terça-feira, 10 de março de 2015

T-MG rejeita aplicação de litigância de má-fé a trabalhador que ajuizou ação na cidade onde mora e não onde prestou serviços




O trabalhador reconheceu que, quando foi contratado e trabalhou para o frigorífico reclamado, residia em Santa Luzia. Mesmo assim, ajuizou sua reclamação trabalhista na cidade de Montes Claros, atual domicílio. Com base no artigo 651 da CLT, que prevê que o empregado deve apresentar reclamatória no Juízo da localidade onde presta ou prestou serviços, a juíza da 3ª Vara do Trabalho de Montes Claros entendeu que a Vara do Trabalho competente para julgar o caso seria a de Santa Luzia. Assim, acolheu a alegação de incompetência em razão do lugar, arguida pela ré.

Mas a ex-empregadora queria mais: que o reclamante fosse condenado por litigância de má-fé e que pagasse uma indenização por danos materiais, considerando os gastos com deslocamento de advogado e representante para Montes Claros. Os pedidos, formulados por meio de reconvenção, foram negados em 1º Grau. E a decisão foi mantida pela 5ª Turma de TRT de Minas, ao julgar o recurso apresentado pela ré.

Na visão do relator, juiz convocado Vítor Salino de Moura Eça, o reclamante apenas exerceu seu direito de acesso à Justiça, sem qualquer comprovação de abuso de direito. "A litigância de má-fé é caracterizada quando evidente a malícia ou a certeza de erro ou de fraude no ato praticado pela parte, quando esta procede de modo temerário em qualquer ato do processo ou provoca incidente manifestamente infundado, dentre outras práticas processuais legalmente previstas" , explicou no voto.

Para ele, o trabalhador não praticou qualquer ato que pudesse ser caracterizado como litigância de má-fé, nos termos do artigo 17 do CPC. Mesmo porque, conforme lembrado, a competência em razão do lugar é relativa e só pode ser acolhida quando levantada e comprovada pela parte contrária. Ponderou ainda o magistrado que a escolha do foro de domicílio do trabalhador se deu também por razões relacionadas à hipossuficiência jurídica e econômica dele, ou seja, por se tratar da parte mais fraca da relação e desprovida de recursos.

Não foi identificada qualquer intenção do trabalhador de dificultar a defesa, ficando claro para o juiz convocado que ele ajuizou a ação em Montes Claros simplesmente por ter se mudado de Santa Luzia. Situação esta que ocorreu também em razão do trabalho. O relator lembrou que em diversos sistemas processuais do trabalho o ajuizamento no domicílio do trabalhador é usual. E ponderou: "Talvez seja o caso até de urgente revisão legislativa, nestes tempos em que o deslocamento profissional tem se tornado rotineiro, em virtude dos atuais meios de comunicação".

Com esses fundamentos, a Turma de julgadores rejeitou os pedidos da reclamada, inclusive quanto à indenização por dano material, por ausência dos requisitos da responsabilidade civil, previstos nos artigos 186 e 927 do Código Civil.


Fonte: TRT3

União e Rio de Janeiro terão de indenizar hemofílicos contaminados em transfusão



Em decisão unânime, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a responsabilidade da União e do estado do Rio de Janeiro em ação movida por quatro pessoas portadoras dos vírus HIV e da hepatite C, adquiridos em transfusões sanguíneas para tratamento de hemofilia.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) condenou os dois entes federativos a pagar indenização de R$ 465 mil para cada um dos pacientes. Contra a decisão, a União e o Rio de Janeiro interpuseram recursos no STJ.

Alegaram incidência da prescrição quinquenal, pois a contaminação ocorreu na década de 1980 e a ação foi ajuizada só em 2005, e valor excessivo da indenização. Também sustentaram, cada qual em seu recurso, que não seriam parte legítima para responder à ação. Para a União, caberia ao estado a verificação da qualidade do sangue. Já para o estado, essa competência seria da União, de acordo com a Lei 4.701/65 (revogada posteriormente pela Lei 10.205/01).

Acórdão mantido

Nenhum dos argumentos convenceu o relator, ministro Humberto Martins. Em relação à prescrição, ele destacou que o STJ firmou entendimento de que o prazo quinquenal, nesses casos, inicia-se na data em que se torna conhecido o resultado do exame laboratorial que comprovou a contaminação. No caso apreciado, entretanto, essa data não foi mencionada, atraindo a incidência da Súmula 211 do STJ – que impede a discussão, em recurso especial, de matéria não debatida na instância anterior.

“Da análise do acórdão, apenas se pode inferir que as partes recorridas foram contaminadas em meados dos anos 80 – sem nenhuma data exata sobre a contaminação ou a ciência inequívoca da enfermidade. Desse modo, impõe-se o não conhecimento da prescrição por ausência de prequestionamento”, disse o relator.

A alegação de ilegitimidade passiva também foi afastada pelo ministro. Ele reconheceu que a Lei 4.701 estabelece que o “disciplinamento e controle da hemoterapia” são da “alçada exclusiva do governo federal”, mas destacou que a mesma norma, em seu artigo 3º, estende ao poder estadual a obrigação de fiscalizar o exercício da atividade hemoterápica.

Quanto ao valor da indenização, o relator considerou inviável revisar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade utilizados pelo TRF2 para sua fixação. Segundo ele, para isso seria necessária a reapreciação das provas do processo, o que atrai a incidência da Súmula 7 do STJ.
Fonte: STJ

segunda-feira, 9 de março de 2015

NOTAS TÉCNICAS DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA EM DIREITO DO CONSUMIDOR




Notas Técnicas




Nota Técnica é um documento elaborado por técnicos especializados em determinado assunto e difere do Parecer pela análise completa de todo o contexto, devendo conter histórico e fundamento legal, baseados em informações relevantes. É formal e impessoal, não podendo ser utilizada a primeira pessoa. Oferece alternativas para tomada de decisão.

A Nota Técnica é emitida quando identificada a necessidade de fundamentação formal ou informação específica da área responsável pela matéria. Deverá ser elaborada por técnicos do assunto e encaminhada à chefia imediata, para validação e providências devidas. Compõe-se de três partes distintas: introdução (fundamentos legais ou histórico); desenvolvimento (análise técnica, parecer técnico); conclusão (parecer favorável ou desfavorável, com sugestões e/ou proposições de providências).


NT 123/2014: Sacolas plásticas e engajamento do consumidor em consumo sustentável
NT 102/2014: Análise da Resolução nº 632, de 7 de março de 2014, que aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC).
NT 225/2013: Saúde e Segurança. A proteção do consumidor nos eventos de lazer, cultura e entreterimento. Dever do fornecedor em disponibilizar de forma clara e transparente informações sobre os riscos que seus serviços apresentam a saúde e segurança do consumidor. Atos Normativos.
NT 175/2013: Projeto de Lei nº 5.196/2013. Fortalecimentos dos Procons. Importância para a atuação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). Maior celeridade e eficácia na prevenção e resolução das demandas de consumo
NT 005/2012: Análise sobre o conflito aparente de normas que versam sobre o transporte aéreo
NT 002/2010: Bloqueio de aparelhos celulares furtados ou roubados
NT 057/2009: Presença de organismo geneticamente modificado na composição do produto
NT 051/2009: Redução da quantidade de produto. Maquiagem de produto. Alteração quantitativa por embalagens
NT 050/2009: SAC - ausência de serviço de atendimento telefônico gratuito que garanta fácil acesso para informações
NT 049/2009: Comercialização de produto em desacordo com norma técnica e inadequado ao fim a que se destina
NT 045/2009: Colocação no mercado de produtos impróprios ao consumo. Comercialização de produto em desacordo com a norma técnica e inadequado ao fim que se destina


Conversão pulso/minuto na telefonia fixa local
Datas comemorativas

Fonte: Ministério da Justiça

ESPECIAL: trabalhador pode ou não propor ação em local diverso de onde foi contratado ou prestou serviços?






Fonte: TRT3



As normas da competência territorial têm previsão no artigo 651 da CLT, estabelecendo, como regra geral, que o empregado deve propor a reclamação trabalhista no local em que prestou serviços, ainda que tenha sido contratado em outro lugar. Com a intenção de ampliar ao máximo o acesso do trabalhador ao Judiciário, o legislador admitiu exceções a essa regra geral: empregado agente viajante, empregado brasileiro que trabalhe no estrangeiro e na hipótese de empregador que realiza atividades fora do lugar da celebração do contrato. Neste último caso, o empregado poderá optar por apresentar a reclamação no local da contratação ou no da prestação dos serviços.

Mas, algumas Turmas do TRT-MG entendem que também é possível ao empregado propor a ação trabalhista no município da sua residência, apesar de a prestação dos serviços e a própria contratação ter ocorrido em outra cidade, bem distante daquele local. Isso porque, mesmo inexistindo previsão expressa nesse sentido no art. 651 da CLT, essa seria a solução que mais se amoldaria à hipossuficiência do trabalhador e ao princípio constitucional do amplo acesso à justiça. Explica-se: as despesas que o trabalhador teria que suportar para se deslocar até o local da audiência (realizada em foro distante do seu domicílio) poderiam acabar inviabilizando o seu acesso ao Judiciário e o efetivo exercício do direito de ação, em razão da sua presumida hipossuficiência financeira.

Entretanto, em outras Turmas do TRT mineiro prevalece o entendimento de que as regras de competência são de ordem pública, não cabendo ao julgador estabelecer exceções diversas daquelas já expressamente previstas no texto legal. Nessa linha de pensamento, não se poderia fixar a competência do Juízo de acordo com o domicílio do empregado quando ele não foi contratado ou prestou serviços neste local, por não haver, no artigo 651, previsão expressa nesse sentido.

E é essa divergência nos entendimentos das Turmas do TRT de Minas que enfocaremos na NJ Especial da semana. Confira abaixo como a 7ª e a 9ª Turmas resolveram sobre a questão e, ao final, a jurisprudência da Casa num e noutro sentido:

7ª Turma admite possibilidade de fixação da competência territorial a partir do domicílio do empregado 


Ao analisar um caso recente, a 7ª Turma do Tribunal mineiro deu provimento ao recurso de um trabalhador para declarar que o juízo do local do seu domicílio (Uberlândia) tem competência para examinar a reclamação trabalhista. Acompanhando o voto da juíza convocada Martha Halfeld Furtado de Mendonca Schmidt, os julgadores modificaram a decisão de 1º Grau que havia acolhido a alegação de incompetência feita pelas reclamadas e determinado a remessa dos autos para uma das Varas do Trabalho do município de São Paulo, onde o reclamante foi contratado e prestou os serviços.

De acordo com o entendimento da Turma, as regras que definem a competência territorial devem ser ponderadas de modo a viabilizar o acesso do trabalhador à Justiça e o efetivo exercício do direito de ação, constitucionalmente assegurado. Assim, a melhor interpretação do artigo 651 da CLT é aquela que assegura a proteção do hipossuficiente, possibilitando a tramitação da ação na localidade de maior comodidade e conveniência para o trabalhador, qual seja, a de seu domicílio.

Segundo a relatora, estando o reclamante domiciliado em Uberlândia/MG, em razão da sua presumida hipossuficiência financeira, acredita-se que ele não teria condições de arcar com as despesas de deslocamento e estadia necessárias para acompanhar o processo em uma das Varas do Trabalho do Município de São Paulo/SP. Portanto, o acolhimento da exceção de incompetência oposta pelas reclamadas resultaria na frustração do acesso do reclamante ao Poder Judiciário, o que seria inconcebível, à luz da garantia constitucional de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da Constituição).

"O legislador, ao fixar as regras de competência trabalhista, objetivou facilitar o acesso do empregado ao Judiciário, propiciando-lhe litigar em condições mais favoráveis e menos onerosas, dada a sua situação de hipossuficiência, o que contempla não apenas o ajuizamento da ação, como também a produção da prova e o acompanhamento do feito", ponderou em seu voto.

Para a relatora, a regra geral relativa à propositura da ação no local da prestação de serviços estabelecida no art. 651 da CLT não impede o ajuizamento da ação no foro do domicílio do empregado. Ela observou que a interpretação literal do disposto no art. 651 da CLT acabaria por causar prejuízo desproporcional ao trabalhador, parte hipossuficiente na relação, em virtude do ônus financeiro que lhe seria imposto, levando a uma situação de negativa de acesso à justiça. E lembrou que o mesmo posicionamento já foi adotado em diversas decisões do TST.

Por tudo isso, a 7ª Turma, à unanimidade, deu provimento ao recurso do reclamante para declarar que a Vara do Trabalho de Uberlândia, município do domicílio do empregado, é competente para conhecer e julgar a ação, determinando-se o regular processamento do feito. (03004-2013-044-03-00-0-RO )

9ª Turma decide pela impossibilidade de fixação da competência pelo domicílio do empregado: norma de ordem pública. 


A 9ª Turma do TRT-MG, ao analisar um recurso interposto por uma empresa de geologia e sondagem, encontrou uma situação parecida, mas decidiu de forma diferente. No caso, o juiz de 1º Grau havia rejeitado a exceção de incompetência em razão do lugar arguida pela reclamada, fixando a competência do juízo a partir do domicílio do trabalhador, em Janaúba, pertencente à Jurisdição da Vara do Trabalho de Monte Azul. Inconformada, a empresa recorreu dessa decisão, alegando que o reclamante foi contratado em Belo Horizonte e trabalhou em diversas localidades, inclusive no norte do país, e, como a prestação de serviços não se deu em qualquer cidade pertencente à jurisdição da Vara do Trabalho de Monte Azul, a ação não poderia ter sido ajuizada naquele local. A 9ª Turma, por unanimidade, deu razão à empresa, determinando a remessa dos autos para uma das Varas do Trabalho da cidade de Belo Horizonte.

O juiz de 1º Grau havia entendido que o curso da ação trabalhista em cidade distante do domicílio do trabalhador significaria a negativa prévia do acesso à justiça, já que para o empregado seria muito difícil se deslocar de uma região para outra do país e talvez até mais oneroso que os valores a receber na ação. No entanto, para o relator do recurso, desembargador João Bosco Pinto Lara, não há como estabelecer exceções diversas daquelas já expressamente previstas na lei, uma vez que as regras de competência territorial são de ordem pública. Assim, concluiu que a ação deve ser proposta em Belo Horizonte, local da contratação do reclamante.

O relator explicou que o artigo 651 da CLT dispõe que, regra geral, a ação trabalhista deve ser ajuizada no local da prestação dos serviços, ainda que o empregado tenha sido contratado em outro local ou no estrangeiro. E, justamente com a finalidade de facilitar o acesso do trabalhador hipossuficiente ao Poder Judiciário, ao longo dos anos, o legislador estabeleceu exceções expressas a essa regra, como, por exemplo, aquela prevista no art. 651, parágrafo 3º da CLT, que trata do caso da empresa que realiza atividades fora do lugar da celebração do contrato. Nessa hipótese, é facultado ao empregado propor a ação no foro da prestação de serviços ou, sendo-lhe mais conveniente, no da celebração do contrato de trabalho.

Na visão do desembargador, a situação do reclamante se amolda na previsão contida no artigo 651, § 3º da CLT, pois as provas revelaram que a contratação ocorreu em Belo Horizonte e o trabalho nos Estados do Pará, Amazonas, Maranhão e Amapá. Assim, não há como fixar a competência do Juízo a partir do domicílio atual do trabalhador, em Janaúba, pertencente à Jurisdição da Vara do Trabalho de Monte Azul. Segundo ressaltou o julgador, embora a norma apresente exceções em casos especiais, os locais de contratação e de prestação do trabalho não coincidem com o domicílio do reclamante e a simples conveniência do interessado não tem a força de modificar as disposições inscritas no artigo 651 da CLT.

"O fato de o empregado se beneficiar das normas relativas à competência em razão do lugar não significa que a ele seja permitido o direito de escolher, segundo seus interesses, a localidade de aforamento da ação, uma vez que a faculdade de eleição do foro competente, mesmo na seara trabalhista, está subordinada aos limites previstos em lei", ponderou em seu voto.

Portanto, tendo em vista que a ação foi ajuizada fora do local da contratação ou da prestação da atividade, a Turma acolheu a preliminar de incompetência territorial para, modificando a sentença proferida, determinar a remessa dos autos para uma das Varas do Trabalho da cidade de Belo Horizonte. (00113-2013-082-03-00-2 RO)
Confira outras decisões das Turmas do TRT mineiro sobre a matéria: 


PELA INTERPRETAÇÃO ABRANGENTE DA REGRA DO ART. 651 DA CLT: PELA IMPOSSIBILIDADE ESTABELECER EXCEÇÕES NÃO PREVISTAS NO TEXTO LEGAL:
EMENTA: COMPETÊNCIA TERRITORIAL. O contexto social brasileiro não permite impor a um empregado que recebe salário pouco maior do que a dobra do mínimo legal despesas com passagens para outro Estado, hospedagem e alimentação, tudo isso apenas para que tenha acesso ao Poder Judiciário. As normas que fixam a competência territorial devem ser lidas e compreendidas à luz do princípio constitucional do amplo acesso à justiça, por isso que, no caso em tela, impõe-se reconhecer que o juízo do local do domicílio do trabalhador detém competência para exame da controvérsia. (TRT-MG; Processo: 0000819-03.2014.5.03.0174 RO; Publicação: 06/10/2014; Quinta Turma; Relator: Marcus Moura Ferreira) 

EMENTA: COMPETÊNCIA TERRITORIAL. EXCEÇÃO À REGRA GERAL. Diante da situação concreta em exame nos autos, onde o reclamante apresenta inequívoca dificuldade de deslocamento, em razão do seu estado de saúde delicado, deve-se permitir, excepcionalmente, a fixação da competência do foro trabalhista em razão do domicílio do autor, ponderando-se a regra que disciplina a matéria (artigo 651, caput, da CLT) com a garantia constitucional do acesso à justiça (artigo 5º, XXXV, da CR/88), de forma a assegurar ao autor o efetivo exercício do direito de ação, constitucionalmente assegurado. Recurso ordinário a que se dá provimento. (TRT-MG; Processo: 0001177-11.2013.5.03.0074 RO; Data de Publicação: 20/06/2014; Turma Recursal de Juiz de Fora; Relator: Convocado Jose Nilton Ferreira Pandelot) 

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EX RATIONI LOCI - PROPOSITURA DE AÇÃO NA VARA DO TRABALHO DO LOCAL DO DOMICÍLIO DO EMPREGADO - NÃO ACOLHIMENTO - 1 - Dispõe o caput do art. 651 da CLT que a competência ratione loci das Varas do Trabalho, regra geral, é fixada pela localidade em que o empregado prestar serviços. No entanto, tendo a lei como escopo facilitar ao empregado o acesso ao Judiciário, a jurisprudência, com fulcro nos princípios que informam o Direito do Trabalho, em especial o da proteção ao hipossuficiente e da razoabilidade, tem ampliado as hipóteses de incidência do parágrafo primeiro, de modo que o empregado não viajante tem a faculdade de ajuizar reclamação trabalhista no local de seu atual domicílio. Entendimento em sentido contrário importaria na impossibilidade de acesso do reclamante ao Judiciário e no perecimento do direito, em face de sua hipossuficiência, com ausência de condições econômico-financeiras de deslocar-se, custeando despesas de transporte e hospedagem, inclusive de seus advogados.(TRT-MG; PJe: 0011457-70.2013.5.03.0032 (RO); Disponibilização: 28/04/2014, DEJT/TRT3/Cad.Jud, P 216; Quarta Turma; Relator: Maria Lucia Cardoso Magalhaes) 

EMENTA: EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AJUIZAMENTO DA DEMANDA NO FORO DE DOMICÍLIO DO TRABALHADOR. O empregado mantém domicílio em Coronel Fabriciano e percorreu 798 km até Araras (DistanciaCidades.com), onde firmou contrato temporário. Rompido o pacto, não poderia o obreiro permanecer naquela localidade com a finalidade única de postular em Juízo a reparação pelos direitos trabalhistas. Ademais, não é razoável exigir do trabalhador novo deslocamento até cidade tão distante apenas para ajuizar a demanda trabalhista. A distância, nesse caso, impõe ônus que consubstancia verdadeiro entrave ao livre acesso à Justiça, o qual é constitucionalmente assegurado a todos. O princípio tutelar que rege o Direito do Trabalho inspira a interpretação das regras sobre competência territorial de modo a assegurar integral proteção do empregado e negar-lhe o acesso à Justiça viola tal diretriz. (TRT-MG; Processo: 0000453-35.2013.5.03.0097 RO; Data de Publicação: 18/09/2013; Primeira Turma; Relator: Cristiana M. Valadares Fenelon) 

EMENTA: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. DOMICÍLIO DO TRABALHADOR. ART. 651 DA CLT. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JUSTIÇA. No Processo do Trabalho, em regra, a competência é primordialmente fixada pelo local da prestação de serviços, ainda que o trabalhador tenha sido contratado em outro lugar ou no estrangeiro (art. 651, caput, da CLT). Porém, aquilatada a garantia constitucional de acesso à Justiça (art. 5º, inciso XXXV, da CR), a ausência de previsão expressa no art. 651 da CLT nesse sentido não obsta a possibilidade de se firmar a competência do foro trabalhista no domicílio do empregado, independentemente do local da prestação de serviços ou da contratação. As regras que definem a competência territorial devem ser ponderadas com o objetivo de viabilizar o acesso do trabalhador à Justiça, de forma a possibilitar o efetivo exercício do direito de ação, tal como constitucionalmente assegurado. A melhor exegese a ser atribuída ao art. 651 da CLT, à luz da ordem constitucional vigente, é aquela que prestigia a proteção do hipossuficiente, possibilitando, pois, a tramitação da demanda na localidade de maior comodidade e conveniência para o obreiro, qual seja, a de seu domicílio. (TRT-MG; Processo: 0001343-28.2013.5.03.0079 RO; Publicação: 28/02/2014; Setima Turma; Relator: Marcelo Lamego Pertence) 

EMENTA: INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR - INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ARTIGO 651 DA CLT. As normas de competência em razão do lugar têm previsão no artigo 651 da CLT, estabelecendo, como regra geral, o local da prestação de serviços, ainda que o trabalhador tenha sido contratado em outro local ou no estrangeiro. Apesar de o legislador ter previsto algumas exceções à regra, com o objetivo de se ampliar ao máximo o acesso do trabalhador ao Judiciário, facilitando a produção da prova e a concretização da verdade real, não cabe ao Julgador estabelecer exceções diversas daquelas já expressamente previstas no texto legal, em razão da característica de ordem pública da norma.(TRT-MG; Processo: 0000070-05.2013.5.03.0082 RO; Data de Publicação: 08/10/2014; Nona Turma; Relator: Convocado Joao Bosco de Barcelos Coura) 

EMENTA: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO FORO DO DOMICÍLIO DO EMPREGADO. A regra geral, segundo o art. 651/CLT, é que a competência territorial fixa-se em função do local da prestação de serviços, sendo exceção a faculdade de o trabalhador ajuizar a ação no local da celebração do contrato ou da prestação dos serviços ou até mesmo no seu domicílio, na forma dos parágrafos do referido artigo. Embora as regras de competência em razão do lugar, no âmbito do Processo do Trabalho, visem fomentar a facilidade de acesso à Justiça, este princípio não pode suplantar os critérios legais, de modo a autorizar a tramitação do feito em local diverso daquele em que houve a prestação de serviço ou a contratação do empregado. (TRT-MG; Processo: 0000088-91.2014.5.03.0146 RO; Data de Publicação: 21/05/2014; Segunda Turma; Relator: Deoclecia Amorelli Dias) 

EMENTA: COMPETÊNCIA TERRITORIAL. É o local da prestação de serviços que, em regra, fixa a competência do órgão judicante nos dissídios individuais sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho. Se o legislador trabalhista, de um lado, pretendeu facilitar ao empregado a propositura e movimentação das causas contra o empregador, de outro, visou a maior facilidade da produção das provas por ambas as partes, instituindo verdadeira norma de política judiciária. A hipossuficiência do empregado e a facilidade de deslocamento são fatores louváveis e comoventes, contudo, a alçada trabalhista se firma mediante a leitura exegética e de inegável escopo axiológico de que a colheita de prova deve ser feita no Juízo onde se deram os fatos litigiosos. (TRT-MG; Processo: 0001269-15.2013.5.03.0033 RO; Data de Publicação: 21/07/2014; Terceira Turma; Redator: Convocado Frederico Leopoldo Pereira) 

EMENTA: EXCEÇÃO DE INCOMPETENCIA EM RAZÃO DO LUGAR - FORO DO DOMICÍLIO DO EMPREGADO. Conforme dispõe o caput do art. 651 da CLT, a competência na Justiça do Trabalho é determinada em razão da localidade de prestação de serviços. Nas hipóteses que estabelecem situações de exceção à regra, fixadas nos parágrafos do referido artigo, não há previsão que autorize o deslocamento da competência pretendido pelo reclamante, não detendo ele privilégio processual de instituir o foro de seu domicílio como o competente para processar e julgar a ação trabalhista ajuizada. (TRT-MG; Processo: 0000373-38.2013.5.03.0108 RO; Publicação: 21/03/2014; Nona Turma; Relator: Maria Stela Alvares da S.Campos) 

INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. AJUIZAMENTO NO LOCAL DO DOMICÍLIO DO EMPREGADO. IMPOSSIBILIDADE. O empregado tem a opção de escolher o ajuizamento da ação no local da contratação ou no da prestação dos serviços, quando o empregador realizar atividades em locais diversos. Quer isto dizer que a faculdade conferida pelo parágrafo terceiro, do artigo 651, da CLT, está endereçada especificamente a tal exceção à regra geral do "caput". Trata-se de atividades como a circense ou o teatro, cuja inerência é o "nomadismo". Não se enquadrando o local do domicílio do empregado em quaisquer dessas hipóteses, este foro será incompetente para processar e julgar o feito. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário, em que figuram, como recorrente, ALEX SANDER ROSÁRIO e, como recorridos, BRASDRIL SOCIEDADE DE PERFURAÇÕES LTDA. (1), OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S/A (2) e PETROBRAS - PETRÓLEO BRASILEIRO S/A (3). (TRT-MG; PJe: 0010083-02.2014.5.03.0091 (RO); Disponibilização: 15/07/2014, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 114: Terceira Turma; Relator: Convocado Frederico Leopoldo Pereira)

Pizzaria é condenada a custear Programa de Assistência Familiar previsto em normas coletivas



O sindicato que representa os empregados no comércio hoteleiro, turismo, bares e restaurantes da região de Diamantina e Curvelo (SECHOBARES) teve sucesso na ação que ajuizou perante a JT de Minas: conseguiu a condenação de uma pizzaria a custear o Programa de Assistência Familiar (PAF) previsto nas convenções coletivas de trabalho da categoria profissional. Ao modificar a sentença e deferir o pedido, a 1ª Turma do TRT-MG determinou que se observe o número de empregados que satisfaziam as condições para tanto, na vigência das CCT's em questão.

A ação havia sido ajuizada em nome do SECHOBARES para postular direitos dos trabalhadores da categoria, representados pelo sindicato. Na ação trabalhista, o sindicato autor pleiteou a condenação da pizzaria ao pagamento das contribuições para o custeio do programa de assistência familiar, previstas nas normas coletivas aplicáveis aos empregados. A juíza sentenciante havia julgado o pedido improcedente, por entender que as normas coletivas teriam criado uma espécie de contribuição assistencial ou negocial, de forma que não seria exigível de empresa não associada à respectiva representação sindical. O sindicato autor recorreu dessa decisão, insistindo no pedido de condenação da pizzaria ao pagamento de sua quota parte para o custeio do Programa de Assistência Familiar, por meio do qual os empregados sindicalizados fazem jus a tratamento médico promovido pelo Sindicato. Sustentou ainda que não havia desconto nos salários dos trabalhadores e que o programa é custeado exclusivamente pelos empregadores, devendo ser considerada válida a norma coletiva.

A relatora do recurso, juíza convocada Silene Cunha de Oliveira, deu razão ao sindicato, por entender que, no caso do processo, a obrigação de custeio do programa não se identifica com os temas tratados nos entendimentos jurisprudenciais relativos à cobrança de contribuições assistenciais ou negociais. Ao contrário, as normas em questão dizem respeito a interesses regulados por meio de negociação coletiva, convencionados de forma legítima pelas categorias econômica e profissional envolvidas. Assim, a representação imediata dos sindicatos na negociação coletiva visa à defesa dos interesses dos representados na negociação coletiva, de modo a editar normas destinadas a regular as relações individuais de trabalho.

Conforme ressaltou a magistrada, nessa negociação, pelo menos a princípio, o sindicato não atua visando a proteger interesse próprio imediato, mas os interesses dos representados conciliados com aqueles manifestados pela outra categoria e com as condições de trabalho que vinculam os representados, embora as partes envolvidas no conflito coletivo possam estabelecer cláusulas obrigacionais. A relatora acentuou que o fato de os sindicatos representarem todos os membros da categoria na negociação coletiva ocorre para legitimar o resultado da negociação, dando-lhe o caráter geral próprio das leis, nos limites previstos no artigo 611 da CLT, sendo certo que, no caso de qualquer obrigação fixada para além dessas balizas, a respectiva aplicação fica restrita aos filiados ao sindicato, nos termos da Súmula 666 do STF.

A magistrada apurou que o Programa de Assistência Familiar consiste em prestar atendimento médico nas dependências do Sindicato, ou em outro local por ele indicado, a todos os integrantes da categoria profissional, bem como aos seus dependentes legais. O financiamento consistiu na contribuição das empresas, mediante o pagamento para o sindicato profissional da quantia de R$12,00 por empregado, conforme CCT de 2011/2012. Na CCT de 2013/2014 o valor foi estipulado em R$18,00 por empregado não filiado ao sindicato. Assim, constatou a juíza convocada que o benefício não foi instituído para os sindicatos, mas para a melhoria das condições sociais dos trabalhadores da categoria, sendo os custos dos serviços médicos suportados pelos sindicatos da atividade econômica correspondente, que não forneciam planos de saúde de forma gratuita a seus empregados. A julgadora salientou que a gestão do programa ficou a cargo do sindicato, conforme a vontade das partes.

Portanto, concluiu a magistrada que a norma coletiva é legítima, porque trata de matéria própria da negociação coletiva, nos termos do artigo 611 da CLT, obrigando todos os membros da atividade econômica, distanciando-se da contribuição assistencial. Por esses fundamentos, a reclamada foi condenada a custear o programa, conforme valores e número de empregados que a empresa possuía durante a vigência das normas coletivas correspondentes. Além disso, foi condenada ao pagamento dos honorários advocatícios, à razão de 15% sobre o valor da condenação, bem como ao pagamento das multas convencionais resultantes do descumprimento das cláusulas normativas referentes ao custeio do Programa de Assistência Familiar, sendo uma multa por norma coletiva descumprida.


Fonte: TRT3

Pesquisa Pronta traz dano moral presumido e prescrição para ressarcimento de dano ao erário



Dano moral presumido – ou in re ipsa– e prescrição da pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário são os novos temas da Pesquisa Pronta disponibilizados nesta semana na página do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O dano moral in re ipsa é aquele que dispensa prova para sua configuração. Uma situação bastante recorrente no Poder Judiciário diz respeito à inscrição indevida de consumidores em cadastro de inadimplentes. Nessa hipótese, há entendimento do STJ no sentido de que o dano moral prescinde de prova.

Quanto ao segundo tema, há precedentes do tribunal que afastam o prazo prescricional de cinco anos para ajuizamento da ação de improbidade administrativa quando há dano ao erário. Para ressarcimento dos valores, a ação é imprescritível.

Os temas da Pesquisa Pronta são escolhidos pela Secretaria de Jurisprudência com base na relevância jurídica e na utilidade, tanto para os operadores do direito quanto para a sociedade. Os interessados podem ter acesso a todos os acórdãos relacionados aos temas, julgados desde a criação do tribunal até a data especificada nas pesquisas. 

Conheça a Pesquisa Pronta

A Pesquisa Pronta foi criada para facilitar o trabalho de advogados e outros interessados em conhecer a jurisprudência do STJ. O serviço é online e está totalmente integrado à base de jurisprudência do tribunal.

Como sugere o nome, a página oferece consultas a pesquisas prontamente disponíveis sobre temas jurídicos relevantes, bem como a acórdãos com julgamento de casos notórios.

Embora os parâmetros de pesquisa sejam predefinidos, a busca dos documentos é feita em tempo real, o que possibilita que os resultados fornecidos estejam sempre atualizados.

Como utilizar a ferramenta

A Pesquisa Pronta está permanentemente disponível no portal do STJ. Basta acessar Jurisprudência > Pesquisa Pronta na página inicial do site, a partir do menu principal de navegação.

As últimas pesquisas realizadas podem ser encontradas emAssuntos Recentes. A página lista temas selecionados por relevância jurídica, de acordo com o ramo do direito ao qual pertencem.

Já o link Casos Notórios fornece um rol de temas que alcançaram grande repercussão nos meios de comunicação.

Ao clicar em assunto de seu interesse, o usuário é direcionado a uma nova página com o teor de acórdãos do tribunal que dizem respeito ao tema escolhido.

Quem preferir pode clicar diretamente no link com o nome do ramo do direito desejado para acessar os assuntos que se aplicam a ele.

Fonte: STJ

quinta-feira, 5 de março de 2015

Zimermann, Schmidt, Streck e Otavio: todos contra o pan-principialismo




Li na revista eletrônica Consultor Jurídico, no último domingo (1/3), belíssima entrevista feita por Sérgio Rodas e Otavio Luiz Rodrigues Jr com os Professores alemães Reinhard Zimmermann e Jan Peter Schmidt. A manchete já diz tudo: "Princípios do Código Civil não autorizam juiz a atropelar a lei" (clique aqui para ler). Dizem:

“Mas, claro, as cláusulas gerais têm uma grande desvantagem, na medida em que elas criam incerteza jurídica e talvez deem muito poder ao juiz. Dito de outro modo: talvez as cláusulas não deem tanto poder ao juiz, mas o juiz pode acreditar que agora ele tem muito poder.

Complementando, dizem:

“Então, ele pode ir longe demais nos seus poderes discricionários. E isso é algo que pode ser observado hoje em dia em alguns tribunais brasileiros, quando determinados juízes revelam uma certa tendência a desprezar as normas específicas que foram promulgadas pelo legislador, e, em vez disso, preferem se basear diretamente no princípio da boa-fé, por exemplo, e recorrer a ele para solucionar o caso, mesmo se a solução for contrária ao que a norma específica diz.

Para fechar:

Então, na realidade, eles invertem as decisões que o legislador tomou. E o objetivo das cláusulas não é dar poder ao juiz para prevalecer sobre o legislador”.

A reportagem é um balde de água fria no pan-principialismo da terra de Santa Cruz. É um petardo contra o uso inadequado das cláusulas gerais do Código Civil. Despiciendo dizer que adorei o conteúdo da entrevista. Afinal, para um jurista nativo que de há muito diz a mesma coisa e bate nessa tecla, ler isso dito por eminentes professores alemães é um bálsamo, mormente pela síndrome de Caramuru que assalta as mentes pindoramenses, em que tudo que vem de fora é melhor. Pois aqui estou usando “os de fora” para confrontar o que representa o pensamento dominante hoje, que, por acaso, diz-se “baseado na doutrina que vem...de fora”. Meu esquema, aqui, é 4-5-1 (com três volantes de contenção).

Há mais de década que denuncio o que Zimmermann e Schmidt (ver nota 5) disseram na entrevista em liça. E em Verdade e Consenso, nas diversas edições, deixei isso bem claro ao comentar as cláusulas gerais do Código Civil.

Sempre afirmei que o pan-principialismo e o ab-uso das (e nas) cláusulas gerais vinha de uma equivocada interpretação da jurisprudência dos valores e da tese alexyana de que princípios são mandados de otimização. Enfim, sempre sustentei o equívoco da tese de que “princípios são valores”,verbis:

“(...) é equivocada a tese de que os princípios são mandatos de otimização e de que as regras traduzem especificidades (em caso de colisão, uma afastaria a outra, na base do “tudo ou nada”), pois dá a ideia de que os “princípios” seriam “cláusulas abertas”, espaço reservado à “livre atuação da subjetividade do juiz”, na linha, aliás, da defesa que alguns civilistas fazem das cláusulas gerais do novo Código Civil, que, nesta parte, seria o ‘Código do juiz’”.1

Bingo!

Também de há muito digo que “parcela considerável dos doutrinadores civilistas brasileiros trilha pelo caminho de entender o novo Código Civil como um sistema aberto, em face, principalmente, da adoção das cláusulas gerais”. E me valho da contundente análise crítica elaborada por Otavio Luiz Rodrigues Jr, ao que denomina de colonização do Direito Civil por uma visão distorcida do conceito de “constitucionalização do direito privado”:

“Começa-se a usar de conceitos e ferramentas típicas da análise econômica do Direito e a se falar em ponderação ou sopesamento de princípios e valores, bem ao gosto, respectivamente, dos escritos de Richard Posner e Robert Alexy. Experimentam-se, nesse cenário, situações de desagradável sincretismo metodológico, importação e apropriação inadequadas de conceitos e de categorias, tudo em nome de argumentações grandiloquentes, que, muita vez, escondem falácias, jogos de palavras ou vazios de fundamentação. (...) Quando se diz algo como ‘o novo Direito Civil busca os princípios e não a letra fria da lei’ ou ele se ocupa ‘da Justiça e não da Lei’, faz-se uma brutal confusão entre o problema de o Direito ter um referencial externo (a Justiça, a Legitimidade, o Bom, o Moral) de correção de suas normas e a forma como o Direito é estudado. (...) Nesse sentido, ‘a existência de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais na Constituição, o que é esperável dada sua natureza normativa específica, é campo fértil para a ação dos interessados no arbítrio e no abuso da discricionariedade judicial. Se foi possível realizar demagogia judiciária com base em elementos do próprio Direito Civil, agora isso é feito com a invocação do texto constitucional’”.2

Mais ainda, sempre disse, tanto em Verdade e Consenso como emHermenêutica Jurídica e(m) Crise, que

“pensar assim é fazer uma concessão à discricionariedade positivista, o que pode ser facilmente percebido em assertivas do tipo ‘a lei [o Código Civil, na parte relativa às cláusulas gerais] confia ao intérprete‑aplicador, com absoluta exclusividade e larga margem de liberdade, a inteira responsabilidade de encontrar, diante de um modelo vago, a decisão justa para cada hipótese levada à decisão judicial’3” (grifo meu).

Enfim, é em vários textos venho afirmando que não parece democrático delegar ao juiz o preenchimento conceitual das assim chamadas “cláusulas gerais” (a mesma crítica pode ser feita ao uso da ponderação para a “escolha” do princípio que será utilizado para a resolução do problema causado pela “textura aberta da cláusula”). Ao lado disse, critiquei sempre com veemência essa praga contemporânea representada pela Lei-com-nome-chocolate (LINDB). Ela é o sintoma do atraso da teoria do direito em Pindorama.

Por tudo isso vem bem a calhar a crítica de Zimmermann e Schmidt em sua incursão na terra de Santa Cruz. Para quem quer compreender as críticas e avançar na discussão lendo nossas objeções ao pan-principialismo, basta ver o que tem sido feito em nome da “abertura” do direito civil, dos valores a serem descobertos ao-se-cavar-debaixo-das-cláusulas-gerais e da construção desenfreada de “princípios” que nada tem de normatividade como “felicidade, afetividade e a superafetação da dignidade da pessoa humana”, pelos quais hoje é possível decidir de qualquer modo. Em nome da “abertura principiológica”, criaram-se princípios como do poliamorismo, para reconhecimento de relação de união estável para a concubina concorrer a herança do falecido; princípio da paternidade responsável pelo qual a responsabilidade começa desde a concepção até que seja pertinente um acompanhamento dos filhos pelos pais; princípio da solidariedade familiar, pelo qual o Poder Público, bem como a sociedade, devem promover políticas públicas para garantir as necessidades familiares de pobres e excluídos (isso tudo pode ser bom...mas judiciário não tem a chave do cofre; e mais: atende-se a alguns e o restante fica a ver navios; eis a diferença entre atitudes ad hoc e políticas públicas!). Nessa linha ultra-ativista, dá-se três mães a uma criança e/ou dois ou três pais (fora os avós); estende-se licença-maternidade por três ou quatro meses porque a mãe teve trigêmeos; licença maternidade para homem que adotou gêmeos com licença dobrada; concede-se usucapião de terras públicas em nome da dignidade da pessoa humana (até a caça se proíbe com base nesse super-princípio), que, também serve para fundamentar sentenças cíveis em acidente de trânsito, reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho para julgar ações de terceirizados contra a União4, inadimplemento de obrigações, elasticidade para reconhecimentos de assédio moral, alteração de função de trabalhador em ofensa à convenção coletiva, reintegração de posse (afinal, qual é a reintegração que não viola alguma “dignidade”?),5 alteração de prenome6, cerceamento de defesa, manutenção – ou cassação - de prisão preventiva (sim, isso vai até ao processo penal) e tantos outros exemplos colhidos de uma rápida pesquisa nos ementários eletrônicos de vários tribunais brasileiros. E isso só para citar algumas das coisas que vem sendo feitas em nome da “abertura valorativa-principiológica” que predomina no direito civil, mas que se espraiou por outros campos, mormente a partir do neoconstitucionalismo e o uso desenfreado da ponderação de “valores” (sic) ou de “interesses” (sic).

Quando alguém como eu protesta dizendo que existem limites interpretativos e clamo, ancorado v..g., em Elias Diaz, por uma “legalidade constitucional”, sou taxado de “conservador” e “positivista” (sic) por querer defender “a letra – sic - do Código Civil” (ou de outros Códigos). Onde se viu clamar pela obediência de uma sinonímia em uma lei? Onde já se viu querer que “onde está escrito ‘perguntas complementares” se leia...”perguntas complementares”, que, como se sabe,...sempre vem...depois”? Nem mais respondo a isso. Já muito escrevi sobre esse tema. Apenas quero dizer que, em uma democracia, todo poder emana do povo, por mais mal que esse povo possa ter votado, elegendo deputados irresponsáveis, etc, etc. O poder não emana do Poder Judiciário. Por vezes – ou na maioria das vezes – ao praticarmos e incentivarmos ativismos, não estamos fazendo mais do que tutelar o povo. Claro. A malta vota mal (e, é claro, nós votamos bem! Nós somos os esclarecidos!). Logo, temos que “protegê-la” dela mesma, delegando o poder de decidir para além do que o legislador decidiu. De novo, antes que alguém me acuse de exegetista ou originalista, sugiro a leitura do texto “Aplicar a ‘letra da lei’ é uma atitude positivista?” (cliqueaqui para ler). Não me façam nenhuma crítica sem ler esse artigo. Essa discussão é recorrente também em meu Lições de Crítica Hermenêutica do Direito (Livraria do Advogado, 11ª. Ed) e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica (4ª. Ed, RT). Não me aventuro a dizer frases soltas e sem contexto, sem invocar a própria tradição que ajudei a construir. Não parto, pois, de algum grau zero de sentido.

Antes de concluir, mais uma ou duas palavras. Ao me alegrar com a entrevista de Zimmermann-Schmidt7 e também reivindicar as alvíssaras pela originalidade de minhas críticas, não pretendo agir como o “sábio incompreendido”. Disso não podem me acusar. Quero apenas por ênfase na luta que não é apenas minha, mas cuja bandeira tenho sustentado a duras penas contra o pensamento pseudomajoritário de quem compreende o Direito como algo “fácil”, “dúctil”, “entre amigos” e que pensa que o direito não comporta limites e que tudo passa pela consciência do intérprete e por aquilo que ele acha “justo” (um justômetro?). Pois é. Justo para quem, eis a questão.

Devemos isso não aos acadêmicos, muitos dos quais já desertaram de suas missões, tão bem descritas por Zimmermann, mas ao povo humilde, à malta, ao trabalhador que é defraudado em seus direitos e busca no Direito uma resposta. O que quero dizer? Simples. É que em tempos de ditadura, era admissível desconfiar de uma lei elaborada por militares autocratas. Já na democracia, ainda que o espaço de cooperação entre os Poderes haja se ampliado, ao exemplo das medidas provisórias ou das ações de descumprimento de preceito fundamental, permanece no Parlamento a centralidade da legisferação democrática.

Não podemos converter cada unidade jurisdicional brasileira em uma “microconstituinte” ou nela encontrar um “código” particular. Democracia pressupõe igualdade e essa pressupõe conhecer o direito e vê-lo aplicado isonomicamente para o cidadão de Rio Branco ou do Alegrete. Os tempos passam, mas não se pode esquecer que uma revolução começou em 1789 em larga medida porque os súditos não aguentavam mais se sujeitar a magistrados que decidiam conforme suas consciências e em nome de “costumes” que só eles sabiam interpretar. Desculpem-me, mas isso precisa ser dito, mesmo que a grande maioria tenha medo em fazê-lo.

Meu discurso é antigo e tem encontrado, aqui na coluna Senso Incomum, uma refinada compreensão de muitos leitores que me acompanham desde seu início. E não posso deixar de me alegrar quando vejo também o reconhecimento da crítica pan-principiológica no Supremo Tribunal Federal, especialmente no já clássico acórdão do ministro Dias Toffoli sobre a investigação de paternidade. No RE 363.889, corajosamente e contra o lugar-comum, Toffoli fez um longo repúdio ao uso indiscriminado da dignidade humana e dos princípios como “tropo retórico”. Na fundamentação, eu me encontrava ao lado de Antonio Junqueira de Azevedo e João Baptista Vilella. Ideologicamente antípodas, mas, como eu, fiéis ao rigor metodológico. Também fico feliz quando leio no acórdão do STF (Recl 2645), relatoria do Ministro Teori Zavaski, a encampação implícita do que venho dizendo com minhas seis hipóteses (Jurisdição Constitucional e Decisão Juridica, op.cit) pelas quais uma lei pode não ser aplicada. Diz o STF: não se pode negar a aplicação de uma lei sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade. Bingo de novo. Não é fácil ser profeta em sua própria terra. Que as palavras de Zimmermann-Schmidt possam atrair mais pessoas para esse tipo de reflexão.

E mais não preciso dizer. Basta ler a entrevista de Zimmermann e Schmidt. E os textos do Otavio Luiz. Bingo!


1 Cf. Verdade e consenso, 5. ed., Saraiva,2014, e nas edições anteriores.


2 Cf. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz . Estatuto epistemológico do Direito Civil contemporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos princípios. O Direito (Lisboa), v. 143, p. 43-66, 2011. Disponível em: https://www.academia.edu/9281885/ESTATUTO_EPISTEMOL%C3%93GICO_DO_DIREITO_CIVIL_CONTEMPOR%C3%82NEO_NA_TRADI%C3%87%C3%83O_DE_CIVIL_LAW_EM_FACE_DO_NEOCONSTITUCIONALISMO_E_DOS_PRINC%C3%8DPIOS


3Aqui faço uma crítica à doutrina de Frederico R. A. Neves, que simboliza o termo médio do que se diz sobre o assunto, in: Conceitos jurídicos indeterminados e direito jurisprudencial. In: Processo civil: aspectos relevantes. São Paulo: Método, 2006, pp. 85‑86.


4 Todos os exemplos não são fictos. Eles são casos concretos decididos. Apenas arrolo que este é do TRT-3-. Acórdão nº: 20150090760. Juiz Relator: Ivani Contini Bramante. 4ª Turma. 3-3-2015.


5 Alguém dirá que alguns dos exemplos que elenco (p.ex., o poliamorismo) tem a concordância de juristas-civilistas do porte de Pablo Malheiros e Luis Edson Fachin. Entretanto, isso não quer dizer que eles concordem com o modo como “isso está sendo feito”. O que quero ressaltar é que há um conjunto de autores do direito civil como Malheiros, Fachin, Paulo Lobo, Ricardo Aronne e Carlos Pianovski (entre outros) que não concordam com o uso indiscriminado e desfundamentado dos princípios no Direito e no Direito Civil. Também ressalvo, aqui, a contribuição de Ingo Sarlet, pelas críticas bem feitas ao uso indiscriminado da “dignidade”.


6 Idem nota 4: TJRJ. 19ª Câmara Cível. Apelação 0048246-59.2010.8.19.0038. Des. Ferdinaldo do Nascimento. Julgado em 06/12/2011.



7 Obviamente que não concordo com todas as teses de Zimmermann. Por exemplo, não tenho exatamente a mesma posição quanto à relação regra-princípio. Para mim, há momentos em que um princípio tem de ter o poder de derrogar uma regra (ou propiciar que se faça uma nulidade parcial sem redução de texto), caso contrário teríamos que deletar a tese de que princípios (também) são normas e que são deontológicos e não meramente teleológicos. Como já disse tantas vezes, princípios atuam (também) no código lícito-ilícito. Só que não são aplicados sem regras. E nem estas são aplicadas sem eles. Veja-se que na entrevista, Zimmermann e Schmidt concordam, por exemplo, que não se pode aplicar o principio da boa-fé diretamente, no que concordamos. Mas sobre nossos (des)acordos, farei coluna específica. Importa, aqui, é o “adversário epistêmico comum” que combatemos.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 5 de março de 2015, 9h24

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

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