sexta-feira, 15 de julho de 2016

Novo CPC dificulta rejeição de recurso claramente inadmissível






O novo CPC, como se sabe, acabou com o duplo juízo de admissibilidade, mais precisamente com o controle de admissibilidade que era realizado na origem, pelo juízo a quo[1]. Esta mudança tem como objetivo racionalizar a duração do processo, excluindo a análise, quase sempre dispensável, dos requisitos do recurso pelo juiz de piso. Todavia, em que pese louvável e digna de aplausos, nos casos de recursos manifestamente inadmissíveis, há de se rever esta vedação, exatamente para não ocorrer a morosidade na duração do processo — o que seria diametralmente oposto ao seu propósito, de se otimizar o trâmite processual, ocorrendo verdadeira “autofagia” neste ponto.

Assim, o presente texto busca analisar esta lacuna/inconsistência do CPC/2015 relacionada ao juízo de admissibilidade nos casos de recursos manifestamente inadmissíveis. Ao que parece, quando da elaboração do novo CPC/2015, tal situação passou despercebida, mas, agora, com a prática forense, já se observa a necessidade de urgente revisão legislativa.

Em termos práticos, ao se proferir uma decisão em primeira instância, o juízo prolator da decisão a ser combatida não tem mais a possibilidade de se manifestar acerca dos requisitos necessários ao conhecimento do recurso, cabendo tal mister exclusivamente ao juízo ad quem, destinatário da irresignação. Destaque-se que, em determinadas situações, o juízo a quo até pode se retratar[2] (a exemplo das apelações em face de sentença que extingue o processo sem exame do mérito), revendo o seu julgado, mas frise-se, não pode deixar de dar seguimento a um recurso por entendê-lo inadmissível (atente-se para o detalhe de que, em que pese possa, com fundamento na intempestividade, deixar de se retratar, não pode inadmitir um recurso usando este mesmo argumento).

Tal situação, porém, apesar de revelar um indiscutível avanço ao melhor curso do processo, traz um problema de ordem prática extremamente relevante e que, em última análise, encerra por levar ao travamento do processo, em sentido diametralmente oposto ao buscado pelo festejado dispositivo legal. Isto porque, nos casos de recursos manifestamente incabíveis, ao invés de se otimizar o trâmite processual, tem-se, ao fim e ao cabo, um verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento regular da demanda.

A título de exemplo, imagine-se um caso, na esfera de uma execução fiscal, em que o executado apresenta apelação em face de decisão que rejeitou uma exceção de pré-executividade. Diante de tal decisão, inquestionavelmente, nos termos do parágrafo único do artigo 1.015, do CPC/2015[3], cabe agravo de instrumento (da mesma forma como já o era à época do CPC/1973). Ora, a interposição de apelação neste caso configura erro grosseiro, situação na qual a jurisprudência pátria se consolidou no sentido de não ser aplicável o princípio da fungibilidade, devendo-se rejeitar de plano a irresignação, por se tratar de recurso manifestamente inadmissível[4].

Na vigência do CPC antigo, o juiz de primeira instância já negava seguimento ao malsinado recurso e se prosseguia normalmente com o processo! Caso o recorrente discordasse da rejeição, poderia se insurgir por agravo de instrumento (que, diga-se, também não suspendia o prosseguimento da ação).

Eis o problema. Com o novo CPC, todavia, diante de uma apelação (ainda que manifestamente inadmissível), o juízo a quo não pode mais realizar este controle prévio, razão pela qual fica obrigado a enviar ao tribunal o recurso de apelação (embora grosseiramente equivocado), o que implica, na prática, em suspensão do processo (justamente o que o fim do duplo juízo de admissibilidade buscou combater)! Lembre-se, por oportuno, que o novo CPC permanece concedendo à apelação o efeito suspensivo automático, sendo que somente em situações previstas em lei este efeito é afastado (dependendo de pedido expresso ao relator).[5]

E, data venia, indefensável a aplicação, indiscriminada, do princípio da fungibilidade nestes casos. Isto porque, o parágrafo 3º do artigo 1.024[6], na esteira a interpretação extensiva dada pelo Enunciado 104 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC)[7] não se aplica aos casos (como este), em que não há dúvida objetiva (um dos requisitos essenciais exigidos para aplicação do mencionado princípio — diferentemente das regras de fungibilidade trazidas no novo CPC, a exemplo dos artigos 1.032 e 1.033). De outro turno, o artigo 932, parágrafo único, do novo CPC é destinado ao relator[8], além do fato de que o STF[9], recentemente, na esteira do enunciado administrativo 6, do STJ, decidiu que “o prazo de cinco dias previsto no parágrafo único do artigo 932 do novo Código de Processo Civil (CPC) só se aplica aos casos em que seja necessário sanar vícios formais, como ausência de procuração ou de assinatura, e não à complementação da fundamentação”.

Não bastassem estes argumentos, eventual aplicação indiscriminada do princípio da fungibilidade, na prática, certamente iria desencadear muitos absurdos. Basta lembrar da unificação dos prazos em 15 dias (o que já superaria, sempre, um dos requisitos do princípio), o que permitiria, grosso modo, que se apresentasse qualquer recurso e o juiz teria sempre que intimar para corrigir, atuando como verdadeiro assessor de advogado (como, por exemplo, apresentar recurso extraordinário em face de sentença). Por tais razões é que se entende que tal solução deve ser afastada nos casos de erro grosseiro.

Ainda que se considerasse que nesta situação a apelação não teria efeito suspensivo automático, o que se admite apenas por argumentar, ainda assim, na prática, não se realizará nenhuma constrição no patrimônio do devedor/recorrente enquanto a apelação (junto com os autos) estiver pendente no tribunal.

Há juízes que, buscando ajustar esta situação, estão providenciando cópia integral dos autos, a fim de se prosseguir normalmente com a execução em primeira instância, enquanto os autos principais, com a “apelação”, são remetidos ao tribunal para apreciação. Em seguida, após a apelação ser inadmitida no ad quem, já se determina que se translade as peças originais ao processo que subiu, descartando-se a cópia que existia. Apesar de inteligente e atender ao objetivo do novo CPC (dar celeridade ao processo), há séria controvérsia acerca da possibilidade de prosseguimento do processo diante da “apelação”, que, como já visto, apesar de manifestamente inadmissível, possui efeito suspensivo automático concedido pelo novo CPC.

Diante de tal quadro, à luz do propósito maior de se racionalizar o trâmite processual, mister que se providencie urgente alteração do novo CPC, a fim de se permitir, nestes casos de recurso manifestamente inadmissível, que o juiz singular realize este juízo de admissibilidade ou, ao menos, que se afaste o efeito suspensivo automático nestes casos e se permita que o juiz de primeira instância providencie cópia dos autos para prosseguimento da ação (como alguns já têm feito, a despeito de ausência de previsão legislativa).

Desta forma, entendendo-se que a primeira possibilidade se apresenta muito mais adequada, propõe-se, desde logo, a alteração do parágrafo 3º, do artigo 1.010, do novo CPC, complementando-se seu final, consolidando-se a seguinte redação: “§ 3º Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade, salvo nos casos de apelação manifestamente inadmissível, reconhecidos pelos Tribunais Superiores em sede de precedente obrigatório, hipótese em que o juiz de primeiro grau poderá rejeitá-la de plano” (sugestão de alteração legislativa destacada).



[1] Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:
[...]
§ 3o Após as formalidades previstas nos §§ 1o e 2o, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade.(destaque aditado)
[2] Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
[...]
§ 7o Interposta a apelação em qualquer dos casos de que tratam os incisos deste artigo, o juiz terá 5 (cinco) dias para retratar-se. (destaques aditados)
[3] Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. (destaque aditado)
[4][...]
3. A aplicação do princípio da fungibilidade recursal é cabível na hipótese em que exista dúvida objetiva, fundada em divergência doutrinária ou mesmo jurisprudencial acerca do recurso a ser manejado em face da decisão judicial a qual se pretende impugnar. 4. O entendimento pacífico do STJ é de que constitui erro grosseiro, não amparado pelo princípio da fungibilidade recursal, por ausência de dúvida objetiva, a interposição de recurso de apelação quando não houve a extinção total do feito - caso dos autos - ou seu inverso, quando a parte interpõe agravo de instrumento contra sentença que extinguiu totalmente o feito. Súmula 83/STJ. 5. Agravo interno não provido. (STJ, AGARESP 201201945863, RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJE DATA:10/06/2016 ..DTPB:.) – destaque aditado.
[5] Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.
§ 1o Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:
[...]
§ 3o O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1o poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:
I - tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la;
II - relator, se já distribuída a apelação.
(destaque aditado)
[6] § 3o O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1o.
[7] 104. (art. 1.024, § 3º) O princípio da fungibilidade recursal é compatível com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal, Teoria Geral dos Recursos, Apelação e Agravo).
[8] Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
[9] Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=318235&caixaBusca=N. Notícia de 7/6/16. Acesso em jul. 2016.


Gustavo Vasques é procurador da Fazenda Nacional na Bahia e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).



Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2016, 8h41

CNJ publica cinco resoluções para regulamentar novo CPC


O Conselho Nacional de Justiça publicou nesta quinta-feira (14/7) cinco novas resoluções aprovadas para regulamentar o novo Código de Processo Civil. Elas tratam da gestão de processos sobre matérias afetadas por recursos repetitivos e pela repercussão geral, honorários de peritos, comunicação processual e leilão eletrônico.


A resolução que trata dos recursos repetitivos cria um “banco nacional de dados com informações da repercussão geral, dos casos repetitivos e dos incidentes de assunção de competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do STJ, do TST, do TSE, do STM, dos tribunais regionais federais e dos tribunais de Justiça”.



Esse banco de dados será alimentado com informações fornecidas pelos próprios tribunais a respeito dos processos sobrestados por causa do reconhecimento da repercussão geral pelo Supremo ou do afetamento de um recurso como repetitivo pelo STJ. A gestão dos dados será feita pelo CNJ, que também deixará disponíveis para “toda a comunidade jurídica” tabelas com as informações a respeito dos processos e dos temas.


Caberá aos tribunais, à exceção do Supremo, que não se submete à jurisdição do CNJ, criar núcleos de precedentes (Nugep) para manter atualizadas informações a respeito dos recursos repetitivos e recursos com repercussão geral reconhecida. O CNJ também terá um Nugep, que será alimentado pelos núcleos locais. Caberá a eles acompanhar a tramitação dos processos.
A resolução que trata dos honorários periciais estabelece que a fixação dos valores cabe ao juiz do caso. As custas devem ser pagas por quem pede a perícia, mas, nos casos de a encomenda ter sido feita por beneficiários da Justiça gratuita, quem paga é o Estado.

Já a Resolução 233 estabelece a criação de um cadastro de peritos e órgãos técnicos e científicos, do qual constarão “a lista de profissionais e órgãos aptos a serem nomeados para prestar serviços” em processos judiciais. Para fazer o cadastro, os tribunais devem fazer consulta pública pela internet e analisarão os currículos inscritos.

A Resolução 234 cria o Diário de Justiça Eletrônico Nacional (Djen) para publicar todos os editais do CNJ e todos os atos judiciais dos órgãos do Poder Judiciário. Também cria a Plataforma de Comunicações Processuais do Judiciário, como forma de comunicação entre as diferentes formas de processo eletrônico.

O CNJ ainda mudou a resolução que trata dos leilões judiciais e da alienação de bens.

Clique aqui para ler a Resolução 232/2016, que trata de honorários periciais.
Clique aqui para ler a Resolução 233/2016, que cria o cadastro de órgãos técnicos.
Clique aqui para ler a Resolução 234/2016, que cria o Diário de Justiça Eletrônico Nacional (Djen).
Clique aqui para ler a Resolução 235/2016, que trata dos recursos com repercussão geral e dos recursos repetitivos.
Clique aqui para ler a Resolução 236/2016, que trata de leilões e alienação judicial

Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2016, 20h35

Decisão possibilita juntada de documentos para correto cumprimento de sentença


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu, antes do recesso, julgamento que discutia a possibilidade de juntada de documentos ao processo, mesmo após a sentença ter transitado em julgado.

Por unanimidade, os ministros rejeitaram o recurso da empresa executora da dívida e aceitaram o recurso do Banco do Brasil, para a juntada de documentos. Segundo o ministro Raul Araújo, autor do voto-vista apresentado, a medida busca o correto cumprimento da sentença. O ministro afirmou que não se trata, como pretendia a empresa, da produção de novas provas após sentença judicial.

Raul Araújo integra a Quarta Turma do STJ, e foi convocado pela Terceira Turma para completar o quórum necessário para conclusão do julgamento, em virtude de impedimentos e aposentadorias neste colegiado.

No caso analisado, uma empresa ajuizou ação para cobrar lançamentos indevidos em conta bancária realizados pelo banco. A causa inicialmente buscava o ressarcimento de pouco mais de R$ 18 mil. Após o reconhecimento do mérito e análise detalhada do caso, sabia-se que o banco teria que devolver o valor aproximado de R$ 200 mil.

Já em fase de perícia contábil, outros valores foram encontrados com lançamentos indevidos. A aplicação de juros, multa e correções inflacionárias levou o valor final para o montante de R$ 384 milhões. Esse montante gerou o pedido, por parte do banco, da juntada de documentos (extratos bancários) para contestar a liquidação, devido ao valor dos cálculos, considerado exorbitante.

Tramitação

Para o ministro Raul Araújo, não há que falar em impossibilidade de juntada, já que as decisões do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) demonstram que a fase de perícia não estava encerrada. O magistrado sintetiza a problemática trazida via recurso ao STJ:

“Como se observa, a fase de apuração do quantum debeatur não se encerrou, sendo o caso ainda de conferência e apresentação de cálculos pelo contador. Se é possível a juntada de documentos nessa fase de conferência, é a discussão que se põe no presente recurso, o qual não está, portanto, prejudicado”.

O ministro explicou que o juiz de primeira instância percebeu a peculiaridade do caso e adotou medidas para garantir a correção dos valores devidos, já que a simples liquidação nos valores pretendidos após o primeiro cálculo poderia significar enriquecimento ilícito da empresa.

Com a decisão, o banco pode anexar os documentos pretendidos (extratos bancários com a completa movimentação da conta) para a correta análise dos valores devidos na causa, que já foi julgada em seu mérito.

FS
Destaques de hoje

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1297877
Fonte: STJ

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Retrospectiva NJ 10 Anos: reveja os casos inusitados e as Especiais de peso que marcaram os dez anos de Notícias Jurídicas!

















Clique nos links abaixo e veja ou reveja algumas notícias que "bombaram" em número de acessos e ganharam destaque, entre as mais de cinco mil publicadas nesses 10 anos de Notícias Jurídicas:

CLIQUE AQUI e confira a coletânea de Notícias Jurídicas ESPECIAIS publicadas desde a estréia dessa série em 2014

JT concede créditos de aposentadoria a parceiro homossexual (28/06/2006)

Juiz determina reintegração de enfermeira acusada de morder guarda municipal (10/05/2011)

Empregado declarado morto por engano será indenizado por não receber seguro-desemprego (04/09/2012)

JT mantém justa causa aplicada a empregada por comentário em rede social (07/03/2016)

JT julga caso de prática ilícita de marchandage (03/02/2014)

Doméstica filmada por caneta espiã recebe indenização por dano moral (17/12/2011)

Juiz condena Vale por prática de assédio processual (18/02/2013)

Juiz identifica caso de assédio processual(29/08/2011)

1ª Turma aplica teoria da subordinação estrutural e reconhece vínculo direto de empregado terceirizado com a Telemar(21/08/2007)

TIM é condenada a contratar 4 mil trabalhadores terceirizados e a pagar indenização por dano moral coletivo (23/07/2009)

TRT defere dano moral a pai de empregado falecido, acusado de maltratar o filho.(02/04/2007)

TRT reverte justa causa aplicada a empregado público com quadro de alcoolismo (28/02/2008)

Grupo econômico que implantou programa decontrole gestacional é condenado a danos morais (23/12/2011)

Maquinista sujeito a regime de monocondução e sistema homem-morto será indenizado por danos morais (14/06/2012)

Vendedor obrigado a imitar animal em reuniões da empresa ganha indenização por danos morais (14/03/2007)

Município terá que indenizar trabalhador mantido ocioso debaixo de jabuticabeira(26/08/2009)

Turma aumenta indenização concedida a porteiro que sofreu discriminação estética (21/05/2014)

Juíza aplica responsabilidade objetiva para deferir indenizações por danos moral, material e estético a eletricista atacado por abelhas(29/10/2013)

CLT-Flex caracteriza fraude a direitos trabalhistas (06/06/2012)

Juiz condena empresa que obrigou empregada a cumprir aviso prévio em pé na calçada (16/11/2011)

JT aplica justa causa a empresa que puniu trabalhadora por ter engravidado (29/07/2011)

Declarações de amor correspondidas não caracterizam assédio sexual (02/06/2010)

Trabalhador que permanecia aguardando ordens em casinha de cachorro é indenizado por dano moral (15/04/2010)

Empregado pode acionar patrões por dano moral decorrente de assédio sexual contra filha menor no local de trabalho (31/03/2009)

Juiz determina publicação de sentença em site de empresa condenada por danos morais (11/07/2011)

Assédio moral é tema constante nos processos julgados na JT mineira (01/05/2010)

Discriminação masculina: empresa de cosméticos terá que indenizar empregado que não foi promovido a gerente por ser homem (20/04/2016)

JT garante indenização a tesoureiro proibido de usar cuecas no trabalho (18/02/2011)

JT afasta justa causa aplicada a empregado acusado de transitar nu pelo local de trabalho (16/06/2010)

JT é incompetente para julgar ação de indenização por danos decorrentes do suicídio de ex-empregada quase dois anos após a rescisão do contrato (07/02/2016)

Juiz afasta tese de suicídio e condena empresas a indenizarem família de pedreiro que caiu no fosso do elevador (14/12/2011)

Deslocamento até aeroporto e espera por check in em viagens a trabalho é tempo à disposição do empregador (19/08/2013)

Juiz nega reversão de justa causa de empregado que faltava ao trabalho para não ser preso por dívida de pensão alimentícia (22/04/2016)

Turma julga caso de dispensa discriminatória de empregado suspeito de homicídio (03/07/2012)

Trabalho de preso regido pela Lei de Execução Penal não gera relação de emprego (16/07/2010)

Trabalhadora que deixou de ser contratada por estar acima do peso consegue indenização por dano moral (14/07/2015)

Banco indenizará bancário que recebeu salário sem trabalhar durante 10 anos (27/06/2011)

Contratação em atividade diretamente relacionada à exploração da prostituição é nula (22/10/2012)

JT-MG decide: jogo do bicho não gera vínculo, mas contraventor terá de doar verbas que seriam devidas ao trabalhador. (03/10/2012)

Turma reconhece vínculo de emprego entre pastor e igreja (22/11/2012)

Ex-jogador que teve imagem divulgada em álbum de figurinhas sem autorização será indenizado (03/02/2016)

Trabalho em domicílio exercido de forma subordinada caracteriza relação de emprego (04/05/2007)

Aviso de perigo, em língua inglesa, em equipamento de trabalho pode ter contribuído para morte de empregado. (30/07/2013)
 

Trabalhadora obesa será indenizada por não receber EPI do seu tamanho e por ter de abaixar a calça em público (19/08/2011)

Turma absolve Vale de responder por direitos dos empregados da empresa que explora as lanchonetes nos trens de sua propriedade (13/07/2016)

Fonte: TRT3
A 9ª Turma do TRT-MG julgou favoravelmente um recurso da Vale S.A. para excluir a condenação subsidiária da empresa de pagar verbas trabalhistas deferidas a dois trabalhadores das lanchonetes que funcionam nos trens de sua propriedade.
A ação foi ajuizada pelo Sindicato da categoria, na condição de substituto processual dos trabalhadores. Eles eram empregados da empresa que a Vale contratou para explorar os serviços de lanchonete em seus trens. Na sentença, foi reconhecida a responsabilidade subsidiária da Vale pelos direitos que lhes foram deferidos na ação (horas extras e verbas rescisórias), porque beneficiária dos serviços que prestaram (Súmula 331/TST). Mas, adotando o entendimento da relatora, a juíza convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho, a Turma concluiu que não houve terceirização de mão de obra, quer lícita, quer ilícita e, dessa forma, a Vale não poderia ser responsabilizada, mesmo que subsidiariamente, pelas parcelas trabalhistas deferidas.
Foi juntado no processo cópia do contrato de aluguel celebrado entre as duas empresas, referente à locação de "dois carros" nos trens da Vale, os quais seriam destinados à exploração dos serviços de lanchonete por parte da empregadora dos trabalhadores substituídos. Nesse quadro, de acordo com a relatora, o que realmente existiu foi uma relação comercial entre a empresa empregadora e a Vale, não havendo terceirização, nos termos da Súmula 331 do TST.
"A Vale se beneficiou dos serviços prestados pela empregadora dos substituídos processuais apenas de forma indireta, diferentemente do que costuma ocorrer nas terceirizações ilícitas (atividade-fim) e nas terceirizações lícitas (em atividade-meio), uma vez que a empregadora somente explorava atividade de lanchonete em um dos vagões da recorrente", destacou a desembargadora, em seu voto.
Foi registrado ainda no voto que a celebração de contrato de aluguel e o desempenho de atividades complementares, "exercidas horizontalmente e sem caráter acessório", como ocorreu no caso, afasta a configuração da terceirização de mão-de-obra prevista na Súmula 331 do TST. Sendo assim, a relatora concluiu que não pode prevalecer a responsabilidade subsidiária da Vale pelas verbas trabalhistas devidas aos empregados da empresa contratada para explorar as lanchonetes, no que foi acompanhada pelos demais julgadores da Turma.

( 0001066-15.2014.5.03.0099 RO  
    

"Período de crise econômica exige reforma da legislação trabalhista"



Entrevista publicada na Conjur no 15 de maio de 2016, 8h45

Por Marcos de Vasconcellos


É em tempos de crise econômica que a reforma trabalhista se faz mais urgente. A opinião é do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins Filho, que vai contra o discurso do senso comum segundo o qual, em momentos de dificuldade financeira, é preciso reforçar as garantias trabalhistas.

Para o ministro, mais do que proteger quem já está empregado, cabe ao Estado buscar garantir que haja emprego. Se as leis e o Judiciário fazem exigências exageradas, acabam com postos de emprego e prejudicam os trabalhadores, avalia. Para ele, este é momento de afrouxar um pouco a corda “que vai enforcando a todos” e encontrar o ponto de equilíbrio entre a justa retribuição ao trabalhador e ao empresário empreendedor.

A fala do mandatário da Justiça do Trabalho parece ir ao encontro das intenções do presidente da República interino Michel Temer. A reforma trabalhista foi um dos temas abordados por Temer em seu discurso de posse, nesta semana. Segundo ele, a matéria é controvertida, mas as mudanças por ele propostas, diz, têm como objetivo a geração de emprego.

Na presidência do TST desde fevereiro deste ano, Ives Gandra Filho chegou à corte em 1999, em uma vaga do quinto constitucional, como membro do Ministério Público do Trabalho. Com o passar dos anos, suas posições ganharam destaque, pois costumam fugir da visão paternalista da Justiça do Trabalho.

Como presidente do tribunal, o ministro tem atuado na interlocução com o Supremo Tribunal Federal — que recentemente decidiu contra o TST em relação aos Planos de Demissão Incentivada e já dá sinais de que discordará também da visão da corte trabalhista em relação à terceirização. As decisões do STF, diz, mostram que é hora de rever a jurisprudência em relação aos limites da autonomia negocial coletiva. Mas sem extremos. Ives Gandra Filho é claro ao dizer que não defende a prevalência do negociado sobre o legislado, mas que haja mais respeito ao que foi negociado.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o presidente do TST falou ainda sobre a necessidade de um marco regulatório para a terceirização; o fim da contribuição sindical compulsória; e os impactos do novo Código de Processo Civil na Justiça do Trabalho.

Lei a entrevista:

ConJur — O momento de transição política pelo qual o país passa é propício para uma reforma das leis trabalhistas?
Ives Gandra Filho — A crise econômica pela qual passa o país tem sua origem clara na crise política existente. Poderia ser um contexto adverso para uma reforma trabalhista. Mas é justamente em período de crise econômica que um sistema legal trabalhista mostra se oferta uma proteção real ou apenas de papel ao trabalhador. Quanto mais rígido o sistema, menos protetivo ele é. As empresas quebram e os trabalhadores ficam sem emprego. Daí que o período de crise não apenas é propício, mas até exigente de uma reforma legislativa que dê maior flexibilidade protetiva ao trabalhador. Dizer que em períodos tais, quando os trabalhadores estão fragilizados, não se devem promover reformas, é esquecer que também as empresas estão fragilizadas e quebrando, o que exige rápida intervenção para recuperar uns e outros. E isso só se faz afrouxando um pouco a corda que vai enforcando a todos, encontrando o ponto de equilíbrio de justa retribuição ao trabalhador e ao empresário empreendedor.

ConJur — Os juízes têm colocado o “livre convencimento” acima da prova material ou testemunhal como razão de decidir. O TST tem respaldado esse tipo de fundamentação?
Ives Gandra Filho — No campo do exame da prova, a evolução foi de um extremo ao outro, até se chegar ao ponto de equilíbrio atual. Do princípio da hierarquia da prova do CPC de 1939, passou-se ao livre convencimento do CPC de 1973, chegando-se ao convencimento fundamentado do novo CPC. Recentemente, em discussão na SDI-1 do TST, chegou-se à conclusão de que, fundamentada a decisão regional na valoração das provas, não cabe ao TST valorá-las, ainda que transcritos os depoimentos testemunhais no recurso.

ConJur — Há dados do TST que confirmem que a Justiça do Trabalho é mais demandada durante a crise?
Ives Gandra Filho — Sim. Nos últimos anos, a média de reclamações novas por ano girava em torno de 2 milhões. Em 2015, fruto do aumento de desempregados, chegou-se a um total perto de 2 milhões e 600 mil reclamatórias novas. A projeção para 2016 é de cheguemos aos 3 milhões, o que dificilmente será assimilado por uma Justiça que teve seu orçamento tão reduzido que corre o risco de fechar as portas a partir de agosto em vários estados.

ConJur — Como o senhor viu as reações à sua afirmação de que a justiça do trabalho é paternalista?
Ives Gandra Filho — Ouvi a afirmação de que a Justiça do Trabalho tem sido paternalista ao extremo do deputado Ricardo Barros, relator do orçamento e responsável pelo substancial corte no orçamento da Justiça do Trabalho. Disse-lhe, à época, que não lhe tirava inteiramente a razão, pois em dois pontos lhe faço eco, que são o intervencionismo exacerbado da anulação de inúmeras convenções e acordos coletivos de trabalho perfeitamente válidos à luz da jurisprudência do Supremo, e o da criação de novos direitos trabalhistas com base na aplicação de princípios jurídicos de caráter mais genérico, onerando substancialmente as empresas, a ponto de muitas não resistirem. No entanto, expliquei ao deputado que também tem havido excessivo descumprimento de normas trabalhistas claras, que não dependem de interpretação por parte do Judiciário, o que resulta em milhares de ações, que devem ser julgadas pela Justiça do Trabalho. E sem recursos orçamentários, podemos vir a fechar as portas. Enfim, não me surpreendo em relação às críticas, pois vêm justamente daqueles que pecam por excesso de proteção, em detrimento do próprio trabalhador. No fundo, comungamos quanto aos fins da Justiça do Trabalho, de harmonizar as relações de trabalho e de proteger o trabalhador, mas divergimos legitimamente quanto aos meios. Penso que o ativismo judiciário emergente não tem conseguido ofertar uma proteção real ao trabalhador, a par de ter a capacidade de desorganizar a economia, razão pela qual dele humildemente divirjo.

ConJur — O STF decidiu contra o TST em relação aos Planos de Demissão Incentivada e já dá sinais de que discorda também da visão do TST em relação à terceirização. O tribunal está ficando isolado?
Ives Gandra Filho — Penso que devemos rever nossa jurisprudência em relação aos limites da autonomia negocial coletiva, não ampliando tanto o conceito de direitos indisponíveis do trabalhador e admitindo a flexibilização da legislação naquilo em que a própria Constituição admite, que são o salário e a jornada de trabalho. Quanto à terceirização, o simples fato de se ter reconhecido a repercussão geral da matéria, em face das decisões substancialmente restritivas do TST, é um alerta.

ConJur — Como resolver o problema da terceirização? Basta que o Supremo decida os parâmetros ou é necessário que haja uma lei?
Ives Gandra Filho — Acredito que um marco regulatório para a terceirização seja necessário, especialmente no que diz respeito ao setor público, onde os abusos são mais notáveis. Atualmente, apenas a Súmula 331 do TST funciona como parâmetro, o que é notoriamente insuficiente, já que até fiscais do trabalho passam a ser juízes, interpretando o que seja atividade-fim e atividade-meio, para efeito de fixação da licitude da contratação. Se o Supremo entender que atividade-fim também é passível de terceirização, então o marco regulatório será mais necessário ainda, já que não se pode admitir dois trabalhadores laborando permanentemente no mesmo local de trabalho, realizando o mesmo serviço, e um ganhando a metade do que o outro recebe, por ser contratado por empresa terceirizada. Penso que a tanto não chegaria nossa Suprema Corte. O que vejo, no entanto, é a jurisprudência do TST ampliar superlativamente o conceito de atividade-fim, no que tenho sido vencido, para abarcar, por exemplo, call center de empresas de telefonia, pelo simples uso do telefone, quando tal atividade tem sido terceirizada por empresas aéreas, hospitais e demais seguimentos do mercado.

ConJur — Como tem sido comandar uma corte na qual seu posicionamento é visto como minoritário?
Ives Gandra Filho — Até que não tem sido tão minoritário assim. Nas últimas sessões que presidi, é certo que a corte estava bem dividida, mas não me encontrei na corrente minoritária, como foram os casos do banco postal e da imposição a shopping center para instalação de creches, já que não é empregador dos trabalhadores das lojas. De qualquer sorte, nos temas em que divirjo da maioria, apenas ressalvo meu entendimento, seguindo por disciplina judiciária a orientação jurisprudencial pacificada. Mas academicamente não deixo de sustentar meus pontos de vista, como o fazem os demais colegas com os seus, referindo, de qualquer modo, qual a jurisprudência majoritária e suas razões.

ConJur — Quais são os principais desafios para o TST?
Ives Gandra Filho — O principal, certamente, é o de cumprir sua missão institucional, de uniformizador da jurisprudência trabalhista. E isso não está sendo fácil de conseguir. Desde a publicação da Lei 13.015, em 2014, o TST ainda não conseguiu julgar nenhum caso sob seu regime, pois a lei acabou criando um mecanismo que, digamos assim, terceirizou a atividade-fim do TST aos TRTs, devolvendo-lhes os processos, para que uniformizassem sua própria jurisprudência. Ora, isso gera apenas um efeito bumerangue, pois a divergência entre tribunais haverá e os processos voltarão a subir ao TST. A frustração que sinto é que, até o momento, nenhum tema ainda foi julgado no TST sob o palio do incidente de recursos repetitivos, dada a complexidade do sistema. E veja que o sistema recursal de uma Justiça célere deveria ser mais simples! Espero que no segundo semestre deste ano já comecemos a decidir os primeiros temas sob o regime da nova lei.

ConJur — O Ministério Público do Trabalho tem cumprido a sua função?
Ives Gandra Filho — O MPT está mais ativo do que nunca, agora com sua Procuradoria-Geral em nova sede. E tem cumprido bem sua missão. Às vezes até com um pouquinho de excesso de zelo, ao ajuizar algumas ações anulatórias de convenções e acordos coletivos, que o próprio STF tem considerado válidas.

ConJur — Vemos ações do MPT contra escritórios de advocacia por causa da contratação de advogados como associados, quando, segundo o órgão, estariam cumprindo a função de empregados. É possível afirmar que advogados assinam contratos sem ler e precisam desse tipo de proteção?
Ives Gandra Filho — Advogado não é hipossuficiente, mas, em contexto econômico adverso, pode acabar se submetendo a esse tipo de situação. mas não sei se seria o caso de ações do MPT contra escritórios.

ConJur — Temos acompanhado o MPT abordar temas-chave como trabalho infantil, trabalho escravo e amianto. Esses são problemas de grandes dimensões mesmo ou servem mais como espaço para propaganda, uma vez que são áreas que não encontram resistência?
Ives Gandra Filho — Quanto ao trabalho infantil, o próprio TST está engajado nessa campanha, dando-lhe agora um viés positivo. Não apenas de combate ao trabalho infantil, mas também de estímulo à aprendizagem. Hoje, temos no TST dois programas mais próprios do Executivo, com o qual colaboramos, de políticas públicas, que são o do Trabalho Infantil e do Trabalho Seguro, este último focado na prevenção dos transtornos mentais, que vão se tornando cada dia mais frequentes, pelo estresse no trabalho. E dois programas tipicamente judiciários, que são os de estímulo à conciliação e de efetividade da execução. Quanto ao trabalho escravo, infelizmente, ele ainda é encontrado no país, com ações do MPT junto com a Polícia Federal liberando trabalhadores que não queriam mais trabalhar em determinadas fazendas, mas eram ali mantidos contra sua vontade. No caso do amianto, penso que haveria um meio termo possível, com a adoção das medidas de proteção que minimizassem a insalubridade do trabalho, como em outras atividades.

ConJur — Negociações de sindicatos com empresas são invalidadas na Justiça por disporem dos chamados “direitos indisponíveis”, como hora de almoço. O senhor acha que o negociado deveria prevalecer sobre o legislado?
Ives Gandra Filho — Não defendo a prevalência do negociado sobre o legislado. Defendo que se prestigie a negociação coletiva, como mandam as Convenções 98 e 154 da OIT e nossa Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso, XXVI. E, no momento em que vivemos, ela está bastante desprestigiada. Ao conversar com parlamentares, empresários e sindicalistas, tenho sugerido que se adote um critério bem claro nesse tema. Que os direitos trabalhistas flexibilizados por acordo ou convenção coletiva tenham, no próprio instrumento normativo, cláusula expressa da vantagem compensatória do direito temporariamente reduzido em sua dimensão econômica, de modo a que o patrimônio jurídico do trabalhador, no seu todo, não sofra decréscimo. Verifico que, nesse sentido, o Projeto de Lei 4.962 deste ano, alberga muito do que tive de experiência positiva, conciliando conflitos coletivos nacionais na vice-presidência do TST nos anos de 2014 e 2015. Portanto, é bem diferente falar em prevalência de um sobre o outro e falar de prestigiar um deles, que hoje se encontra desvalorizado, em detrimento das boas relações laborais.

ConJur — Como melhorar a qualidade e a representatividade dos sindicatos no Brasil?
Ives Gandra Filho — Com uma boa reforma sindical, que acabe com a contribuição sindical compulsória e com a unicidade sindical. Penso que o caminho seria o pluralismo sindical, sendo os acordos coletivos firmados com os sindicatos de maior representatividade e as ações de substituição processual protegendo apenas os associados, de modo a estimular a filiação. De qualquer modo, no momento, penso que uma forma de se minorar o problema seria a aprovação do PL a que me referi, com a inclusão de dispositivo que previsse também a fonte de custeio sindical da atividade negocial, que poderia ser de um dia de trabalho dos empregados da categoria, mas sujeito à não oposição do trabalhador, nos moldes do antigo Precedente Normativo 74 do TST. Assim, não teríamos que voltar a discutir jurisprudencialmente o Precedente Normativo 119, já por duas vezes mantido pela corte em rediscussão do tema.

ConJur — Sabemos casos de empresas que saem do Brasil por causa do prejuízo e da insegurança jurídica causados pela Justiça Trabalhista. O senhor acredita que a Justiça do trabalho é pouco consequencialista?
Ives Gandra Filho — Tenho insistido nessa tecla do juízo de consequência que qualquer juiz deve fazer quanto às implicações socioeconômicas de suas decisões. Não podemos ser apenas juízes de gabinete, que extraem pura e simplesmente suas conclusões de processos lógicos a partir de premissas principiológicas, como também não podemos pretender transformar o mundo através de despachos e sentenças. O excesso de ativismo judiciário e a carência de um maior realismo sócio-econômico talvez sejam as explicações para a insegurança jurídica da qual tanto reclamam as empresas atualmente e que tanto tem espantado os investimentos financeiros em nosso país.

ConJur — Os governos petistas mudaram alguma coisa para os trabalhadores nas leis ou na Justiça do Trabalho?
Ives Gandra Filho — Recentemente, em encontro com o Ministro Rossetto, do Trabalho, elogiei a sabedoria do Programa de Proteção ao Emprego, promovido pelo governo, pelo seu realismo, ao contemplar expressamente a flexibilização da jornada de trabalho e de salários, com ajuda parcial aos trabalhadores pelo FAT. Digo sabedoria, porque o ministro soube perceber que o maior patrimônio do trabalhador, em momentos de crise econômica, é seu emprego! Ademais, temos com o Ministério do Trabalho, como já disse, parcerias efetivas, no que diz respeito à promoção do trabalho seguro e de combate aos trabalho escravo e infantil.

ConJur — Tribunais regionais do trabalho têm ameaçado fechar as portas no segundo semestre por falta de verba. Como resolver esse problema?
Ives Gandra Filho — A crise orçamentária que se abateu sobre a Justiça do Trabalho pode-se dizer que é devastadora, se não for prontamente superada. O corte em nosso orçamento foi maior do que o dos outros ramos do Judiciário Federal. Mas o pior de tudo é que não foi racional. Cortou-se 90% do orçamento do PJe, nosso processo eletrônico. Ora, dos cerca de 70 milhões de ações que tramitam no Judiciário atualmente, perto de 7 milhões pertencem à Justiça do Trabalho. E desses 70 milhões, apenas 10% estão no PJe. Só que são praticamente todos da Justiça do Trabalho, ou seja, 6 milhões e meio de 7 milhões e pouco. Esqueceu-se que a Justiça do Trabalho está 100% no processo eletrônico, sem papel. E se não há dinheiro para manutenção e aprimoramento dos sistemas, eles travam e param. Tivemos dois tribunais regionais fechando por uma semana, por crescimento do sistema sem a ampliação dos bancos de dados e servidores. A partir de agosto, não tendo como manter os contratos de funcionamento dos sistemas, estaremos parando! E a solução seria simples. Basta remanejar de outras rubricas do orçamento da própria Justiça do Trabalho para cobrir as necessidades de custeio e manutenção de sistemas, mas o atual governo se nega a fazê-lo, por insistir em que agora isso deve ser feito mediante projeto de lei, o que não se conseguirá este ano, sendo que se poderia fazer perfeitamente por medida provisória, com já foi feito no começo do ano, sem retirar do Congresso Nacional o controle orçamentário geral. Chega a ser kafkiana a crise pela qual passamos!

ConJur — A embriaguez contumaz é motivo para justa causa na CLT, mas a Justiça do Trabalho interpreta que o alcoolismo é doença e, por isso, não pode servir como fator para a demissão. Como se diferencia o que é embriaguez contumaz e o que é alcoolismo?
Ives Gandra Filho — Essa é típica matéria em que cada caso deve ser analisado pelo juiz. O alcoolismo como doença supõe a perda, por parte do indivíduo, de seu livre arbítrio, em face da aquisição de um vício do qual tem dificuldade de se libertar. Já a embriaguez contumaz supõe a repetição de situações em que o empregado é pego embriagado, mas não se pode dizer que seja um alcoólatra.

ConJur — Estabilidade por gravidez se aplica a trabalhadoras com contrato temporário?
Ives Gandra Filho — A jurisprudência atual do TST e do STF aponta que sim, em face do bem maior do nascituro, mas é uma situação de difícil solução, pois as empresas de trabalho temporário não têm tido condições de manter em seus quadros empregados que não se consegue colocar em uma empresa tomadora de serviços. Não vislumbro, de momento, solução melhor para o problema.

ConJur — O que as empresas condenadas por assédio moral podem ou devem fazer com os assediadores que levaram elas a serem condenadas?
Ives Gandra Filho — Exercer seu direito de regresso, postulando a reparação do dano que sofreram ao ter de indenizar empregado em razão de ato praticado ilicitamente por seus prepostos.

ConJur — Quem são os autores que mais inspiram o senhor na área trabalhista?
Ives Gandra Filho — Se me permitir, prefiro falar dos exemplos que mais me inspiram na atuação como magistrado, pois o papel aceita tudo, mas o exemplo de conduta foi sempre o que mais me inspirou. E são aqueles com os quais convivo diuturnamente no tribunal que mais me ensinam e com quem mais aprendo. Desculpe querer lembrar de todos, mas não posso deixar de invejar o equilíbrio do ministro Renato, a fidalguia do ministro Bresciani, o bom humor do ministro Emmanoel, a presença de espírito do ministro Brito, o despojamento da ministra Maria Helena, a fé da ministra Calsing, o entusiasmo da ministra Kátia, a disponibilidade do ministro Cláudio, a combatividade do ministro Aloysio, a objetividade do ministro Hugo, o realismo da ministra Dora, a sinceridade da ministra Cristina, o conhecimento do ministro Levenhagen, a clareza do ministro Dalazen, a discrição do ministro Márcio, a atenção do ministro Lelio, a flexibilidade do ministro Alexandre, a perseverança do ministro José Roberto, a profundidade do ministro Philippe, a ponderação do ministro Fernando, a equidade do ministro Guilherme, o estudo do ministro Walmir, a proficiência do ministro Maurício, a dialética do ministro Augusto, a simpatia da ministra Delaíde e a laboriosidade do ministro Douglas. Penso que é uma sadia inveja, que me leva a retificar muitas vezes, reconhecendo meus erros e procurando imitar os bons exemplos. Oxalá, presidindo a corte por dois anos, consiga adquirir um pouco de todas essas virtudes!



Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2016, 8h45

"Com Executivo e Legislativo em crise, o Judiciário tomou conta de tudo"





Por Lilian Matsuura e Marcos de Vasconcellos


Ada Pellegrini Grinover é uma das mais respeitadas juristas no país. Ao longo dos seus 83 anos, participou da reforma do Código de Processo Penal e do Código de Defesa do Consumidor, foi coautora da Lei de Interceptações Telefônicas, da Lei de Ação Civil Pública e da Lei do Mandado de Segurança, e, hoje, pesquisa meios alternativos de solução de controvérsias. Mas toda a sua experiência não foi suficiente para entender os decretos, empréstimos e créditos que levaram ao afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo.

“Quem é que entende isso? Um diz uma coisa, outro diz outra e o último que fala sempre parece que tem razão. É tudo muito estranho, muito delicado. Mas o julgamento vai ser político”, disse a processualista em entrevista concedida à ConJur. Enquanto o país não adotar outro regime de governo, afirma, os problemas políticos e econômicos continuarão a paralisar o país. A solução? Passa pelo parlamentarismo.

Ou então, brinca, importar um tirano da China. A professora voltou há pouco das férias que passou no país e se disse impressionada. Em dez anos, viu cidades completamente refeitas, sem as favelas e os cortiços que havia visto da primeira vez que visitou as terras chinesas. Planejamento, segundo Ada Pellegrini, traria grandes avanços para os brasileiros.

Em meio à crise vivida pelo Brasil, a advogada e parecerista entende ser fundamental o ativismo judicial, diante da omissão dos demais poderes. “Hoje, o Judiciário é um elemento de equilíbrio entre os demais poderes”, afirma, ao relembrar a decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a interrupção da gravidez nos casos de feto anencéfalo. À época, tramitavam diversos projetos de lei no Congresso Nacional para regulamentar a questão, mas o Legislativo foi lento demais para resolver o problema dos cidadãos.

Ela entregou há pouco à editora o livro Ensaios sobre a processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do processo, onde defende que a jurisprudência hoje em dia deve ter uma função criadora, ir além das interpretações da lei e da Constituição. É preciso acompanhar a mudança dos tempos, recomenda, antes de garantir: esse será seu livro mais polêmico.

Na conversa com a ConJur, Ada também fez críticas ao Judiciário – “Se o crime é daqueles que eles (juízes) não gostam, como tráfico, não reconhecem nulidade nenhuma, porque querem punir” –; à advocacia – “Quando vejo petições iniciais de 100 páginas eu também questiono: ‘Estão loucos?’” –; e ao Ministério Público – “O Ministério Público tem que descer do salto, esquecer essa história do promotor natural, onde cada um faz o que quer”.

Nascida em Nápoles, na Itália, chegou ao Brasil com a família aos 18 anos e aos 34 naturalizou-se brasileira. Dedicou-se à academia na Faculdade de Direito da USP, onde se tornou livre docente e onde deu aulas até a aposentadoria compulsória, aos 70 anos. Hoje em dia, dedica-se a elaborar pareceres e memoriais.

Da entrevista também participaram os jornalistas da ConJur, Mauricio Cardoso, Thiago Crepaldi e Claudia Moraes.

Leia a entrevista:

ConJur – Como o país chegou a esta crise?
Ada Pellegrini Grinover – Entendo que, enquanto o Brasil não adotar outro regime de governo, nada será solucionado. Trocar seis por meia dúzia não resolve nada. O presidencialismo, que concentra tudo no presidente da República, não funciona. É muito centralizador. O Parlamento também não funciona, porque num presidencialismo de coalização os partidos são a favor ou contra, ou seja, não é uma posição imune de influências, como deveria ser. Se não mudarmos para um parlamentarismo, o sistema não vai funcionar nunca.

ConJur – Não é grande demais a instabilidade de se poder trocar o presidente com mais facilidade?
Ada Pellegrini Grinover – É mais instável o governo, mas se o presidente não tiver voto de confiança, vai embora e escolhem outro. É maior a instabilidade, mas o trauma de um impeachment é muito pior, porque para tudo e o presidente é afastado no momento do recebimento da acusação – o que acho prematuro porque ainda não está condenado. Há muito tempo estou convencida de que os problemas do Brasil decorrem do regime de governo.

ConJur – O parlamentarismo conseguiria manter o país em movimento?
Ada Pellegrini Grinover – Sim, com ou sem governo, os países que seguem o parlamentarismo andam. Às vezes, andam melhor sem governo do que com. (risos)

ConJur – O nível dos deputados na votação do impeachment deixou muita gente chocada. A senhora entende que o parlamentarismo seria melhor para o país mesmo com o Congresso que temos hoje?
Ada Pellegrini Grinover – Sempre tem alguém bom, capaz de formar um governo. E se não for capaz, vai embora, escolhemos outro até acertar. O impeachment é muito grave, muito sério. Não se fala de outra coisa nesse país. Então, por pior que seja o Parlamento, sempre há alguém que sabe o que faz.

ConJur – A existência ou não do crime de responsabilidade faz diferença atualmente? Vemos na contagem de votos que é uma questão de partido, e não uma questão de Direito?
Ada Pellegrini Grinover – Sim, é uma questão política. A verdade é que, se continuarmos com o presidencialismo, deveria haver ao menos a previsão de um referendo renovatório. O presidente não está conseguindo governar? Quer tirá-lo do cargo? Fazemos o referendo. Se o povo não tem mais confiança no presidente, ele tem de ir embora. Por que ele tem de cometer um crime de responsabilidade para ser afastado? Outra coisa: quando você fala com qualquer estrangeiro, principalmente de países onde o regime é parlamentarista, ele não sabe o que é crime de responsabilidade, porque lá não tem, não é criminalizado. Eles não entendem. “Mas como é crime de responsabilidade se ela não roubou?”, questionam. É uma concepção difícil, precisa que ser do ramo para entender. Eu não sei se os decretos eram empréstimo ou se eram créditos. Quem é que entende isso? Um diz uma coisa, outro diz outra e o último que fala sempre parece que tem razão. É tudo muito estranho, muito delicado. Mas o julgamento vai ser político. E espero que realmente seja, porque se a presidente voltar, aí é que estamos perdidos.

ConJur – Aí a confusão se dá por completo.
Ada Pellegrini Grinover – São muito poucos hoje os países presidencialistas com o nosso modelo. Os Estados Unidos têm um parlamento forte, não deixam o presidente fazer tudo o que quer. Aqui, se a presidente tivesse pedido autorização para o decreto, você acha que o Congresso não autorizava? Claro que autorizava. Foi bobagem dela.

ConJur – E a pena para isso é o impeachment?
Ada Pellegrini Grinover – Não deveria ser. Agora, não é possível que uma só pessoa chefie todos os ministérios, a burocracia. Como pode um presidente da República ser chefe da burocracia? A burocracia é uma questão técnica. Não são necessários tantos cargos em comissão, poderíamos manter só o estritamente essencial e aproveitar o pessoal de carreira. São muitos gastos sem planejamento. Estou voltando da China. Vocês não imaginam o que é a China hoje. Em dez anos eles refizeram cidades inteiras. Beijing foi refeita. Eu conheci Beijing antes. Eram cortiços. Não sei quantas pessoas moravam num pequeno apartamento, com um banheiro comum, uma cozinha comum. Hoje não tem cortiço, não tem favela. Também fui para o interior da China e vi que todo mundo mora dignamente. Nós temos que importar um tirano. (risos) Não vou dizer um ditador porque é feio, mas um tirano provisório por 20 anos, fazer uma seleção entre os chineses.

ConJur – Vinte anos de provisório?
Ada Pellegrini – Ué, a nossa ditadura não durou isso? Quer dez anos? Em dez eles conseguem fazer tudo. É impressionante. Fizeram cidades novas! Eu não sei se pegaram aquelas pessoas e esconderam em um canto da China, mas andei pelo interior e vi pescadores, agricultores, todos com casas dignas. Não tem favela, não tem cortiço. Aqui não se planeja nada, não temos ferrovia. Queriam fazer e pararam no meio do caminho. O Minha Casa Minha Vida resolve a situação de quantas pessoas? Não tem planejamento, mas tem corrupção. É endêmica a corrupção nesse país.

ConJur – O sistema de financiamento de campanha é uma das razões para a corrupção no país?
Ada Pellegrini Grinover – Sem dúvidas, esse é um dos pontos. Quem financia uma campanha está esperando algum benefício como retorno, evidentemente. Mas, também, quem vai financiar as campanhas? Nós? Não há controle, não há fiscalização. Deixar à beira da falência uma empresa como a Petrobras, só com muito esforço.

ConJur – O Executivo está em crise, o Legislativo é omisso em relação às políticas públicas e o Supremo é obrigado a caminhar sobre ovos...
Ada Pellegrini Grinover – Caminhar sobre ovos? O Supremo tomou conta de tudo! Ele determina como que tem que ser o impeachment, determina se é válido ou não é válido...

ConJur – Mas não é um terreno perigoso? Como a senhora vê esse protagonismo do Judiciário?
Ada Pellegrini Grinover – Hoje o Judiciário é um elemento de equilíbrio entre os demais poderes. Até pelo fato de que os demais poderes são majoritários e o Judiciário tem mais propensão para julgar direitos de minorias, não é a vontade da maioria. Além de ser um fator de equilíbrio, o Judiciário tem tarefas que foram abertas com a Constituição de 1988. Naqueles princípios do artigo 3º da Constituição, os princípios fundantes do Brasil, tem questões que apontam para uma democracia diferente, que nós chamamos de democracia constitucional, de direito, ou democracia participativa, o desenvolvimento social. E no desenvolvimento social todos os poderes têm responsabilidades. Então, não adianta achar que o Judiciário não pode fazer o controle de políticas públicas. Pode e deve. Primeiro porque as políticas públicas estão inseridas no respeito à Constituição, portanto tem um controle de constitucionalidade. Segundo porque se os outros poderes se omitem, o Judiciário que é o poder de controle a posteriori, tem que agir. Mas o Elival da Silva Ramos, procurador-geral do estado de São Paulo, diz que o juiz não pode ser ativo.

ConJur – O ativismo judicial é muito criticado por ele.
Ada Pellegrini Grinover – Mas é uma loucura! O juiz atual tem que ser ativo, sim! Claro que tem que ter limites, que são a razoabilidade, a motivação, não pode se substituir ao administrador. Mas o juiz tem que ser ativo porque o Judiciário é protagonista do Estado de Direito. Ele é construtor do Estado de Direito e, se os outros poderes se omitem como acontece muitas vezes com as políticas públicas porque a administração não faz o que deveria fazer, a posteriori o juiz tem que intervir. O Judiciário está assumindo esse papel por omissão dos outros poderes. Por que foi o Supremo que teve que decidir sobre o aborto de fetos anencéfalos quando tinha 20 projetos de lei no Congresso dizendo a mesma coisa? Mas eles se divertem mais fazendo comissão parlamentar de inquérito ou fazendo o processo do impeachment... Então, a Justiça ocupa o espaço. E hoje a configuração do Judiciário é completamente diferente. O seu papel, a sua função é diferente.

ConJur – O que mudou?
Ada Pellegrini Grinover – Acabei de entregar à editora um livrinho de dez ensaios que vai se chamar Ensaio sobre a Processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do processo, em que digo todas essas coisas que parece que ninguém tem muita coragem de dizer. Por exemplo, sobre a jurisprudência. A jurisprudência hoje tem uma função criadora. Não adianta dizer que é só interpretação. Primeiro eram as súmulas, aí veio a eficácia vinculante das ações constitucionais, agora veio a eficácia vinculante de julgados e de precedentes no Código de Processo Civil. Tudo está mudando. Agora reconheceram que a arbitragem é jurisdição. Está na nova lei [Lei 13.129/2015]. Foi uma luta. Diziam que não é jurisdição porque nasce de um pacto privado. E por que a justiça conciliativa não é jurisdicional? Mediação e conciliação judiciais não visam também o acesso à Justiça? Por que se fala tanto em acesso à Justiça e nunca se ligou o acesso à Justiça ao conceito novo de jurisdição?

ConJur – Essa via de auto composição é o futuro?
Ada Pellegrini Grinover – Há muita resistência. A Justiça não está fazendo audiência de conciliação porque diz que não tem mediadores e conciliadores. Então, é cultural. O juiz está acostumado ao processo contencioso e o advogado está tomando pé da arbitragem.

ConJur – Esta é a pior crise pela qual o país já passou?
Ada Pellegrini Grinover – Das crises que assisti desde que cheguei ao Brasil, em 1951, sim. Teve a crise do Getulismo, sem dúvida nenhuma, teve a crise do Jânio, mas não afetou tudo tão profundamente. É impressionante como tudo está parado. Nós tínhamos um nível de desemprego razoável, não era dos mais altos, agora está lá em cima. A renda das pessoas tem caído, assim como a confiança no país. Eu esperava que [o presidente interino Michel] Temer pudesse pelo menos inspirar mais confiança, mas não é o que está acontecendo. Ele ainda não conseguiu injetar segurança e esperança no país.

ConJur – É difícil passar segurança depois da queda de três ministros.
Ada Pellegrini Grinover – E sob suspeita de corrupção.

ConJur – Essa visão que temos hoje de que a corrupção está alastrada em todos os espaços do governo faz com que as pessoas queiram leis mais pesadas, uma Justiça mais dura. É uma solução para o problema?
Ada Pellegrini Grinover – A sociedade quer a pena de morte. Se fizermos uma pesquisa de opinião, é certo que as pessoas vão querer pena de morte, o que não adianta nada. Aumentar a punição também não adianta. Hoje tudo virou crime hediondo.

ConJur – E até o Supremo já admite a execução da pena antes do trânsito em julgado.
Ada Pellegrini Grinover – Fez muito bem.

ConJur – Fez bem?
Ada Pellegrini Grinover – Muito bem. A lei deve ser aplicada de acordo com as mudanças da realidade. No momento em que a Constituição de 1988 foi promulgada, ela precisava ser libertária, garantista – até exagerou neste ponto, porque criou tantos direitos que tudo foi constitucionalizado e pode ir para o Supremo. A situação era outra quando se interpretou como presunção de inocência a não possibilidade de prisão depois da sentença. Os processos penais não duravam tanto tempo, a criminalidade era outra. Não era a criminalidade econômica, mas a do ladrão de galinhas, do assassino passional.

ConJur – A criminalidade econômica não acontecia ou não era conhecida?
Ada Pellegrini Grinover – Eu acho que sempre aconteceu, desde a República. Quando Rui Barbosa, na Primeira República, foi ministro da Fazenda, dizem que já naquela época começou a corrupção. Não tenho esse fato comprovado, mas dizem que por ordem dele foi autorizada a importação de não sei quantos milhares de bidês da França. E foi aí que começou a nossa dívida externa. Então, acredito que crimes econômicos sempre existiram, só que agora temos mais transparência.

ConJur – Na época da Assembleia Constituinte, o crime econômico era mais às escuras? A Constituição de 88 não foi editada para uma realidade de combate ao crime econômico?
Ada Pellegrini Grinover – Não, não se estava combatendo o crime econômico. Fui advogada criminalista em um tempo que o crime econômico nem existia. Nunca vi crime organizado, máfia, organização criminosa, empreiteiras que fraudavam. Pode ser que sempre tenham fraudado, mas não tinha transparência nenhuma. A criminalidade era outra, a sociedade era outra, o tempo dos processos era outro. Hoje em dia, uma reclamação para o STF leva três anos para ser julgada. Então, como você vai esperar o trânsito em julgado para colocar alguém na cadeia? A realidade social mudou e, com isso, é preciso interpretá-la de acordo com a situação atual, e não de acordo com o que o legislador queria naquela época.

ConJur – A vontade do legislador já foi uma forma de interpretar a Constituição, não é?
Ada Pellegrini Grinover – Mas isso está completamente superado. As cláusulas pétreas! Uma Constituição pode ter cláusulas pétreas? Uma nova Constituição não pode dizer outra coisa? Mas voltando à decisão do STF sobre a execução da pena, trata-se de uma interpretação evolutiva. Leia Eros Grau, leia Luís Roberto Barroso sobre isso. O relator [ministro Teori Zavascki] fundamenta a decisão sobretudo no Direito Comparado, porque isso não existe em legislação nenhuma, e no princípio da proporcionalidade de um bem em relação a outro.

ConJur – Mas a norma não fala trânsito em julgado?
Ada Pellegrini Grinover – Fala.

ConJur – E isso não foi atropelar uma previsão constitucional?
Ada Pellegrini Grinover – Mas a norma não diz que é proibido prender até o trânsito em julgado. Diz que há presunção de inocência até o trânsito em julgado.

ConJur – Então o acusado pode ser preso mesmo que seja inocente?
Ada Pellegrini Grinover – Ele não pode ser preso em flagrante? Preso preventivamente? A Constituição nunca disse que não pode ser preso. Ela foi interpretada. Primeiro o Supremo entendeu que podia prender, depois vieram os garantistas, dizendo que não pode prender – eu mesma já sustentei essa tese. E agora mudou de novo a interpretação.

ConJur – A senhora sustentou essa tese quando tinha clientes presos?
Ada Pellegrini Grinover – Não. Defendi essa tese pouco tempo depois de a Constituição entrar em vigor e, naquela época, para mim, esse era o sentido. Mas hoje faço uma análise de jurisprudência evolutiva, de interpretação evolutiva. As situações mudam e você tem de interpretar a Constituição e as leis de acordo com a situação atual.

ConJur – E o processo precisa mudar? Ser mais curto, já que do jeito que ele está hoje demora muito para ser julgado?
Ada Pellegrini Grinover – São muitos os recursos, que estão previstos na Constituição, como o Recurso Especial, o Recurso Extraordinário. Está tudo na Constituição, não foi a lei processual que os previu. Aliás, estão fazendo um novo Código de Processo Penal que é péssimo.

ConJur – O que precisa mudar no Código de Processo Penal, na sua opinião?

Ada Pellegrini Grinover – Bom, a defesa deveria ter poderes para investigar, o que é permitido em vários países. As últimas reformas do CPP foram feitas pela comissão que eu presidi. Tem coisas que estão bem, como as medidas cautelares. Não sei se mantiveram no projeto que tramita no Congresso, mas é importante que tenha um juiz diferente para definir as medidas cautelares.

ConJur – Um juiz de instrução?
Ada Pellegrini Grinover – O juiz que determina as medidas cautelares não é aquele que vai julgar, porque aquele que determina as medidas cautelares já está com alguma ideia pré-concebida. Outra preocupação do CPP deve ser com o Habeas Corpus. Hoje, está sendo usado para tudo. A Defensoria Pública usa o HC para qualquer ato processual, não se recorre mais no processo penal. Os tribunais superiores estão atolados de Habeas Corpus, que parece ser hoje o único instrumento processual penal. Esse é o remédio que garante a liberdade, não é para trancar inquérito. A prisão preventiva também é uma questão importante no CPP, que precisa ser melhorada. Hoje prendem preventivamente e o acusado pode ficar lá pelo resto da vida. Há muitos casos em que a pessoa sequer é julgada. O sistema penal funciona muito mal. Tem também o fato de que o promotor não sabe mais acusar.

ConJur – Qual o problema da acusação?
Ada Pellegrini Grinover – O promotor se perde em minúcias que não têm a menor importância. Denúncias com 60, 80, 100 páginas que não dizem o que importa: qual é o fato imputado a cada um. Organização criminosa? Quem fez o que? É impressionante o número de denúncias de 100 páginas consideradas ineptas.

ConJur – E como resolver essa situação?
Ada Pellegrini Grinover – Essa é a parte mais delicada. Como acabar com a briga entre Ministério Público e Polícia? Quando presidi a comissão de reforma do CPP, não conseguimos aprovar essa parte da reforma, porque o Ministério Público queria tudo para si, a Polícia queria tudo para si e eles não conseguem trabalhar em conjunto. Agora o Supremo entendeu que o Ministério Público pode investigar, mas não estabeleceu nenhum critério para essa investigação, nem disse em quais casos, nem se é excepcional ou não. A influência do MP sobre um juiz é impressionante. É um absurdo o que acontece nas interceptações telefônicas, por exemplo.

ConJur – Por quê?
Ada Pellegrini Grinover – As autorizações não são fundamentadas, não têm prazo definido – o juiz vai prorrogando indefinidamente. Quando termina, o sigilo é levantado e a defesa é intimidade para falar sobre as interceptações, que são degravadas pela própria Polícia. Você não sabe como são degravadas nem se foram só as partes que interessaram para a acusação. A defesa teria que ouvir as gravações, mas como fazer isso se foram dois anos de interceptação e tem 30 dias para apresentar a defesa? É impossível. A Polícia não investiga mais, não sabe investigar! Começa com o grampo – e a lei diz que o grampo só é possível quando não há outra prova. Então, a defesa está prejudicada e a acusação está prejudicada por inépcia dos promotores que agora só querem saber de ação civil pública. Promotor não quer mais saber de acusação penal.

ConJur – Durante a operação satiagraha, que foi derrubada pela STJ em 2011, as interceptações telefônicas foram muito discutidas.
Ada Pellegrini Grinover – O STJ anulou o processo com base em um parecer meu.

ConJur – E o que a senhora argumentava em seu parecer?
Ada Pellegrini Grinover – Argumentei que houve um vício na investigação, porque não foi feita pelo órgão competente, que era a Polícia, mas pela Abin [Agência Brasileira de Inteligência]. Acho que contribuí para o decreto de prisão do delegado Protógenes Queiroz, o “grande herói da nação”. A operação foi uma arbitrariedade só. Não discuto o mérito, sou processualista, mas tem alguma coisa errada em uma investigação feita pela Abin a pedido da Telecom Itália.

ConJur – A senhora consideraria válidas como prova as gravações feitas pelo [o ex-presidente da Transpetro] Sérgio Machado com integrantes da cúpula do PMDB, onde discutiram a “lava jato”?
Ada Pellegrini Grinover – A gravação clandestina de conversa própria não tem regulamentação legal. Tem a construção da jurisprudência, que ainda é oscilante. Uma parte diz que segue o mesmo regime das interceptações e outros dizem que não, que se é de conversa própria pode utilizar como quiser. Não há regulamentação legislativa, então entendo que a gravação clandestina se sujeita ao mesmo regime da interceptação, que só pode ser utilizada sem autorização judicial se for em benefício próprio, não para acusar terceiros. Mas a jurisprudência ainda não está sólida.

ConJur – Ele está negociando um benefício, que é o benefício da delação premiada. Esse seria um benefício próprio válido?
Ada Pellegrini Grinover – Seria.

ConJur – A principal atividade do Ministério Público é denunciar. O que fazer para que esse trabalho seja bem feito?
Ada Pellegrini Grinover – Primeiro, o Ministério Público tem que descer do salto, esquecer essa história do promotor natural, onde cada um faz o que quer. Eles não têm de dar satisfação a ninguém, não têm de pedir autorização para nada, fazem as bobagens que quiserem. E eles só fazem cursos na Escola do Ministério Público, que são cursos dados em geral pelos próprios integrantes do MP. Então, não ouvem ninguém. É muito raro ter promotores em nossos cursos de mestrado e doutorado.

ConJur – A Constituição de 1988 deu poderes demais para o MP?
Ada Pellegrini Grinover – A Constituição deu poder para o Ministério Público, mas eles inventaram o princípio do promotor natural por conta própria. Esse princípio é um absurdo. Não pode existir uma instituição com tanto poder que não receba nenhuma orientação. De onde tiraram essa história de que podem fazer o que quiserem? Deve haver diretrizes, indicações do que é importante e do que não é importante. Um dos advogados que trabalha em parceria comigo me chama de “o terror do Ministério Público” (risos). Mas me dou muito bem com a maioria deles. Não são todos que trabalham assim.

ConJur – A senhora criticou denúncias de 100 páginas e consideradas ineptas. E como avalia petições enormes apresentadas pelos advogados?
Ada Pellegrini Grinover – Quando vejo petições iniciais de 100 páginas eu também digo: “Estão loucos?”. Petições com 50 preliminares, a maioria delas furadas. O advogado civil perde o foco, não sabe distinguir o que é importante do que não é, não sabe qual é o ponto fulcral. O juiz vai ler uma petição inicial de 150 páginas? Contestações de 300? A advocacia está mal. Tudo está mal: advocacia, Ministério Público, juízes, todas as carreiras jurídicas. Eu faço pareceres, tanto no processo civil como no processo penal, e também faço memorais, quando o caso está no tribunal. Um memorial tem de ser curto e grosso, não pode repetir o que você disse no recurso. De que adianta repetir o que está no recurso e entregar para o ministro ou para o desembargador? Tem que ser um resumo do resumo.

ConJur – Quantas páginas tem um memorial da senhora?
Ada Pellegrini Grinover – No máximo, seis páginas.

ConJur – E os seus pareceres?
Ada Pellegrini Grinover – Nos pareceres tenho que citar doutrina, então são maiores. Têm entre 30 e 40 páginas.

ConJur – Em média, quanto custa um parecer?
Ada Pellegrini Grinover – Um parecer no campo penal varia muito, porque tem o pobre coitado que não tem onde cair morto e está preso, e você faz quase de graça, e tem empresários. O meu preço é por volta de R$ 100 mil. No processo civil é por volta de R$ 120 mil. Dá muito trabalho fazer um parecer. Quando alguém me consulta sobre um parecer, eu aguardo toda a documentação chegar para formar a minha posição sobre o assunto. Eu primeiro examino e digo se acho viável ou não. O prestígio do parecerista está justamente nisso: trabalhar com teses em que ele acredita.

ConJur – A senhora disse que hoje o Supremo está menos garantista. O Judiciário em geral está menos garantista?
Ada Pellegrini Grinover – Acho que o problema é outro. Eu dou pareceres em processos, então não estou interessada nem no fato nem no direito material, e tenho encontrado nulidades flagrantes. E o que tribunal faz? Vai ver o crime. Se o crime é daqueles que eles [os juízes] não gostam, como tráfico, não reconhecem nulidade nenhuma, porque querem punir. Tenho sentido muito isso, encontrado vícios de incompetência. Saem pela tangente porque o crime é de tráfico.

ConJur – Tanto na segunda instância quanto no STJ, no Judiciário como um todo?
Ada Pellegrini Grinover – Principalmente no STJ. A 5ª Turma do STJ era considerada uma turma muito dura e a 6ª Turma era considerada mais garantista. Agora inverteu. Há um acirramento, um quase pré-julgamento em relação a determinados crimes. ConJur – É papel do Judiciário combater a corrupção?
Ada Pellegrini Grinover – Não, não é papel do Judiciário.

ConJur – É papel do Ministério Público?
Ada Pellegrini Grinover – O papel do Judiciário pode ser punir e do Ministério Público acusar, para que não aja impunidade. Mas o combate à corrupção é um problema de política criminal, não é nem do Ministério Público e nem do Judiciário. Não é papel deles. Aliás, quando o Judiciário se apega ao tipo de crime que ele acha pior para justificar o desrespeito ao devido processo legal, eu fico com raiva. Eles estão fazendo muito isso.

ConJur – A senhora acha que no processo da “lava jato” o devido processo legal tem sido atropelado em nome do combate à corrupção ou a um mal maior? Esse processo segue caminhos melhores do que a satiagraha?
Ada Pellegrini Grinover – Na satiagraha, a investigação estava toda errada. Na lava jato, o juiz é competente. Acontece que ele está com muitos processos. Ele virou o juiz universal anticorrupção. Desrespeita-se o foro, desrespeita-se o lugar do fato. “É corrupção? Vai para o [Sergio] Moro.” Não pode ser assim. Mas, para dizer a verdade, não conheço o processo a fundo.

ConJur – Essa ideia de mandar tudo para o juiz Sergio Moro pode gerar nulidade das condenações?
Ada Pellegrini Grinover – Pode, claro. Aliás, tem vários advogados que trabalham nesses casos que levantaram a incompetência. Está errado ele virar o juiz universal anticorrupção.

ConJur – Mas nada foi anulado. A senhora acredita que há a possibilidade de anulação?
Ada Pellegrini Grinover – Por incompetência territorial? A regra da competência está fixada na Constituição, que é onde se limita o princípio do juiz competente. O foro é determinado pela lei e a lei pode prever a uma série de coisas. Se se tratasse de justiça incompetente, aí seria um problema constitucional.

ConJur – No âmbito estadual e federal, por exemplo?
Ada Pellegrini Grinover – Sim. Conflito de competência entre a Justiça trabalhista e a comum, por exemplo.

ConJur – Isso geraria nulidade?

Ada Pellegrini Grinover – Até inexistência do processo. Mas se se trata de uma competência prevista na lei, a lei pode também expor a prorrogação, a prevenção, tudo o que quiser. Então, não sei porque estão mandando tudo para o juiz Sergio Moro. Acredito que seja pela prorrogação de competência. Para mim, não é o problema de juiz natural que torna inexistente ou nulo o processo.

ConJur – A senhora considera Sergio Moro um bom juiz?
Ada Pellegrini Grinover – Ele é um pouco precipitado. De vez em quando, pisa na bola, mas não é um mau juiz. Trabalha bem, só que às vezes se empolga, como todo jovem sob holofotes.

ConJur – Como na divulgação do telefonema da presidente Dilma [Rousseff] para [o ex-presidente] Lula?
Ada Pellegrini Grinover – Pois é, foi uma bobagem levantar o sigilo quando não havia provas do fato investigado. Pisou na bola. É difícil resistir quando se é jovem, com todos os holofotes em cima. Mas ele se penitenciou, pediu desculpas. Ele fez algumas bobagens, e essa não foi a única.

ConJur – Alguns advogados mais implicantes dizem que o juiz Sergio Moro é o novo Fausto De Sanctis.

Ada Pellegrini Grinover – Ah não! A sentença do juiz Fausto De Sanctis no caso da operação satiagraha foi uma loucura. Vocês lembram dessa sentença condenatória? As ilações que faz do comportamento extraprocessual de Daniel Dantas. Aquela sentença também tem mais de 300 páginas.

ConJur – A senhora falou sobre a forte influência do MP sobre o juiz nas interceptações. A razão dessa influência passa pelo duplo papel que o MP tem na Justiça, de fiscal da lei e de parte acusatória?
Ada Pellegrini Grinover – Não, não acho. Imagina na Itália, onde Ministério Público e juiz são intercambiáveis? Lá, quem faz um concurso para o Ministério Público pode ser juiz. Realmente, é muito sério. Mas aqui não, até porque são diferentes as funções que desempenha no processo penal e nos processos em que é fiscal da ordem pública. A questão é que o Ministério Público tem mais acesso ao juiz, fala no ouvido. E o advogado não tem esse contato direto.

ConJur – Porque na “lava lato” vemos que o Ministério Público age junto do juiz.

Ada Pellegrini Grinover – Esse é o perigo. A defesa se complica.

ConJur – O MP deveria fazer mais acordo na área penal?
Ada Pellegrini Grinover – Deveria! Diminuição da pena privativa de liberdade, escolha do procedimento, claro que deveria!

ConJur – E por que não faz? É uma cláusula pétrea da Constituição?
Ada Pellegrini Grinover – É. O devido processo legal diz que ninguém pode aceitar uma pena se não depois de um processo. Não se pode transigir em Processo Penal. Cláusula pétrea: ninguém pode aceitar uma pena sem o devido processo legal. Se eu sou denunciado por um crime com pena de 15 anos, na Itália posso fazer um acordo com o Ministério Público e aceitar uma pena de 7 anos. Aqui no Brasil, não.

ConJur – Seria um avanço conseguir fazer esses acordos?
Ada Pellegrini Grinover – Seria, lógico! Acho até que o princípio da oportunidade seria um passo adiante. Deixar de fingir que conseguimos investigar todos os crimes. A Polícia não leva adiante o inquérito, a prescrição vem de propósito. Seria bom que se deixasse escolher os crimes a punir.

ConJur – Temos chance a chegar a isso? Ou só daqui a 250 anos?
Ada Pellegrini Grinover – São coisas enraizadas na cultura. Dizem que não se pode permitir porque haverá ofensa ao princípio da obrigatoriedade. Mas não há ofensa quando o delegado está colocando na gaveta algumas investigações? Precisamos parar de fingir que existe o princípio da obrigatoriedade. Não existe. Poderíamos dar ao Ministério Público o poder de decidir se vale a pena ou não perseguir, com controles, claro.

ConJur – Os acordos de delação não conseguem, de certa forma, negociar a pena?
Ada Pellegrini Grinover – A delação é uma negociação. É uma redução da pena; mas não basta delatar, precisa comprovar que aquela delação levou à descoberta efetivamente de provas sólidas e depois o juiz é quem decide, quem aceita ou não a delação e pode diminuir a pena. Mas é uma forma, sim, de negociar.

ConJur – A senhora é a favor do maior uso de delações, como tem acontecido?
Ada Pellegrini Grinover – A delação é muito apropriada para os crimes econômicos, porque são muito difíceis de apurar.



Lilian Matsuura é repórter da revista Consultor Jurídico.

Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 12 de julho de 2016, 8h32

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