriticamente, por certo — em “valores”, sem levar em conta a sua conhecida e problemática origem filosófica. Quando alguém fala em valores, tenho tremores. E vejo o direito esfarinhando.

O início da amostragem
“Positivaram-se os valores”: assim se costuma anunciar os princípios constitucionais, circunstância que facilita a “criação” (sic), em um segundo momento, de todo tipo de “princípio” (sic), como se o paradigma do Estado Democrático de Direito fosse a “pedra filosofal da legitimidade principiológica”, da qual pudessem ser retirados tantos princípios quantos necessários para solvermos os casos difíceis ou “corrigir” (sic) as incertezas da linguagem. Veja-se, nesse sentido, uma pequena lista de princípios utilizados largamente na cotidianidade dos tribunais e da doutrina — a maioria deles com nítida pretensão retórico-corretiva, além da tautologia que os conforma:

Princípio da humanidade: Pode-se fazer qualquer coisa com ele. Quem quer ser desumano? O que quero dizer — e esse me parece ser um bom exemplo pelo qual uma palavra pode ser absolutamente anêmica — se os princípios são apenas “valores” ou “mandados de otimização”, como querem, por exemplo, as teorias argumentativas, então, sim, tem sentido apostar em um catálogo infinito de slogans e standards aptos a servir de “capas de sentido” ao Direito. Caso contrário, partindo-se de uma concepção deontológica dos princípios (código lícito-ilícito), a invocação de um “princípio” desse quilate não passa de argumentação retórica.

Princípio da nulidade do ato inconstitucional: magnífico esse “princípio”, não? Sua inutilidade é autoexplicativa.

Princípio da não surpresa: segundo a doutrina e a jurisprudência, esse princípio garantiria a segurança do cidadão contra uma surpresa inesperada. Veja-se que há farta recepção do standard na jurisprudência. Mais uma vez, indago: por que a garantia da não surpresa seria um princípio? E seria um princípio constitucional? Derivado de que e de onde? Ou seria uma construção feita a partir dos velhos princípios gerais do direito? De todo modo, o paradoxo reside na seguinte questão: de que forma uma demanda é resolvida utilizando o princípio da não surpresa? Antes da “violação” do aludido princípio, não haveria a violação de uma determinada regra processual?

Princípio da absoluta prioridade dos direitos da Criança e do Adolescente: Ora, trata-se de um “princípio” que procura “corrigir” e/ou “otimizar” a própria Constituição, que já trata dessa prioridade. Em um universo jurídico calcado no protagonismo judicial e no sujeito solipsista, o referido “princípio” procura eleger, de acordo com a preferência do intérprete, quais políticas públicas, por exemplo, devem privilegiar a concretização dos direitos das crianças e adolescentes. Convalidar o referido princípio seria excluir a condição de deliberação democrática em benefício da centralização desses direitos nas escolhas dos juízes. No fundo, trata-se de um retorno à tópica-retórica, em que esse “princípio” seria um topos. Aliás, uma pergunta: como lidar com a palavra “absoluta”?

Princípio da afetividade: embora esse standard possa ser considerado “fofo” (quem não gosta de que sejamos afetivos?), na verdade apenas escancara a compreensão do Direito como subsidiário a juízos morais (sem levar em conta os problemas relacionados pelo “conceito” de afetividade no âmbito da psicanálise, para falar apenas desse campo do conhecimento). Isso para dizer o mínimo. Daí a perplexidade: se os princípios constitucionais são deontológicos, como retirar da “afetividade” essa dimensão normativa? Trata-se, na verdade, de mais um álibi para sustentar/justificar decisões pragmatistas. É evidente que a institucionalização das relações se dá por escolhas pela relevância delas na sociedade. Ocorre que as decisões devem ocorrer a partir de argumentos de princípio e não por preferências pessoais, morais, teleológicas, etc. No fundo, acreditar na existência deste “princípio” é fazer uma profissão de fé em discursos pelos quais a moral corrige as “insuficiências ônticas” (sic) das regras jurídicas. Ou seja, nada mais do que uma espécie de “terceiro turno” do processo constituinte: os juízes – apoiados em forte doutrina, “corrigem-no”. Aliás, a vingar a tese, por que razão não elevar ao status de princípio o amor, o companheirismo, a paz, a felicidade, a tristeza, enfim, todo o que pode ser derivado do respeito (ou não) do princípio da dignidade da pessoa humana, alçado, aliás, à categoria de “superprincípio”?

Princípio do processo tempestivo: que bom que o processo deva ser concluído dentro de um prazo razoável, não? Alvíssaras!

Princípio da ubiquidade: esse standard interpretativo considera o bem ambiental onipresente, de forma que a agressão ao Meio Ambiente, em determinada localidade, é capaz de trazer reflexos negativos a todo o planeta Terra e, consequentemente, a todos os povos; não só à espécie humana, mas também a todas as espécies de habitantes do planeta. Novamente, vale a indagação: e como se aplica o referido princípio em um caso concreto?

Princípio do fato consumado: na verdade, trata-se de uma variante da segurança jurídica, ínsita ao Estado Democrático de Direito. Não tem, evidentemente, status de princípio. Afinal, princípios obrigam. E no que esse enunciado performativo vincula? Novamente, se está diante da questão: princípios são valores, mandados de otimização ou são mais do que isso? Ora, ora. Se, por vezes, uma situação já consolidada deve ser mantida — fazendo soçobrar a “suficiência ôntica” de determina regra —, isso não transforma a “consumação” de um fato em padrão que deva ser utilizado “em princípio”. Fosse verdadeira a tese e estar-se-ia incentivando as pessoas a descumprirem a lei, apostando na passagem do tempo ou na ineficiência da justiça. Na verdade, é possível afirmar o contrário, isto é, o fato consumado é exceção na aplicação de uma regra.

Princípio do deduzido e do dedutível: segundo consta, esse instrumento retórico trata do reconhecimento do julgamento de causa anterior da qual se pode deduzir (sic) a existência da mesma causa de pedir por uma nova ação. O que não está explicitado pela doutrina e pela jurisprudência é: por que uma “dedução” seria um princípio jurídico? Cabe lembrar que, de há muito, a filosofia — inundada que foi pela linguagem — superou o “dedutivismo”. Numa palavra: admitida, ad argumentandum tantum, a “validade” do aludido princípio, ficaria ainda a pergunta — nos demais raciocínios/interpretações, não se faria “deduções”?

Princípio da instrumentalidade processual: por intermédio desse princípio, que trata do desprezo das formalidades desprovidas de efeitos prejudiciais, autoriza-se o juiz estabelecer os caminhos necessários para chegar a um determinado lugar, desde que não cause prejuízo as partes. Um exemplo é a fixação de multa com caráter inibitório por arbitramento do juiz. No fundo, é uma aposta na tradicional delegação processual em favor da prudência do juiz. O processo deixa de ser considerado um direito (“material”) para ser um mero instrumento para alcançar um fim maior. Pode-se dizer que, no espaço “aberto” por este princípio, localiza-se, por exemplo, a possibilidade do juiz julgar improcedente a demanda (artigo 285-A, do CPC) de plano, pois já teria julgado causa similar, alcançando o fim da celeridade eleito pelo sistema. Ou, com outras palavras, abreviando caminhos. Se o juiz já conhece o fim (resultado), não precisa transitar novamente pelo meio (compreensão/interpretação). A aposta é feita a partir de uma “verdade essencialista”. A instrumentalidade do processo é herança antiga do paradigma da filosofia da consciência (na verdade, de sua vulgata).

Princípio da delação impositiva: esse standard interpretativo tem base (sic) no artigo 6° da Lei n° 10.741/03, que “estabelece” a obrigação da comunicação de práticas que venham a violar garantias estabelecidas a idosos. Mas por que esse “princípio” teria normatividade mais eficaz que a própria lei (que, aliás, estabelece o próprio “princípio”)? Ainda, outra indagação: esse “princípio” se estende a outros crimes?

Princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais: por esse “princípio”, apesar da ocorrência de irregularidade processual (p.ex., inobservância do art. 552 do CPC), deve ser considerada a regra segundo a qual o ato não se repetirá, quando não prejudicar a parte. Ora, em que casos esse “princípio” é cabível? Aplicado “principiologicamente”, pode ser uma pedra filosofal para “salvar” atos nulos. Isso para dizer o mínimo.

Princípio da eventual ausência do plenário: A par de seu caráter inusitado, poderíamos dizer que, neste caso, o tal “princípio” poderia ser aplicado, sim, para dar falta a quem não compareceu, se me permitem a blague.

Princípio da cortesia: por ele, quer-se dizer que a prestação de serviço público demanda um bom tratamento do público. Pergunto: poderia ser diferente? E quem não atender bem? Esse “princípio” terá normatividade para demitir ou punir de alguma forma o funcionário? Não querendo ser descortês, mas, qual é a sua efetiva serventia?

Princípio da inalterabilidade ou da invariabilidade da sentença: este enunciado garantiria que a sentença, depois de publicada, não pode ser alterada pelo juiz. Alvíssaras! Um breve exame do Código de Processo Civil aponta claramente para essa garantia. Há regras que a estabelecem. Parece evidente que uma sentença, depois de publicada, não pode ser alterada. Por que esse princípio daria essa “segurança” ao utente? Não seria melhor escrever: está proibido alterar uma sentença depois de publicada? Hein?

Princípio da cooperação processual: esse prêt-à-porter “propicia” que juízes e mandatários cooperem entre si, de modo a alcançar-se, de uma feição ágil e eficaz, a justiça no caso concreto. Mas, afinal, quem deve “cooperar”? E se alguém não quiser cooperar? Será punido? Chicoteado? Convenhamos: em que condições um standard desse quilate pode ser efetivamente aplicado? Há sanções no caso de “não cooperação”? Qual será a ilegalidade ou inconstitucionalidade decorrente da sua não aplicação?

Por enquanto, paro por aqui. Breve haverá mais.

O manual de instruções e o kit “ponderação”
Ouço em palestras e em salas de aula e leio em artigos e livros comentários duros e enfáticos, do tipo: “o direito das regras, da subsunção, do juiz boca da lei, esse está morto, enterrado”. “Hoje estamos na era dos princípios. E o que são princípios? Ora, princípios são valores. O que vale hoje são os princípios”. E mais blás, blás e blás...

Os adeptos de tais teses transformaram a autonomia do direito em um território “fofo”, “dúctil”. Flambaram o Direito. O resultado? Isso tudo que está por aí.

Um dos mecanismos para esse desiderato é o verbo “pamprincipiologizar”. Cada um pode abrir uma fábrica de álibis e enunciados performativos, colocando a grife “princípio”. É um produto cuja venda está assegurada de antemão. No kit, o cliente recebe o manual de instruções, sendo um dos itens “a ponderação”. Na verdade, os princípios, no modo como são apresentados por parte considerável da doutrina e a totalidade da jurisprudência, não passam de topoi. Aliás, o grande problema do pamprincipiologismo é transformar os princípios em topoi. Quem trabalha com a tese de que princípios são valores, não faz sequer uma retórica. Faz apenas uma proto-tópica.

Vejam os leitores que, se substituirmos os aludidos princípios por qualquer palavra com caráter retórico (por exemplo, canglingon), nada mudará, por uma razão simples: onde está a normatividade dos aludidos standards? Onde está o caráter deontológico? Se princípios são normas (dever ser), a par da ausência desse requisito na referida listagem, restaria ainda uma pergunta fatal: qual é a legitimidade de sua constituição? Quem os elaborou? Em que condições? Se princípios são normas, então valem. Mas, e a lei e a Constituição, construídos democraticamente, o que fazer com esse material? Respostas para a coluna.

Encerro esta primeira parte, tudo com base no “princípio da economia de páginas” e no “princípio do máximo de espaço que pode ser ocupado por uma coluna”. E, invocando o “princípio da máxima expectativa dos leitores”, prometo a continuação desta saga “antipamprincipiológica”.



Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2013

Segurança jurídica passa pela racionalidade das decisões



Por Hugo Barroso Uelze




Uma das características do Sistema Jurídico brasileiro é o de sua conhecida instabilidade, para a qual contribui o inequívoco histórico de mutação legislativa, inclusive constitucional, aspecto relevante, porque permeia outros setores de nossa experiência jurídica e, dentre eles, a própria jurisprudência, tal como destaca José Miguel Garcia Medina:

“[...] Há mais de dez anos, escrevi, [...] que o Estado não respeita as decisões do Poder Judiciário, e nem os próprios órgãos do Poder Judiciário respeitam as decisões que proferem. De fato, parece não haver, entre nós, preocupação em se criar decisões das quais se poderá extrair um precedente (no sentido de orientação, e não de ‘uma decisão judicial’ qualquer) que deverá ser seguido pelo próprio tribunal ou pelos demais tribunais do País (ou stare decisis vertical e horizontal). À época, tratando da súmula vinculante, afirmei que [...] a [...] criação de mecanismos tendentes a forçar a observância de entendimentos sumulados, se não respaldada em uma prática jurisprudencial consistente, tende a fracassar”[1].

Na sequência conclui o autor que:

“Talvez a atenção com o que sucede no common law seja excessiva. Afinal, a preocupação com a qualidade [...] dos julgados [...] não é restrita a países que adotam tal modelo. [...] Se levarmos a sério a afirmação de que o Brasil ‘constitui-se em Estado Democrático de Direito’ [...], e entendermos as consequências disso, já teremos dado um grande passo.

Viragens jurisprudenciais não justificadas – como a que se anuncia na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do ‘prequestionamento ficto’ – não condizem com a ideia de estabilidade e previsibilidade, ínsitas ao Estado de Direito [...].” [2]

Ora, se o Estado Democrático de Direito tem como missão propiciar a paz no meio social, a observância e a previsibilidade das decisões surge como um elemento indispensável à segurança jurídica, mas também acarreta uma mudança bastante positiva, porque importa em um novo paradigma à efetiva participação popular, agora melhor qualificada a partir de experiências já conhecidas e consolidadas – inclusive jurisprudenciais –, para que se evitem erros passados, sem prejuízo à criação de novas regras de comportamento – ou, mesmo, de estrutura –, por meio da criatividade do Poder Legislativo – o que afasta qualquer ideia de imobilismo –, e, isso, sem prejuízo ao quanto decidido pelo Poder Judiciário.

Ao tratar do tema, sob a ótica do artigo 170-A do Código Tributário Nacional, Cláudio Lopes Cardoso Júnior evidencia que a instabilidade jurídico-processual alcança outras áreas e, dentre elas, a da compensação tributária:

“[...] Essa pretensão de ampliar o debate se apoia em recente legislação que pretende vincular a [...] Administração Tributária ao entendimento firmado [...] em julgamentos representativos de controvérsias de que tratam os artigos 543-B [...] e 543-C [...] do Código de Processo Civil.

[...]

Legislação recentemente criada [...] pretende melhorar esse cenário. A Lei 12.844/2013 pretende vincular a [...] Administração Pública ao entendimento dos Tribunais Superiores. [...] E mais: essa nova legislação também prescreve a possibilidade de a Administração Tributária respeitar o entendimento do STJ e STF, o que é uma inovação, haja vista que até então somente as súmulas vinculantes do STF tinham esse efeito. A Lei 12844 [...] não equipara os efeitos dos julgamentos representativos de controvérsia aos das súmulas vinculantes. Todavia, é inegável que a força persuasiva daqueles julgamentos aumenta.

É importante registrar que disposição semelhante [...] já consta do Regimento Interno (RI) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) desde 2010. [...] Imaginemos que o STJ, em dezembro de 2010, tivesse reconhecido, em sede de julgamento representativo de controvérsia, a ilegalidade do imposto X. Nesse cenário, a empresa Arrojada [...] opta por não recolher o imposto no ano de 2011 e não propõe qualquer medida judicial. A empresa Boa Samaritana [...] opta por continuar a recolher o imposto X em 2011.

No início de 2012, Arrojada [...] tem auto de infração lavrado contra si [...]. Já a Boa Samaritana [...] ajuíza ação de repetição do indébito para a recuperação dos valores [...]. Arrojada [...] pode apresentar recurso administrativo e, de acordo com o artigo 62-A do Carf, deverá ser provido para [...] seguir o entendimento da jurisprudência dominante do STJ. E a Boa Samaritana [...], poderia compensar os créditos objeto da discussão judicial com outros débitos antes do trânsito em julgado? Sendo negativa a resposta, o recurso administrativo [...] seria julgado pelo Carf que o desproveria em razão do óbice do artigo 170-A do CTN? A pensar assim, o mesmo Tribunal Administrativo que cancela a cobrança do imposto dum [...], não reconheceria o crédito de outro que pagou o mesmo imposto [...]? [...]”[3]

Realmente, a incerteza e a insegurança decorrentes dos citados exemplos, não contribui para a harmonia do Sistema Jurídico, cuja funcionalidade depende da observância de padrões mínimos de coerência e racionalidade, sem os quais restam inócuos os critérios de justiça, validade e eficácia[4] acolhidos como imperativos ético-jurídicos pelo Estado de Democrático de Direito, daí a razoabilidade de se conferir uma maior eficácia aos precedentes, cuja inobservância se mostra deletéria às relações Fisco-contribuinte.

Nesse passo, parece útil lembrar o embate, havido há quase vinte anos, acerca da Contribuição ao Pro Labore e Autônomos, declarada inconstitucional pelo Plenário do STF quando do julgamento do RE 166.772-9-RS:

“Circular 1.600, n. 40, de 23-6-94, da Diretoria de Arrecadação e Fiscalização do INSS – Não publicada no DOU. Em face da decisão [...], prolatada no RE 166.772-9/RS, de 12-5-94 [...] e em função da nova manifestação da Procuradoria Geral do INSS [...]:

a) enquanto não for determinada a suspensão da executoriedade do inciso I do artigo 3º, da Lei 7.787/89, pelo Senado Federal, ou não houver decisão do Supremo Tribunal Federal que o declare inconstitucional, por via de ação direta, deverá a fiscalização continuar a apurar a contribuição incidente sobre a remuneração paga ou creditada aos autônomos e administradores [...]”[5].

Contudo, se prestigiada a figura dos precedentes jurisprudenciais – porque úteis à justiça, validade e eficácia sistêmicas –, e, pois, à segurança jurídica ínsitas ao Estado Democrático de Direito, inexistiria dúvida acerca da razoabilidade de se suspender a cobrança já em 9/9/1994[6], mesmo antes do advento da Resolução 14 do Senado Federal em 28/4/1995[7] face à inequívoca semelhança entre o artigo 3º, I da Lei 7.787[8] e o artigo 22, I, da Lei 8.212[9], daí ter-se sustentado a possibilidade de pleitear:

“Ação Popular Tributária [...] garantia constitucional coletiva, de índole política – porque calcada nos princípios republicano e da soberania popular – conferida a qualquer cidadão, para a anulação de atos que, desrespeitando algum dentre os princípios e normas do Sistema Constitucional Tributário, causem prejuízo ao Erário [princípio da indisponibilidade dos bens públicos] ou, simplesmente, caracterizem afronta ao princípio da moralidade administrativa no âmbito das relações jurídico-tributárias.”[10]

Note-se, porém, que a Ação Popular Tributária não pode ser manejada como uma variante do controle direto de constitucionalidade[11], daí a pertinência e razoabilidade acerca da observância dos precedentes [v.g., artigos 62 e 62-A do RI Carf], pois, salvo aqueles casos, o requisito da ilegalidade somente restaria satisfeito se presentes as figuras de dolo ou fraude[12] ou, então, excepcionalmente, se inequívoca a ausência do pressuposto de direito, v.g., isenção concedida por decreto[13].

Aqui, porém, é o momento de retomar a análise do artigo 170-A do CTN, que a despeito de suas características heterotópicas[14] – norma de direito material, com efeitos processuais[15] –, não pode atritar com a supremacia da constituição – aspecto reiterado pelo artigo 110 do CTN –, e, assim, desrespeitar os atributos intrínsecos à definição do conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, razão pela qual a compensação tributária – porque ínsita à defesa do magno direito de propriedade –, deve respeitar os atributos de categoria mais ampla, as do próprio instituto da compensação, salvo se presente alguma especificidade.

Com efeito, face à inequívoca natureza de obrigações ex lege dos tributos[16], vê-se logo afastada a compensação voluntária, embora possíveis às demais espécies – compensação legal e judicial[17] –, as quais, todavia, reclamam a natural fungibilidade dos créditos e débitos fiscais, bem como a reciprocidade das obrigações, para, enfim, alcançar os requisitos de liquidez e certeza, que se presentes autorizam a compensação legal prevista no artigo 170 do CTN, isso a partir do conteúdo, sentido e alcance dos precedentes jurisprudenciais – por exemplo, o RE 166.772-9-RS e a ADI 1102-2-DF –, ou, então, se ausentes os pressupostos relativos à exigibilidade imediata, aplica-se a compensação judicial prevista no artigo 170-A do CTN para conferir a liquidez e certeza – ainda inexistentes –, aos créditos do sujeito passivo, daí se aguardar o trânsito em julgado da respectiva ação.

Em conclusão, a observância às decisões emanadas pelos Tribunais Superiores prestigia a coerência e a racionalidade do Sistema Jurídico, porque melhor ajustada aos critérios de justiça, validade e eficácia, que o informam, tal como estabelecidos pelo Texto Constitucional, enfoque útil não apenas ao debate científico quanto ao sentido, conteúdo e alcance dos precedentes jurisprudenciais, mas também à construção de um novo paradigma à participação popular perante os debates junto ao Poder Legislativo, melhor qualificada através de experiências já conhecidas e consolidadas – o que afasta qualquer ideia de imobilismo –, sem prejuízo à missão constitucional do Poder Judiciário – face à sua imparcialidade –, para assim “dizer o direito” em caso de conflitos, solução que, aliás, a todos se impõe como imperativo ético-jurídico à convivência social, a ser seguido também na esfera do Poder Executivo – pelo conjunto da Administração Pública –, pois como adverte Celso Antônio Bandeira de Mello “[...] os interesses secundários não são atendíveis senão quando coincidirem com interesses primários, únicos a serem perseguido por quem axiologicamente os encarna e os representa [...]”[18], o que, pois, se mostra absolutamente sintonizado com os princípios da harmonia dos poderes, da legalidade, da razoabilidade, da moralidade administrativa, mas também o republicano, cânone esse, aliás, bastante encarecido pelo saudoso Geraldo Ataliba[19], como arquétipo orientador da igualdade ou paridade real nas relações jurídico-tributárias, o que, pois, ultrapassa os lindes do Fisco, para orientar os cidadãos-contribuintes a idêntico dever, na direção e, mesmo, no agir, da mais estrita e objetiva boa-fé.

[1] MEDINA, José Miguel Garcia. O que precisamos é de uma jurisprudência íntegra. Revista Consultor Jurídico, 12 ago. 2013, Disponível em:

[2] Idem, ibidem.

[3] CARDOSO JÚNIOR, Cláudio Lopes. Artigo 170-A do CTN não trouxe só benefícios. Revista Consultor Jurídico, 24 ago. 2013, Disponível em:

[4] BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 2. ed. Bauru: Edipro, 2003, p. 45-7

[5] Textos Legais IOB. Boletim 27/94, TL 747.

[6] Medida Liminar em ADI. Contribuições a cargo das empresas destinadas a seguridade social, artigo 195, I, da Constituição Federal. Expressões ‘Empresários’ e ‘Autônomos’ contidas no artigo 22, I, da Lei 8.212, de 25 jul. 1991. Precedentes. MC na ADI 1.102 – DF, Rel.: Min. Paulo Brossard, Brasília, DF, j. 4 ago. 1994, DJ 9 set. 1994, p. 23.441.

[7] Resolução 14, de 1994. Suspende a execução da expressão avulsos, autônomos e administradores, contida no inciso I do artigo 3º da Lei 7.787, de 1989. DOFC 28 abr. 1995.

[8] “Artigo 3º A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será:

I – de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores; [...]” [Lei 7.787, de 30 de junho de 1989, Dispõe sobre alterações na legislação de custeio da Previdência Social e dá outras providências. DOFC 03 jul. 1989, p. 10.777].

[9] “Artigo 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no artigo 23, é de:

I – 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, empresários, trabalhadores avulsos e autônomos que lhe prestem serviços; [...]” [Lei 8.212, de 24 jul. de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. DO 25 jul. 1991, p. 14.801].

[10] Uelze, Hugo Barroso. Ação popular tributária. RTJE, São Paulo: RT, v. 19, nº 136, p. 93, maio de 1995.

[11] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular [...]. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 154-5.

[12] “Artigo 48. [...]

Parágrafo único. São prerrogativas do Conselheiro integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf:

I – somente ser responsabilizado civilmente, em processo judicial ou administrativo, em razão de decisões proferidas em julgamento de processo no âmbito do Carf, quando proceder comprovadamente com dolo ou fraude no exercício de suas funções; e [...]”. [Lei 12.833, de 20 jun. 2013. Altera as Leis [...] 11.941, de 27 mai. 2009 [...] e dá outras providências. DOU 21 jun. 2013, p. 2].

[13] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 1.002-3.

[14] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O novo código civil e as regras heterotópicas de natureza processual. Academia Brasileira de Direito Processual Civil, Porto Alegre, ago. 2004. Disponível em:

[15] UELZE, Hugo Barroso. A compensação de tributos e o artigo 170-A do CTN. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo: IOB, 2001, v. 11, p. 314, vol. 1.

[16] Ataliba, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 35.

[17] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 12. ed., São Paulo: Atlas, p. 271-2, v. 2.

[18] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 44.

[19] ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 160.



Hugo Barroso Uelze é advogado, secretário adjunto da 116ª Subseção da OAB-SP e coordenador do Núcleo Jabaquara da Escola Superior de Advocacia da OAB-SP.

Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2013

ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ACIDENTE DE CONSUMO




ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ACIDENTE DE CONSUMO



Luiz Cláudio Borges[1]



RESUMO: O presente estudo tem por finalidade analisar a responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto ou serviço, o chamado acidente de consumo, trazendo conceitos e desmistificando as expressões “vicio” e “defeito” utilizadas pelo legislador no Código de Defesa do Consumidor. O artigo aborda, com simplicidade e eficiência, todos os pontos relacionados ao instituto da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço.



PALAVRAS-CHAVE: RESPONSABILIDADE CIVIL – DEFEITO – ACIDENTE DE CONSUMO.



1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS



O consumo é, sem dúvida, o que movimenta o mercado financeiro, tanto que a defesa do consumidor é assegurada como direito fundamental (artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal) e elevada como princípio da ordem econômica, artigo 170, inciso V, da Constituição.

O Código de Defesa do Consumidor é considerado um dos códigos mais avançados do ordenamento mundial, isto porque contém um avançado rol de dispositivos imprescindíveis na defesa do consumidor. Isto por si só não é garantia de efetividade. Em outra ocasião, este autor teve oportunidade de escrever sobre a problemática do acesso à educação e à informação ao direito do consumidor, onde, em linhas gerais, apontou-se a necessidade de maior investimento do Poder Público, para tirar o consumidor da “alienação” e prepará-lo para o mercado, que está cada vez mais voraz[2].

No presente texto, buscar-se-á traçar um estudo sobre a responsabilidade civil dos fornecedores pelo fato do produto ou serviço (acidente de consumo), apresentando conceitos e desmistificando as expressões “vício” e “defeito”. É evidente que não há pretensão de esgotar o assunto, até porque a matéria é ampla e demandaria um livro para abordá-la, entretanto, todos os pontos relacionados à temática foram estudados.

O estudo é realizado com base em pesquisa bibliográfica e possui um caráter científico, ainda que, de alguma forma, limitado, mas que não deixa de observar a seriedade e pertinência do assunto.



2. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO



Não obstante a temática da presente pesquisa esteja circunscrita à responsabilidade civil na relação de consumo, mais especificamente nos casos de acidente de consumo, é importante abordar a relação jurídica de consumo, apresentando seu conceito, bem como identificando seus sujeitos e objeto, a fim de delimitar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor[3].

Compõem uma relação jurídica os sujeitos, o objeto e o fato jurídico. Na relação jurídica de consumo, sempre haverá a presença de dois sujeitos: a) consumidor e b) fornecedor; e um objeto: i) um produto ou ii) um serviço. O próprio legislador, nos artigos 2º e 3º do CDC, se preocupou em conceituar esses elementos da relação de consumo.

Segundo a doutrina, o artigo 2º, do CDC, traz o conceito de consumidor standard, como sendo toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Não obstante a simplicidade do conceito, sua interpretação não o é, tanto que surgiram três correntes interpretativas: a) “finalista”, b) “maximalista”, e c) “finalista aprofundada”.

Para os defensores da corrente finalista o conceito de consumidor dever ser estabelecido de acordo com o critério do artigo 2º, do CDC, partindo da noção de “destinatário final fático e econômico de um produto ou serviço”. Nesta teoria, “consumidor é aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço de modo a exaurir sua função econômica, da mesma forma como ao fazê-lo, determina com que seja retirado do mercado de consumo”[4].

Em outras palavras, consumidor para a teoria “finalista” é somente aquele que retira o produto ou serviço do mercado de consumo e o consome.

Segundo aqueles que sustentam a teoria “maximalista” (ou objetiva), a definição de consumidor deve ser interpretada de forma extensiva[5]. Entende-se que, o artigo 2º do CDC apenas exige para a caracterização de consumidor a realização de um ato de consumo, não importando, qual a sua destinação final.

Cavalieri Filho escreve que

[a] expressão destinatário final, pois, deve ser interpretada de forma ampla, bastando à configuração do consumidor que a pessoa, física ou jurídica, se apresente como destinatário fático do bem ou serviço, isto é, que o retire do mercado, encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que inseridos o fornecimento do bem ou a prestação do serviço[6].

Observa-se que nesta corrente o CDC é visto como um Código geral de consumo, isto é, um Código para a sociedade de consumo, o que se conclui que o artigo 2º do CDC deve ser interpretado de forma ampla e irrestrita[7].

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) em alguns julgados demonstrava uma certa inclinação para a teoria maximalista, pois considerava consumidor o destinatário final fático do objeto da relação (produto ou serviço), ainda que utilizado no exercício de sua profissão ou empresa[8].

Posteriormente, o STJ aplicou a teoria finalista, sustentando que “não há falar em relação de consumo quando a aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, tem como escopo incrementar a sua atividade comercial”[9]. Assentou-se que o consumo intermediário não configura relação de consumo[10], isto é, só se enquadra no conceito de consumidor aquele que adquire os bens de consumo para uso privado fora de sua atividade profissional.

Desta disputa entre a teoria maximalista e finalista, nasce uma terceira corrente, defendida pelo STJ, a corrente “finalista mitigada” (ou aprofundada). Segundo o STJ, em decisões recentes, o CDC pode ser aplicado a determinados consumidores e profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais, desde que demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica no caso concreto[11].

Mas o conceito de consumidor não se restringe ao consumidor standard. O CDC elenca os consumidores por equiparação, que são aqueles do parágrafo único do artigo 2º, do artigo 17 e do artigo 29. No primeiro caso, é a coletividade de consumidores, ainda que indeterminados; no segundo, as vítimas de acidente de consumo; e o último, todos aqueles expostos às práticas comerciais.

O segundo sujeito da relação jurídica de consumo é o fornecedor, conceituado no artigo 3º do CDC como sendo toda pessoa física ou jurídica, pública ou priva, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O legislador conceituou o fornecedor de forma ampla. Neste sentido, pode-se afirmar que fornecedor é todo aquele que participa da cadeia de fornecimento de produto ou serviço.

Quanto ao objeto da relação jurídica de consumo, o legislador o conceituou no artigo 3º, §§ 1º e 2º, do CDC. Segundo o CDC, produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial; enquanto serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

É importante salientar que o conceito de produto é muito amplo, isto é alcança todo e qualquer produto inserido no mercado de consumo. Quanto aos serviços, existe uma peculiaridade: só pode ser considerado serviço aquele realizado mediante remuneração, que são pagos e não gratuito, como por exemplo: a) os serviços de hospedagem, b) os serviços de transporte, c) os serviços de educação, d) entretenimento etc.

Mas, haverá situações onde os serviços não são pagos diretamente, como acontece com os estacionamentos em supermercados, farmácias e Shopping Center. Neste caso, ainda que o consumidor não pague diretamente pelo serviço, este é remunerado indiretamente, na medida em que o consumidor consome os produtos no interior do empreendimento.

Objetivou-se neste capítulo demonstrar a importância da compreensão dos elementos da relação jurídica de consumo, a fim de possibilitar um entendimento maior da amplitude de atuação do CDC e, consequentemente, da obrigação de indenizar pelo fornecedor, que será abordada nos próximos itens.



3. RESPONSABILIDADE CIVIL



É imprescindível fazer uma abordagem, ainda que em resumida síntese, sobre o instituto da responsabilidade civil para entender melhor sua aplicação nas relações de consumo.

É certo que “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”[12].

Mas o que vem a ser responsabilidade?

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho escrevem que a “palavra “responsabilidade” tem sua origem no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir com as consequências jurídicas de sua atividade (...)”[13]. Isto é, responsabilidade é um dever jurídico decorrente da violação de uma obrigação legal ou contratual.

Em síntese, em uma concepção mais elaborada, a “noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade dano de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar)”[14]. Itálico no original.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ao comentarem o disposto no artigo 927, do Código Civil, salientam que a responsabilidade civil pode nascer na lei ou de um fato jurídico, que pode ser um contrato, uma declaração unilateral de vontade, um ato ilícito e, até mesmo, um ato lícito. Salientam que, a “responsabilidade civil é a consequência da imputação civil do dano a pessoa que lhe deu causa ou que responda pela indenização correspondente, nos termos da lei ou contrato”[15].

Partindo-se dessas premissas é possível afirmar que a responsabilidade civil nada mais é do que o dever de reparar o dano imposto ao autor do dano ou responsável, caso esteja impossibilitado de restabelecer a situação ao status quo. É neste contexto que a responsabilidade civil será tratada na próxima seção.



4. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO



Os produtos e serviços inseridos no mercado de consumo quando não atendem o dever de qualidade e segurança, não raras vezes causam danos ao consumidor. O Código de Defesa do Consumidor nos artigos 12 a 17 e 18 a 20, trata da responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço e responsabilidade civil pelo vício do produto e serviço, respectivamente. O presente artigo se restringirá à discussão da responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço.

Conforme se depreende da leitura dos artigos 12 a 14[16], o Código associa o “fato” do produto e do serviço aos “danos” causados aos consumidores por “defeitos” no produto ou serviço.

É importante esclarecer que quando o legislador fala em “fato do produto ou serviço”, está fazendo referência ao acidente de consumo, isto é, quando o vício ou defeito atingir o consumidor provocando-lhe um dano extrapatrimonial. Lisboa o conceitua como vício extrínseco[17].

O vício no produto ou serviço, por si só, não pode ser considerado acidente de consumo, posto que, apenas os tornam impróprios ao uso a que se destinam; é o chamado vício intrínseco[18]. Havendo vícios intrínsecos do produto ou serviço (vícios simples), aqueles previstos nos artigos 18 a 20 do CDC (de qualidade ou quantidade) o dano é meramente patrimonial.

Salienta-se que, “vício” e “defeito”, embora pareçam expressões sinônimas, não o são, pois o “vício” gera apenas uma inadequação do produto ou serviço, tornando-o impróprio para o consumo, seja em razão da sua qualidade ou quantidade. Enquanto o “defeito” é um vício agravado, isto é, que gera um dano extrapatrimonial, um acidente de consumo.

Não obstante o CDC não use a expressão “acidente de consumo”, preferindo chama o evento de “fato do produto ou serviço”, o vício é exógeno ou extrínseco (defeito); o dano causado provoca um dano extrapatrimonial ao consumidor.

Hodiernamente são inúmeros os exemplos de acidente de consumo, como i) o caso do veículo “zero quilômetro” que sai da concessionária e no primeiro momento que o consumidor tenta utilizar o sistema de freios este não funciona, provocando um acidente de trânsito, causando lesões físicas e psíquicas no consumidor; ii) o caso do “Edifício Palace II”, que desabou no Rio de Janeiro em fevereiro de 1998; iii) o caso da mãe que ao servir seus dois filhos com uma geleia de mocotó, contaminada com veneno de rato causou-lhes a; iv) o caso da jovem que pulou de bang jamp e os elásticos arrebentaram, causando-lhe o óbito; v) o caso do Buffet que serve comida contaminada, causando intoxicação aos convidados da festa etc.

Em todos estes exemplos e muitos outros, uma situação é comum a todos, a ausência de segurança. O §1º, do artigo 12, do CDC dispõe que “o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera [...]”. No mesmo sentido é o disposto no §1º, do artigo 14, do CDC.

O vício extrínseco (acidente de consumo) extrapola a substância do bem e ofende a vida, a saúde, a higidez física e psíquica, ou mesmo a segurança do consumidor, isto é passível de indenização, entretanto, é evidente que a obrigação de indenizar está submetida a alguns requisitos, cuja falta pode causar a inexistência de tal dever, quais sejam i) o defeito do produto ou do serviço; ii) o dano extrapatrimonial; e iii) o nexo de causalidade entre o defeito e o dano.

É importante salientar que a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço é objetiva, não depende da prova da culpa. Esta é a exegese do artigo 12, caput, do CDC. A única exceção no CDC é aquela descrita no §4º, do artigo 14, onde a responsabilidade civil do profissional liberal será apurada mediante a verificação da culpa.

O defeito diz respeito ao vício existente no produto ou serviço que, quando manifestado, provoca um dano em razão da ausência de segurança. O dano é o prejuízo propriamente dito, causado pelo vício. O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito que se estabelece entre o defeito do produto ou do serviço e o dano.

Os responsáveis pela reparação dos danos foram elencados no caput do artigo 12 13 e 14 do CDC, como sendo o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, o importador, o comerciante e o prestador de serviços[19].



Da leitura dos dispositivos elencados acima, a responsabilidade dos fornecedores (fabricante, produtor, construtor, nacional ou estrangeiro e o importador) é direta e solidária e independe de verificação da culpa (responsabilidade objetiva). Em relação ao comerciante, fornecedor imediato, (hoje denominado empresário), responde de forma subsidiária, isto é, somente naqueles casos dos incisos do artigo 13, do CDC. Em relação aos profissionais liberais, a responsabilidade é subjetiva, dependerá da verificação de culpa.

Os responsáveis pela reparação dos danos poderão se eximir desta responsabilidade quando provar qualquer uma das excludentes do §3º, do artigo 12 e §3º, do artigo 14, do CDC. Nas excludentes do §3º, do artigo 12, o fornecedor deve provar que o produto não fora inserido no mercado de consumo, ou ainda que tenha colocado no mercado, o defeito não existe, ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Nas excludentes do §3º, do artigo 14, o prestador de serviços deve provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso VIII, insere como direito básico do consumidor a possibilidade de inversão do ônus da prova, ficando a critério do magistrado (juiz) a concessão caso verifique que há verossimilhança nas alegações ou a hipossuficiência do consumidor. Entretanto, nos casos de acidente de consumo (pelo fato do produto) essa inversão do ônus da prova é automática, isto é, opera por força da própria lei, §§3º, do artigo 12 e 14 do CDC.

É importante esclarecer que o prazo para ajuizamento de ação objetivando a reparação dos danos oriundos do acidente de consumo é de 5 (cinco) anos, contados a partir do conhecimento dos danos, conforme se depreende da leitura do artigo 27, do Código de defesa do consumidor, contados .

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não obstante a amplitude do tema, buscou-se neste estudo apresentar os aspectos gerais da responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço (acidente de consumo), sem, contudo, esgotar o assunto.

Observou-se que, as disposições do Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente, a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço só se aplicam às relações de consumo, a qual de um lado encontra-se o consumidor (parte vulnerável na relação), de outro, o fornecedor e fazendo uma ligação entre os dois, o produto ou serviço.

Os conceitos de vicio e defeito foram apresentados. O primeiro, como sendo aquele que causa apenas uma inadequação do produto ou serviço, tornando-o impróprio ao consumo, é o chamado vício intrínseco ou vício simples. O outro (defeito), é também um vício, porém extrínseco ou exógeno, proveniente da falta da observância do dever de segurança, que causa um dano extrapatrimonial, isto é físico ou psíquico ao consumidor e, em alguns casos, até patrimonial.

O acidente de consumo é muito comum nas relações de consumo, em razão disso, a responsabilidade dos fornecedores é objetiva, independe da apuração da culpa, exceto em relação ao prestador de serviço profissional liberal. Sua reparação se dá por meio do ajuizamento de uma ação contra os responsáveis, entretanto, o consumidor deverá observar o prazo de 5 (cinco) anos, contados do conhecimento do acidente.

O ônus da prova é sempre do fornecedor (fabricante, produtor, construtor, nacional ou estrangeiro e comerciante); cabe a ele demonstrar as excludentes do §3º, do artigo 12, do CDC. O mesmo acontece com o prestador de serviços (§3º, artigo 14), exceto em relação aos profissionais liberais.

Os responsáveis respondem de forma direta e solidariamente, exceto no caso do comerciante, cuja responsabilidade é subsidiária, isto é, só será responsabilizado nas hipóteses do artigo 13, do CDC.

O Código de Defesa do Consumidor, não obstante a existência de posicionamentos contrários, é um excelente instrumento de defesa do consumidor. O CDC é referência em diversos países por ser uma norma moderna e completa, considerado um microssistema, onde estão presentes normas de direito material, processual, penal e administrativo.

É evidente que os acidentes de consumo, mesmo diante destes mecanismos, não reduziram após a entrada em vigor do CDC em 1991, ao contrário. Como o consumo cresce assustadoramente, com ele os acidentes de consumo, haja vista a total ausência de preocupação dos fornecedores em inserir no mercado de consumo produtos de qualidade, duráveis e que ofereçam a segurança desejada.

É hora dos Poderes públicos, responsáveis pela defesa do consumidor, por força do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição, tomar providências a tornar mais efetiva a fiscalização e a punição dos responsáveis pelos danos causados aos consumidores, a final todos nós somos consumidores, inclusive aqueles que estão no Poder!


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BORGES, Luiz Cláudio. Direito do consumidor: Os efeitos pragmáticos da Lei nº 12.291/2010 que obriga a sociedade empresária e o prestador de serviços a ter um exemplar do CDC à disposição do consumidor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 95, 01/12/2011.


CAVALIERI FILHO. Sergio. Programa de direito do consumidor. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2011.


DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 9ª, ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994, v I.

GAGLICIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil v. III: responsabilidade civil. 7ª, ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. 

NERY JUNIOR, Nelson, ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código Civil Comentado. 7º. ed. Rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009.




[1] Mestre em Direito Constitucional e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, advogado e professor universitário.


[2] “Pode soar estranho dizer isto, mas em pleno século XXI existem pessoas que sequer sabem da existência do CDC, razão pela qual a inserção da disciplina no ensino fundamental é medida imprescindível para a formação de consumidores conscientes. O dever de informar sobre os direitos e deveres dos consumidores e dos fornecedores é do Estado. Neste ponto, o Estado falha, sobretudo ao relegar esta obrigação à iniciativa privada. Já se passaram 20 anos, desde a entrada em vigor do CDC, muito se fez, mas, ainda, existe muito a se fazer, sobretudo quando o assunto é a difusão do CDC. Sem uma educação adequada, pouco provavelmente o consumidor estará preparado para interpretar as normas elencadas no CDC. Se os próprios aplicadores e operadores do direito confundem os institutos existentes no Código, quem dirá o consumidor que é leigo. Um exemplo disso é o disposto no artigo 12[viii] e 18[ix], do CDC. O primeiro trata da responsabilidade civil pelos danos causados aos consumidores por defeitos nos produtos; o segundo prevê a responsabilização dos fornecedores pelos vícios de qualidade ou quantidade. Ora, defeito e vício não têm o mesmo significado? Na linguagem utilizada pelo CDC não. São expressões parecidas, mas com significados diametralmente opostos. O consumidor está preparado para distinguir um instituto do outro? É evidente que não. [...].” BORGES, Luiz Cláudio. Direito do consumidor: Os efeitos pragmáticos da Lei nº 12.291/2010 que obriga a sociedade empresária e o prestador de serviços a ter um exemplar do CDC à disposição do consumidor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 95, 01/12/2011 [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10876. Acesso em 8/10/2013.


[3] “Observa-se, aliás, que uma das mais recorrentes alegações de fornecedores para escapar à aplicação das normas protetivas do consumidor é de que a relação sob exame em um determinado processo não pode ser caracterizada como relação de consumo”. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. pg. 84.


[4] MIRAGEM, Bruno. Op. cit. p. 91.


[5] Ibid. p. 92.


[6] CAVALIERI FILHO. Sergio. Programa de direito do consumidor. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2011. p. 60.


[7] “Pela definição legal de consumidor, basta que ele seja o ‘destinatário final’ dos produtos ou serviços (CDC, art. 2º), incluindo aí apenas aquilo que é adquirido ou utilizado para uso pessoal, familiar ou doméstico, mas também o que é adquirido para o desempenho de atividade ou profissão, bastando, para tanto, que se não haja a finalidade de revenda. [...]”. (ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor, 2º. ed., Revista dos Tribunais, 200, p. 40)


[8] Cf. REsp. 208.793/MT; REsp 329.587/SP; REsp 286.441/RS.


[9] Cf. REsp 541.86/BA.


[10] CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit. p. 65.


[11] Cf. REsp 660.026/RJ


[12] DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 9ª, ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994, v I, p. 1.


[13] GAGLICIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil v. III: responsabilidade civil. 7ª, ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 2.


[14] Ibid. p. 9.


[15] NERY JUNIOR, Nelson, ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código Civil Comentado. 7º. ed. Rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p. 785.


[16] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação.

§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.



[17] LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 76.


[18] ibid, p. 76.




[19] Art. 12. “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”

[...].

Art. 13. “O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis”.

[...].

Art. 14. “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Juiz do Trabalho pode lançar e executar contribuições



Por Heleno Taveira Torres




O propósito desse breve estudo é determinar o fato jurídico tributário e confirmar a plena legitimidade da Justiça do Trabalho para lançar e executar as contribuições sociais previstas no artigo 195, I, “a”, e II, incidentes sobre verbas indenizatórias, decorrentes das sentenças por ela proferidas, nos termos do artigo 114, VIII, da CF, o que impõe uma necessária metodologia baseada na hermenêutica conforme a Constituição.

As regras assinaladas assim prescrevem:


“Art. 195. (...)
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional 20, de 1998) (...)
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional 20, de 1998)”


“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional 45, de 2004) (...)
VIII. a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Incluído pela Emenda Constitucional 45, de 2004)”

Como se pode verificar, o Constituinte delimitou o critério material da contribuição, a saber: os salários e demais rendimentos do trabalho; mas também fez antecipar seu critério temporal, suficiente para definir sua ocorrência: pagos ou creditados, a qualquer título. Estes, porém, relativamente a casos submetidos à Justiça do Trabalho, serão sempre decorrentes das sentenças proferidas, as quais serão lançadas e executadas de ofício, pelo Juiz (autoridade competente).

Na interpretação da legislação infraconstitucional, tem-se que separar quatro momentos que poderiam servir à determinação do fato jurídico tributário nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados, a saber:

1) Quando da prestação dos serviços;
2) Com a sentença publicada;
3) Mediante o trânsito em julgado;
4) Na data do pagamento dos valores da condenação.

Para permitir essa conformidade necessária entre as leis infralegais e a Constituição, faz-se mister compatibilizar o art. 195, I, “a” e inciso II com o teor do artigo 114, VIII, da CF, porquanto qualquer fato jurídico tributário deve obediência ao primeiro, para os fins de definição da autoridade competente para o lançamento e execução da respectiva cobrança.

A prestação dos serviços ou do trabalho somente poderá sujeitar-se à tributação quando se esteja diante de situações incontroversas das quais possam resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, quando então serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços (art. 43, § 2º e § 3º da Lei 8.212, de 1991). Nesse caso, não pode haver dúvida, considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.

Não há dúvidas, pelo artigo 195, inciso I, "a", da CF, que a contribuição social do empregador incide sobre “a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, com ou sem vínculo empregatício”. Desse modo, o fato jurídico tributário dependerá do pagamento e, como arremata o Ministro Menezes Direito, no seu Voto no RE 569056/PA: “não é possível, no plano constitucional, norma legal estabelecer fato gerador diverso para a contribuição social de que cuida o inciso I, "a" do artigo 195 da Constituição Federal.” O argumento é incontornável, cuja decisão teve eficácia de “repercussão geral”.

Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados que não tenham discriminadas as parcelas legais relativas às contribuições sociais, estas incidirão sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado, quanto às parcelas remuneratórias. Nessa hipótese, que é o caso que motiva este Parecer, a contribuição será calculada com base no valor do acordo. (§ 1º e 5º do artigo 43, incluído pela Lei 11.941, de 2009).

De fato, isso iguala toda e qualquer verba devida de natureza remuneratória, desde que objeto da decisão, como suficiente para constituir o respectivo fato jurídico tributário das contribuições, numa lídima interpretação conforme a Constituição.

Não fosse assim, a decadência tributária, matéria de ordem pública, poderia ficar sujeita a declaração de vontade das partes, livres para decidir pelo melhor momento da demanda, para término do litígio e liquidação dos valores.

Desse modo, a interpretação do texto constitucional é satisfeita com a efetividade do ato de pagamento ou do crédito, seja pela escrituração como “salário” ou verba devida, seja pelo quanto decidido no “acordo”, na forma jurídica de liquidez e certeza do montante a ser pago.

De fato, ao longo do exercício da justiça trabalhista, verificou-se a importância de evidenciar uniformidade procedimental no cumprimento das cobranças das leis previdenciárias, pelo princípio da praticabilidade. Foi assim que o artigo 12 da Lei 7.787, de 30 de junho de 1989, ensejou o primeiro esforço para atribuir ao Juiz o dever de velar pelo recolhimento imediato das contribuições previdenciárias. A saber:


“Art. 12. Em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de vencimentos, remuneração, salário e outros ganhos habituais do trabalhador, o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social será efetuado in continenti.
Parágrafo único. A autoridade judiciária velará pelo fiel cumprimento do disposto neste artigo.”

Essa competência não continha permissão para o juiz do trabalho realizar cobrança de tributo. Cingia-se aos meios formais. Em caso de descumprimento, firmou-se o entendimento segundo o qual o juiz deveria cientificar o INSS a respeito, para que este pudesse tomar as respectivas providências. A separação de competências jurisdicionais e administrativas em matéria previdenciária justifica essa cabal diversidade de funções.

Após outros atos precedentes, adveio o Provimento 1, de 20 de fevereiro de 1990, da Corregedoria Geral do TST, com amparo na Lei 7.787/89, para admitir que a citada Lei atribuíra à autoridade judiciária o dever de zelar pelo fiel cumprimento da previsão em torno do imediato recolhimento das importâncias, que a competência da Justiça do Trabalho tem regência constitucional, além de levar em consideração o fato de os títulos judiciais prolatados pela Justiça do Trabalho versarem sobre direitos trabalhistas e que, constitucionalmente, cumpre a Justiça diversa o julgamento de controvérsias que envolvam matéria previdenciária.

O Provimento TST 3, de 8 de abril de 2002, sob alegação dos problemas gerados pela diversidade de provimentos regulando a mesma matéria, prejudicando a uniformização procedimental nos órgãos correicionados e, consequentemente, a administração regular da justiça, resolveu afastar amplamente esse dever de auxiliar na cobrança das contribuições, ao revogar os Provimentos 1/1990, mas também o Provimento 3/1984.

Com o artigo 43 da Lei 8.212/1991, em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultasse pagamento de remuneração ao segurado, o recolhimento das contribuições devidas à Seguridade Social deveria ser adimplido de imediato.[1] Em seguida, a Lei 8.620/1993 alterou os artigo 43 e 44 daquela Lei e determinou o imediato recolhimento das importâncias, sob pena de responsabilidade. Caberia ao juiz, agora, apenas comunicar ao órgão competente os termos da sentença ou do acordo homologado, por notificação ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Após a vigência dessas leis, com o Provimento TST 1/1996, coube ao juiz da execução determinar as medidas necessárias ao cálculo, dedução e recolhimento das Contribuições devidas, a evidenciar, tanto mais, a equivalência com o ato de lançamento tributário, ao reconhecer como de competência da Justiça do Trabalho o ônus de calcular, deduzir e recolher contribuições devidas ao Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, conforme disposto pelos artigos 43 e 44 da Lei 8212, de 24 de julho de 1991.

As dúvidas, entretanto, não cessariam. Os magistrados, em grande parte, não se sentiam obrigados a essa função previdenciária, o que prejudicava a eficiência do recolhimento das contribuições. Justificou-se, então, a elevação do regime ao patamar constitucional, ademais de lei que determinasse a execução de ofício dessas contribuições previdenciárias.

Com a Emenda Constitucional 20, de 1998, o artigo 114, da CF, elevou a matéria ao altiplano constitucional e definiu como competência da Justiça do Trabalho promover a execução Contribuições Sociais referidas pelo artigo 195, I, “a” e II. Mais adiante, o artigo 114 foi novamente alterado, pela Emenda 45, de 2004, e, atualmente, o referido dispositivo ostenta a seguinte redação[2]:


“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional 45, de 2004) (...)
VIII. a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Incluído pela Emenda Constitucional 45, de 2004)” (grifo nosso).

E, para afastar dúvidas, a Lei 10.035/2000 ampliou os regimes previstos na CLT (artigos 831 e 832 do Capítulo II do Título X), para melhor tratamento processual específico, afora os aprimoramentos das leis 11.457/2007 e 11.941/2009.

A referida Lei 10.035, de 2000, também acrescentou o parágrafo único ao artigo 876 da CLT, o qual teve sua redação posteriormente modificada, nos seguintes moldes, a saber:


“Art. 876 – (...)
Parágrafo único. Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido. (Redação dada pela Lei 11.457, de 2007)”

Na sequência, foram alterados os parágrafos 2º a 5º do artigo 43 da Lei 8.212, de 1991 pela Lei 11.941, de 2009, que resultou da conversão da Medida Provisória 449, de 2008, in verbis:


“§ 2º Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço. (Incluído pela Lei 11.941, de 2009).
§ 3º As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo que nesse último caso o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente a cada uma delas. (Incluído pela Lei 11.941, de 2009).
§ 4º No caso de reconhecimento judicial da prestação de serviços em condições que permitam a aposentadoria especial após 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, serão devidos os acréscimos de contribuição de que trata o § 6º do art. 57 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei 11.941, de 2009).
§ 5º Na hipótese de acordo celebrado após ter sido proferida decisão de mérito, a contribuição será calculada com base no valor do acordo. (Incluído pela Lei 11.941, de 2009).
§ 6º Aplica-se o disposto neste artigo aos valores devidos ou pagos nas Comissões de Conciliação Prévia de que trata a Lei 9.958, de 12 de janeiro de 2000. (Incluído pela Lei 11.941, de 2009).”

Ante o exposto, tem-se afirmada a competência da Justiça do Trabalho para determinar a execução das contribuições previdenciárias sobre folha de salário e outras, desde que o faça nos termos do artigo 195, I, “a” e II da Constituição Federal, incidentes sobre os valores de natureza remuneratória decorrentes de sentenças condenatórias ou objeto de acordo homologado,[3] no limite processual do art. 114, VIII da CF.

Deveras, a materialidade das contribuições objeto do artigo 43 da Lei 8.212, 1991, corresponde (i) ao pagamento ou creditamento dos valores relativos à folha de salários e de demais rendimentos do trabalho — contribuição prevista do artigo 195, I, “a”, CF — e, de forma correlata, (ii) ao recebimento da remuneração pelo trabalho — artigo 195, II, CF.

A partir de uma análise superficial, poder-se-ia afirmar que o artigo 43 da Lei 8.212, mormente por meio de seu parágrafo 2º, incluído pela Lei 11.941, de 2009, teria fixado como materialidade das contribuições ali referidas a prestação de serviços, e como critério temporal o momento da prestação de serviços. Aceitar essa composição de sentido, porém, seria evidência inequívoca de rompimento com a ordem constitucional.

O fato jurídico tributário, presumido na sentença, inerente ao lançamento que nela se contém, consuma-se pelo pagamento ou creditamento dos valores a título das remunerações, devidos a partir do trânsito em julgado definitivo.

Ora, pelo fato de a Lei 8.212, 1991, fazer, em seu artigo 22, I, alusão à expressão “remunerações (...) devidas”, isto não é de todo suficiente para chancelar qualquer equivalência à prestação de serviços, por parte do trabalhador, para ter-se ocorrido o fato jurídico tributário. A referida expressão é ainda utilizada no artigo 30 da Lei 8.212, de 1991, além de ser feita referência a “rendimentos (...) devidos”, no artigo 28, I, da mencionada lei, o qual versa sobre o salário-de-contribuição.

As contribuições sociais previstas no artigo 195, I, “a” e II, da CF, podem ser igualmente executadas pela Justiça do Trabalho, na esteira da conclusão do ministro Menezes Direito, de saudosa memória:


“Com base nas razões acima deduzidas, entendo não merecer reparo a decisão do Tribunal Superior do Trabalho no sentido de que a execução das contribuições previdenciárias está no alcance da Justiça Trabalhista quando relativas ao objeto da condenação constante das suas sentenças, não abrangendo a execução de contribuições previdenciárias atinentes ao vínculo de trabalho reconhecido na decisão, mas sem condenação ou acordo quanto ao pagamento de verbas salariais que lhe possam servir como base de cálculo.”

Desse modo, mês a mês, para os fins de lançamento administrativo, por eventual fiscalização da SRFB, o fato jurídico tributário das respectivas contribuições acima reputa-se ocorrido, pelo seu critério temporal, no momento em que o segurado torna-se titular jurídico da remuneração dos salários e demais rendimentos do trabalho. E não poderia ser diverso. Isso é certo. Porém, quando se tratar de sentenças ou acordos homologados pela Justiça do Trabalho, o montante líquido e certo determinado autoriza seu lançamento, por presunção daquilo que será o fato jurídico tributário, que somente surgirá com o efetivo pagamento ou creditamento. Assim, com a sentença ou o acordo exsurge o objeto de lançamento tributário e define-se a prescrição de eventual cobrança, caso a contribuição devida não seja paga, por presunção da ocorrência do fato jurídico tributário que advirá com o pagamento das verbas ou seu creditamento.

Em conclusão, o fato gerador das contribuições previdenciárias, para fins de extinção do crédito tributário, não se verifica com a sentença ou homologação do acordo pela Justiça do Trabalho, mas com o efetivo pagamento ou creditamento e com o respectivo recebimento da remuneração pelo trabalho, haja vista a necessidade de certeza e liquidez, com eficácia de definitividade, após eventuais recursos e outros. Não seria possível cogitar da ocorrência do fato jurídico tributário de contribuição previdenciária, incidente sobre verbas controversas, anteriormente à liquidação da sentença, ou, ainda, antes do prazo para pagamento dessas verbas. Por outro giro, o valor da contribuição social devida somente pode ser apurado a partir do momento em que os valores que correspondem à sua base de cálculo deixem de ser controversos, com liquidez e certeza apurada pela sentença ou em conformidade com o acordo.

No caso das contribuições previdenciárias incidentes sobre valores relativos à remuneração pelo trabalho resultantes de sentença condenatória ou de acordo homologado pela Justiça do Trabalho, tem-se que somente no momento em que se efetivar o pagamento dos referidos valores, de fato, reputar-se-á ocorrido fato jurídico das contribuições sociais previstas no artigo 195, I, “a” e II, da CF, com a definitividade necessária para autorizar a extinção da obrigação tributária, pelo pagamento das contribuições eventualmente devidas. Outro não poderia ser o critério temporal das contribuições em tela, haja vista a referida regra-matriz de incidência constitucional dessas contribuições e o imperativo lógico, segundo o qual deve haver correlação entre o critério material e o temporal da regra-matriz de incidência tributária.
[1] Lei 8.212, de 24 de julho de 1991. “Art. 43. Em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de remuneração ao segurado, o recolhimento das contribuições devidas à Seguridade Social será efetuado incontinenti.
Art. 44. A autoridade judiciária exigirá a comprovação do fiel cumprimento ao disposto no artigo anterior.”
[2] “No entanto, cumpre observarmos que, nos termos da CF/88 (artigo 114, VIII) a Justiça do trabalho possui competência para executar as contribuições previdenciárias referidas no artigo 195, inciso I, ‘a’ e inciso II, decorrentes das sentenças por ela proferidas, ou seja, as contribuições previdenciárias incidentes sobre os valores pagos ou creditados ao trabalhador” (VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência social: custeio e benefícios. São Paulo: LTr, 2008, p. 210).
[3] Não obstante as controvérsias verificadas acerca deste tema, a posição aqui mencionada é aquela acatada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior do Trabalho e pode ser sintetizada da seguinte maneira: “Dessarte, a execução das contribuições previdenciárias de ofício pelo magistrado do trabalho limita-se, mesmo diante da atual redação do parágrafo único do artigo 876, às sentenças condenatórias e às decisões homologatórias de acordo que estabelecem obrigação pecuniária. As sentenças declaratórias, ainda que reconheçam expressamente a existência da relação empregatícia, não ensejam execução ex officio” (MOREIRA, André Mendes; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; MACHADO, Sophia Goreti Rocha. A competência da justiça do trabalho para a execução de contribuições previdenciárias e seus desdobramentos. In: PAULSEN, Leandro; CARDOSO, Alessandro Mendes (org.). Contribuições previdenciárias sobre a remuneração. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 202-203).



Heleno Taveira Torres é advogado, professor e livre-docente de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP, e membro do Comitê Executivo da International Fiscal Association.

Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2013

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