segunda-feira, 1 de setembro de 2014

TEORIA DO DISCURSO: DIREITO À SAÚDE, CONTROLE JUDICIAL E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL


Por Luiz Cláudio Borges

TEORIA DO DISCURSO: DIREITO À SAÚDE, CONTROLE JUDICIAL E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

RESUMO
O direito à saúde, como direito social, merece do Estado toda atenção, sobretudo na implementação de políticas públicas. Entretanto, não é isso que acontece. Com efeito, os reclamos das partes diretamente interessadas acabam por desaguar no Judiciário, que exerce um papel contramajoritário, cujas decisões implicam diretamente na questão orçamentária do Estado, causando um desequilíbrio. Tal desequilíbrio desafia uma proposta de reforma do Sistema, o que exigirá da sociedade, sobretudo da Sociedade Civil uma participação mais efetiva através do processo discursivo.
PALAVRAS-CHAVES: TEORIA DO DISCURSO – DIREITO À SAUDE – LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO – DEMOCRACIA – SOCIEDADE CIVIL

ABSTRACT
The right to health, social rights, the State deserves all the attention, especially in the implementation of public policies. However, this is not what happens. Indeed, the claims of the parties directly concerned eventually flows into the judiciary, which plays a role contramajoritário, whose decisions directly affect the question of the state budget, causing an imbalance. Such imbalance defies a proposal to reform the system, which will require the society, especially civil society a more effective participation through public discussions.


KEYWORDS: THEORY OF SPEECH - RIGHT TO HEALTH - PUBLIC INTEREST LITIGATION - DEMOCRACY - CIVIL SOCIETY
.- CONSIDERAÇÕES INICIAIS
                                               O direito à saúde é garantido pela Constituição Federal de 1988 e está inserido como direito social. Como direito social, sua implementação é garantida pelo Estado, que deverá fazê-lo por meio de políticas públicas e ações específicas de promoção, prevenção, reabilitação e recuperação da saúde, entretanto, o que se vê, sobretudo no Brasil, é um completo abandono.
                                               O Judiciário, por sua vez, é chamado a tutelar o direito de inúmeros cidadãos que necessitam de medicamentos ou tratamentos médicos não disponíveis por políticas públicas idôneas, entretanto, suas decisões (contramajoritárias) provocam um problema ainda maior, que é o desequilíbrio orçamentário, o que desafia novas propostas de reforma do sistema de saúde.
                                               O presente estudo tem por finalidade, sem descer a minúcias, discutir os efeitos da ausência de políticas públicas na área da saúde, sob a perspectiva da teoria do discurso de Habermas, a partir de discussões públicas, provocadas, sobretudo pela sociedade civil.
                                               Sobre tais considerações trataremos a seguir em três tópicos: no primeiro, far-se-á breves considerações sobre o fenômeno da “litigância de interesse público”, demonstrando suas implicações no chamado ativismo judicial e o papel contramajoritário da jurisdição; no segundo, abordar-se-á a teoria discursiva e de democracia de Habermas e a sociedade civil; no terceiro e último, será realizada uma análise do cenário atual da saúde brasileira, com apontamentos pessoais sobre a participação da sociedade civil na (re)construção do direito à saúde e a implementação de políticas públicas.

.- BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O FENÔMENO DA LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
                                                O objetivo do presente trabalho não é discutir as questões de decidibilidade que cercam o direito à saúde, portanto, faremos neste tópico apenas alguns apontamentos acerca do fenômeno jurídico denominado de  “litigância de interesse público”, objeto de inúmeros estudos, sobretudo em outros paíse.
                                               Dierle Nunes, citando o Professor da Universidade de Chicago, Geraldo Rosenberg, discorre que o estudo da litigância de interesse público parte da crença de que a jurisdição pode agir para promover a defesa dos menos favorecidos. [1]
                                               O caso  Brows vs Board of education of Topeka,[2]   assim como muitos outros, demonstraram que o Judiciário poderia ser utilizado para garantir direitos, atuando de forma contramajoritária.[3]
                                               Em artigo publicado na Revista da Universidade de Harvard, em 1976, Abram Chayes demonstra que os esforços para garantir e aplicar o direito num Estado de bem-estar social moderno (welfare state) havia produzido um novo tipo de litígio, a chamada “litígância de interesse público” (Public interest litigation – PIL). [4] Esse novo litígio, na opinião do autor, enriquecera o repertório institucional da democracia Norte Americana.
                                               Charles F. Sabel e William H. Simon, sustentam que a descrição analítica de CHAYES sobre litígio de direito público rendeu-lhe algumas críticas. No início, a legitimidade de litígio de direito público era tão suspeita como sua eficácia. Para CHAYES, tal litígio seria legitimar-se através da resolução de problemas públicos que outras instituições do estado administrativo não podia. Mas muitos críticos argumentaram que mesmo a intervenção judicial efetiva deste tipo, muitas vezes foram ilegítimas. Eles enfatizaram, como Chayes tinha concedido, que estes casos não se encaixam facilmente em noções tradicionais do papel judicial ou da separação de poderes.[5]
                                               Na argentina,  segundo a professora Paola Bergallo, a partir da reforma constitucional de 1994, “um grupo de advogados, defensores públicos, organizações civis públicas se voltaram para os tribunais no sentido de alcançar novos espaços para a participação na busca de mudança social.”[6] 
                                               Já no Brasil, como em outros países onde não há respeito aos direitos fundamentais e não existem políticas públicas efetivamente implementadas, a utilização da litigância de interesse público acaba sendo a opção, o que se torna fonte de inúmeras demandas repetitivas e seriais.[7]

                                               Dierle Nunes acrescenta:
Lutas de movimento sociais, do movimento negro, de grupos religiosos, ambientais,[8] entre outras minorias, encontram espaço processual para serem exercidos, em face da garantia constitucional processual de acesso à justiça, que viabiliza a busca perante o Poder Judiciário de qualquer pretensão.
Ao mesmo tempo, coloca-se em discussão em qual medida esse exercício de questões de variado matiz, perante a Jurisdição, teriam legitimidade em face das incontáveis ressonâncias que podem conduzir.
Nesse aspecto, é emblemática a questão da judicialização da saúde no Brasil, na qual, de um lado, temos milhares de cidadãos que precisam de medicamento e tratamento não ofertados por políticas públicas idôneas, e de outro lado, temos decisões que desequilibram o orçamento público de saúde. Seria preciso induzir o cumprimento de um verdadeiro financiamento da saúde para tornar desnecessária a propositura das demandas;[9] mas até lá como resolver tal paradoxo?.[10]
                                               Não resta dúvida que o Estado é negligente em relação a diversos direitos sociais, principalmente o direito à saúde. Entendemos que a ausência de implementação de políticas públicas e o gasto excessivo e sem planejamento das receitas destinadas  à saúde, são os principais fatores que desencadeiam inúmeras ações, provocando uma atuação ativista e contramajoritária dos Tribunais. Por sua vez, as decisõe, não invariavelmente, poderão provocar, como de fato provocam, um desequilibrio orçamentário, o que nos chama a atenção, como cidadão ou sociedade civil, a participar do debate e encontrar uma solução viável.

.- Habermas: Teoria do discurso e a Sociedade Civil
                                               HABERMAS, sociólogo e filósofo alemão, fazendo um caminho inverso da “razão instrumental” de Horkheimer e Adorno, propôs uma teoria que não se limitasse a observar os processos de dominação na sociedade. Para o Professor Simioni, Habermas “reconstruiu a teoria crítica de Marx para uma dimensão histórica onde o inimigo da crítica não era mais o capitalismo, mas a própria racionalidade instrumental do Iluminismo burguês.” [11] 
                                 Em 1981, em resposta a algumas acusações de transcendentalismo,[12] é publicada a obra Ação Comunicativa”, que é, sem dúvida, uma das principais teorias desenvolvidas por Habermas. Simioni a classifica como uma das mais sofisticadas e complexas teorias da sociedade. [13]
                                 Em linhas gerais, a teoria da ação comunicativa pode ser delimitada como a teoria da sociedade moderna[14], pois Habermas supera todas as críticas à sua teoria dos interesses no conhecimento, demonstrando que a ação orientada (ação comunicativa) abandona o paradigma da filosofia da consciência pela filosofia da linguagem.[15]  Com efeito, a linguagem serve como garantia da democracia, uma vez que a própria democracia pressupõe a compreensão de interesses mútuos e o alcance de um consenso.
                                 No pensamente habermasiano, a linguagem só assumirá esse papel democrático caso a comunicação seja clara; distorção de palavras e de sua compreensão impede uma comunicação efetiva, o consenso e, portanto, a prática efetiva da democracia.
                                                Elza Machado de Melo ao abordar a teoria da ação comunicativa de Habermas discorre que:
Trata-se, pois, de uma ciência reconstrutiva da linguagem que, como a Lingüística, postula que estas regras já estejam intuitivamente dadas, como um saber pré-teórico (know-how), a todo falante adulto, e que, à diferença da Lingüística, aborda, não apenas a competência para formar orações, mas a competência de formá-las e empregá-las, como atos de fala, em processos de entendimento, na prática comunicativa cotidiana, inserindo-as na realidade e com elas definindo uma situação demarcada pela referência ao mundo dos fatos (função expositiva da linguagem), ao mundo das vivências (função representativa) e ao mundo das normas (função interativa) – todo sujeito que fala tem a intenção de expressar, de forma inteligível, conteúdos verdadeiros sobre o mundo objetivo, corretos em relação às normas vigentes e verazes em relação ao seu mundo subjetivo, para que possa chegar ao entendimento com o ouvinte. Com seu ato de fala, ele levanta pretensões universais de validade, respectivamente, inteligibilidade, verdade, correção normativa e veracidade (Habermas, 1990a; 1987, v. I e II; 1989; 1996; 2002).
O entendimento lingüístico é o processo pelo qual se produz um acordo fundado no reconhecimento intersubjetivo dessas pretensões de validade, que são passíveis de julgamento objetivo, podendo ser, portanto, fundamentadas e criticadas, pela adução de razões: "As pretensões de validade são conectadas 'internamente' com razões" (Habermas, 1987 v. 1). Sendo assim, o seu reconhecimento depende das tomadas de posição do ouvinte, que sempre podem ser sim ou não. Ao levantar, com seu ato de fala, pretensões de validade, o falante as quer reconhecidas pelo ouvinte – ele supõe ter razões e assume a obrigação de explicitá-las, se preciso for, para levar o ouvinte a aceitá-la; é exatamente esta garantia de que, se preciso for, o falante fundamentará, com razões, a pretensão de validade levantada que leva o ouvinte, racionalmente, a aceitá-la. Falantes e ouvintes supõem ter razões para dizer o que dizem e fazer o que fazem; logo, o acordo que produzem em processos de entendimento é um acordo racional. Dizer que um acordo é racional implica que ele não pode conter nenhum tipo de coerção que induza ou obrigue os participantes a adotar este ou aquele tipo de conduta e que apenas a força das razões que os mesmos julgam adequadas podem atuar para produzi-lo.
Infere-se do que foi dito acima que todo ato de fala comporta imanentemente uma obrigação, por parte do falante, de fundamentação, e isto pode ser feito recorrendo ao conjunto de experiências, convicções e apelos que falantes têm disponíveis no próprio contexto da ação, ou, se os questionamentos forem mais profundos, entrando nos discursos teórico e prático, para fundamentar as pretensões de verdade e de correção normativa, respectivamente. Neste último caso, porém, as próprias normas é que são submetidas ao exame discursivo e não a pretensão de correção referente ao contexto normativo, pois as normas presentes na sociedade, explica Habermas, à diferença do mundo objetivo que tem uma base ontológica, precisam elas próprias de justificação e, por isso, elas mesmas são objeto do discurso prático. Exatamente por esse motivo é possível distinguir entre norma vigente e norma legítima (Habermas, 1987a; 1989b; 2002). Questionamentos persistentes dos atos de fala expressivos poderão ser resolvidos pela avaliação da consistência entre a fala e o comportamento do falante.
[...].
Observa-se que quando as energias da linguagem orientada ao entendimento são utilizadas como mecanismo coordenador da ação e funcionam como fonte de integração social, então, neste caso e apenas nele, tem-se a ação comunicativa. Neste tipo de interação, os planos dos participantes dirigidos a um fim – portanto, teleologicamente estruturados – são harmonizados e integrados pelo acordo alcançado em entendimentos lingüísticos; logo, a ação comunicativa envolve dois aspectos: um deles o entendimento, pelo qual os participantes interpretam consensualmente a situação da ação e realizam seus planos cooperativamente; o outro, o aspecto teleológico relativo aos planos de cada um destes participantes. ...As atividades orientadas para um fim, dos participantes da interação, estão jungidas umas às outras através do meio que é a linguagem (Habermas, 1990a). [16] 
                                               No mesmo sentido Simioni:
A linguagem coloca a ação comunicativa exatamente no mecanismo de coordenação das ações sociais. Esse mecanismo, segundo Habermas, é o próprio entendimento lingüístico[17], que ajusta os planos de ação de cada participante para o estabelecimento de uma interação social. A ação comunicativa, nessas condições, pode então ser descrita como a mediação lingüística de todos os outros tipos de ação social[18]. As relações de um ator com o mundo, seja através da ação teleológica (mundo objetivo), normativa (mundo social) ou dramatúrgica (mundo subjetivo), só pode ser realizada através da linguagem[19]. Uma ação teleológica ou estratégica, governada por interesses individuais de utilidade na manipulação do mundo subjetivo, são medidas por atos comunicativos. Assim também com as ações normativas e dramatúrgicas, que pressupõem a formação de um consenso de natureza lingüística entre os participantes. Tanto a estratégicas como as normas e auto-encenações só têm lugar na linguagem[20]. A ação comunicativa está, portanto, na mediação lingüística do entendimento mútuo a respeito dos três mundos: objetivo, social e subjetivo.[21]
                                                
                                               Tais apontamentos não têm outra finalidade senão demonstrar a importância da linguagem na interação social. No tocante ao discurso, Habermas procura introduzir um princípio de universalização, isto é, um princípio moral, que analogamente ao princípio de indução do discurso teórico, harmonize, nos discursos práticos, as posições individuais dos participantes e a vontade universal, a partir delas formada, o que faz recorrendo ao Imperativo Categórico de Kant,[22] reformulando-o em termos discursivos.[23]
                                                Para se saber se uma vontade é universalizável ou não, necessário se faz abandonar a consciência pessoal e entrar num processo de discussão, em que as decisões se fazem dialogicamente – único modo de alcançar a imparcialidade necessária para julgar questões morais. Só com a interação e participação de todos os envolvidos, que, sem nenhuma coação possam defender suas ideias e seus interesses, a partir de razões apresentadas reciprocamente e que se colocam sob o julgamento de todos, é possível chegar a um consenso que seja universal e ao mesmo tempo preserve a autonomia de todos. Pelos processos discursivos é possível reunir universalidade e autonomia.[24]  
                                               MELO discorre acerca do processo de justificação de normas pelo procedimento discursivo sustentando, no pensamento de Habermas, que é válido o princípio da universalização no qual resulta no princípio do discurso onde só podem reclamar validez as normas que encontrem (ou possam encontrar) o assentimento de todos os concernidos enquanto participantes de um Discurso prático. “Com o princípio do discurso, chega-se ao princípio fundamental de uma teoria da moral.”[25]
                                               Com a junção entre o princípio fundamental de uma teoria da moral e o direito gera o princípio da democracia, entendido como a institucionalização dos processos discursivos de formação política da opinião e da vontade, processo circular em que o princípio da democracia legitima o direito e por ele é institucionalizado.[26]                                               
                                               Para Melo tem-se aqui a gênese de um sistema dos direitos legítimos – liberdades iguais a todos os cidadãos – incluindo e tendo como núcleo – o mecanismo é circular – o direito de participação dado pela institucionalização dos processos discursivos de formação política da opinião e da vontade.[27]
                                               Os direitos sociais, como o direito à saúde, representam os aspectos substantivos da condição de liberdade e igualdade, razão pela qual devem ser garantidos pela participação política dos envolvidos.

                                                Neste ponto passemos a abordar, de forma sintetizada, a noção de sociedade civil e sua finalidade. Por sociedade civil se entende aquele conjunto formado pelos organismos denominados privados, e sociedade política ou Estado. Ambos correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de domínio direto ou de comando que se expressa no Estado e no governo jurídico. Tais funções configuram-se organizativas e conectivas.      
                                               Este conceito de sociedade civil fora elaborado por Gramsci que o resgatou da tradição iluminista e hegeliana dos séculos XVIII e XIX e o deu nova roupagem como parte de uma operação teórica e política dedicada a interpretar as imponentes transformações que se consolidavam nas sociedades do capitalismo desenvolvido. [28]
                                               Como pontua SEMERARO
A novidade da noção de sociedade civil esboçada por Gramsci consiste no fato de que não foi pensada em função do Estado, em direção ao qual tudo deve ser orientado, como queria Hegel. Nem se reduz ao mundo exclusivo das relações econômicas burguesas, como queriam algumas interpretações das teorias de Marx. Para Gramsci, a sociedade civil é, antes de tudo, o extenso e complexo espaço público não estatal onde se estabelecem as iniciativas dos sujeitos modernos que com sua cultura, com seus valores ético-políticos e suas dinâmicas associativas chegam a formar as variáveis das identidades coletivas. É lugar, portanto, de grande importância política onde as classes subalternas são chamadas a desenvolver suas convicções e a lutar para um novo projeto hegemônico enraizado na gestão democrática e popular do poder.[29]
                                               Podemos concluir, embora não exista um conceito harmônico do termo, mas partindo das ideias de Gramsci, a sociedade civil é considerada um espaço onde são elaborados e viabilizados projetos globais da sociedade, se articulam capacidades de direção ético-política, se disputa o poder e a dominação. É um conceito complexo e sofisticado, com o qual se pode entender a realidade contemporânea. E é também um projeto político, abrangente e igualmente sofisticado, com o qual se pode tentar transformar a realidade.
                                               Esta ideia de sociedade civil espelharia a nova situação: uma expansão das individualidades e diferenciações, assim como agregações e unificações superiores. Seria a sede de múltiplos organismos privados, mas nem por isto menos estatais. Seus integrantes estariam dispostos como vetores de relações de força, como agentes de consenso e hegemonia, candidatos a se tornar Estado.[30]
.- DIREITO À SAÚDE: ausência de políticas públicas, controle judicial e participação da sociedade civil            
                                               O direito à saúde é consagrado pela Constituição Federal como direito social e tem o Estado como seu garantidor. É dever do Poder Público a formulação e execução de políticas públicas, as quais estão elencadas nos Títulos VII e VIII da Constituição. Entretanto, o que se vê, não raras vezes, é um total abandono, um verdadeiro descaso por parte do Estado. O Sistema Único de Saúde (SUS) não presta um serviço público de qualidade; muitos medicamentos e tratamentos não são ofertados, ante a ausência de uma política pública idônea.[31]
                                               Com isso, inúmeros cidadãos buscam a tutela do Estado, através do Poder Judiciário, esperando que as omissões do Poder Executivo de do legislativo possam ser supridas. O grande problema, o qual reputamos não menos importante que a própria ausência de implementação de políticas públicas é o resultado catastrófico causado pelas decisões judiciais que desequilibram o orçamento público.
                                               O Estado tem o dever de formular e executar as políticas públicas no sentido de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais. Ainda que a tutela desses direitos, como o caso do direito à saúde, tenha que ser pensada a partir do binômio “mínimo existencial” (garantidor do fundamento da dignidade da pessoa humana) e “reserva do possível” – em meio às restrições orçamentárias e às prioridades governamentais fixadas intertemporalmente pelo Poder Público-, tais políticas não podem simplesmente ser negligenciadas. No entanto, não é o que se vê.    
                                               Sobre o tema colacionamos o pensamento da Professora Élida Graziane Pinto em artigo publicado em 2007:
Quando se passa a cuidar da deliberação do quantum  orçamentário ideal – sempre progressivo e insuficiente – para essa ou aquela prestação social a cargo do Estado, sabe-se que tal debate só pode ser empreendido durante o processo de elaboração e aprovação das leis orçamentárias de cada ente. Por essa razão é que não se trataria de senda passível de revisão judicial, mas de deliberação político-representativa (por isso discricionária) à luz das disponibilidades de receitas e das prioridades alocativas de um determinado governo.
Mas como seria possível avançar em renovados instrumentos de controle postos à disposição da sociabilidade democrática? Quiçá seja esse o grande desafio, para além da emergência do Judiciário como gigante controlador da omissão (por vezes eventual, vezes outras reiterada) do Executivo no cumprimento de seus deveres constitucionais e das diversas insuficiências do Legislativo no estreitamento do controle sobre a execução orçamentária e sobre as políticas públicas que respondem por direitos fundamentais.[32]
 
                                               Nosso objetivo não é discutir a questão orçamentária, até porque foge da proposta inicial, entretanto, não se deve desconsiderar a importância do debate, sobretudo porque se estamos diante de uma questão orçamentária, que afeta a todos daquele Estado, em tese, a matéria deve ser deliberada (discutida) por todos, isso é democracia.
                                               Com isso, estamos afirmando que não só os afetados diretamente pela ausência de políticas públicas devem ter uma participação mais efetiva no controle orçamentário, mas toda a sociedade. Se partirmos do pressuposto que num regime democrático todo poder emana do povo, [33] que o exerce por meio dos representantes eleitos, esse povo (que delegou poderes aos representantes) deve controlar seus representantes.
                                               Neste sentido, controlar se, na aplicação discricionária da lei orçamentária, não houve desvio de finalidade ou inadequação dos motivos apresentados com o caso concreto é exercício que passa tanto pela submissão a processos discursivos de deliberação, quanto pelo respeito a salvaguardas fundamentais. Ambas as hipóteses são necessárias porque, por um lado, asseguram o respeito republicano às prioridades alocativas inscritas constitucionalmente, quanto, por outro, asseguram o caráter democrático dos eventuais remanejamentos orçamentários ocorridos entre todas essas políticas públicas.[34]
                                               MELO discorre que:
Do mesmo modo, por falta de espaço, não é possível discutir aqui as implicações práticas da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, mas, a título de indicação, ressaltamos a fecundidade da intersubjetividade lingüisticamente mediada para pensar a organização e o funcionamento do sistema de saúde, em todos os seus aspectos, a saber, o financiamento, o desenho organizativo (modelos institucionais), a formação de recursos humanos, o planejamento, a construção de modelos assistenciais alternativos e, é óbvio, o controle social. Nesse sentido, nossa experiência com a promoção de saúde se beneficia dessa teoria e da sua tradução para um modelo de democracia sob três grandes e interligados enfoques, a saber: (1) o estabelecimento de relações de intersubjetividade abrindo o acesso ao mundo da vida dos atores sociais envolvidos (Ayres, 2004; Ceccim & Feuerwerker, 2004; Melo, 1999; Merhy, 1998), que, por sua vez, possibilitam concretamente (2) a associação imprescindível entre exercício de autonomia e direito de saúde, de tal modo que todos os participantes sejam de fato autores das ações implementadas (Saltmann, 1994; Westphal, 2000; Breilh, 2000; Andrade & Vaistman, 2002; Maia & Fernandes, 2002; Sperandio et al. 2004), gerando, em decorrência da participação nesse processo, (3) sociabilidade e laços de solidariedade capazes de se contrapor à colonização do mundo da vida (Melo, 2004; 2005; Maia & Fernandes, 2002). Sendo assim, os projetos que desenvolvemos na universidade se estruturam segundo o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e têm na sua base a adoção de um procedimento, a saber, a criação de espaços permanentes de participação e reflexão que se abrem à contribuição concreta de todos os participantes dentro do que cada um sabe e gosta de fazer de modo que, recebendo-a, integre-a ao conjunto, gerando assim saberes e práticas coletivas constitutivas do corpo e do conteúdo do projeto. Citamos especialmente a abordagem da violência social entre adolescentes do Aglomerado Urbano Morro das Pedras, Belo Horizonte, onde vivem aproximadamente 20.000 habitantes, sujeitos às mais duras condições de vida – a pobreza, a exclusão social, o tráfico de drogas, as gangues, perversa combinação que faz desse um dos espaços mais violentos de Belo Horizonte, com o maior índice de homicídios da nossa capital, motivo pelo qual, além de outras catástrofes, como desabamentos, está sempre presente, e de forma estigmatizante, na mídia. Se a violência pode ser definida como perda de reconhecimento pelo outro, mediante o uso do poder, da força física ou de qualquer forma de coerção (Zaluar, 2001), então, para nós, combatê-la é, antes de tudo, recuperar em cada espaço, no cotidiano, essa competência de falar e agir que nos dá a todos a condição de sujeitos – é explorar ao máximo as potencialidades interativas e criadoras da fala – no sentido do uso da linguagem como práxis social.
Uma das questões que a proposta de democracia deliberativa deixa em aberto é o aspecto motivacional do cidadão em participar (Habermas, 1996). No entanto, configura-se aqui uma das contribuições da experiência à teoria: aprendemos com a prática que os atores sociais, se chamados a participar e se avaliarem que são ouvidos e levados em conta, eles participam. [35]
                                               Em especial, as sociedades civis exercem um papel de fundamental importância no processo democrático, sobretudo no debate das políticas públicas. Seus integrantes estariam dispostos como vetores de relações de força, como agentes de consenso e hegemonia. É verdade que a decisão não está nas mãos da sociedade civil, enquanto entidade, e, tampouco dos cidadãos individualmente considerados e afetados diretamente, mas sua participação é imprescindível.
.- CONSIDERAÇÕES FINAIS
                                               O direito à saúde encontra barreiras, por ora, intransponíveis, para sua perfeita implementação. É verdade que o Estado, garantidor dos ideais constitucionais, principalmente dos direitos fundamentais, tem o dever de regular e executar políticas públicas, sobretudo aquelas elencadas nos Títulos VII e VIII da Constituição Federal, especificamente no campo da saúde; não menos verdade, tais implementações devem passar pelo crivo do mínimo existencial e da reserva do possível, mas não podem, sobe este pretexto ser preteridas.
                                               Tentamos demonstrar no presente trabalho que o direito à saúde carece de atenção por parte do Poder Público, o que, invariavelmente, provoca a participação do Poder Judiciário em questões emergenciais, o qual, por sua vez, vem exercendo um papel contramajoritário, muitas vezes criticado de ativista, mas essencial, pelo menos no atual cenário, à garantia do direito à saúde. Essa necessidade de intervenção do Judiciário, ante a omissão do Poder Público, denominada de litigância de interesse público, cada vez mais presente no Brasil, foi e ainda é objeto de inúmeros estudos, sobretudo no estrangeiro.
                                               Restou consignado que as questões de saúde no Brasil decorrem da má distribuição orçamentária. Enquanto de um lado se questiona o dever do Estado de regular e executar políticas públicas da saúde, pautada no mínimo existencial; do outro, se alega que a intervenção do Judiciário nestas questões, violam não só a independência dos poderes, com também a reserva do possível. Neste contexto, concluímos que o povo, aqui entendido como destinatário dos direitos sociais (portanto, todos), tem o dever de controlar aqueles que ele elegeu.
                                               Essa participação, seja individual (aqueles diretamente afetados), ou por meio das entidades públicas ou privadas (sociedades civis), deve ser efetiva e por meio do debate público, modo discursivo. Somente assim, tentar-se-á buscar o equilibro desejado entre a prestação de um serviço público com qualidade e a possibilidade de manutenção desse serviço através de uma política orçamentária séria e idônea. [36]
.- REFERÊNCIAS
1.                  ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e minorias. Revista de informação legislativa, v.24, nº 96, p. 189-194, out./dez. de 1987. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181799/1/000433557.pdf.>  Acesso em: 21/2/2012.
2.                  BERGALLO, Paola. Justicia y experimentalismo: la función remedial del poder judicial en el litigio de derecho público en Argentina. SELA 2005 Panel 4: El papel de los abogados
3.                  CHAYES, Abram.    The Role Of the Judge in Public Law Litigation: The Harvard Law Review Association. Vol. 89. Nº. 7 pp. 1281-1316. Disponível em:  http://www.jstor.org/stable/1340256. Acesso em: 24/2/2012.
4.                  NUNES, DIERLE. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo 2011, vol. 199.
5.                  PINTO. Élida Graziane. Controle de Políticas Públicas: ainda às voltas com a indigência analítica... Veredas do Direito. vol. 4. Nº. 8, pp 65-80. Belo Horizonte. Junho-dezembro/2007
6.                  SABEL, Charles F.; SIMON, William H. Destabilization Hights: how Public Law Litigation Succeeds. The Harvard Law Review Association. Vol. 117. Nº.4 pp. 1015-1101. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/4093364. Acesso em 24/2/2012.
7.                  SEMERARO, Giovanni. Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Educação & Sociedade. ano XX. Nº. 66. Abril de 1999. PP. 65-83. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v20n66/v20n66a3.pdf.  Acesso em: 24/2/2012.


[1] NUNES, DIERLE. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo 2011, vol. 199.
[2] "1954) U.S. Supreme Court case in which the court ruled unanimously that racial segregation in public schools violated the 14th Amendment to the U.S. Constitution. The amendment says that no state may deny equal protection of the laws to any person within its jurisdiction. The court declared separate educational facilities to be inherently unequal, thus reversing its 1896 ruling in Plessy v. Ferguson. The Brown ruling was limited to public schools, but it was believed to imply that segregation is not permissible in other public facilities. Guidelines for ending segregation were presented and school boards were advised to proceed “with all deliberate speed.” Disponível em: http://encyclopedia2.thefreedictionary.com/Brown+v.+Topeka+Board+of+Education. Acesso em: 24/2/2012. "1954) EUA caso da Suprema Corte em que o tribunal decidiu por unanimidade que a segregação racial em escolas públicas violava a 14 ª Emenda à Constituição dos EUA. A emenda diz que nenhum estado pode negar igual proteção das leis de qualquer pessoa sob sua jurisdição. O tribunal Orientações declarados separados estabelecimentos de ensino para ser inerentemente desigual, invertendo assim a sua decisão de 1896 em Plessy v Ferguson. a decisão Brown limitou-se a escolas públicas, mas acreditava-se sugerir que a segregação não é admissível em outras instalações públicas. para acabar com a segregação foram apresentados e os conselhos escolares foram aconselhados a continuar "com a máxima urgência.” Tradução livre.
[3] Em 1987, Geraldo Ataliba escreveu um pequeno texto [ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e minorias. Revista de informação legislativa, v.24, nº 96, p. 189-194, out./dez. de 1987. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181799/1/000433557.pdf.>  Acesso em: 21/2/2012.] onde demonstra toda sua preocupação com esta parcela do povo, onde expõem suas ideias e prevê uma atuação mais efetiva do Judiciário, o que denominamos hoje de o papel contramajoritário da jurisdição:
De nada adianta fazer uma constituição, se ela não for obedecida. Não adiante haver lei [3]para tudo, se não for respeitada. Daí a importância do Poder Judiciário. Este merece especial cuidado dos constituintes, pois é a chave de todas as instituições. Elas só funcionam com o virtual ou atual controle do Judiciário, como demonstra o sábio SEABRA FAGUNDES.
Na nossa sociedade tão deformada, involuída e subdesenvolvida, o Judiciário é mais importante do que nos países adiantados (que, aliás, o são porque têm boas instituições judiciais.
É que os fracos, os pobres, os destituídos, os desamparados, bem como as minorias (raciais, religiosas, econômicas, políticas e étnicas etc), só têm por arma a defesa do direito. E direito só existe onde haja juízes que obriguem seu cumprimento.
Na democracia, governam as maiorias. Elas fazem as leis, elas escolhem os governantes. Estes são comprometidos com as maiorias que o elegeram e a elas devem agradar. As minorias não têm força. Não fazem leis, nem designam agentes políticos ou administrativos.
Sua única proteção está no judiciário. Este não tem compromisso com a maioria. Não precisa agradá-la, nem cortejá-la. Os membros do judiciário não são eleitos pelo povo. Não são transitórios, não são periódicos. Sua investidura é vitalícia. Os magistrados não representam a maioria, são a expressão da consciência jurídica nacional.
Seu único compromisso é com o direito, com a Constituição e as leis; com os princípios jurídicos encampados pela Constituição e por ela não repelidos (...).

[4]  CHAYES, Abram.    The Role Of the Judge in Public Law Litigation: The Harvard Law Review Association. Vol. 89. Nº. 7 pp. 1281-1316. Disponível em:  http://www.jstor.org/stable/1340256. Acesso em: 24/2/2012.
[5] SABEL, Charles F.; SIMON, William H. Destabilization Hights: how Public Law Litigation Succeeds. The Harvard Law Review Association. Vol. 117. Nº.4 pp. 1015-1101. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/4093364. Acesso em 24/2/2012.
[6] BERGALLO, Paola. Justicia y experimentalismo: la función remedial del poder judicial en el litigio de derecho público en Argentina. SELA 2005 Panel 4: El papel de los abogados. p. 1.
[7] NUNES. Op. Cit. p. 43.
[8] A utilização da litigância de interesse público vem se tornando comum no Brasil, mediante a utilização de Ações Coletivas promovidas pelo Ministério Público. Este não é um fenômeno tão somente brasileiro. Como noticia Gao Jie desde 27 de dezembro de 2007 tal litigância vem se tornando viável na China, quando a Corte Ambiental de Qingzhen, uma cidade em nível de distrito sob a jurisdição da capital provincial, Guiyang, Província de Guizhou, publicamente proferiu sua decisão no caso da Fábrica Química Tiangeng. Inclusive há uma tendência para criação de órgãos jurisdicionais especializados para a temática. JIE, Gao. Environmental Public Interest Litigation and the Vitality of environmental Courts: the development and future of environmental courts in China. Disponível em: [www.greenlawchina.org/2010/03/environmental-public-interest-litigation-continues-to-develop/].
[9] Como demonstra Élida Graziane Pinto “É preciso rever o modelo definido no artigo 77 do ADCT, o qual já deveria ter sido substituído por lei complementar desde 2005. Eis a raiz do problema: há uma omissão inconstitucional na falta de regulamentação da Emenda 29 que torna nebuloso o horizonte e que esconde a mais flagrante verdade não revelada pela União. Faltam recursos ao SUS, a despeito de a arrecadação federal bater recordes sucessivos e vertiginosos de crescimento, porque a União não tem nenhum dever de correlação de gasto mínimo na saúde em face do comportamento da sua receita. Enquanto o fasto mínimo federal continuar sendo corrigido apenas pela variação nominal do PÌB e a regulamentação da Emenda 29/2000 continuar sendo inconstitucionalmente negligenciada, o SUS sofrerá não é com a falta da CPMF, mas com a regressividade do gasto federal em saúde.” Pinto. Élida. Volta da CPMF não corrigirá subfinanciamento no SUS. Disponível em: [www.conjur.com.br/2011-abr-02/volta-cpmf-não-corridira-subfinanciamento-sistema-único-saude].
[10] NUNES. Op. Cit. pp. 43-44.
[11] SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito e racionalidade comunicativa: A Teoria Discursiva do Direito no Pensamento de Jürgem Habermas. Curitiba: Juruá, 2007. 332p. p.25-26.
[12] Simioni apresenta algumas questões que se colocavam à teoria de Habermas: a teoria dos interesses no conhecimento pode identificar interesses em seu próprio conhecimento? Que condições tem essa teoria de produzir emancipação social se ela mesma está inevitavelmente inserida na racionalidade instrumental que pretende criticar?
[13] Ibid. p. 26.
[14] “Para sistematizar os aportes da teoria da ação comunicativa, pode-se iniciar identificando três objetivos fundamentais de sua proposta teórica: a) Habermas pretende desenvolver um conceito de racionalidade abrangente e capaz de emancipar-se do modelo de racionalidade subjetivista e individualista a racionalidade comunicativa; b) pretende também explicar como é possível uma ordem social a partir da distinção entre “integração sistêmica” (para integrar a teoria dos sistemas) e “integração social” (para integrar a tradição fenomenológica, baseada no conceito de “mundo vivido” de Husserl); c) e por fim, Habermas utilizará esses aportes para uma teoria crítica da sociedade contemporânea, capaz de produzir novas possibilidades de reconstrução do projeto iluminista, que tem como hipótese de fundo a existência de âmbito de ação comunicativamente estruturados, os quais se encontram submetido a imperativos sistêmicos, isto é, sistemas de ação formalmente organizados que conquistaram autonomia. A diferença, então, entre integração sistêmica – realizada principalmente através de meios como o dinheiro e o poder burocrático – e integração social – realizada pelo conjunto de todas as crenças, práticas, culturas e tradições compartilhadas intersubjetivamente em um “mundo vivido” – constituirá o fundamento para as descrições das condições de validade das ações sociais.” (SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito e racionalidade comunicativa: A Teoria Discursiva do Direito no Pensamento de Jürgem Habermas, p. 27)
[15] Idem.
[16] MELO, Elza Machado de. Ação comunicativa, democracia e saúde. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2005, vol.10, suppl., pp. 167-178. ISSN 1413-8123. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000500019&lang=pt>. Acesso em: 24/2/2012.
[17] HABERMAS, Jürgen. Teoria de La acción comunicativa I, p. 138.
[18] Assim, Habermas prepara um conceito de ação comunicativa capaz de abranger todas as funções da linguagem, isto é, capaz de abranger o interacionismo simbólico de Mead, os jogos de linguagem de Wittgenstein, os atos de fala de Austin e até a hermenêutica filosófica de Gadmer. Segundo Habermas, a ação social não pode ser reduzida a operações de interpretação, onde atuação seria sinônimo de fala e interação sinônimo de conversação (ibidem, p. 138).
[19] Ibidem, p. 136.
[20] Ibidem, p. 137.
[21] SIMIONI. Op. Cit. pp. 38-39.
[22] O Imperativo Categórico de Kant é um princípio moral, segundo o qual são justas apenas as ações cujas máximas podem se transformar em lei universal (Kant apud Melo, p.171).
[23] HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro. 1989.
[24] MELO.  Op. Cit. p. 171.
[25] Idem.
[26] Habermas apud MELO, op. Cit. 173.
[27] Ibid. p. 172.
[28] SEMERARO, Giovanni. Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Educação & Sociedade. ano XX. Nº. 66. Abril de 1999. PP. 65-83. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v20n66/v20n66a3.pdf.  Acesso em: 24/2/2012. [Texto apresentado para o Congresso Internacional: “Antonio Gramsci: Da un secolo all’altro”,organizado pela Internacional Gramsci Society, no Istituto Italiano per  gli Studi Filosófici , Napoli, 16-18 de outubro de 1997].
[29] Ibid.
[30] Ibid.
[31] DIERLE, op. cit. 44.
[32] PINTO. Élida Graziane. Controle de Políticas Públicas: ainda às voltas com a indigência analítica... Veredas do Direito. vol. 4. Nº. 8, pp 65-80. Belo Horizonte. Junho-dezembro/2007
[33] Para definir um sistema democrático, pode-se começar verificando empiricamente os modos lingüísticos de utilização da palavra "povo" nos textos das normas do direito vigente, sobretudo nas constituições. Dessa análise, resultam vários modos de utilização. O primeiro deles é, também, o único que, até agora, foi usado na bibliografia da Ciência do Direito como conceito jurídico de "povo": os titulares dos direitos eleitorais. Denomino esse modo de utilização "povo ativo". Isso basta para o Poder Legislativo, na medida em que se compreende, graças à idéia de representação, que "o povo" é, indiretamente, a fonte da legislação. Mas isso não funciona no caso das atividades dos Poderes Executivo e Judiciário, que, afinal de contas, também devem ser "demo"craticamente justificadas. O povo ativo decide diretamente ou elege os seus representantes, os quais co-atuam, em princípio, nas deliberações sobre textos de normas legais que, por sua vez, devem ser implementadas pelo governo e controladas pelo Judiciário.
Na medida em que isso é feito corretamente em termos do Estado de Direito, aparece, no entanto, uma contradição no discurso da democracia: por um lado, faz sentido dizer que os governantes, os funcionários públicos e os juízes estariam democraticamente vinculados; mas não faz sentido dizer que, aqui, o povo ativo ainda estaria atuando "por intermédio" de seus representantes. Onde funcionários públicos e juízes não são eleitos pelo povo, a concretização de leis não basta para torná-los representantes deste mesmo povo. O ciclo da legitimação foi rompido, ainda que de forma democrática; mas ele foi rompido. Os vínculos são cortados de forma não-democrática quando a decisão executiva ou judicial for ilegal; aqui, o povo invocado pelo titular do respectivo cargo ("em nome do povo, profiro a seguinte sentença...") produz somente o efeito de um ícone, de um mero passepartout[33]  ideológico.
No caso já mencionado, ou seja, na decisão defensável em termos do Estado de Direito, o papel do povo apresenta-se diferentemente: como instância de uma atribuição global de legitimidade. Tal papel transcende, na sua abrangência, o povo ativo; abrange todos os que pertencem à nação.
Além disso, as decisões dos órgãos que instituem, concretizam e controlam as normas afetam a todos aqueles aos quais dizem respeito: o "povo" enquanto população efetiva. Uma democracia legitima-se a partir do modo pelo qual ela trata as pessoas que vivem no seu território - não importa se elas são ou não cidadãs, ou titulares de direitos eleitorais. Isso se aproxima, finalmente, da idéia central de democracia: autocodificação, no direito positivo, ou seja, elaboração das leis por todos os afetados pelo código normativo. O princípio "one man, one vote" (pensado em outra acepção) também pode ser compreendido não com vistas a uma camada social específica, mas com vistas à qualidade humana de cada pessoa afetada, independentemente da cidadania. Desse povo-destinatário, ao qual se destinam todos os bens e serviços providos pelo Estado Democrático de Direito, fazem parte todas as pessoas, independentemente, também, de idade, estado mental e status em termos de direitos civis. MÜLLER, Friedrich. Democracia e exclusão social em face da globalização. Op. Cit.
[34] Ibid. p. 78.
[35] MELO. Op. Cit. pp.176-177.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

VÍDEO AULA DE DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO


Aulas de Direito Processual do Trabalho ministradas pelo professor Leonardo Borges no Saber Direito.



DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - AULA 1




DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - AULA 2


DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - AULA 3


VÍDEO











DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - AULA 4




DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - AULA 5



VÍDEO AULA DE DIREITO DO TRABALHO

Aulas de Direito do Trabalho ministradas pelo professor Leandro Antunes no Saber Direito.


DIREITO DO TRABALHO - AULA 1





DIREITO DO TRABALHO - AULA 2



DIREITO DO TRABALHO - AULA 3


DIREITO DO TRABALHO - AULA 4




DIREITO DO TRABALHO - AULA 5



VÍDEO AULA DE DIREITO DO CONSUMIDOR NA PRÁTICA


Aula de Direito do Consumidor na prática ministrado pelo professor Maia no Saber Direito.


DIREITO DO CONSUMIDOR NA PRÁTICA - AULA 1




DIREITO DO CONSUMIDOR NA PRÁTICA - AULA 2




DIREITO DO CONSUMIDOR NA PRÁTICA - AULA 3



DIREITO DO CONSUMIDOR NA PRÁTICA - AULA 4



DIREITO DO CONSUMIDOR NA PRÁTICA - AULA 5



VÍDEO AULA DE DE DIREITO EMPRESARIAL

Aulas de direito empresarial ministradas no Saber Direito pelo Professor André Luiz Santa Cruz Ramos.




DIREITO EMPRESARIAL - AULA 1








DIREITO EMPRESARIAL - AULA 2





DIREITO EMPRESARIAL - AULA 3





DIREITO EMPRESARIAL - AULA 4



DIREITO EMPRESARIAL - AULA 5









RESERVA ÚNICA DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS É IMPENHORÁVEL, QUALQUER QUE SEJA A APLICAÇÃO FINANCEIRA

Reserva única de até 40 mínimos é impenhorável, qualquer que seja a aplicação financeira


A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que é impenhorável o valor correspondente a 40 salários mínimos da única aplicação financeira em nome da pessoa, mesmo que esteja depositado por longo período de tempo. A garantia não se restringe às cadernetas de poupança, mas vale para qualquer tipo de aplicação financeira.

O entendimento foi proferido no julgamento de um recurso especial afetado pela Quarta Turma à Segunda Seção. O recorrente contestava acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que afirmou que seu crédito trabalhista aplicado em fundo DI não possuía caráter salarial e alimentar, por isso poderia ser penhorado.

O tribunal paranaense afirmou que a impenhorabilidade das verbas até 40 salários mínimos somente seria aplicável às quantias depositadas em cadernetas de poupança, não atingindo valores depositados em fundos de investimento ou outras aplicações financeiras.

Depositado em fundo de investimento, o crédito oriundo de reclamação trabalhista do recorrente não foi utilizado por mais de dois anos, compondo reserva de capital. Segundo o TJPR, em virtude da não utilização da verba para a satisfação de necessidades básicas, ela perdeu o caráter salarial e alimentar e ficou sujeita à penhora.

Jurisprudência

A ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso no STJ, citou precedente da Quarta Turma (REsp 978.689), segundo o qual “é inadmissível a penhora dos valores recebidos a título de verba rescisória de contrato de trabalho e depositados em conta corrente destinada ao recebimento de remuneração salarial (conta salário), ainda que tais verbas estejam aplicadas em fundos de investimentos, no próprio banco, para melhor aproveitamento do depósito”.

A ministra afirmou, todavia, que concorda com o entendimento da Terceira Turma no REsp 1.330.567 sobre a penhorabilidade, em princípio, das sobras salariais após o recebimento do salário ou vencimento seguinte.

Para Gallotti, as sobras salariais “após o recebimento do salário do período seguinte, quer permaneçam na conta corrente destinada ao recebimento da remuneração, quer sejam investidas em caderneta de poupança ou outro tipo de aplicação financeira, não mais desfrutam da natureza de impenhorabilidade decorrente do inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil (CPC).

Entretanto, a ministra explicou que as verbas obtidas após a solução de processos na Justiça do Trabalho “constituem poupança forçada de parcelas salariais das quais o empregado se viu privado em seu dia a dia por ato ilícito do empregador. Despesas necessárias, como as relacionadas à saúde, podem ter sido adiadas, arcadas por familiares ou pagas à custa de endividamento”.

Gallotti também considerou que o valor recebido como indenização trabalhista e não utilizado, após longo período depositado em fundo de investimento, “perdeu a característica de verba salarial impenhorável”, conforme estabelece o inciso IV do artigo 649 do CPC.

Reserva única

Todavia, segundo a relatora, é impenhorável a quantia de até 40 salários mínimos poupada, “seja ela mantida em papel moeda, conta corrente ou aplicada em caderneta de poupança propriamente dita, CDB, RDB ou em fundo de investimentos, desde que seja a única reserva monetária em nome do recorrente, e ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude, a ser verificado caso a caso”. A ministra afirmou que esse deve ser o entendimento a respeito do inciso X do artigo 649 do CPC.

Segundo ela, o objetivo do dispositivo “não é estimular a aquisição de reservas em caderneta de poupança em detrimento do pagamento de dívidas, mas proteger devedores de execuções que comprometam o mínimo necessário para a sua subsistência e a de sua família, finalidade para a qual não tem influência alguma que a reserva esteja acumulada em papel moeda, conta corrente, caderneta de poupança propriamente dita ou outro tipo de aplicação financeira, com ou sem garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC)”.De acordo com a Segunda Seção, a verba de até 40 salários mínimos – mesmo que tenha deixado de ser impenhorável com base no inciso IV do artigo 649, em virtude do longo período de depósito em alguma aplicação – mantém a impenhorabilidade pela interpretação extensiva do inciso X, se for a única reserva financeira existente, pois poderá ser utilizada para manter a família.


Fonte: STJ

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O NOVO PRESIDENTE DA AMB CRITICA ATUAÇÃO DO CNJ



NOVO SISTEMA
“Foco do CNJ deveria ser a administração da Justiça”




O juiz João Ricardo Costa, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, tem a solução para a morosidade do Judiciário brasileiro. Para ele, é preciso modernizar a legislação processual para torná-la "compatível com a demanda do nosso tempo", além de reajustar o foco do Conselho Nacional de Justiça para as questões administrativas da Justiça, e não só disciplinares.

Com mais de 20 anos de carreira e há seis meses à frente da AMB, João Ricardo é um grande crítico do quadro geral do Judiciário brasileiro. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, ele afirma que parte da insatisfação da sociedade com os juízes vem de um "surreal" sistema recursal que "permite 80 recursos". Isso impossibilita que os juízes apresentem resultados satisfatórios perante a crescente demanda da sociedade por seus serviços.

O exemplo que ele cita é matemático. Uma empresa de telecomunicações pode cobrar R$ 2 a mais por mês de dez milhões de pessoas "apertando um botão". "Se 10% dessas pessoas entrarem com uma ação individual, isso gera um milhão de ações. Esse exemplo mostra porque estamos atrasados. O juiz fica dando sentença repetitiva."

João Ricardo também critica os rumos que o CNJ vem tomando, dez anos depois de sua criação, com a Emenda Constitucional 45/2004. O que o CNJ deveria fazer, afirma, é administrar a Justiça e criar políticas em busca de soluções. A questão disciplinar, para o presidente, é secundária, "porque a corrupção não é um problema no Judiciário".

O presidente da AMB tem experiência em associações de classe da magistratura. Natural de Porto Alegre, João Ricardo Costa já foi presidente da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e coordenador do Fórum Mundial de Juízes. Na AMB, ocupou a Vice-Presidência de Direitos Humanos de 2008 a 2010 e presidiu a Comissão de Direitos Humanos. Hoje, está à frente da maior associação de magistrados do Brasil, com cerca de 14 mil membros no país inteiro.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor está há pouco mais de seis meses no comando da AMB. Quais têm sido as maiores dificuldades?
João Ricardo — Um desafio é dialogar com o governo federal, que parece que governa sem saber que tem Poder Judiciário no Brasil e que esse Poder é importante para distensionar a sociedade. Quando se veem linchamentos, justiceiros e badernas, isso tem a ver com o Judiciário. Se a sociedade não sente que o Estado tem condições de resolver o conflito, ela mesma vai resolver. O governo deveria pensar nisso e dialogar com o Judiciário, para que se possa enfrentar essa demanda.

ConJur — O Conselho Nacional de Justiça está cumprindo seu papel?
João Ricardo — O CNJ está fazendo dez anos. Veio para criar políticas nacionais no Poder Judiciário e dar uma adequação da intervenção do Judiciário diante dos novos direitos que vieram com a Constituição de 1988, além do aspecto disciplinar. Para a magistratura, o papel mais importante é a administração da Justiça, a criação de políticas para que o Judiciário preste um bom serviço. O disciplinar não é tão importante porque a corrupção não é um problema do Judiciário. São 20 mil juízes na ativa e pouquíssimos casos de corrupção.

ConJur — Qual é o problema do Judiciário?
João Ricardo — O problema do judiciário é a morosidade. E nesse sentido temos uma posição crítica ao CNJ porque as políticas não têm sido adequadas para enfrentar a demanda judicial. Os números mostram que pouco se avançou em melhorias na prestação jurisdicional, mesmo após esses dez anos de CNJ. Não estamos conseguindo diminuir as taxas de congestionamento judicial a pontos razoáveis.

ConJur — A AMB tem contribuído para mudar esse cenário?
João Ricardo — Sempre procuramos trabalhar com o CNJ, fazendo propostas, mesmo quando não somos chamados. Inclusive, neste momento entendemos que houve um retrocesso na relação do CNJ com a magistratura, principalmente a de primeiro grau.

ConJur — Em que sentido?
João Ricardo — O CNJ mudou as resoluções que tratam do planejamento estratégico e a valorização do primeiro grau para que não tivesse participação das associações de juízes, que é o único ambiente democratizado que tem no Judiciário. Apesar do retrocesso, continuamos apresentando projetos que para nós são fundamentais. O principal trata da necessidade de se fazer um trabalho científico de monitoramento do litígio no Brasil, permitindo que o CNJ identifique as origens desse litígio para que se possa, antes do processo ingressar em juízo, identificar as causas e tentar evitar que ocorra algum dano social.

ConJur — O que é preciso atualizar no Judiciário?
João Ricardo — Uma legislação compatível com a demanda do nosso tempo e um Conselho Nacional de Justiça que perceba isso, que instale esse sistema que traduza para os tribunais o litígio brasileiro. Não temos, hoje, condições de identificar as fontes desse litígio. A tecnologia que produz o litígio não tem contrapartida na tecnologia que soluciona o litígio. Uma companhia telefônica aperta um botão e pelo computador desconta R$ 2 de dez milhões de pessoas. Se 10% dessas pessoas entrarem com uma ação individual, isso gera um milhão de ações. Isso porque a companhia telefônica apertou um botão. Esse exemplo mostra porque estamos atrasados. O juiz fica dando sentença repetitiva. Já apresentamos um projeto no Congresso Nacional sobre o tema, mas, em função da pressão desses agentes que mais usam o Judiciário ele foi arquivado. Agora, está voltando a tramitar.

ConJur — Como é essa proposta?
João Ricardo — É criar um processo coletivo moderno que atenda e resolva completamente os litígios sem que as pessoas tenham que entrar em juízo. É o aso da companhia telefônica. O valor é pequeno individualmente, mas se somarmos os dez milhões que podem entrar com ação, o valor chega a R$ 20 milhões. Isso causa um dano difuso na economia, pois o dinheiro deixa de circular. Pela proposta, nesse caso, você entra com uma ação coletiva e manda devolver o dobro, conforme previsto no Direito do Consumidor. Como a empresa tirou da conta, pode estornar na própria conta, sem processo de execução. Olha os ganhos para a sociedade e os ganhos para o orçamento do Judiciário.

ConJur — Ganho monetário?
João Ricardo — Sim. Cada processo individual custa em média R$ 900. Imagina dois milhões de processos para cada litígio, o custo desse processo no orçamento do Judiciário e o que seria economizado. Esse argumento foi inclusive por mim utilizado na discussão da Proposta de Emenda à Constituição 63 — que trata do adicional por tempo de serviço para juízes e Ministério Público. Se aprovassem o projeto do processo coletivo e a PEC dos Recursos [que adianta a execução dos processos judiciais para depois de decisões de segunda instância] reduziria pela metade o orçamento do Judiciário. Isso, é claro, se a PEC dos Recursos for restaurada, porque ela foi totalmente deturpada. A fundamentação é maravilhosa, mas o texto é uma tragédia.

ConJur — A AMB então não apoia o projeto atual da PEC dos Recursos?
João Ricardo — O texto original é muito importante e nós apoiamos, porque é uma possibilidade de acabar com uma coisa que só tem no Brasil que são quatro graus de recurso. O sistema recursal brasileiro possibilita até 80 recursos em uma ação. Isso é surreal. Não é possível que um colegiado se reúna tantas vezes para discutir a forma e uma vez só para discutir o mérito. O substitutivo do senador Aluísio Nunes (PSDB-SP) não tem nada a ver com a proposta, por isso não apoiamos. O substitutivo trata de um recurso na sentença de pronúncia do tribunal de júri quando a demanda por Justiça é em outras áreas. O cível tem muito mais processos. É fundamental que se enxugue esse sistema recursal para dar celeridade ao processo e para que as partes consigam ver o fim do processo.

ConJur — O que impede a PEC do adicional por tempo de serviço de ser aprovada?
João Ricardo — O governo, que traz projeções completamente absurdas. O governo fala em R$ 30 bilhões. Nós temos uma estimativa de R$ 2 bilhões e isso dá uma média 2% da folha de pagamento do Judiciário, não dos juízes. O impacto orçamentário é perfeitamente assimilado pelos tribunais, tanto que os presidentes apoiam. O subsídio para o Judiciário tem causado um problema sério porque está esvaziando a carreira. E a carreira jurídica precisa atrair as pessoas mais capacitadas, porque é a pessoa que recebe maior tensão, a que dá a última palavra, o que precisa de uma capacitação maior.

ConJur — O adicional por tempo de serviço resolveria a questão da falta de valorização da carreira?
João Ricardo — O adicional é um passo apenas. É preciso fazer essa reforma processual ampla para que a magistratura possa prestar um bom serviço. A excelência do serviço é um fator de valorização da magistratura, então o nosso objetivo é trabalhar nessas áreas. Hoje a autoestima do juiz está muito baixa porque ele trabalha muito e não vê uma contrapartida, uma satisfação da sociedade pelo seu trabalho, e ao mesmo tempo ele não tem a sua carreira valorizada.

ConJur — Mas ao ingressar no concurso, o candidato já sabe como será a carreira.
João Ricardo — A carreira não era assim. Quando eu entrei havia muito trabalho, mas era possível ver o resultado, lembrar do processo, conhecer o caso. Hoje não é. Naquele tempo tínhamos corregedoria e os advogados eram ma maneira de controle social que hoje está mais com o CNJ, que é um ente que nem sabe o que está acontecendo na base da magistratura. A questão remuneratória também mudou. Os vencimentos estão defasados e há outras carreiras muito mais atrativas no âmbito remuneratório, e sem a pressão que a magistratura tem. São fatores que influenciam. Se dissermos às pessoas que estão fazendo concurso dessa realidade elas desistem. O que estamos observando é um número bem menor de pessoas inscritas nos concursos.

ConJur — Mesmo assim o número de candidatos é bem superior ao número de vagas, e elas não são preenchidas porque os candidatos não são aprovados em todas as etapas.
João Ricardo — E os que passam acabam saindo porque foram aprovados em outros concursos. Houve um caso de um rapaz que foi aprovado e antes de assumir optou por ser oficial da Justiça do Trabalho. Foi para uma cidade do interior, ganhando quase a mesma coisa, mas sem todos aqueles compromissos e pressão.

ConJur — O ensino do Direito no Brasil precisa ser revisto?
João Ricardo — Está mais do que na hora de se fazer uma reformulação e existem algumas iniciativas nesse sentido. O problema maior do ensino jurídico do Brasil é o ensino acrítico. É preciso reformular para que eles façam uma pedagogia mais crítica da vida e não preparar aquele ser pasteurizado que não é capaz de fazer uma abstração em cima de um princípio. Isso sem contar que há muitos cursos que são ruins e só servem como caça-níqueis, que felizmente estão sendo fechados pela OAB e pelo Ministério da Educação.

ConJur — Como está a questão das eleições diretas em tribunais?
João Ricardo — Nós provocamos esse assunto em todos os tribunais no dia 31 de março, pedindo mudança nos regimentos internos para possibilitar a plena democratização. Isso já surtiu algum efeito, a maioria já passou a permitir que todo o colégio, e não apenas os mais antigos, sejam candidatos. Além disso, propomos também uma PEC para pedir a democratização dos tribunais.

ConJur — O CNJ tem iniciado processos com base em denúncias anônimas. Qual é o seu posicionamento a respeito?
João Ricardo — É uma grande violação de direitos. Não se pode admitir que se instaure, sem nenhum outro elemento de prova, um procedimento contra um juiz ou contra qualquer cidadão. Muitas vezes a denúncia anônima é revestida da covardia de quem está denunciando.

ConJur — Também há casos advogados ou partes que, para acelerar o processo, fazem denúncias ao CNJ reclamando que o caso não está andando por desídia do juiz. A AMB tem recebido este tipo de denúncia?
João Ricardo — Existem muitas denúncias sem fundamento no CNJ. Há casos em que a parte tentar usar o CNJ como um órgão recursal. Em outros casos há denúncias produzidas para tentar dar um revide no juiz, depois de algum desentendimento. Há até casos em que se busca procrastinar o processo. Há essa queixa, mas é claro que isso é um processo que faz parte do jogo. Nós temos 800 mil advogados no Brasil e é difícil de controlar dentro de um procedimento padrão e ético uma população desse tamanho. Mas o CNJ tem arquivado a maioria dos processos.

ConJur — As metas do CNJ são positivas? Elas influenciam na qualidade do trabalho?
João Ricardo — Nós preferimos trabalhar com a ideia de políticas públicas, porque as metas tiram a liberdade e a criatividade, escravizando o funcionário. Na França, uma companhia telefônica identificou que, após adotar o sistema de metas, provocou um índice grande de doenças laborais e suicídios. Especialistas que estudaram o caso concluíram que o sistema de metas produz uma frustração pessoal grande para o trabalhador, por tirar a criatividade e torná-lo um escravo de objetivos impossíveis. Hoje o CNJ está aplicando isso para o Judiciário. O Brasil é um país muito grande e cada comarca tem suas características, devendo ser administrada conforme a necessidade. Algumas comarcas têm mais processos de infância, outras de violência doméstica, e o juiz sozinho tem que dar uma dedicação conforme sua demanda. O CNJ, ao impor que devem ser julgados os processos de improbidade administrativa, por exemplo, desorganiza essa jurisdição, afetando a independência do juiz e a possibilidade de ele prestar um melhor serviço para a sua comunidade. As metas nacionais têm essa dificuldade. Além disso, as metas são muito verticalizadas, baseadas em políticas vistas de cima e estão longe das necessidades que o Judiciário tem na base. 

ConJur — As metas deveriam ser mais discutidas antes de serem propostas?
João Ricardo — As metas deveriam ter objetivos bem definidos, dentro de um estudo científico sobre a demanda de Justiça no Brasil. Isso envolve a prevenção de litígios, os métodos alternativos de solução de conflitos, deixando o Judiciário como última instância e não a primeira. As políticas do CNJ devem ser discutidas com a base da magistratura, que é onde entra toda a demanda por justiça. Esse olhar ainda não existe e a sensibilidade hoje da atual composição do CNJ é praticamente inexistente em relação a isso. São poucos os conselheiros que têm essa percepção.

ConJur — Há problemas na composição do CNJ?
João Ricardo — O primeiro é que deveria ter mais juízes. O CNJ deveria ser preponderantemente de juízes. Mas o problema não é dos segmentos que o compõe, o problema é da forma de seleção. Não há um critério de apurar a experiência daquele candidato em relação à Justiça brasileira, se é um profissional dedicado a estudar a demanda judicial. Se ele não tem uma dedicação de estudos sobre o Judiciário, ele não o conhece. Logo terá muita dificuldade de entender o Judiciário nos poucos momentos em que estiver decidindo questões relevantes para a administração. Como não há essa análise dos currículos, nós temos conselheiros extremamente capacitados mas temos outros que desconhecem totalmente como funciona o Poder Judiciário. Às vezes algumas decisões revelam isso.

ConJur — Como está a questão de problemas de saúde dos magistrados?
João Ricardo — Têm sido alarmantes os dados que estão sendo levantados, tanto de juízes quanto de servidores. A principal causa é a carga de trabalho associada a uma pressão muito forte que vem das partes, dos advogados, dos promotores e até mesmo da imprensa. Essa tensão constante, aliada à falta de capacidade dos operadores de dar vencimento à demanda, tem causado as doenças laborais. Se comparada a outras profissões se vê que há um índice maior de doenças laborais dentro do Poder Judiciário.

ConJur — A Loman precisa ser atualizada?
João Ricardo — Urgentemente. A Loman é um dinossauro da ditadura militar. Temos que tratar da questão da carreira do juiz, da estrutura da magistratura. Nós não temos uma estrutura em relação às promoções, às movimentações de juízes, a transferência de juízes de um estado para outro. Os processos disciplinares também devem ser modernizados. O juiz não tem direito ao duplo grau de jurisdição. E é muito fácil entrar com um processo contra juízes e afastá-los. Há casos de afastamento sumário no CNJ sem nenhum indício. Temos que ter uma estrutura mais democrática, com mais garantias processuais plenas, inclusive para a magistratura. E não estou pedindo nada demais, só o igual ao que qualquer cidadão tem.

ConJur — O estatuto da OAB diz que o advogado deve ser atendido pelo juiz a qualquer hora. A própria Loman diz que o magistrado tem o dever de atender as partes, o Ministério Público e os advogados a qualquer momento. Como deve ser esse atendimento?
João Ricardo — Primeira coisa: tem que existir educação. Isso não pode ser um dispositivo que ampare a falta de educação, a descortesia. Também não pode ser um dispositivo que torne o juiz refém de determinadas situações. Nós defendemos as prerrogativas do advogado, ele tem essa prerrogativa de ser atendido pelo juiz, mas o juiz também tem — na nossa visão — a prerrogativa de preparar esse atendimento ou se sequer atender em determinados casos.

ConJur — Que casos seriam esses?
João Ricardo — No caso em que o atendimento ao advogado de uma parte enseja num prejuízo muito grande ao andamento do processo em função das peculiaridades processuais. Para evitar suspeição ou questionamentos, o juiz pode não atender aquele advogado e marcar uma audiência para atender as duas partes ao mesmo tempo. No caso que houve recentemente no Maranhão, o juiz não se negou a atender o advogado. Ele estava no seu gabinete e a porta estava trancada, o que também é um direito do juiz. Tem lugares que não tem segurança. E se entra uma pessoa portadora de uma deficiência mental armada?Se não tem condições de trabalhar, o juiz tem que fechar a porta. Agora, nada justifica chutar a porta, ofender o magistrado. O que causou muita indignação nesse caso, na magistratura do Maranhão, foi esse advogado ter se envolvido num processo muito grave de corrupção e fraude e que inclusive teve um magistrado afastado.

ConJur — Então o senhor concorda que o juiz deve receber o advogado?
João Ricardo — Sim. Só não concordo com a interpretação que a OAB tem dado, como se fosse uma coisa compulsória. Em casos excepcionais o juiz tem que ter a prerrogativa de não receber, ou, se receber, com uma certa publicidade. No ocorrido no STF — quando o ministro Joaquim Barbosa expulsou o advogado Luiz Fernando Pacheco do Plenário —, nós mais uma vez não concordamos com a interpretação da OAB. O estatuto da Ordem diz que o advogado tem o direito de levantar questões de ordem no processo, mas se ele estiver pautado e se estiver em julgamento. Caso contrário o advogado não pode entrar na sessão, interferindo no julgamento que os colegas dele estão participando para levantar questões impertinentes. Isso é um desrespeito a todos. Aí o juiz tem que usar o poder de polícia, senão vira o quê?

ConJur — Então uma legislação específica ajudaria a evitar essas interpretações? 
João Ricardo — Seria interessante que isso ficasse bem claro porque as interpretações estão sendo muito ampliadas. Quanto mais especificar é melhor para evitar maiores discussões.

ConJur — As restrições já existentes para a magistratura deveriam ser revistas?
João Ricardo — Não. A atividade judicante exige uma dedicação praticamente exclusiva. A atividade acadêmica é de bom tamanho, porque é importante o juiz levar e trazer a sua experiência e se atualizar. E a vinculação político partidária evidentemente que é incompatível, porque foge da essência do judiciário. Os interesses hoje partidários são de outra ordem e quebram a nossa independência e parcialidade.

ConJur – Que balanço AMB faz da gestão do ministro Joaquim Barbosa no Supremo e no CNJ? 
João Ricardo – A experiência com o ministro Joaquim Barbosa não foi boa. Como chefe do Poder Judiciário nacional ele não conseguiu estabelecer um diálogo com a magistratura. É inconcebível que isso aconteça numa democracia. Como é que o Estado vai funcionar se os agentes públicos que têm o dever de tocar um poder não conversam? Se o timoneiro não conversa com a tripulação? Onde vai parar esse barco? Por isso essa experiência não foi boa e nós temos uma expectativa muito grande em relação ao ministro Ricardo Lewandowski. Temos a expectativa de um diálogo maior, de podermos contribuir com uma gestão mais profícua, mais progressista e que possamos evoluir em matéria de prestação de serviços através desse diálogo.



Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2014, 08:00

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