quarta-feira, 6 de abril de 2016

Vigilante que sofreu assaltos enquanto estava trabalhando será indenizado (06/0












Uma situação que tem se tornado cada vez mais comum nos dias de hoje e vem rendendo pedidos de indenização na Justiça do Trabalho é a do empregado que sofre violência enquanto está trabalhando, em decorrência de assaltos. Há quem entenda que o empregador não deve ser responsabilizado pelos danos sofridos nessas situações, uma vez que a Constituição da República prevê, em seu artigo 144, que a segurança pública é dever do Estado. Mas há quem argumente que esse mesmo dispositivo estabelece tratar-se de direito e responsabilidade de todos. Os que defendem a responsabilização do empregador por danos se amparam ainda no inciso XXII, do artigo 7º, da Constituição, que impõe ao patrão, no campo da saúde e segurança ocupacional, a obrigação de adotar a diligência necessária para evitar ou reduzir os riscos inerentes ao trabalho. Lembram que o empregador deve assumir os riscos da atividade econômica, sobretudo quando esta expõe o empregado a maior risco de sofrer violência.

No caso analisado pela juíza Ana Carolina Simões Silveira, na Vara do Trabalho de Diamantina, um vigilante patrimonial, que prestava serviços a uma universidade federal, pediu o pagamento de indenização por danos sofridos em dois assaltos. Após analisar as provas, a magistrada deu razão a ele e condenou a empregadora ao pagamento de R$5 mil por danos morais.

A ré não negou as ocorrências, limitando-se a sustentar que não poderia ser responsabilizada por se tratar de uma fatalidade cometida por terceiro. Afirmou que o empregado passou por curso de capacitação profissional com treinamento específico para o caso de assalto à mão armada e ponderou, por fim, que o risco de sofrer assalto é inerente à profissão de vigilante.

Mas a julgadora não acatou esses argumentos, chamando a atenção para a responsabilidade objetiva, aplicável ao caso: "Por exercer atividade de risco enquanto vigilante, faz jus à indenização por danos morais em consequência da violência e assalto sofridos no local de trabalho, sendo irrelevante que a empresa não tenha agido com culpa (do art. 927, parágrafo único do Código Civil)".

A magistrada pontuou que, apesar de a segurança pública ser dever do Estado, essa circunstância não exime o empregador de adotar as medidas necessárias a salvaguardar a integridade de seus empregados. Principalmente daqueles que, em razão do cargo ocupado, se expõem regularmente a situações de alto risco, caso do reclamante. No mais, constatou que a empresa não apresentou quaisquer documentos que demonstrassem a participação do reclamante em cursos ou treinamentos específicos para lidar com a situação vivenciada no dia do assalto.

Ainda que considerando dispensável a prova do dano moral, que se configuraria, no caso, pela própria situação de fato, a juíza baseou sua decisão em uma perícia médica. O laudo apontou que o reclamante apresentou danos psiquiátricos em decorrência da violência sofrida no desempenho do seu trabalho. O diagnóstico apontado foi o de "transtorno de stress pós-traumático", sendo a enfermidade classificada como doença ocupacional. "Inegável a existência de danos, bem como o nexo de causalidade, já que o fortuito ocorreu durante a prestação de serviços em decorrência das funções exercidas pelo reclamante", registrou na sentença.

Com base nos artigos 186 e 927, parágrafo único, do Código Civil, a magistrada condenou a reclamada ao pagamento da indenização por danos morais. A decisão foi posteriormente confirmada pelo TRT de Minas. Por outro lado, a Turma julgadora deu provimento ao recurso do reclamante para reconhecer a responsabilidade subsidiária da universidade pelo pagamento das parcelas deferidas na ação.
PJe: Processo nº 0010181-05.2014.5.03.0085. Sentença em: 04/05/2015

Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam
Fonte: trt3
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9ª Turma decide: aviso prévio proporcional pode ser integralmente trabalhado



O aviso prévio proporcional, regulamentado pela Lei 12.506/2011, é uma garantia prevista ao empregado, em caso de dispensa sem justa causa. Ele deve ser concedido na proporção de trinta dias aos empregados com até um ano de casa. A partir daí, serão acrescidos três dias a cada ano de serviço prestado à empresa, até o máximo de 60 dias, perfazendo um total de até 90 dias. Mas ele pode ser integralmente trabalhado?
A possibilidade de o empregador exigir que o empregado trabalhe por todo o período do aviso prévio proporcional tem sido alvo de controvérsias. A discussão é: será que o empregador, ao dispensar o empregado, pode exigir dele que cumpra integralmente o aviso prévio trabalhado, e não somente os primeiros 30 dias, indenizando os restantes?
A 9ª Turma do TRT de Minas, em voto da relatoria da juíza convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho, posicionou-se no sentido de ser irrelevante que o aviso seja trabalhado ou indenizado, já que a norma que o instituiu não faz qualquer ressalva a esse respeito. No caso analisado, um pizzaiolo, dispensado sem justa causa por uma empresa de organização de festas, após laborar por pouco mais de dois anos, cumpriu o aviso prévio proporcional de 36 dias, trabalhando por todo esse período. Inconformado, buscou na Justiça do Trabalho a nulidade do aviso prévio, argumentando que não estava obrigado a trabalhar nos dias do aviso acrescidos pela Lei 12.506/2011.
O juízo de 1º grau deu razão ao pizzaiolo, por considerar que o dispositivo legal que estabeleceu a proporcionalidade do aviso prévio teve por fim conferir um acréscimo pecuniário àquele que, por vários anos, tenha ofertado seus préstimos ao empregador. Na sua ótica, em se tratando de norma mais benéfica, não é razoável interpretá-la em desfavor do empregado, com a finalidade de exigir dele o trabalho nessas circunstâncias.
Mas a relatora do recurso da empregadora entendeu de forma diferente. Para a juíza convocada, a lei fala em concessão, e não em indenização. Portanto, não há qualquer irregularidade na concessão de aviso prévio proporcional de forma trabalhada. Assim, a empresa não é obrigada a indenizar o período, tratando-se apenas de uma faculdade que lhe é outorgada pela lei.
Acompanhando o entendimento da relatora, a Turma julgou favoravelmente o recurso apresentado pela empresa para, reconhecendo a validade do aviso prévio trabalhado por 36 dias, absolvê-la do pagamento de novo aviso prévio e respectivos reflexos em demais parcelas.
( 0002167-48.2014.5.03.0015 RO )

Fonte: TRT3

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Tribunal não pode limitar número de folhas enviadas eletronicamente




Se as leis que tratam do peticionamento eletrônico não impõem qualquer restrição quanto à quantidade de folhas ou páginas a serem enviadas eletronicamente, não cabe ao tribunal regional fixar tais delimitações. Assim, o tribunal que limita o número de páginas viola o princípio da ampla defesa.

Com esse entendimento a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou, por maioria, que houve cerceamento de defesa em sentença que indeferiu a contestação enviada eletronicamente por uma empresa em reclamação trabalhista ajuizada.

O juízo de primeiro grau recusou o documento de defesa porque o número de páginas ultrapassava o limite permitido pelo Sistema de Transmissão de Dados e Imagens (STDI), do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC). Para a maioria dos ministros, não há fundamento legal para esse tipo de restrição.

A empresa incluiu na contestação cópias dos cartões de ponto da ex-empregada para questionar pedido de horas extras. O documento foi lançado no sistema eletrônico na data da audiência inaugural, em maio de 2013, mas o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú (SC) detectou a falha somente em 29 de julho de 2014, quando foi informado de que as petições eletrônicas da empresa foram recusadas no mesmo dia em que foram enviadas.

A sentença, então, invalidou a prova por entender que a defesa não teve o cuidado necessário de verificar se o sistema recebeu efetivamente o documento, o que poderia ser feito pelo advogado no próprio sistema desde a ocorrência da falha. Conforme a decisão, o limite de 40 páginas para cada petição é de conhecimento público e está previsto no artigo 14 da Portaria 991 do TRT-SC.

No recurso ordinário, a empresa argumentou que a leis nacionais sobre informatização do processo judicial não estabelecem restrições nesse sentido. Sustentou ainda que entregou a prova logo após ter ciência do erro, o que só aconteceu depois de a seção de distribuição responder à consulta do juiz.

O TRT-12 manteve a invalidação, também sob a justificativa do descuido da empresa ao não conferir se o envio eletrônico se deu corretamente.

Segundo o TRT, o artigo 11, parágrafo 5º, da Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, prevê que os documentos cuja digitalização for tecnicamente inviável, inclusive por causa do grande volume, deverão ser apresentados fisicamente no prazo de dez dias a partir do envio de petição eletrônica comunicando o fato.

No TST, a relatora do recurso, ministra Maria Cristina Peduzzi, rejeitou o fundamento de que houve cerceamento de defesa. Para ela, não se trata de mera proibição de protocolo de petição que ultrapasse o número de páginas previsto, porque a defesa pode apresentar, em prazo posterior e em meio físico, os documentos eventualmente rejeitados.

"Considerando as possibilidades de ter ciência do problema pelo próprio sistema e de corrigir a falha no tempo permitido por lei, não há que se falar em cerceamento de defesa, mas sim em desídia do recorrente", afirmou.

Prevaleceu, no entanto, o voto divergente da ministra Dora Maria da Costa, para quem a decisão do TRT-12 violou o direito ao contraditório e à ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal). "As leis sobre a transmissão eletrônica de documentos (9.800/99 e 11.419/2006) não impõem limite quanto ao número de páginas que podem ser enviadas, e o intérprete delas está impedido de estabelecer tal limitação", concluiu.

Como a turma deu provimento ao recurso, os autos retornarão ao juízo de primeiro grau para que os cartões de ponto sejam considerados em nova sentença. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

RR-260-45.2013.5.12.0040


Revista Consultor Jurídico, 4 de abril de 2016, 12h43

Demandas ambientais relevantes estarão na pauta do STJ nesta semana




Nas sessões de julgamento marcadas para os dias 5 e 7 de abril, a Primeira e a Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisarão uma série de ações relacionadas ao meio ambiente. Entre os processos em pauta, destaca-se o caso de um grupo de agricultores do Estado do Paraná que afirma ter sofrido diversos prejuízos após a formação do lago artificial da Usina Binacional de Itaipu.

Devido às mudanças microclimáticas causadas pelo lago, os agricultores alegam que os imóveis localizados na margem do reservatório tiveram diminuição da capacidade de produção agrícola. As lavouras de soja, trigo e milho teriam sido afetadas pelo aumento de temperatura, com impactos, inclusive, na produção de sementes. 

Prescrição

Em primeira instância, o pedido dos autores foi considerado improcedente. A sentença registrou que houve prescrição do prazo de vinte anos para propor a ação de indenização. O lago de Itaipu foi formado em 1982, mas o processo foi apresentado apenas em 2004.

A prescrição, todavia, foi descartada no julgamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Os juízes federais de 2ª grau entenderam que o prazo para propor a ação teve início quando foram percebidos os danos ao cultivo, e não quando ocorreu o enchimento do lago de Itaipu.

O recurso que chega ao STJ será julgado pela Primeira Turma. A relatoria é do ministro Sérgio Kukina.

Preservação permanente

A Segunda Turma discutirá ação civil pública do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) e da prefeitura de Chapada dos Guimarães (MT) contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Na ação, o MPMT e a prefeitura alegam que a crescente especulação imobiliária e as demandas turísticas na Chapada dos Guimarães têm ameaçado o patrimônio natural da região. As partes alegam que o próprio Ibama construiu um centro de visitação dentro de área de preservação permanente, próximo a uma cachoeira, ameaçando as nascentes de rios no local.

A sentença condenou o Ibama a desfazer as edificações próximas à cachoeira e a recompor a vegetação natural da área protegida. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).

No STJ, o recurso especial do Ibama tem como relator o ministro Herman Benjamin. 

Mata Atlântica

Também na Segunda Turma, o ministro Herman Benjamin é o relator de recurso especial em ação civil pública na qual o Ministério Público Federal (MPF) buscou impedir empresa de construção civil de edificar em área de preservação ambiental permanente.

De acordo com o MPF, o empreendimento imobiliário da empresa invadiu área de preservação de Mata Atlântica em Marília (SP). O órgão ministerial alegou que, conforme a Lei 4.771/65 (código florestal, revogado posteriormente), a construção deveria ter respeitado o limite de 100 metros da área protegida, mas foi erguida a 30 metros da região de preservação.

Ainda na primeira instância, o MPF e a construtora firmaram termo de ajustamento de conduta (TAC), que foi homologado judicialmente. Entretanto, a União recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) para anular o acordo, por entender que ele fora realizado em descompasso com a legislação ambiental. O mesmo pedido foi firmado pelo Ibama na apelação.

Todavia, o TRF3 manteve o acordo homologado na primeira instância. O tribunal entendeu que os termos estabelecidos no TAC (recuperação de áreas degradadas e plantio de espécies nativas) eram aqueles que resolviam da melhor maneira a questão.

Tanto a União quanto o Ibama recorreram ao STJ.

RL
Destaques de hoje

NJ ESPECIAL: TRT-MG edita SÚMULA Nº 49 sobre terceirização de serviços de telemarketing por instituições bancárias





Em Sessão Ordinária realizada no dia 15/12//2015, o Tribunal Pleno do TRT de Minas, em cumprimento ao disposto no art. 896, parágrafo 3º, da CLT, e na Lei 13.015/2014, conheceu do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) suscitado pelo Ministro do TST José Roberto Freire Pimenta, nos autos do processo de nº TST-RR-2555-29.2014.5.03.0183. E, com base no entendimento majoritário de seus membros, determinou a edição de Súmula de jurisprudência uniforme de nº 49, que ficou com a seguinte redação:"TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇO DE "TELEMARKETING". INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ILICITUDE. RESPONSABILIDADE. I - O serviço de telemarketing prestado por empresa interposta configura terceirização ilícita, pois se insere na atividade-fim de instituição bancária (art. 17 da Lei n.4.595/64). I1 - Reconhecida a nulidade do contrato de trabalho firmado com a prestadora de serviços (arts. 9° da CLT e 942 do CC), forma-se o vínculo de emprego diretamente com o tomador, pessoa jurídica de direito privado, que responde pela quitação das verbas legais e normativas asseguradas aos seus empregados, com responsabilidade solidária da empresa prestadora. 111 - A terceirização dos serviços de telemarketing não gera vínculo empregatício com instituição bancária pertencente à Administração Pública Indireta, por força do disposto no art. 37, inciso 11 e § 2°, da Constituição Federal, remanescendo, contudo, sua responsabilidade subsidiária pela quitação das verbas legais e normativas asseguradas aos empregados da tomadora, integrantes da categoria dos bancários, em respeito ao princípio da isonomia".

Histórico do IUJ

Constatando a divergência dos posicionamentos adotados entre Turmas do TRT de Minas Gerais quanto à licitude ou ilicitude da contratação, por instituição bancária, de operador de telemarketing por meio de empresa interposta (terceirização de serviços) a implicar a natureza da responsabilidade no adimplemento dos direitos trabalhistas, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho José Roberto Freire Pimenta determinou a uniformização da jurisprudência envolvendo o tema.

Após ser instaurado, o IUJ foi distribuído à desembargadora Rosemary de Oliveira Pires, que remeteu os autos à Comissão de Jurisprudência para emissão de parecer.

O Ministério Público do Trabalho se manifestou pelo conhecimento do incidente, a fim de que o Tribunal "confira interpretação uniforme à matéria, na forma do verbete sugerido pela Comissão de Uniformização de Jurisprudência, no sentido da ilicitude da terceirização do serviço de telemarketing, por se tratar de atividade-fim das instituições bancárias, ensejando a nulidade do contrato e a responsabilização solidária do tomador, assegurando-se, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação do art. 9° da CLT, do art. 942 do Código Civil e da OJ 383 da SBDI-1 do TST".Teses divergentes: corrente majoritária

A primeira das duas correntes de entendimento sobre o tema existentes no TRT-MG, por sinal, maioritária no âmbito do Regional mineiro, entende pela ilicitude da terceirização, conforme seguintes fundamentos:

"O serviço de "telemarketing" insere-se na atividade-fim das instituições financeiras, porquanto contribui para a concretização da finalidade econômica empresarial ao se direcionar à prestação de informações e oferta de produtos e serviços do banco, tais como, cartão de crédito, título de capitalização, cheque especial e seguro de vida, o que conduz ao reconhecimento da ilicitude da terceirização. É cediço que o contrato de correspondente bancário é disciplinado pela Resolução n. 3.954/2011 do Banco Central do Brasil - BACEN. Essa norma, contudo, não pode lesar direitos e garantias previstos na Constituição Federal e na CLT, tampouco afastar a ilicitude da terceirização trabalhista, quando configurada. Trata-se de norma de caráter meramente administrativo, exarada por entidade que não detém competência para legislar sobre Direito do Trabalho (inciso I do art. 22 da CRl88) e que pode regular apenas as relações entre referida autarquia e instituição financeira. Logo, constatada a contratação fraudulenta, impõe-se a aplicação dos arts. 9° da CLT e 942 do CC. Por conseguinte, declara-se o vínculo empregatício diretamente com a tomadora de serviços, salvo quando pertencente à Administração Pública Indireta, por expressa vedação constitucional (inciso I e §2° do art. 37 da CR/88), e a incidência das normas disciplinadoras do labor bancário e demais benefícios previstos em instrumentos coletivos. Conquanto não seja possível formar-se vínculo de emprego com tomadora de serviço pertencente à Administração Pública, o trabalhador terceirizado faz jus às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas aos seus empregados - no exercício de função idêntica -, pelas quais ambas as contratantes responderão solidariamente. Aplicação do princípio constitucional da isonomia (OJ n. 383 da SBDI-I do TST) e do art. 12 da Lei n. 6.019/74, por analogia".

Como destacado pela desembargadora relatora do IUJ, dentre os adeptos dessa primeira corrente se verifica outra divergência interna, concernente à natureza da responsabilidade atribuída ao tomador de serviços integrante da Administração Púbica Indireta. O entendimento majoritário é favorável à aplicação da responsabilidade solidária, havendo também aqueles que responsabilizam de forma subsidiária, nos termos do item V da Súmula 331 do TST.

E, segundo apurado pela Comissão de Jurisprudência, essa primeira corrente está em harmonia com entendimento jurisprudencial da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que "a intermediação de mão de obra realizada por instituição bancária é vedada pelas normas de proteção ao trabalho, além de ultrapassar as hipóteses de terceirização admitidas na jurisprudência sedimentada pelo TST, notadamente nos incisos I, II e III da Súmula n. 331".

Ainda de acordo com a Comissão, cuja pesquisa foi corroborada pela relatora do IUJ, não foram encontrados acórdãos da Seção de Dissídios Individuais acerca da natureza solidária ou subsidiária da responsabilidade decorrente da terceirização ilícita praticada por ente da Administração Pública Indireta. Foram, porém, mencionadas decisões das Turmas do TST confirmando a responsabilidade subsidiária imputada a esses entes.Segunda corrente (minoritária)

Já para a segunda corrente, cuja tese é minoritária, não há ilicitude na terceirização em questão, com base em resolução do Banco Central. Confira o entendimento sintetizado pela Comissão de Jurisprudência:

"Inexiste ilicitude na terceirização de serviço de "telemarketing" contratado por instituição bancária, ainda que relacionado aos produtos que oferece, pois constitui faculdade que lhe é conferida pelo art. 8° da Resolução n. 3.954/2011 do Banco Central do Brasil - BACEN. Em outras palavras, o teleatendimento não representa atividade tipicamente bancária, ínsita à finalidade essencial dos bancos; portanto, é passível de ser terceirizada".

Nesse sentido, há entendimentos da 9ª Turma e alguns precedentes isolados na Turma Recursal de Juiz de Fora e 3ª e 4ª Turmas.Redação proposta e entendimento da relatora

A relatora ponderou que a terceirização dos serviços - figura contratual adotada pelas empresas para garantir sua sobrevivência frente ao mercado competitivo - não configura, por si só, prática ilegal. Ela está prevista nas hipóteses de trabalho temporário ou nos casos de contratação de serviços de vigilância, conservação e limpeza, bem como de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta, em sintonia com os termos da Súmula nº 331 do TST.

Contudo, frisou a relatora que a dissimulação de intermediação de mão de obra sob a forma de contrato de prestação de serviços que tenha por objeto a realização de tarefa que corresponda à atividade fim do tomador implica fraude aos princípios trabalhistas, já que provoca o perverso efeito de pulverizar os direitos dos trabalhadores e privilegiar o capital em detrimento do trabalho, em afronta ao disposto no artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal, que elege o valor social do trabalho como fundamento da República Federativa do Brasil. Dessa forma, na ótica da relatora, apenas em atividades paralelas ou de suporte da empresa tomadora a terceirização é admissível.

Nessa linha de pensamento, a relatora considera ilegal a terceirização feita por instituição bancária de parte de sua atividade-fim ¿ no caso, "telemarketing" - por meio de contrato com outra empresa, a qual figura no plano formal como empregadora do trabalhador que efetivamente presta serviços em favor do banco tomador.

"A par da ilegalidade dessa terceirização, tem-se que quando o tomador de serviços é ente integrante da Administração Pública Indireta não é possível a configuração do vínculo empregatício. por óbice expresso do inciso II e § 2° do art. 37 da Constituição Federal, embora mantida sua responsabilidade subsidiária, ao ver desta Relatora, sob igual fundamento e sempre garantida a isonomia, na forma do preceituado no art. 5°, caput, da Constituição Federal, bem como por aplicação analógica do art. 12, alínea "a", da Lei 6.019/74 e inteligência da OJ 383 da SOI-1 e do item V da Súmula 331 (na hipótese de responsabilidade subsidiária), ambos do C. TST. ", ressalvou a relatora, lembrando que, a respeito desse tema, já externou seu entendimento, inclusive em relação às mesmas partes que são recorrentes no acórdão que deu origem ao IUJ (Caixa Econômica Federal e Plansul - Planejamento e Consultoria Ltda.), conforme a seguinte ementa:

"EMENTA: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. ISONOMIA. A terceirização dos serviços, figura juridica importante e verdadeira necessidade de sobrevivência no mercado, traduz realidade inatacável e não evidencia prática ilegal, por si só. Entretanto, constitui fraude aos princípios norteadores do Direito do Trabalho a dissimulação de verdadeira intermediação de mão-de-obra. Assim é que a terceirização é admitida na contratação de empresa especializada em atividades paralelas ou de suporte, desde que não haja distorção em sua essência e finalidade, com a substituição dos empregados próprios por outros oriundos de empresa interposta. Identificada a í1ícitude do processo de terceirização, a teor do que dispõe a Súmula 331, I, do C. TST, o vínculo de emprego deveria ser diretamente reconhecido com a tomadora. Não obstante, tratando-se de empresa pública, sujeita ao art. 37, 11,da CF/88, tal liame não pode ser declarado, diante da ausência do concurso público. Contudo, fica assegurado o direito do empregado às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas previstas para os empregados da CEF, em razão do princípio da isonomia, preceituado no art. 5°, caput, da CF/88, bem como por aplicação analógica do art. 12, alínea "a", da Lei 6.019/74. Inteligência da OJ 383 da SDI-1 do C. TST". (TRT da 3a Região; Processo: 0002054-21.2014.5.03.0007.

Após tecer esses esclarecimentos acerca de seu posicionamento, analisando sugestões trazidas pela Comissão de Uniformização de Jurisprudência, a relatora fez pequeno reparo à proposta redacional em relação a um dos itens, que exemplificava as atividades relativas ao serviço de teleatendimento prestado à instituição bancária. Expressando respeito ao parecer, ela justificou que, na sua visão, a exemplificação, daria margens a questionamentos sobre sua adoção ao caso concreto, em razão da utilização de um critério de similitude com as tarefas enumeradas, restringindo, assim, as hipóteses nas quais caberia o verbete.

Nesses contornos, e conforme o entendimento majoritário do TRT-MG, a relatora formulou a sua proposta de redação para o IUJ, nos seguintes termos:"TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇO DE "TELEMARKETING". INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ILICITUDE. RESPONSABILIDADE.

I - O serviço de telemarketing prestado por empresa interposta configura terceirização ilícita, pois se insere na atividade-fim de instituição bancária (art. 17 da Lei n. 4.595/64).

11 - Reconhecida a nulidade do contrato de trabalho firmado com a prestadora de serviços (arts. 9° da CLT e 942 do CC), forma-se o vínculo de emprego diretamente com o tomador, pessoa jurídica de direito privado, que responde pela quitação das verbas legais e normativas asseguradas aos seus empregados, com responsabilidade solidária da empresa prestadora.

III - A terceirização dos serviços de telemarketing não gera vínculo empregatício com instituição bancária pertencente à Administração Pública Indireta, por força do disposto no art. 37, inciso II e § 2°, da Constituição Federal, remanescendo, contudo, sua responsabilidade subsidiária pela quitação das verbas legais e normativas asseguradas aos empregados da tomadora, integrantes da categoria dos bancários, em respeito ao princípio da isonomia".



A redação apresentada foi acolhida por maioria absoluta de votos.
(TRT- 02555-2014-183-03-00-9-IUJ. Acórdão em 15/12/2015) 


Notícias jurídicas anteriores sobre a matéria: 

Juiz reconhece vínculo entre trabalhadora terceirizada e instituição financeira (22/01/2016) 

Turma declara lícita terceirização de serviços de teleatendimento a clientes de cartões de crédito do Bradesco (12/01/2016) 

TRT reconhece vínculo de emprego entre empregada terceirizada e banco (24/11/2009) 





Fonte: TRT#

Juíza reconhece como discriminatória dispensa sem justa causa aplicada a vigilante que sofreu AVC






O princípio da igualdade, consagrado em nossa Constituição como um dos alicerces do regime democrático, nos informa que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Resultante direta desse princípio, a Lei 9.029/95 proíbe discriminação por motivo de sexo, origem, doença, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade para efeito de acesso ou manutenção da relação de emprego.

Sob esse fundamento, a juíza Sílvia Maria Mata Machado Baccarini, na titularidade da 1ª Vara do Trabalho de Passos, acolheu o pedido de indenização feito por um vigilante, por entender que a dispensa dele foi discriminatória. Após ser acometido de um sério acidente vascular cerebral isquêmico, que o levou a se afastar do serviço por cinco dias e comprometeu sua capacidade laborativa, o trabalhador retornou às atividades. Três dias depois, foi dispensado sem justa causa.

A juíza não teve dúvidas de que, embora o AVC não guarde nexo com as atividades laborais, trata-se de acidente sério, equiparado a doença grave, tanto que levou à incapacidade laborativa do empregado, conforme atestado depois em laudo médico pericial. Esclareceu a magistrada que, em se tratando de trabalhadores portadores de doenças graves, o motivo da dispensa deve ser comprovado pelo empregador, sob pena de caracterização de dispensa discriminatória. Conforme ponderou, entendimento diferente equivaleria a admitir o puro arbítrio e a ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da igualdade, previstos constitucionalmente como direitos fundamentais.

Na sentença, a julgadora frisou que a dispensa discriminatória vem sendo repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio e pela moderna jurisprudência, sendo rechaçada também na Convenção 111 da OIT e na declaração de Filadélfia. "A dispensa sem justa causa não é um direito potestativo e ilimitado. O limite é justamente o respeito à dignidade da pessoa humana - vetor axiológico de todo o ordenamento jurídico", expressou-se a magistrada, ponderando que cabe ao julgador se valer da prerrogativa prevista no artigo 8º da CLT para aplicar à situação os princípios gerais do Direito, destacando os princípios constitucionais que asseguram o direito à vida, ao trabalho e à dignidade da pessoa humana, além da previsão contida no artigo 7º, I, da CF/88, que veda a despedida arbitrária com conteúdo discriminatório.

Por essas razões, a juíza considerou a dispensa discriminatória e fixou a indenização por danos morais no valor de R$12.000,00. Ela deferiu ainda o recebimento, em dobro, das remunerações correspondentes ao período entre o dia seguinte ao da dispensa e a data de ajuizamento da ação, com atualização monetária, com base no artigo 4º, inciso II, da Lei 9.029/95. Da decisão ainda cabe recurso.
Processo nº 00369-2015-070-03-00-1. Data de publicação da decisão: 26/02/2016
Fonte: TRT3

quarta-feira, 30 de março de 2016

Teoria do Diálogo das Fontes é uma das chaves que destranca novo CPC





O novo Código de Processo Civil tem como marco inicial de vigência o dia 18 de março de 2016. O Código Buzaid pautou as relações processuais no Brasil por mais de 40 anos. Ainda que o novo CPC não represente uma revolução processual, é inegável que sua entrada em vigor, revogando a lei anterior por completo, tem significativo impacto no Processo Civil brasileiro.

Em verdade, aquele impacto produz ondas concêntricas que findam por atingir, em maior ou menor grau, diversas leis e relações jurídicas que gravitam em torno do novo CPC. O novo código, não bastasse tratar-se de norma geral em processo civil, deixa às claras sua natureza central em relação às outras leis, ainda que representem microssistemas. É o quanto se extrai já do artigo 1º, combinado com o artigo 15, daquele diploma.

Certamente haverá bastantes discussões sobre diversas inovações trazidas pelo novo CPC; mas um aspecto em particular merece especial atenção, quando se tem em conta as leis protetivas: em que medida o novo CPC se lhes aplica?

Para efeito destas linhas, considera-se lei protetiva aquela que apresenta claro e inegável objetivo de destacar determinado feixe de relações jurídicas das demais, atribuindo-lhe caráter especial, e equipando-a de normas que lhe conferem tratamento distinto (mais benéfico, célere e efetivo) do que as relações jurídicas por ela não abrangidas. Aquelas leis não estabelecem privilégios, algo ademais incompatível com a ordem constitucional[1], mas, sim, refletem determinações constitucionais, dando-lhes o aparato instrumental para serem exigidas, quando for o caso, em juízo.

Assim é que a Carta, ao consignar em seu magno texto os deveres fundamentais de pagar tributos ou de cuidar das crianças, exige da legislação processual normas que façam valer aqueles deveres. O mesmo se dá em relação à proteção do consumidor e do trabalhador. Não por outra razão, a Lei de Execução Fiscal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código do Consumidor e a CLT engendram microssistemas que buscam efetivar comandos constitucionais. São, como se diz na práxis forense, leis especiais. Todavia, sua “especialidade", não decorre apenas de estarem veiculadas em Leis outras que não a lei geral; é o background constitucional que lhes empresta a distinção que possuem.

Diante de um tal grau de incertezas, gerado pela multiplicidade de fontes normativas (no que pertine a este artigo, a incidência de um norma geral posterior sobre normas especiais anteriores), é de se indagar se continuam válidos os tradicionais princípios utilizados pelo Direito para solucionar aparentes antinomias. Segundo vetustos brocardos, lex specialis derogat legi generali, ao passo que lex posterior derogat lex priori. Ou ainda, lex posterior generalis non derogat priori speciali[2].

As soluções apresentadas, já clássicas, não atendem satisfatoriamente casos em que a lei geral incide — e, por vezes, aparenta se impor — sobre a lei especial protetiva. Com efeito, a questão central aqui não se resume a derrogar ou não trechos de determinada lei anterior. A preocupação do intérprete, tendo em vista os fundamentos constitucionais da lei especial protetiva anterior à lei geral, é preservar a ratio legis da lei especial anterior aplicando-se a lei geral posterior.

Muitas vezes é possível fazer o texto legal evoluir de forma a abarcar situações novas, não previstas ou ignoradas anteriormente. Não foi necessária qualquer alteração legislativa para que o conceito de obrigação, embora já constasse do centenário Código Bevilácqua, fosse aplicado aos contratos virtuais. Outras vezes, mormente nas searas do Direito em que se veda a analogia[3], faz-se mister edição de lei que revogue ou modifique lei anterior, adequando seus termos às situações presentes.

Seguindo à risca o quanto disposto na LIDB[4], nada do que dispõe o novo CPC pode ser aplicado às leis especiais, por não derrogá-las. A problemática se impõe quando a nova lei geral é mais moderna e efetiva que a lei especial anterior, caso em que o aspecto protetivo da lei reclamaria a aplicação da norma que melhor atendesse ao fundamento constitucional da lei protetiva.

Para equacionar a complexa questão, a doutrina se tem valido da teoria do Diálogo das Fontes. É consenso que, por ocasião da entrada em vigor do Código Reale, em 2002, Cláudia Lima Marques difundiu no país aquela teoria. Sendo o CDC uma lei de 1990, havia dispositivos do novel Código Civil que estavam mais adequados à proteção do consumidor do que a própria lei consumerista. Sobre o tema, assim já se pronunciou a ilustre doutrinadora:

Na pluralidade de leis ou fontes, existentes ou coexistentes no mesmo ordenamento jurídico, ao mesmo tempo, que possuem campos de aplicação ora coincidentes ora não coincidentes, os critérios tradicionais da solução dos conflitos de leis no tempo (Direito Intertemporal) encontram seus limites. Isto ocorre porque pressupõe a retirada de uma das leis (a anterior, a geral e a de hierarquia inferior) do sistema, daí propor Erik Jayme o caminho do "diálogo das fontes", para a superação das eventuais antinomias aparentes existentes entre o CDC e o CC/2002.[5]

Deveras, com o advento do novo CPC e as implicações dele decorrentes, são ainda mais atuais as palavras do mestre Erik Jayme:

Dès lors que l’on évoque la communication en droit international privé, le phénomène le plus important est le fait que la solution des conflits de lois émerge comme résultat d’un dialogue entre les sources les plus hétérogènes. Les droit des l’homme, les constitutions, les conventions internationales, les système nationaux: toutes ces sources ne se s'excluent pas mutuellement; elles “parlent" une à l’autre. Les juges son tenus de coordoner ces sources en écoutant ce qu’elles disent.[6]

Corroborando as palavras acima, o insigne professor Flávio Tartuce, assevera que “a teoria do diálogo das fontes surge para substituir e superar os critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas (hierárquico, especialidade e cronológico). Realmente, esse será o seu papel no futuro”[7].

Ainda em 2007 o CPC anterior sofreu uma microrreforma que impactou os processos de execução fiscal. A PGFN, por meio de excelente Parecer da lavra do doutor Paulo Mendes de Oliveira[8], examinou a questão e trouxe os seguintes ensinamentos:

94. Desta forma, existindo uma legislação especial que foi editada com a finalidade maior de conferir um tratamento mais benéfico para certas categorias, não é razoável que uma alteração na lei geral, aplicável a todas as demais pessoas, que venha a conferir um tratamento ainda mais benéfico do que aquele previsto na lei especial, não derrogue os ditames dessa. Sim, pois, se a lei especial foi introduzida no Ordenamento com o escopo de conferir um tratamento privilegiado a certa categoria, o fato de não ter sido atualizada em consonância com as normas gerais, não pode implicar um tratamento pior, mais prejudicial, àquele quem o legislador pretendeu privilegiar.

95. Estaríamos diante de uma insuportável contradição, admitir a idéia de que o legislador especializou o tratamento de certa categoria para beneficiá-la e, pela sua inação em alterar também a lei especial, editou regramentos ainda mais benéficos na regulação geral. Ora, quem deveria ser privilegiado acabaria sendo prejudicado com a evolução da lei geral.

96. Pois bem. Diante dessa linha de idéias, a regra segundo a qual a lei especial jamais será derrogada pela lei geral deve sofrer alguns temperamentos.

Em meu livro Lei de Execução Fiscal Comentada e Anotada[9], tive a oportunidade de assim me manifestar:

Eis o ponto central: o microssistema de execução fiscal existe para cumprir as finalidades acima já declinadas. Trata-se de procedimento voltado à recuperação do crédito do público, à promoção da justiça fiscal e do equilíbrio concorrencial. Seria ilógico que os créditos fiscais, todos eles cercados de garantias e privilégios, tivessem tratamento processual menos efetivo do que os créditos comuns. Por isso, faz-se necessário constante esforço interpretativo para integralizar o procedimento previsto na LEF, adequando-o a legislações mais modernas, ainda de caráter geral, como o é o CPC, ou reservadas a matérias especificas, como é o caso da lei 9.494/1997, art. 1º - D.

É importante registrar que a Teoria do Diálogo das Fontes não se limita às elucubrações doutrinárias. Seu uso já é bastante comum nas diversas cortes do país, e mesmo o Superior Tribunal de Justiça, em pelo menos duas oportunidades, já lastreou suas decisões, em sede de recurso repetitivo, na Teoria do Diálogo das Fontes. Não por acaso ambos os Acórdãos tratam da LEF. Há mais de três décadas editada, a Lei 6.830 não acompanhou as relevantes alterações processuais ocorridas ao longo dos anos: tornou-se, em muitos aspectos, obsoleta ao ponto de a recuperação do crédito comum, restar mais bem eficiente do que a busca pelo adimplemento do crédito público.

Duas decisões do STJ são extremamente significativas, pois aplicam as reformas do anterior CPC à LEF. Noutro giro: aplicou-se a lei geral posterior à lei especial anterior, visando a atender às finalidades desta:

a) Decisão aplicando a regra geral do CPC sobre a ausência de efeito suspensivo nos embargos à execução fiscal.[10]

b) Decisão reconhecendo a penhora on line, prevista na norma geral do CPC, às execuções fiscais.[11]

Como se vê, a Teoria do Diálogo das Fontes está consolidada no STJ, não restando dúvidas que será uma das balizas que guiará a Corte Especial nos casos que haverá de apreciar em relação ao novo CPC, sobretudo quando em aparente conflito com as leis especiais protetivas, cuja finalidade principal é a de proteger um conjunto de relações jurídicas, disciplinando-as e produzindo as ferramentas processuais adequadas a sua proteção. Remarque-se não se tratar de institucionalização de privilégios, já que aquele tipo de lei responde diretamente a um comando constitucional.

Além dos exemplos já mencionados, a Lei do Mandado de Segurança e a Lei da Ação Civil Pública se encaixam perfeitamente naquele perfil. Ambas se referem diretamente a garantias constitucionais, razão pela qual não se lhes aplica simplesmente o procedimento processual comum.

Como o novo CPC é lei recém-editada, não impressiona que contenha diversos dispositivos mais modernos do que as leis especiais protetivas que lhe antecedem. Como primeiro exemplo, veja-se que a Nova Tábua Processual determina ordem cronológica de julgamento dos processos na primeira instância e nos tribunais, segundo o artigo 12.

A teor do inciso VIII do artigo 12, os processos criminais não se submetem à ordem cronológica para julgamento. A intenção óbvia é preservar as peculiaridades de cada caso, tendo em conta fatores relevantes, como a supressão da liberdade: há processos em que o réu responde em liberdade, mas, em outros, está encarcerado. Ora, se para adultos a regra geral exclui o julgamento por ordem cronológica, com mais razão deverá fazê-lo em relação aos atos infracionais, previstos no ECA.

Um segundo exemplo vem do confronto do novo CPC com a LEF. Observe-se que a fiança bancária, para substituição de penhora, ocorre “desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento” — artigo 835, §2º. Já as condições para aceitação da fiança como garantia da execução fiscal estão previstas no artigo 7º, II, da LEF, que foi recentemente alterado, embora antes do novo CPC.

O ponto que merece destaque é o requisito mais severo imposto pelo novo CPC para aceitação da carta de fiança: não basta a apresentação de fiança no valor do débito, mas àquele montante deve ser acrescido 30% do valor total.

Embora a LEF nada mencione a respeito, conforme a teoria do diálogo das fontes, não faz sentido deixar de aplicar a norma à LEF. E por que não valeria, aqui, a máxima lex specialis derrogat lex generalis? A resposta é simples. O microssistema de execução fiscal tem como matriz condutora a finalidade específica da execução fiscal: recuperar o crédito do público. Exatamente por ser uma lei reservada à cobrança de um crédito especial (porque pertencente ao público) não faz qualquer sentido que uma lei geral, como é o novo CPC, seja mais benéfico ao credor comum do que a LEF.[12]

Como norma procedimental, a LEF recebe influxo direto do novo CPC. Muitos são os casos em que, por meio do recurso à Teoria do Diálogo das Fontes, ora o novo CPC prevalecerá sobre a LEF, como no caso da aceitação das cartas de fiança; ora se dará o inverso, cujo exemplo maior é a não aplicação, aos executivos fiscais, do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, previstos nos Artigos 133-137 do novo CPC[13].

Assim, a Teoria do Diálogo das Fontes funciona como critério para interpretação do novo CPC, diante de aparentes antinomias existentes entre a nova legislação, de cunho geral, e as leis específicas protetivas. O Diálogo das Fontes é uma das chaves que destranca o código Novel Codex, ampliando seus horizontes de aplicação e atualizando, sem revogar, as leis especiais protetivas.



[1] Observe-se que o já citado Art. 1o dá como parâmetro interpretativo do NCPC a Constituição Federal.


[2] No vernáculo, em tradução quase literal, o Art, 2º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, novo nome dado à LICC, Decreto-Lei 4.657/42: “§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”.


[3] Como sói ocorrer com o Direito Penal e o Direito Tributário.


[4] Cf. o já citado art. 2º, §2º do Decreto-Lei 4.657/1942.


[5] MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelo Diálogo das Fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, Aracaju, SE, v. 7, p. 15-54, 2004.


[6] JAYME, Erik. Cours général de droit international privé, p. 259. in Collected Courses of Hague Academy of Internatioal Law. 1995. Tome 251de la collection. Martinus Nijhoff Publishers. USA.


[7] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 66.


[8] PGFN. Parecer n. 1737/2007. Disponível emhttp://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres/resource/17322007. Acessado em 20/02/2015


[9] MOURA, Arthur. Lei de Execução Fiscal Comentada e Anotada. 1ª ed. Editora Jus Podivm. Salvador, 2015.


[10] STJ. REsp 1272827


[11] STJ.REsp 1184765


[12] Ob. cit.


[13] A propósito, fui um dos primeiros a abordar o tema sob aquela perspectiva. Já recentemente, a jurisprudência vem ao encontro do que defendo em meu livro sobre execução fiscal:

ENUNCIADO APROVADOS PELA ENFAM:“53) O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015.”

ENUNCIADO FOREXEC:“6. A responsabilidade tributária regulada no art. 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no art. 133 do CPC/2015”


Arthur Cesar de Moura Pereira é procurador da Fazenda Nacional, especialista em Direito Tributário e em Gestão Tributária, professor e escritor. Autor de Lei de Execução Fiscal Comentada e Anotada, publicada pela Jus Podivm.



Revista Consultor Jurídico, 29 de março de 2016, 9h30

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