sábado, 12 de abril de 2014

NOVAS TENDÊNCIAS NA JURISPRUDÊNCIA DO STF E A JURISTOCRACIA

Novas tendências na jurisprudência do STF e a juristocracia

 
“O primeiro grande tema do constitucionalismo moderno é a democracia; o segundo é sua limitação.” Essa é uma das inúmeras frases de efeito que compõem o livro A nova separação de poderes, de Bruce Ackerman.[1] O texto, como o próprio nome indica, defende uma renovada compreensão acerca da vetusta ideia de separação de poderes na perspectiva de refletir sobre um modelo no interior do qual o exercício do poder político sofra controles internos mútuos — não necessariamente vinculados às três clássicas funções — tendo como mote o ideal de um governo efetivamente limitado.
No livro de Ackerman, a questão é colocada a partir do inexorável ponto de intersecção que vincula o conceito de separação de poderes ao de sistema de governo. E o autor não esconde suas principais intenções: quer expor criticamente as “numerosas desvantagens dos sistemas presidencialistas” em relação aos modelos parlamentaristas mais contemporâneos (que incorporam mecanismos de limitação das maiorias eventuais e controle sobre excessos eleitorais). Mais especificamente, sua critica está dirigida à exportação do modelo estadunidense de presidencialismo para outras realidades culturais cujo a América Latina talvez seja o maior exemplo. Claro que tais desvantagens são vistas a partir de um ponto específico: a questão da limitação do poder e da realização no maior grau possível da concepção de autogoverno.
O modelo por ele defendido representa, na verdade, uma provocação ao debate. É chamado de parlamentarismo limitado — que não existe em completude em nenhum sistema político contemporâneo – mas que é pensado a partir de uma analise comparada de uma série de engrenagens que compõem os sistemas constitucionais democráticos atuais. O resultado é um modelo complexo de controles de maiorias eventuais — por um Tribunal especializado, nos moldes dos Tribunais Constitucionais ad hoc — somado a recalls legislativos, adoção de corpos legislativos com duas casas que se relacionam, cada qual, de forma diferente com o gabinete do executivo e, ainda, um órgão externo, não vinculado a nenhuma das funções tradicionais, e especializado na função de exercer o controle do cumprimento das regras eleitorais (desde financiamento de campanhas, até a formação de coalisões etc).
Para além da discussão sobre a viabilidade do modelo proposto por Ackerman, o elemento mais significativo projetado pelo texto aparece na mensagem, implícita em todo o argumento do autor, de que a engenharia constitucional que preside a concepção de separação de poderes não pode ser pensada como uma máquina com engrenagens fixas e que, com o tempo, acabam por se tornar obsoletas. Ao contrário, esse arranjo político esta sujeito a revisões periódicas que podem levar a transformações profundas no modo como cada elemento desse sistema se relaciona com os outros e como se estabelecem mecanismos de controle.
Se esse aspecto mecânico pode apresentar transformações temporais, há um traço que se apresenta como elemento nuclear e essencial na articulação de todos esses fatores: a concepção de democracia e sua necessária limitação. O centro do debate é determinado, então, não pelos aspectos estruturais que caracterizam cada uma das funções do governo, mas, sim, sobre o que é necessário fazer para concretizar uma fórmula política democrática e o ideal de um governo limitado. Nada novo. Algo que deita raízes no conceito de governo misto e que está retido em Montesquieu e nas suas observações relativas à necessidade de um poder que controla o próprio poder. O que há de novo são as possibilidades de se levar esse ideário à realização. Nesse aspecto, a engenharia constitucional produz novos materiais, engrenagens que são interessantes do ponto de vista jurídico-político.
Toda essa discussão está na ordem do dia, levando-se em conta as recentes tendências da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, prevalecendo o entendimento adotado pela maioria dos ministros no julgamento da Reclamação 4.335/AC e da ADI 4.650/DF, não há dúvidas de que a arquitetônica da separação de poderes que oferece os contornos de nosso modelo constitucional está sofrendo um processo de reforma. E, é importante frisar, isso não está acontecendo na perspectiva de um planejamento adequado, cuidando para evitar rachaduras em nosso edifício democrático. Pelo contrário, no modo como estamos fazendo, a reforma está seguindo mesmo é a lógica do “puxadinho”.
Na Rcl 4.335/AC a maioria decretou, embora por diferentes motivos, o enterro da remessa ao Senado (artigo 52, inciso X da CF/1988) como um instrumento de verificação política das decisões de inconstitucionalidade exaradas pelo STF em sede de controle difuso de constitucionalidade. Ressalte-se que, mais além do aspecto pragmático que reveste o problema da generalização dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal nos casos de suspensão da execução da lei, o instituto da remessa ao Senado deve ser encarado, também, como uma possibilidade de controle da atividade do STF pelo Senado.
No caso desta reclamação, há que se consignar que o resultado que agora se confirmou já se projetava como provável desde os idos de 2007. Naquele momento, a doutrina jurídica — que tem a tarefa de constranger os significados articulados pelo judiciário em suas decisões — quedou-se praticamente silente com relação ao problema posto. Salvo as exceções do texto de Lenio Streck, Marcelo Cattoni e Martonio Barreto Lima (clique aqui para ler) e de Nelson Nery Jr.[2], boa parte do constitucionalismo brasileiro ou aderiu à posição ou adotou uma postura meramente descritiva para o caso. Aliás, já está encomendada, em parceria com Lenio Streck, uma outra coluna sobre os aspectos simbólicos da não doutrina. Voltaremos, portanto, a essa temática.
Já  com relação à ADI 4.650/DF, o que ficou determinado pela já formada maioria dos ministros implica uma clara intervenção do Supremo no âmbito eleitoral, conferindo ao Poder Judiciário uma função de controle que vai além de suas atribuições constitucionais. Já foi dito, inclusive pelo ministro Luís Roberto Barroso, que inconstitucionalidade, a princípio, não há (no financiamento eleitoral por pessoas jurídicas). Por tudo o que já foi exposto, inclusive neste mesmo Diário de Classe, a atividade do judiciário na ADI 4.650 esta fora do âmbito do controle de constitucionalidade. No caso, o Judiciário está agindo como saneador do processo eleitoral realizando um controle do próprio modelo de financiamento de campanhas vigente no direito brasileiro. A possibilidade — de fiscalização do processo eleitoral, inclusive no que tange ao financiamento de campanhas — pode ser algo salutar para aperfeiçoamento democrático do processo e fortalecimento da ideia de limitação do poder. Sem dúvida, trata-se de algo que cabe dentro desse debate acerca da nova separação de poderes. O próprio Bruce Ackerman propõem algo que ele nomeia como poder supervisor da democracia: um órgão burocratizado com função específica de controle do processo eleitoral mas que esta fora da estrutura orgânica do Poder Judiciário ou de qualquer outra das funções tradicionais de governo. Todavia, no julgamento da referida ADI, o Supremo reservou para si essa tarefa de controle do processo eleitoral dando ares de que a decisão que se tomava representava um exercício de controle de constitucionalidade.
Em suma, na nova separação de poderes à brasileira, o que se apresenta diante de nós não é uma formula que radicalize a concepção de um governo limitado, mas um caminho (sem volta?!) em direção a um fortalecimento cada vez maior dos poderes concentrados em torno do STF. Mais uma capítulo de nossa juristocracia. E o mais inquietante dessa história é que essa marcha da concentração do poder tem como fonte a própria jurisprudência da Corte. Além dos dois julgamentos acima retratados, é possível incluir também o entendimento já sedimentado e que foi reprisado no MS 32.033 a respeito da possibilidade de controle de constitucionalidade preventivo.
De fato, é preciso reconhecer que somos mesmo premiados no quesito engenharia constitucional. Além de sofrermos com os problemas decorrentes do nosso presidencialismo de coalisão — que Ackerman entende como sendo uma “modalidade tóxica de presidencialismo”, porque faz um mix entre presidencialismo e sistema eleitoral proporcional — convivendo com uma oscilação institucional perniciosa em que ora o executivo é muito forte e coopta o legislativo; ora o executivo é muito fraco e é cooptado pelo poder legislativo, temos também que nos preocupar com essa tendência autocrática que parece prevalecer no Supremo Tribunal Federal.
Certamente, nos dedicamos muito a falar dos riscos de uma juristocracia no plano da interpretação constitucional, cujo marco conceitual é dado pelo ativismo judicial. Mas é preciso permanecermos vigilantes também no que tange às transformações na nossa engenharia constitucional de separação de poderes. O Supremo Tribunal Federal, nessas novas tendências jurisprudenciais que tem adotado, não está praticando apenas uma modificação interpretativa. Está alterando a “máquina”, revolvendo a engrenagem que movimenta o governo em uma democracia.
Vale perguntar: estamos ganhando o quê com isso? Há maior limitação do poder e consequente valorização do ideal democrático de autogoverno? Parece-me que não. Talvez seja o caso de nos preocuparmos um pouco mais com a Política. Escrita assim mesmo, com “P” maiúsculo. Política como a arte do melhor governo. Política entendida não apenas numa perspectiva realista, mas também em uma perspectiva prescritiva. Deixo-vos com um convite à reflexão. O texto é de Giovanni Sartori:
“Um astrônomo que discute Filosofia, um químico que discorre sobre Música, ou um poeta que conversa sobre Matemática não emitem menos absurdos do que o cidadão comum quando entrevistado sobre política. A diferença está em que o astrônomo, o químico e o poeta evitarão geralmente o papel de tolos alegando desconhecimento, enquanto que o cidadão é forçado a preocupar-se com a política e no meio da incompetência geral ele já não percebe que é um asno. Assim, a única diferença reside em que nas outras zonas da ignorância somos avisados para pensar em nossos próprios afazeres, enquanto que no reino político somos encorajados a assumir atitude oposta, e assim acabamos por não saber que desconhecemos tudo.”[3] 

[1] Cf. Ackerman, Bruce, La nueva división de poderes. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2011, Kindle Edition, pos. 996.Registre-se que o livro encontra-se traduzido para o português pela editor Lumen Juris.
[2] Cf. NERY JÚNIOR, Nelson. Anotações sobre mutação constitucional – Alteração da Constituição sem modificação do texto, decisionismo e Verfassungsstaat”.In: Direitos Fundamentais e Estado Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet e George Salomão Leite (org.) São Pao: Revista dos Tribunais, 2009, p.94.
[3] Sartori, Giovanni. Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965, p. 91.
 
Rafael Tomaz de Oliveira é advogado, mestre e doutor em Direito Público pela Unisinos e professor universitário.
Revista Consultor Jurídico, 12 de abril de 2014

PERDA DO PRZO PARA INTERPOR RECURSO GERA DANO MORAL

Perda de prazo para interpor recurso gera dano moral

 
A não interposição de recurso dentro prazo, por comprometer a possibilidade de o cliente virar o jogo a seu favor numa condenação, caracteriza perda de uma chance, ensejando indenização por dano moral. Afinal, embora a obrigação do advogado seja de meio e não de resultado, apresentar o recurso cabível e no prazo é dever primário e imediato da representação judicial.
O argumento levou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter, integralmente, sentença que condenou um escritório de advocacia de Uruguaiana a pagar o equivalente a 15 salários-mínimos de reparação moral a uma cliente. Embora tenha vencido a ação trabalhista principal a seus cuidados, o escritório tardou em interpor recurso contra a condenação por dano moral que sua representada sofreu em processo de reconvenção.
O relator da Apelação na 15ª Câmara Cível, desembargador Otávio Augusto de Freitas Barcellos, afirmou no acórdão que a questão posta nos autos não é apenas a possibilidade de êxito na demanda, mas o ato de parte dos procuradores, consistente na perda do prazo recursal.
‘‘A convivência cotidiana nos faz ver que, mesmo para os leigos do mundo jurídico e das ações judiciais, um dos exemplos mais corriqueiros de erro na prestação de serviço de advocacia é a perda de um prazo’’, afirmou o relator.
Atualmente, constatou o magistrado, a prestação de serviços vem sendo objeto de inúmeras ações judiciais, em que a classe dos advogados tece críticas e busca a responsabilização dos vários danos causados aos seus clientes.
‘‘Assim, é imprescindível que o advogado, dentre vários outros operadores do Direito, sirva de exemplo de serviço prestado de forma responsável, dada a importância que existe na relação de confiança que estabelece com seu cliente’’, encerrou. O acórdão foi lavrado na sessão de 19 de março.
Causa trabalhistaA autora contratou o escritório de advocacia para defendê-la numa reclamatória trabalhista, depois que foi demitida sem justa causa da Santa Casa de Caridade de Uruguaiana, onde trabalhou como médica radiologista pelo período de seis meses. O município fica na fronteira com a Argentina.
Citado pela Justiça do Trabalho, o hospital se defendeu e apresentou reconvenção, com o objetivo de processar a médica por danos morais. Motivo: ela foi acusada de dar declarações falsas num programa político transmitido pela tevê. Na sua ‘‘denúncia pública’’, disse, dentre outras coisas, que a Santa Casa lhe devia mais de R$ 200 mil e que não lhe permitia visitar sua família, que mora em Canoas, município da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Embora tenha saído vitoriosa na causa trabalhista, embolsando R$ 49,2 mil, a autora foi condenada em danos morais na reconvenção. Segundo o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Uruguaiana, suas ‘‘denúncias’’ não passavam de ‘‘inverdades’’ e tiveram o propósito de abalar a reputação do hospital perante a comunidade, principalmente no meio médico. O valor da reparação foi fixado em R$ 7.650, o equivalente a 15 salários-mínimos em janeiro de 2011.
Os procuradores da autora deixaram transcorrer o prazo para interpor o recurso ordinário e, quando o fizeram, ele não foi conhecido. Com isso, a sentença trabalhista acabou transitando em julgado. Em face da perda de prazo, a médica revogou o contrato com o escritório, sem pagar os honorários, denunciou-o junto ao Tribunal de Ética da OAB gaúcha e ainda entrou com Ação Indenizatória na Justiça comum. No processo, pediu que fosse isentada do pagamento de honorários advocatícios contratados, bem como ressarcida pelos danos materiais e morais sofridos.
Diante do juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Canoas, o escritório alegou que o contrato de prestação de serviços entabulado entre as partes se limitava ao ajuizamento da reclamatória, que gerou vantagens econômicas para a autora. Disse que não foi contratado para defendê-la na reconvenção, por se tratar de ação autônoma.
A sentençaA juíza Gioconda Fianco Pitt afirmou, de início, que o advogado tem de agir com atenção, diligência e com técnicas adequadas, constituindo-se o contrato de prestação de serviços numa obrigação de meio, não de fim. Assim, a teor do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) em seu artigo 14, parágrafo 4º, a responsabilidade civil do advogado é subjetiva; ou seja, demanda investigação acerca de sua culpabilidade.
Entrando no caso concreto, a juíza disse ser descabida a tese do réu, de que não foi contratado para atuar na reconvenção, já que essa ação tramita nos próprios autos da demanda principal, inclusive com sentença única. Por isso, a seu ver, não há necessidade de contratação específica para tal, já que o mandato abarca todas as questões que venham a ser analisadas durante o trâmite do feito.
Nesse contexto, a juíza entendeu que ficou caracterizada a desídia dos procuradores, pois a apresentação de recurso cabível e dentro do prazo é obrigação primária e imediata da representação judicial. Em consequência, o não agir da banca fez com que a parte autora perdesse a oportunidade de buscar a reforma da sentença.
‘‘A jurisprudência, há muito, vem decidindo acerca da responsabilidade civil do advogado, em casos como o dos autos, de negligência do patrono frente a seu cliente, embasando os julgados à doutrina da perda de uma chance (perte d’une chance). Segundo essa teoria, a indenização pelos danos morais seria devida pela perda da possibilidade de apreciação do direito do autor pelo Poder Judiciário’’, escreveu na sentença. A reparação foi arbitrada em R$ 10.170,00, o equivalente a 15 salários-mínimos em abril de 2013.
A julgadora negou, entretanto, o ressarcimento material. Se a obrigação é de meio, ponderou, o seu procurador não poderia garantir a reversão do resultado da condenação sofrida na reconvenção. Logo, não cabe a reparação.
Quanto ao pedido de isenção do pagamento de honorários, a juíza observou que o eventual direito da autora deve ser examinado no curso da ação de cobrança manejada pelo escritório de advocacia, que tramita numa das varas cíveis da comarca. Ou seja, deve ser examinado em sede de embargos de devedor.
Clique aqui para ler sentença da vara trabalhista.Clique aqui para ler a sentença da vara cível.Clique aqui para ler o acórdão do TJ-RS.
 
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 12 de abril de 2014

PROBLEMAS COM ESCUTAS E SIGILO TELEFÔNICO VOLTAM À TONA


Problemas com escutas e sigilo telefônico voltam à tona

O noticiário tem chamado a atenção daqueles que acompanham com preocupação o aumento da vigilância do Estado sobre os cidadãos. Escutas ambientais em presídios — inclusive atrás de privadas — e pedidos para a quebra do sigilo dos telefones de toda uma região apontada no mapa — com latitude e longitude, mas sem dizer quem são os alvos — chegam ao Judiciário, que é chamado a definir os limites do que alguns já apontam como bisbilhotice.
Está no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal que o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, somente pode ser violado para investigação criminal, se autorizado pela Justiça. Já a Lei 9.296/1996, que regulamenta esse dispositivo constitucional, diz que o pedido da quebra de sigilo, pelo Ministério Público ou pela autoridade policial, deve demonstrar com clareza a “situação objeto da investigação”, com indicação e qualificação dos investigados.
Apesar das exigências legais serem claras, pedidos e casos de grampos amplamente noticiados parecem fugir às regras. Um dos casos que colocou em discussão os limites de um pedido de interceptação é o pedido do Ministério Público do Distrito Federal para investigar se o ex-ministro José Dirceu usou celular dentro da prisão — com base em notícias de jornais de janeiro deste ano. A própria direção do presídio fez uma apuração e concluiu que o ex-ministro não utilizou o celular, mas o MP pediu ao Supremo Tribunal Federal que cinco empresas de telefonia entreguem uma lista com todas as ligações feitas e recebidas ao longo de 16 dias por duas Estações de Rádio Base (ERBs) de uma determinada coordenada geográfica.
De acordo com laudo feito por um engenheiro a pedido da defesa de José Dirceu umas da coordenadas é referente ao presídio da Papuda, onde o ex-ministro está preso devido à condenação na Ação Penal 470, o processo do mensalão. A outra localidade apontada, porém, engloba, inclusive, o Palácio do Planalto. O pedido do MP ainda não foi analisado pelo Judiciário, mas já é questionado.
Os advogados José Luis Oliveira Lima, Camila Torres Cesar e Rodrigo Dall’Acqua (foto) entregaram uma petição ao Supremo Tribunal Federal, junto com o laudo do engenheiro, mostrando que o pedido do MP-DF é abusivo. “Para investigar uma nota de jornal que já foi investigada, o MP-DF pede que cinco operadores de telefonia enviem todas as ligações de celulares, efetuadas e recebidas, envolvendo todos os usuários que trabalham no Palácio do Planalto no intervalo de 16 dias. O absurdo da pretendida quebra de sigilo telefônico revela o quão indiscriminada, genérica e abusiva é a medida pleiteada pelo MP-DF”, afirma a petição.
Após a revista eletrônica Consultor Jurídico tentar entrar em contato com a promotora Márcia Milhomens Sirotheau Corrêa, que assina o pedido, o MP-DF enviou uma nota informando que independente de onde caia as coordenadas do pedido do órgão, o foco é averiguar se José Dirceu cometeu ou não falta disciplinar grave com o uso do celular. “As pessoas que, eventualmente, tenham falado com ele, não cometem nenhuma infração. Mas ele, supostamente, sim. Além disso, como o inquérito que investigava a denúncia do uso de celular foi sumariamente arquivado, em cinco dias, o MP precisou aprofundar as investigações”, diz a nota.
Um dos responsáveis pela defesa de Dirceu, Rodrigo Dall'Acqua, considera o cenário alarmante. “O fato é gravíssimo. Sob o pretexto de investigar uma imaginada ligação entre a Papuda e Salvador (BA), o MP-DF pediu dissimuladamente a quebra de sigilo das ligações do Palácio do Planalto. Se não se respeita a intimidade da presidente da República, que dirá do cidadão comum”, questiona.
Na visão de advogados, entretanto, a questão não é tão simples quanto a colocada pelo MP. “Esse pedido é muito grave, pois se trata da sede do governo brasileiro, a mais alta autoridade do país. Isso esbarra no sigilo da conversa do governo”, diz o criminalista Alberto Zacharias Toron. A advogada Heloisa Estellita lembra que a questão ainda será analisada por ministros do STF. “O abuso aconteceria muito mais na concessão sem a observância da necessidade e demais requisitos legais do que nos pedidos em si”.
Detalhes obrigatórios
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo (foto), lembra que os pedidos de quebra de sigilo devem ser detalhados, para que não extrapolem além da pessoa investigada. Segundo ele, pedidos genéricos não são comuns, mas cabe ao juiz determinar a especificação quando se deparar com casos assim. “Quando não há detalhes sobre a quebra solicitada, os juízes devem determinar a especificação. Eu nunca deferi um pedido de escuta ou grampo sem estar claro de quem é o telefone e quem é o alvo”, conta.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, reforça o entendimento: “O juiz não pode dar uma autorização aleatória, que propicia uma investigação sem qualquer controle da Justiça. Não se pode violar o direito de outras pessoas que não são alvo da investigação”, complementa.
Gravações na cadeia
Também nesta semana, a imprensa apontou que o doleiro Alberto Youssef, preso preventivamente na carceragem da Polícia Federal de Curitiba, encontrou o que seria uma escuta ambiental na própria cela. O advogado de Youssef, Antônio Figueiredo Basto, divulgou uma foto de seu cliente segurando o gravador. Ele entrou no mesmo dia com um pedido na Justiça Federal para que a possível escuta fosse investigada.
Em nota, a Polícia Federal negou fazer escutas clandestinas e alegou que o dispositivo foi apreendido pela entidade na cela do doleiro. O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro, explica, no entanto, que a utilização de escutas ambientais em estabelecimentos prisionais é comum. “Não há a ideia de que o preso não possa ser alvo de escuta ambiental, inclusive em sua cela. A privacidade é um direito Constitucional, mas não existe direito absoluto”, afirma.
O presidente da associação observa que a escuta só é possível mediante autorização judicial. "Desde que siga os ritos, não há impedimento. Com ordem judicial é possível colocar escutas ambientais, interceptar correspondências e até mesmo as conversas do advogado com o cliente nos casos em que a investigação aponte que o advogado não está exercendo sua atividade e está associado à organização criminosa”, diz.
A prática realmente parece estar disseminada. No último mês, a ConJur noticiou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que considerou legal a instalação de um gravador atrás de um vaso sanitário no acesso às celas de um presídio no Rio Grande do Sul. A 5ª Turma do STJ entendeu que na ordem constitucional não há garantias ou direitos absolutos, e é inviável a proteção ilimitada da liberdade de um cidadão em detrimento dos interesses da sociedade, o que justifica a adoção de medidas restritivas de garantias individuais em caso de defesa da ordem pública.
O presidente da Ajufe, Nino Toldo, também defende que não há direito absoluto. “Não é porque a pessoa está presa que fica imune à investigação. Ela pode ser alvo de nova investigação”, afirma.
Mesmo sendo considerada uma prática legal, a escuta em banheiro causa espanto em criminalistas, como Paulo Sérgio Leite Fernandes (foto). “Há, entre nós homens — e mulheres — duas grandes e maiores formas de intimidade: a defecação e o enlace sexual, exceção feita, é evidente, às anomalias, entre as quais destaco a coprofagia. Na medida em que a Justiça, em certas ocasiões, parece legitimar o grampeamento de contato íntimo entre presos e suas mulheres, mas [sobre] interceptação de banheiros, não sei mais o que pensar. O Poder Judiciário, eventualmente, enlouquece”.
Heloisa Estellita explica que o grampo só pode ocorrer nas hipóteses previstas na Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), e, antes dela, na Lei 9.034/1995. “O preso não perde nenhum direito de personalidade não diretamente afetado pela pena”, diz.
Cliente-advogado
Por mais que considere um absurdo em determinados casos, o criminalista Alberto Toron aponta que, se houver autorização do juiz, não há problemas na escuta em celas de prisão, mas se incomoda com a permissão de grampos em conversas entre clientes e advogados — que ele classifica como um absurdo. A inviolabilidade da relação profissional leva o criminalista a discordar do presidente da ADPF sobre a possibilidade da interceptação da conversa entre presidiários e seus defensores. “Nos parlatórios, entendo que nunca é legitima a escuta telefônica entre presos e advogados”, diz.
O presidente da AMB, João Ricardo Costa, concorda que a interceptação de conversas de advogados com clientes "é uma situação complicada", pois o preso tem direito a conversar com seu defensor sem interferência. “Pode acontecer de forma acidental, no momento que está sendo monitorado o investigado”, diz.
Mesmo que autorizada, a escuta só pode servir para a investigação do suposto crime. O criminalista Rodrigo Dall'Acqua pondera que a interceptação jamais deve ser para investigar as estratégias usadas pelo advogado para defender seu cliente. “Mesmo com autorização judicial, não se admite escuta ambiental para bisbilhotar as estratégias de defesa do cidadão”, diz.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 12 de abril de 2014

sexta-feira, 11 de abril de 2014

O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A VEDAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS

O devido processo legal e a vedação às provas ilícitas

 
A garantia fundamental ao devido processo legal, diferentemente do que ocorria nos textos constitucionais anteriores, foi incorporada ao texto da Constituição de 1988 e proclamada em seu inciso LV, do artigo 5º, em face de sua indispensabilidade à proteção dos direitos fundamentais, pois configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção aos direitos civis e políticos, quanto no âmbito formal, ao assegurar‑lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa, visando salvaguardar suas liberdades públicas e impedir o arbítrio do Estado.
O devido processo legal garante no âmbito do processo sancionatório — seja penal, administrativo ou eleitoral — a vinculação estatal a “padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado”. Esses padrões são consagradores de verdadeiro “círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado –, até que sobrevenha irrecorrível sentença que, condicionada por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado que jamais necessita demonstrar a sua inocência o direito de defender‑se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos”, como “fórmula de salvaguarda da liberdade individual” (HC 73.338/RJ).
A integral exigência de nossa Corte Suprema aos “padrões normativos” e “parâmetros ético-jurídicos” na colheita de “elementos probatórios” é igualmente observado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, ao se referir ao devido processo legal como fundamental para “evitar abusos estatais” e construir “a confiança do povo numa administração imparcial da Justiça” (Decisão – Beschluss – do Primeiro Senado de 8 de janeiro de 1959 – 1 BvR 396/53).
Não são por outros motivos que, como corolário ao devido processo legal, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, são inadmissíveis no processo as provas ilícitas, definidas como aquelas obtidas com infringência ao direito material, entendendo-as como sendo aquelas colhidas em desrespeito aos direitos fundamentais e inviolabilidades públicas (por exemplo, por meio de tortura psíquica, desrespeito a intimidade e vida privada, desrespeito à inviolabilidade domiciliar, quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico sem ordem judicial devidamente fundamentada), configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.
A inadmissibilidade da utilização das provas ilícitas não tem o condão de gerar a nulidade de todo o processo, pois, a previsão constitucional não afirma serem nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos (HC 69.912/RS, HC 74.152/SP, RHC 74.807-4/MT, HC 75.8926/RJ, HC 76.231/RJ); Entretanto, a consequência da ilicitude da prova é sua imediata nulidade e imprestabilidade como meio de prova, além da contaminação de todas as provas que dela derivarem.
O posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal é absolutamente pacífico no sentido da adoção da doutrina do fruits of the poisonous tree (fruto da árvore envenenada), ou seja, pela opção da prevalência da comunicabilidade da ilicitude das provas (Rextr. 251.445-4/GO).
Nossa Suprema Corte consolidou esse importante entendimento sobre a derivação da ilicitude da prova e contaminação de todas as demais provas dela diretamente decorrentes (HC 73.461-SP, HC 73.510-0/SP, HC 84.417/RJ, HC 90.298/RS), afirmando que “qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária”, pois “a exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of law” e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal” (HC 93.050/RJ), mantendo-se, porém, válidos “os demais elementos do acervo probatório, que são autônomos” (HC 89.032/SP).
As provas ilícitas e as ilícitas por derivação, da mesma forma que não podem ser utilizadas no procedimento de origem, também não podem ser reapresentadas de maneira reflexa, indireta ou aproveitadas como provas emprestadas em quaisquer outros processos penais, civil, administrativos ou eleitorais, pois contaminadas com o vício insanável do desrespeito aos Direitos Fundamentais (HC 82.862/SP).
A consagração do Estado de Direito exige fiel observância ao princípio do Devido Processo Legal, e, consequentemente, as provas ilícitas bem como todas aquelas delas derivadas são constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando reconduzidas aos autos de forma indireta, ou ainda, utilizadas como provas emprestadas, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, pois são imprestáveis para a formação do convencimento do magistrado e atentatórias a plena eficácia dos direitos fundamentais.
 
Alexandre de Moraes é advogado e chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, onde é professor livre-docente de Direito Constitucional.
Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2014

SÓ O ESTADO PODE RESPONDER PELOS ATOS DE SEUS AGENTES

Só o Estado pode responder pelos atos dos seus agentes

 
Somente o Estado pode responder pelos atos praticados por seus agentes. Esse entendimento foi levado em consideração pela maioria da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo para extinguir, sem resolução de mérito, o processo a que respondia o ex-procurador-geral de Justiça de São Paulo Rodrigo César Rebello Pinho, que tinha sido condenado a pagar indenização de R$ 70 mil ao ex-corregedor geral do Ministério Público, Carlos Henrique Mund. Cabe recurso ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
A desembargadora Viviani Nicolau, relatora designada, proferiu o voto vencedor. Além da jurisprudência do próprio TJ-SP e do STF, ela citou a doutrina de Hely Lopes Meirelles para sustentar que o agente público só responde perante o Estado e não cabe a quem se sentiu prejudicado processar o funcionário. Se for o caso, e o servidor for culpado, o Estado pode processá-lo em ação regressiva para recuparar o valor gasto.
"A reparação do dano causado pela Administração a terceiro obtém-se amigavelmente ou por meio da ação de indenização, e, uma vez indenizada a lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o servidor culpado para haver dele o despendido, através da ação regressiva, autorizada pelo parágrafo 6º, do artigo 37 da Constituição", escreveu a desembargadora, em referência a Lopes Meirelles.
Também votou pela extinção da ação o desembargador Donegá Morandini. Ele citou o artigo 43 do Código Civil: "As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."
"A decisão é pertinente no sentido de que o procurador não pode responder por toda ação que interpõe. Se não tivesse esse filtro do Estado, o promotor poderia ser inibido na sua atuação profissional", diz Pinho, que compara a situação com a hipótese de um juiz ser processado por toda decisão reformada.
O casoA disputa começou quando Carlos Henrique Mund, então corregedor-geral do Ministério Público, decidiu investigar um outro procurador de Justiça, suspeito de corrupção. Segundo a decisão, o objetivo da investigação era de buscar dados para analisar a viabilidade ou não de se instaurar um processo administrativo ou uma sindicância. Acontece que a investigação começou sem a designação de comissão formada por três Procuradores da Justiça — como determinado pela Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo.
Por causa disso, foi instaurado contra Mund um processo administrativo sumário por supostas violações a deveres funcionais do MP. Concluído o processo, o então chefe do MP paulista, Rodrigo Pinho, aplicou a pena de advertência contra Mund, que recorreu da decisão ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores. No entanto, antes do julgamento do recurso, Pinho mandou publicar no Diário Oficial a ata da reunião, com a decisão do relator do recurso, com a pena de advertência.
O Colégio de Procuradores de Justiça anulou a pena de advertência imposta a Mund com o argumento de que o procurador-geral Rodrigo Pinho era incompetente para aplicar sanção disciplinar contra o corregedor-geral. Pinho entrou na Justiça com mandado de segurança contra a decisão do Órgão Especial do colegiado e o Tribunal de Justiça ratificou a decisão do colegiado do MP. Mund, então, interpôs apelação no tribunal. 
Ao decidir o caso, em 2012, a desembargadora Viviani Nicolau entendeu que o fato de se atribuir a responsabilidade diretamente a Rodrigo Pinho, tendo como pano de fundo desavenças pessoais entre as partes, não desloca a discussão da esfera administrativa para a esfera privada. Por maioria, a turma determinou a carência da ação por ilegitimidade passiva e julgou o processo sem resolução do mérito. Ficou vencido o desembargador Egidio Giacoia, relator.
Clique aqui para ler a decisão. Apelação 0116538-46.2009.8.26.0100
 
Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2014

terça-feira, 8 de abril de 2014

EMPRESA É CONDENADA A PAGAR DIFERENÇAS REFLEXAS DECORRENTES DA INTEGRAÇÃO DE SALÁRIO PAGO POR FORA

Empresa é condenada a pagar diferenças reflexas decorrentes da integração de salário pago por fora  
 

 
O pagamento de salários "por fora", além de implicar sonegação aos direitos trabalhistas e tributários, ofende a dignidade do trabalhador e o valor social do trabalho. Foi com base nesse entendimento que o juiz Gláucio Eduardo Soares Xavier, titular da 2ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas, condenou uma distribuidora de bebidas a pagar a um vendedor diferenças reflexas decorrentes da integração do salário pago "por fora" da folha.
Na ação, o vendedor pleiteou, entre outras parcelas, o pagamento dos reflexos devidos pela integração de comissões e prêmios pagos extrafolha. Por sua vez, a empresa alegou que o reclamante exerceu as funções de vendedor externo e, posteriormente, de supervisor de vendas, recebendo salário fixo e comissões variáveis, não ocorrendo o pagamento de salários "por fora".
Mas ao analisar os depoimentos das testemunhas, o juiz sentenciante se convenceu da ocorrência de pagamento "por fora" da folha mensal. Ele frisou que a questão de pagamento extrafolha já foi analisada em outras reclamações trabalhistas ajuizadas contra a mesma empresa, fato que foi confirmado pela prova pericial e pelos documentos anexados ao processo.
O magistrado aplicou os mesmos fundamentos utilizados em outro processo contra a mesma empregadora, ressaltando que a comprovação de irregularidade por parte da reclamada quanto ao pagamento de salários a seus empregados implica em sonegação de direitos trabalhistas e tributários, ofendendo a dignidade do trabalhador e o valor social do trabalho. Considerando que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza, entendeu serem devidas ao reclamante as diferenças reflexas decorrentes da integração do salário pago "por fora", prevalecendo a média mensal apontada pelo ex-empregado, no valor de R$500,00.
Assim, o juiz sentenciante, condenou a reclamada a pagar ao trabalhador as diferenças reflexas decorrentes da integração do salário pago extrafolha, fixando a média em R$500,00 por mês, apuradas sobre 13º salário de 2006, férias de 2006/2007 acrescidas de 1/3, horas extras pagas e FGTS mais os 40%. Houve recurso, mas o TRT manteve a decisão de 1º Grau.
 
Fonte: TRT 3ª Região

ÂMBITO DE CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO STJ

Âmbito de cabimento dos embargos de divergência no STJ

 
Em países federados, como o Brasil, os tribunais de superposição detêm a precípua função de unificar a interpretação e a aplicação do direito objetivo.
Apontando esta importante atribuição, afirmou o ministro Humberto Gomes de Barros que: “O STJ foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao STF, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós — os integrantes da corte — não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência da corte. Melhor será extingui-la” (AgrReg. nos EmbDiv. no REsp. n. 228.432-RS, Corte Especial)
Em nossa legislação, dentre os mecanismos processuais de uniformização da jurisprudência, destacam-se os embargos de divergência, que constituem um meio de impugnar acórdão proferido, no âmbito de recurso extraordinário ou especial, por uma das turmas, respectivamente, do STF ou do STJ.
Enfatizava, ainda, de forma precisa, o ministro Humberto Gomes de Barros, ao relatar os Embargos de Divergência no Recurso Especial 222.524-MA, que: "Os embargos de divergência foram concebidos no escopo de preservar — mais que o interesse tópico de cada um dos litigantes — a necessidade de que o tribunal mantenha coerência entre seus julgados".
Se os órgãos fracionários destes tribunais superiores dissentirem sobre questões de direito federal, a missão constitucional que lhes foi confiada não estará sendo cumprida. Assim, exatamente para reforçar a previsibilidade e harmonia dos julgamentos e, até mesmo, a segurança jurídica, é que os embargos de divergência se tornam um importante instrumento para resolver as inexoráveis divergências intra muros, ou seja, nos quadrantes das respectivas cortes de justiça.
Como bem pondera José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, 15ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009, pág. 641), “os embargos de divergência visam afastar interpretação divergente do sentido das normas positivas, em tese, nos órgãos do STF e do STJ. Essa é a razão maior da sua existência em nosso sistema processual”.
Os embargos de divergência são interponíveis apenas no âmbito do STF e do STJ, a teor do disposto no artigo 496, VIII, do Código de Processo Civil: “São cabíveis os seguintes recursos: ... VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário".
Acrescente-se que, no STJ, em consonância com a regra do artigo 546, I, do mesmo diploma legal, somente é admissível a interposição de embargos de divergência quando um acórdão, proferido por uma das turmas, “em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial”.
Reiterando esta norma processual, dispõe o artigo 266 do Regimento Interno do STJ, que: “Das decisões da Turma, em recurso especial, poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serão julgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da mesma Seção. Se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial, competirá a esta o julgamento dos embargos”.
Conclui-se, portanto, que os embargos de divergência têm cabimento restrito à hipótese de dissenso entre órgãos colegiados, verificado exclusivamente nos domínios do recurso especial.
Por força da nova redação do artigo 557 do CPC, que atribuiu ao relator a faculdade de julgar monocraticamente recurso especial, foi editado o enunciado da Súmula 315 do STJ, com a seguinte redação: “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”.
Importa esclarecer que, de forma coerente, o próprio STJ abre exceção a este regramento pretoriano, na subsequente Súmula 316 (“Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide recurso especial”), uma vez que, nesta hipótese, do ponto de vista substancial, o julgado em tudo se assemelha ao acórdão proferido em recurso especial.
Aduza-se que a Corte Especial do STJ, ao analisar a indigitada Súmula 316, não conheceu do recurso, no julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo 1.186.352-DF, de relatoria do ministro Cesar Asfor Rocha, ao assentar, in verbis: “São cabíveis embargos de divergência, ainda, diante da exceção criada pela jurisprudência da Corte, nas hipóteses em que se conhece do agravo de instrumento previsto no art. 544, caput, do Código de Processo Civil, para dar provimento ao recurso especial na forma do § 3º do mesmo dispositivo. É que, nesse caso, embora dispensada a reautuação do feito, o próprio recurso especial terá sido julgado. Inadmitido o recurso especial na origem e desprovidos o agravo de instrumento (atual agravo em REsp) e o respectivo agravo regimental nesta Corte, mesmo que adotada fundamentação que passe pelo exame do mérito do apelo extremo, descabe a interposição de embargos de divergência, incidindo a vedação contida no enunciado n. 315 da Súmula/STJ...”.
A Corte Especial, no julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Agravo 1.253.341-BA, relatado pelo ministro João Otávio Noronha decidiu, ainda, que: “São incabíveis embargos de divergência contra acórdão proferido em sede de agravo regimental que impugna agravo de instrumento que, por não ter ultrapassado o juízo de admissibilidade, não apreciou o mérito do recurso especial”.
Nesse exato sentido, enfrentando questão em tudo análoga, a mesma Corte Especial, no julgamento do Agravo Regimental na Petição 3.934-MG, relatado pelo ministro Ari Pargendler, teve oportunidade de patentear que: “Em se tratando de julgamento ocorrido no âmbito do agravo de instrumento, os embargos de divergência só podem ser admitidos se o acórdão, proferido em agravo regimental, mantendo ou reformando decisão do relator, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento”.
Colaciono ainda exegético pronunciamento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, já agora no Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial 232.083-PR, de relatoria do ministro Humberto Martins, que, também examinando tal tema, assentou o seguinte: “Aplica-se ao caso dos autos a Súmula 315/STJ, que assim dispõe: ‘Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial’. Isso porque a inteligência dos artigos 546 do CPC e 266 do RISTJ, bem como da Súmula 315/STJ, somente excepciona o conhecimento dos embargos de divergência quando o relator conhecer do agravo para provimento ao próprio recurso especial, aplicando o disposto no art. 544, § 3º, do CPC...”.
Permito-me concluir, à luz deste uníssono entendimento pretoriano, que se faz de todo inadequado o manejo de embargos de divergência contra acórdão proferido em agravo regimental em agravo, quando resulta indeferido o trânsito do recurso especial.
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...