segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

DESVIO DE FUNÇÃO OBRIGA SERVIDORES A RECORREREM AO PODER JUDICIÁRIO

ESPECIAL Desvio de função: servidores batem à porta do Judiciário para pedir diferenças salariais
O edital de abertura do concurso público, que é considerado a “lei” do certame, descreve a habilitação exigida para o exercício dos cargos e as atribuições correspondentes. Contudo, nem sempre o aprovado é designado para exercer as atividades legalmente previstas para o cargo que assumiu. Nessas hipóteses, fica configurado o desvio de função.

De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “apenas em circunstâncias excepcionais previstas em lei poderá o servidor público desempenhar atividade diversa daquela pertinente ao seu cargo”.

Conforme lição de José Maria Pinheiro Madeira, “embora a movimentação de servidor esteja inserida no âmbito do juízo de conveniência e oportunidade da administração pública, é certo que os direitos e deveres são aqueles inerentes ao cargo para o qual foi investido” (Servidor Público na Atualidade).

Para o autor, é inadmissível que o servidor exerça atribuições de um cargo tendo sido nomeado para outro, mesmo levando-se em conta o número insuficiente de agentes públicos. Segundo ele, o servidor tem “o direito de exercer as funções pertinentes ao cargo que ocupa, devendo a ilegalidade ser corrigida pelo Poder Judiciário, se acionado”.

Diante de tantos casos que chegam ao Poder Judiciário, em abril de 2009, o STJ editou a Súmula 378: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.” A partir de então, esse entendimento tem sido aplicado por diversos juízos e tribunais.

Retorno

Mas nem sempre as ações ajuizadas dizem respeito à questão financeira. Em agosto de 2013, a Quarta Turma julgou o caso de um servidor do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que desejava simplesmente exercer as atribuições pertinentes ao cargo para o qual foi nomeado (RMS 37.248).

Ele foi aprovado para escrevente técnico judiciário em 1988, contudo, exercia a função de contador judicial – à qual foi designado por meio de uma portaria no mesmo ano em que tomou posse – havia mais de 20 anos.

Antes de entrar na Justiça, tentou retornar ao cargo de origem pela via administrativa, sem sucesso. O mandado de segurança impetrado também foi denegado pelo TJSP. Aquele tribunal considerou que a designação do agente público para o cargo de contador judicial não foi ilegal, nem mesmo violou direito líquido e certo.

Em seu entendimento, o provimento foi fundamentado pelo interesse público, já que o servidor tinha adquirido muita experiência no cargo, e pelo fato de não haver outra pessoa para exercer aquela função sem prejuízo da qualidade do serviço.

Remuneração inferior

No recurso para o STJ, o servidor argumentou que, além de não ter formação em contabilidade, recebia remuneração inferior à de contador judicial, o que, segundo ele, viola os princípios da legalidade, da moralidade e da discricionariedade.

Com base no princípio da legalidade, o ministro Mauro Campbell, relator do recurso, afirmou que “o administrador deve agir de acordo com o que estiver expresso em lei, devendo designar cada servidor para exercer as atividades que correspondam àquelas legalmente previstas”.

Quanto ao caso específico, ele considerou que, apesar do número insuficiente de servidores na contadoria judicial, não é admissível que o escrevente técnico judiciário exerça atribuições de um cargo, tendo sido nomeado para outro. Em decisão unânime, a Turma determinou o retorno do servidor ao cargo de origem.

Diploma

Em outubro do mesmo ano, a Segunda Turma negou provimento ao recurso de um servidor do Paraná que pretendia continuar em cargo de nível superior, no qual atuava havia mais de 20 anos, apesar de ter sido aprovado em cargo de nível médio (RMS 43.451).

Quando ingressou no serviço público, em 1987, ele afirmou que possuía diploma de nível superior e isso foi suficiente para que assumisse o cargo de agente profissional – que exige essa qualificação.

Por meio de processo administrativo disciplinar (PAD), foi constatado que o servidor somente se formou em economia no ano de 2007. O PAD deu origem à decisão administrativa que, em 2011, reenquadrou-o no cargo de origem.

No mandado de segurança impetrado no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o agente disse que a administração não poderia mais sindicar e rever o seu enquadramento, porque havia ocorrido a decadência.

O tribunal de segunda instância discordou e afirmou que a administração pública tem o poder-dever de sanar eventual ilegalidade existente, “não estando o ato de revisão, neste caso, sujeito a prazo prescricional”.

Reenquadramento

Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Humberto Martins, “está correto o entendimento do tribunal de origem, já que se afigura como caracterizado o ilegal desvio de função por parte do servidor”.

Ele ressaltou que a jurisprudência do STJ orienta que o desvio de função não pode outorgar o direito ao reenquadramento. Além disso, quanto ao processo administrativo, o ministro verificou que foi dado o direito de defesa ao servidor.

“Não há falar em enriquecimento ilícito por parte da administração pública, porquanto nada obriga que o recorrente desenvolva atividades de nível superior, uma vez que o seu enquadramento correto está adstrito ao nível médio”, concluiu Humberto Martins.

Indenização de transporte
Embora o desvio de função não implique direito ao reenquadramento ou à reclassificação, quando o servidor exerce funções alheias ao cargo que ocupa, deve receber o pagamento das diferenças remuneratórias.

Com base nesse entendimento, a Quinta Turma reconheceu que um servidor que atuava como oficial de Justiça deveria receber, de forma retroativa, o pagamento de indenização de transporte correspondente ao período em que esteve em desvio de função (RMS 27.831).

O ocupante do cargo de escrevente juramentado foi inicialmente lotado na comarca de Iconha (ES). Em 2006, ele foi deslocado para Conceição da Barra, no mesmo estado, pois o quadro de oficiais de Justiça precisava de pessoal para dar cumprimento ao grande número de demandas pendentes.

No exercício das atividades de oficial de Justiça, passou a receber a indenização de transporte prevista na Lei Complementar Estadual 46/94, já que utilizava o próprio veículo para executar os serviços externos.

Contudo, em 2007, o pagamento da verba foi suspenso e, além disso, foi iniciado procedimento administrativo para reposição ao erário dos valores que já tinham sido pagos.

Negativa ilegal

O servidor apresentou pedido administrativo para receber os valores até então descontados, mas a administração negou, sob o fundamento de que a vantagem é devida apenas aos ocupantes do cargo de oficial de Justiça.

Inconformado, ele impetrou mandado de segurança com o mesmo intuito e o caso chegou ao STJ. O escrevente afirmou que a negativa de pagamento da indenização de transporte foi ilegal. Sustentou que “não constitui pressuposto para a indenização o exercício de cargo efetivo de oficial de Justiça, mas sim o efetivo exercício das atividades inerentes ao cargo de oficial de Justiça”.

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, deu razão ao servidor quanto à pretensão de continuar recebendo a indenização de transporte, “enquanto perdurar o exercício das funções atinentes aos oficiais de Justiça, ainda que não seja titular do aludido cargo”.

Imposto de Renda
De acordo com o ministro Castro Meira, já aposentado, “a parcela recebida por servidor público em virtude do reconhecimento judicial do desvio de função ostenta nítida feição salarial, razão por que sobre ela incide o Imposto de Renda, por representar acréscimo patrimonial, base de incidência tributária”.

A mesma posição foi adotada pela Segunda Turma, em março de 2013, no julgamento do recurso especial de um servidor público que buscava o afastamento da incidência do Imposto de Renda sobre valores recebidos por reconhecido desvio de função, entre os anos de 1987 e 1999 (REsp 1.352.250).

Os ministros debateram a respeito da natureza jurídica dos valores pagos ao servidor –salarial ou indenizatória?

Para o ministro Humberto Martins, relator do recurso especial, “quando há desvio de função, caso a remuneração da atividade exercida seja maior do que a da atividade para a qual foi contratado, pode o trabalhador requerer a equiparação salarial”.

O relator explicou que a remuneração recebida com a equiparação tem nítida feição salarial, pois remunera o serviço que foi prestado em igualdade de condições, embora tenha sido o trabalhador contratado para função diversa.

“Reconhecida a natureza salarial da parcela, sobre ela incide o Imposto de Renda, já que representa acréscimo patrimonial, hipótese de incidência tributária”, concluiu Humberto Martins, no que foi acompanhado pelos demais ministros da Turma.

Auxiliar de enfermagem

A União bem que tentou, mas não conseguiu reformar decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que reconheceu o desvio de função de auxiliares operacionais de serviços diversos que exerciam o cargo de auxiliar de enfermagem (AREsp 68.451).

Para a União, tinha ocorrido a prescrição prevista nos artigos 1º e 2º do Decreto 20.910/32, os quais dispõem que as dívidas da União, dos estados e dos municípios prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originaram, inclusive restituições ou diferenças.

O relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, concordou com o TRF1 quanto à ocorrência de desvio de função. Por essa razão, aplicou a Súmula 378 do STJ, que garante ao servidor o recebimento das diferenças salariais.

Quanto à prescrição, o ministro se baseou no texto da Súmula 85 do STJ para afirmar que, “em se tratando de desvio de função e não havendo negativa do direito reclamado, o servidor não tem direito apenas às parcelas anteriores aos cinco anos que antecederam a propositura da ação”.

Carga horária

Por meio do Decreto 4.345/05, foi fixada a jornada de 40 horas semanais para os servidores civis do Paraná. Para não contrariar legislação que estabelece jornada de 24 horas semanais para os técnicos de radiologia, devido aos riscos que a atividade causa à saúde, o decreto estabeleceu que as horas restantes fossem cumpridas em atividades administrativas, que não causam risco à saúde.

Para os ministros da Sexta Turma, essa situação não configurou desvio de função (RMS 23.475).

Após o aumento da carga horária, os servidores do estado impetraram mandado de segurança perante o TJPR, mas tiveram a pretensão negada.

No recurso para o STJ, eles defenderam que o decreto fere o direito de exercer suas funções em jornada de 24 horas semanais, “compatíveis, assim, com as atividades que desenvolvem”.

Sustentaram que a exigência prevista no decreto – de complementação das 40 horas semanais com outras atividades – caracteriza desvio de função, conforme previsto na Lei 7.394/85.

Oportunidade e conveniência

Segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do recurso, o Decreto 4.345 não extrapola os limites da lei. “A fixação da jornada de trabalho é tema sujeito aos critérios de oportunidade e conveniência do poder público”, disse.

Ela explicou que, embora a lei federal tenha estabelecido jornada de trabalho de 24 horas para os técnicos de radiologia – por ser uma atividade prejudicial à saúde –, isso não significa que o servidor que exerce essa função não possa, nas horas restantes para complementar a carga de 40 horas semanais, desenvolver tarefas correlatas.
 
Fonte: STJ

A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E O PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO

 


A Proclamação da República e o presidencialismo brasileiro

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy



No imaginário brasileiro, o chefe do Executivo é o depositário de todas as esperanças, responsável por todos os erros e frustrações, fonte de todas as iniciativas de sucesso. A propaganda presidencialista foi muito forte no estado de São Paulo, especialmente na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, de onde saíram presidentes da República, a exemplo de Prudente de Moraes e Campos Salles.

Houve baixíssima participação política durante o Império, e entende-se a proclamação da República e a implantação do presidencialismo como arranjo de classes dominantes. Insiste-se na ambiguidade para com a experiência norte-americana; apologética em Rui Barbosa, demasiadamente cética em Eduardo Prado. Este último era um crítico da influência norte-americana no Brasil.

O presidencialismo é o sistema de governo que adotamos no Brasil com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. A queda do Império teria ocorrido basicamente por causa da perda de apoio da dinastia Bragança, o que ocorreu a partir dos episódios da Questão Social — abolição da escravidão —, da Questão Religiosa — uma querela entre o Imperador e a Igreja, entre outros, sobre a validade dos decretos papais no Brasil —, e da Questão Militar — uma disputa entre o Imperador e alguns oficiais do Exército sobre a punição de militares que se pronunciaram publicamente sobre um projeto de lei que tratava do montepio nas Forças Armadas.

A crise do Segundo Reinado se alastrou de 1870 a 1880; tem-se “(...) o início do movimento republicano e os atritos do governo imperial com o Exército e a Igreja (...) além disso, o encaminhamento do problema da escravidão provocou desgastes nas relações entre o Estado e suas bases sociais de apoio[1]”. Militares, clérigos, fazendeiros e bacharéis derrubaram um regime que durou 77 anos. O Brasil era a única Monarquia na América.

Baixíssima participação popular marcou o movimento, circunstância narrada de modo irônico por Machado de Assis, testemunha ocular dos fatos, na expressiva cena da tabuleta da Confeitaria do Custódio, cume da sátira política machadiana em Esaú e Jacó.

Resumidamente, Machado de Assis nos conta a estória do dono de uma confeitaria, Custódio, para a qual fizera uma tabuleta, com os dizeres Confeitaria do Império. Porém, a partir de 15 de novembro de 1889, o mais prudente seria Confeitaria da República. Para evitar que a turba se pegasse em frente ao estabelecimento, o mais adequado mesmo foi a indicação Confeitaria do Custódio.

Forte foi também a influência do pensamento positivista, que mais tarde ficará gravado em nossa bandeira republicana, com fragmento de premissa de Augusto Comte, “ordem e progresso”. O positivismo cativou os militares. Um de seus maiores seguidores, Benjamim Constant, era professor da Escola Militar; mais tarde foi ministro da Guerra, e posteriormente foi ministro da Instrução Pública. Muito influente, foi o grande propagandista do positivismo no meio militar.

A questão abolicionista se arrastava desde a Proclamação da Independência, sempre marcada por intensa pressão inglesa. Internamente foi o núcleo de debate a propósito da modernização do Brasil, além, naturalmente, da pregação humanista, que marcou a trajetória de Joaquim Nabuco, para quem a escravidão era uma ilegalidade flagrante, eleita como eixo de um projeto de reforma social. Estávamos entre os últimos a abolir a escravidão no continente americano. Joaquim Nabuco associa seu nome a essa luta.

No Império (1822-1889) a cidadania era restrita, exclusiva e excludente. E, de cima para baixo, os protagonistas daquela pantomima de democracia desconheciam as razões pelas quais muitas vezes eram candidatos, ou eleitos. A propaganda republicana questionava nosso atraso institucional; nessa estratégia, militares e ascendente camada urbana se aproximaram; o impulso modernizador foi fortíssimo componente de uma revolução burguesa brasileira.

Primeira das intervenções militares na política brasileira, a Proclamação da República decorreu de movimento que contou também com o apoio de uma pequena burguesia urbana, canalizada por uma obsessão do Exército, que fez nosso primeiro presidente, o alagoano Manoel Deodoro da Fonseca.
[1] Fausto, Bóris, História do Brasil, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fundação do Desenvolvimento da Edução, 1995, p. 217.


Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutor em Teoria Literária pela Universidade de Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2014

INDIGNAI-VOS! E ESTOCAI COMIDA! NADA TENDES A PERDER NÃO SER...

 


Indignai-vos! E estocai comida! Nada tendes a perder a não ser...

Por Lenio Luiz Streck


Cena 1. Leio nos meios de comunicação (ler aqui) que passageiros de um voo da GOL ficaram presos na aeronave por 3h50 sem poder desembarcar no dia 24 de janeiro de 2014. "Todo mundo entende chuva e aeroporto fechado, ninguém entende ficar sem informação e sem perspectiva por horas e horas", desabafou a usuária Maysa Leão. A GOL simplesmente disse que não havia escada e ônibus para transportar os passageiros do avião que teve que pousar no Rio de Janeiro em face de chuvas em São Paulo. Alguns passageiros saíram pela porta de emergência, desesperados por tanta espera sem perspectivas. A GOL deu uma “boa” explicação: os passageiros violaram regras de segurança ao saírem pela janela. Bingo! Viva! Alvíssaras! Solucionado está o problema. “Matem o cantor e chamem o garçom”, parodiando um velho livro do inesquecível Fausto Wolff.

Cenas 2, 3 e 4. Em 21 de dezembro, a TAM atrasa 15 horas em um de seus voos de Brasília e 9 horas em Viracopos. Já no dia 24 de janeiro, mesmo dia em que a GOL manteve os passageiros retidos por mais de 3 horas no Rio, a TAM manteve seus passageiros retidos dentro do avião por nada mais nada menos do que seis horas no interior da aeronave. A manchete da Globo News foi: “Passageiros de um voo para Brasília ficam mais de seis horas presos dentro de avião”. Vejam: “ficam presos”... Ato falho ou podemos interpretar literalmente? Uma mulher diz claramente: disseram para nós que, se saíssemos, lá fora a Polícia Federal nos prenderia. Cárcere privado? Você julga, caro leitor.

De todo modo, o problema não é a GOL ou a TAM. Elas são apenas a ponta do iceberg do “estado de natureza consumerista” que atravessa o País.

Voltando ao tema da cidadania do tipo “azar o seu”, otário de terrae brasilis
Já escrevi aqui há algum tempo que havia participado de um seminário na Goethe-Universität de Frankfurt. Na ocasião, o jurista alemão Klaus Günther apontou um interessante esquema para aplicar em Justiça de transição. Claro que ele falava da transição política de regimes ditatoriais/autoritários para a democracia. Disso, fiz uma pequena adaptação para uma constante “justiça em transição” em países periféricos como o Brasil. Na verdade, a injustiça com o consumidor, esse idiota esquecido pelo direito.

Aqui, ultrapassada a transição da ditadura para a democracia, penso que lutamos, hoje, outra guerra. Ela é o resultado da não superação de nossa histórica desigualdade social (e simbólica). Da não superação da estrutura estamental que teima em se manter e se reproduzir. Talvez nisso resida o ponto fulcral. Trata-se também de falar da não superação da enredada sonegação de direitos da patuleia e a manutenção de privilégios dos estamentos. A propósito: por onde anda a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição? Cartas para a coluna.

É o cidadão desrespeitado, enganado pelas companhias telefônicas, pelos bancos, pela TV a cabo, pelas companhias aéreas, fábricas de automóveis, pela propaganda, etc. Sintomas que apenas desnudam desmandos históricos. Minha tese: vivemos um “estado de natureza consumerista”. Há, nisso tudo, uma inversão de “culpas”. Tentarei explicar isso na sequência.

Tudo por culpa sua ou por azar de sua parte?
O direito — e aqui me abebero da conferência de Günther — tem que levar em conta uma importante função: a comunicação de uma mensagem. Essa mensagem comunicativa de que quem erra deve ser punido é o que importa para as pessoas que sofreram a injustiça. Qual é o desejo primário dos que sofrem injustiças: querer que os perpetradores sofram um castigo — interessante notar as cifras ocultas da criminalidade... sem confiança no “sistema”, mais de 60% dos crimes sequer são levados ao conhecimento das autoridades... por que será?. O Estado tem que passar a mensagem de que o fato ocorrido foi ilícito. Caso contrário, podem acontecer três fatores, dos quais deixo um de fora, porque aplicável na especificidade da Justiça de transição no plano da política:

1) Eigene Fehler Dummheit — a pessoa pode pensar que o que aconteceu foi por culpa dela; porque deu mole; foi burra. Acrescento: as autoridades podem fazer crer à vítima que a culpa foi dela. Por exemplo, no caso da GOL, foi um erro ter pegado essa companhia ou não escolheu um bom dia para viajar...

2) Unglück (Pech gehabt) — a vítima pode pensar que o fato ocorreu porque deu azar — ela é mesmo uma “pessoa sem sorte”. No caso, azar o seu por não ter viajado de ônibus ou por outra companhia;

Em ambos os casos, há uma perda de autoconfiança do consumidor lesado — ou da vítima, no caso de assaltos, etc. O papel do Estado é o de provar a culpa, mesmo que não haja pena a ser aplicada. O Direito deve comunicar isso à sociedade e às vítimas. Fatos que envolvem a dignidade da pessoa e a segurança dela não podem ser interpretados como decorrentes do acaso, do azar ou de sua própria culpa.

Para evitar essas alternativas ruins acima referidas, o Estado deve investigar e dizer/apontar os culpados. O que fazem a Anac (aliás, já pensaram se a ANAC – Agencia Nacional de Aviação Comercial — se chamasse Agência Nacional de Aviação Livre?), a Anvisa, etc? Nossa fábrica de injustiças sociais e privilégios odiosos não fecha...

Vejamos como isso é tratado na cotidianidade do (não) exercício da cidadania: a vítima é assaltada e, quando reage, é criticada. E lá vem a mensagem da autoridade: “Não reaja.” Mais: “Carregue nos bolsos o dinheirinho do assalto”, “Não irrite o assaltante”. Não estou dizendo que a vítima deva reagir. O que quero denunciar é que se coloca uma espécie de alternativa ruim para a vítima: “Não dê mole para o assaltante...; não aparente posses etc.” Com isso, inverte-se a relação que está lá na Constituição: há um direito fundamental à segurança pública.

O sujeito é assaltado e se diz: “Também... o trouxa ficou dentro do carro... veio o assaltante e, bingo (!), consumou o ato.” É?! Quem sabe podemos ler isso de modo diferente? É um direito do cidadão andar por aí, pelas ruas etc. É o Estado que deve dar segurança para o cidadão. O cidadão está certo. O assaltante, não. O quero dizer é que isso deve ser comunicado à vítima. O cidadão deve saber que o Estado se importa com ele. Isso tudo serve para a relação usuário-companhias aéreas, telefônicas, bancos, etc.

O descaso com os presos já gerou Carandiru, Pedrinhas, Espírito Santo, Central de Porto Alegre, para dizer pouco. Sigo. O trânsito brasileiro mata mais do que a guerra. O que se diz por ai? Os experts, os governantes e os políticos dizem que “a culpa é dos motoristas”. Será mesmo? Quem sabe podemos ler esse fenômeno de outro modo... Por exemplo: seríamos nós os piores motoristas e, por isso, a matança no trânsito é a maior do mundo? Não seria também porque temos os piores carros do mundo, que são vendidos sem airbags — com a conivência do Estado —, com chassis fracos, que são rejeitados na Europa e nos Estados Unidos — para falar apenas nesses dois mercados? Vejam, por exemplo, a diferença entre bater um carro com airbag e um sem airbag... Mas, por que permiti(a)mos carros vendidos sem airbags e com chassis de lata velha? PS: antes que alguém diga que estou sendo “pequeno-burguês” (sic) e que estou preocupado demais com essas “coisas”, adianto-me para dizer que “estou preocupado, sim”, exatamente como estou preocupado com as contradições e idiossincrasias do Direito Penal, como, por exemplo, o fato de que tratamos com mais rigor os crimes de furto do que os delitos de sonegação de tributos — por exemplo, pagando o valor sonegado, extingue-se a punibilidade...

Há muitas mortes de pessoas tentando atravessar as rodovias. Dizem os jornais: “pedestres descuidados, imprudentes...”. Será mesmo? Qual a razão para que o Estado não construa passarelas? Por que o patuleu tem de andar 1 km (ou mais) para atravessar a rodovia? Ciclistas são mortos em acostamentos... Culpa deles? É? E por que permitimos que rodovias sejam construídas com acostamentos fora dos padrões internacionais — e com superfaturamento? O problema é que o Brasil foi feito para poucos!

Deu “mole para o ladrão”...
Esse é, pois, o “problema do cidadão”... Ele “dá mole para o ladrão, dirige mal, entra mal nas curvas, ultrapassa mal, compra passagens aéreas de forma descuidada, revolta-se por ficar três (ou seis) horas dentro de um avião...”. Vá se queixar ao bispo, enquanto continuamos a fazer dissertações e teses sobre “como é eficaz o direito do consumidor em Pindorama”. Manchete: “Neste final de semana, no RS, mais 27 pessoas ‘deram azar’ e foram esfaqueadas; 22 foram mortos ‘dando bobeira’ e 13 se ‘descuidaram’ e foram assaltadas.”

Você é multado no trânsito. Faz um recurso. 101% dos recursos são indeferidos em duas linhas. Imagino a seguinte explicação: “Piora o nível da advocacia”... O processo administrativo pátrio é uma piada (mas tem centenas de dissertações e teses tratando disso...). O guarda de trânsito tem “fé pública” — uma incrível fundamentação a priori, impossível sob o ponto de vista filosófico, além de inconstitucional (aliás, deve ser por isso que é inconstitucional!). Você é culpado até prova em contrário!

A “cidadania” é atuarial. As companhias de telefonia celular enganam milhões de pessoas. As companhias sabem que somente alguns milhares reclamarão. Vale a pena enganar o consumidor nessa “farra consumerista”. Seus direitos estão no “0800”: disque 1, para ser otário; 2, para idiota; 3, para voltar ao menu; 4, para ser atendido por um dos “colaboradores”, 9 para levar um “pito” da companhia área porque você se revoltou por ter ficado três (ou seis) horas retido dentro da aeronave.

Mas você sempre pode entrar com uma ação nos juizados especiais. Lá, à tardinha, o meirinho gritará: “Quem quer fazer acordo, lado direito; quem não quiser, lado esquerdo...” Suprema humilhação. Depois, uma estagiária tentará induzir você a fazer um acordo. A empresa — que engana milhões de pessoas — aposta: não vai fazer acordo... Deixa rolar. Poucos terão paciência para levar as ações até o final. Enganar a choldra vale muito a pena.

Movimente as pernas... Use meias para as varizes...
Você viaja como uma sardinha. Mas, seja esperto: “Chegue antes e consiga uma saída de emergência...”. Ou dispute à tapa uma saída de emergência... claro, pagando R$ 30 por trecho e viaje “confortavelmente”. Uau. Não conseguiu? Que pena. É porque você é um “vacilão”. “Deu azar, mané.” Mas, pergunto: a agência estatal encarregada de fiscalizar as companhias não deveria exigir que os espaços entre as poltronas sejam civilizados? Nas viagens longas, eis o conselho: “Movimente as pernas... Use meias para varizes...”. Não dê bobeira, otário! Com certeza, as companhias aéreas não são responsáveis por seu desconforto. A escolha da companhia é uma decisão do cliente... Bingo de novo!

Voltando ao Direito. O cidadão está com baixa autoestima. Mas parece que tudo conspira contra ele. Porque, de certo modo, terceirizamos nossos direitos e nossa cidadania. Ao invés de reivindicar, ou deixamos como está ou corremos ao Judiciário. Aliás, o Judiciário resolve tudo... até nos livra dos candidatos “fichas sujas” — como somos idiotas, não sabemos escolher. Sua vida está facilitada. Você não corre o risco de votar em um ladrão! Ufa! Mas, por que mesmo tivemos que esperar uma CPI para descobrir que as 235 empresas que se relacionaram com Charles Watterfall fizeram “movimentações financeiras atípicas”? Hum, hum.

Por que a sonegação é tão grande? Eis o paradoxo: quanto mais mecanismos de controle, impostos, fiscalização, etc., menos controle, menos democracia... e menos eficiência. E menos cidadania. O serviço público no Brasil parece ser um fim em si mesmo. Já notaram que ninguém quer trabalhar para os governos: todos querem ser “guardiões do Estado”. Além disso, há outro fenômeno: a defesa dos hipossuficientes. Todos querem fazê-lo. Já não há hipossuficientes suficientes. Algumas instituições já avançam para os não-hipossuficientes. É a “luta pelos pobres” — se me entendem... talvez não seja bem “pelos” no sentido de “a favor”, mas “pelos” no sentido de “tê-los”. E tudo por conta dela, “da viúva”... Como os juristas gostam de “ontologias”, fico imaginando a “viúva coisificada” como uma “senhora bem roliça”...

Consumidor: faça empréstimo para pagar o IPVA e IPTU e tire férias
Vejo na TV publicidade maciça de celulares e automóveis. Sim, os comerciais de carros são sempre feitos com ruas...vazias. Maravilha. Os engarrafamentos não existem nos comerciais de TV. O consumidor é considerado um débil mental. Vejo na TV um comercial de banco, em que um casal está no aeroporto prestes a embarcar de... férias. Malas, sorrisos, felicidade. E o anúncio do banco: viaje tranquilo, sem se preocupar com despesas de IPVA, IPTU etc. O Banco lhe empresta o dinheiro. Fico pensando: mas se esse casal não tem nem dinheiro para pagar o IPVA ou IPTU, quer viajar de férias... e de avião? Devo ser um retardado. Não consigo captar a inteligência desses comerciais.

Um comercial de cerveja pergunta para o sujeito: por que você paga um ano de academia e não frequenta? Resposta: porque sim; também pergunta para outro por que, no futebol, beija o gordo suado ao seu lado e ele responde: porque sim. E por que você bebe a tal cerveja? Resposta: porque sim! Uau! Ou seja, bebo pela mesma razão que cometo idiotices... Outro comercial de banco: crédito só para negativados. Quer dizer: se você é um fracassado, está devendo os tubos e está negativo no Serasa e SPC, vá tirar um empréstimo (e coloque sua mãe como garantia). Hum, hum. Vou estocar comida. Ou seja: o banco não procura os que pagam em dia; quer os outros...Isso não é anticapitalista? Meu comercial: Você está preocupado com o futuro? Está no SPC? Está sem dinheiro para o IPVA? Não importa: estoque comida. O caos vem aí. E por que você acha que o caos vem aí? Resposta em off: porque sim!

Ah: já viram como é fácil estacionar nas garagens dos condomínios? Quem será que bolou isso? Teriam os engenheiros estudado por EAD? Já viram como são “belos e confortáveis” os conjuntos habitacionais em que mora a malta? E os banheiros das suítes dos apartamentos grã-finos que são maiores que os quartinhos das empregadas? E as curvas nas estradas onde se lê placas do tipo “aqui já morreram x pessoas”... Céus: isso tudo é autogerado pelo próprio povo (meu estagiário levanta a placa de “ele está sendo sarcástico”!). Que é burro. Só pode ser isso. Viva os publicitários de Pindorama!

Cárcere privado? Dano moral?
Volto, então, para o caso dos utentes das companhias aéreas (e de TV a cabo, telefonia móvel,[1] etc, etc). Onde ficou a portaria ou resolução que determinava o aumento do espaço entre as poltronas? E como ficou o caso da moça que foi barrada pela Vá Se Katar Airueis, que, por causa de uma frase inocente do pai dela, não a deixou viajar? A Anac fez algo? Puniu a empresa? Já sei a resposta e vou farfalhar de tanto rir.

Ainda: Por qual razão uma companhia acha que pode reter por mais três a seis horas passageiros dentro de uma aeronave, no calor e sem alimentos? A resposta é simples: Impunidade. Estado-de-natureza-consumerista. “Faça o que quiser” — eis o lema; a multa não será paga mesmo. Só 10% das multas aplicadas pela Anac são pagas. Anatel é a mesma coisa. E os trouxas dos utentes não entrarão todos em juízo. Afinal, ir à tardinha nos Juizados... não é fácil.

Seria bom se alguns desses passageiros — os que ficaram três horas no avião da GOL e seis horas no da TAM — fizessem nottitia criminis por cárcere privado ou algo correlato. Que tal o comandante ou o supervisor da companhia responder por algum crime? Constrangimento houve. Há testemunhas que falam (está na TV) que, no caso da TAM, os passageiros foram ameaçados pela tripulação de que, se saíssem, poderiam ser presos pela Polícia Federal (particularmente, não creio que a PF faria isso, mas...). O direito de ir e vir foi solapado. Centenas de passageiros tiveram que ficar retidos contra a sua vontade. A ordem de permanecer no avião não tem respaldo jurídico, porque, conforme foi confessado pela companhia, faltou escada e ônibus... Quer dizer que, se tivesse escada e/ou ônibus, as pessoas não teriam sofrido? É isso? Ou o retardado aqui não entendeu? O que me dizem os meus milhares de leitores?

Utentes de todo o Brasil: uni-vos; indignai-vos (como clama Stéphane Hessel, veterano da resistência francesa, que morreu no alto de seus 95 anos de idade em 26 de fevereiro de 2013, sem que o mundo tivesse dado bola – o que é lamentável!); nada tendes a perder senão vossa senha nos Juizados Especiais!

Indignai-vos... e/ou “estocai comida”!

Quem sabe a ameaça penal funciona mais que a administrativa? Sim, já sei a resposta. Mas, vá que...

P.S. Sobre a “inconstitucionalidade da proibição da maconha”
Castoriadis dizia que tudo que está no mundo social histórico está inexoravelmente entrelaçado com o simbólico. Não que tudo seja simbólico. Mas nada existe fora de uma rede simbólica. Tudo isso que disse acima tem implicações simbólicas e são decorrentes das redes simbólicas que atravessam nosso imaginário. O gesto do carrasco é real por excelência, mas simbólico na sua “essência”. Por isso, quando no Brasil juiz legisla, passando por cima da legislação democraticamente votada pelo Parlamento — e sua liberdade de conformação em matérias relevantes —, sem fundamentação constitucional consistente, abre-se o flanco de “rupturas simbólicas” no imaginário jurídico-político. Posso ser favorável ou não ao consumo da maconha. Mas a sua descriminalização é tarefa do legislador, depois de amplo debate. Não creio que um juiz possa fazer isso simplesmente dizendo que a Anvisa não fundamentou a inclusão da substância ativa. No plano de uma jurisdição constitucional democrática, não me parece argumentação suficiente. A questão é: onde estão nossos limites hermenêuticos? Não foi Eros Roberto Grau quem publicou recentemente um livro chamado "Porque tenho medo dos Juízes"? Por que será que ele — ex-ministro do STF — afirma isso? Ou seja: temos que ter-muita-calma-nessa-hora, caso contrário daqui há pouco alguém defenderá o "direito-fundamental-a-fumar-maconha-como-cláusula-pétrea", tudo com base na Constituição. Temos que ter cuidado com qualquer Woodstock hermenêutico. Já escrevi muito sobre a diferença entre ativismo e judicialização... Aliás, uma pergunta final: na medida em que a ANVISA também não fundamentou a inclusão da cocaína (portaria 344/98), também será ilegal-inconstitucional a proibição de seu consumo? Nesse particular ela — a portaria — seria igualmente nula? Ou para a cocaína o argumento não vale? Cartas para a coluna.
[1] As telefônicas são um inferno. Por exemplo, a Vivo me liga todos os dias ameaçando cortar minha linha, por eu não ter pago. Já recebi mais de dez ligações. Dia 27 chegaram a ligar para o meu celular e o fixo, na mesmíssima hora. Dia 29 de janeiro me acordaram às 8h da manhã. Só que eu ligo para lá e dizem que eu não devo nada (p.ex, alguns dos protocolos 20141449269571, 20141462328598, 20141462412927). Na última ligação — a oitava que fiz —falei com Juliana e nada adiantou. “Vou estar abrindo um chamado”...disse ela. Falei pela segunda vez com a supervisora. Demorou 22 minutos, ela não atendeu e caiu a linha! Ouvidoria? Não funciona. Mais de 15 minutos de espera. Aliás, isso por si só já contraria a legislação. Dia 29 liguei de novo para a ouvidoria. 0800 para-trouxas. O atendente pediu o protocolo. Passei um deles. Disse que nada constava no protocolo. Mas me passou um novo protocolo: 20141480065160. Agora vai! Uau! Gravei a conversa com o atendente André (que disse: não autorizo a gravação!!!). Ou seja, tudo isso é uma grande ficção, que “funciona” assim com a conivência das autoridades. Desesperador! Por isso o estoque de comida é inevitável. A Vivo tem uma empresa terceirizada que atormenta os clientes. Ou é ela mesma que faz isso. Protocolo da Vivo entra no seu celular as 2 da manhã, acordando você (tenho tudo documentado). GOL, OI, Vivo, TAM, tudo a mesma coisa... Saí da Claro e nada adiantou. Perguntem por aí o que dizem dessas companhias. Sabem por que agem assim? Im-pu-ni-da-de! Sabem que estão na terra do estado-de-natureza-consumerista! Podem zonar com a choldra o quanto querem! Só estocando fichinhas de orelhão e andando de ônibus...


Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2014

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STJ Nº. 532

Período: 19 de dezembro de 2013.
As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal.
Corte Especial
DIREITO TRIBUTÁRIO. MANUTENÇÃO DA PENHORA NA HIPÓTESE DE PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO.
São constitucionais os arts. 10 e 11, I, segunda parte, da Lei 11.941/2009, que não exigem a apresentação de garantia ou arrolamento de bens para o parcelamento de débito tributário, embora autorizem, nos casos de execução fiscal já ajuizada, a manutenção da penhora efetivada. Não há infringência ao princípio constitucional da isonomia tributária (art. 150, II, CF), pois o que a lei realiza, ao regrar a faculdade de obtenção do parcelamento – sem contudo determinar o cancelamento da penhora –, é distinguir situações diversas, ou seja, aquela em que ainda não haja penhora decorrente do ajuizamento da execução fiscal, e aquela em que já exista a penhora decretada judicialmente. Note-se que o devedor que ainda não chegou a ser acionado revela-se, em princípio e concretamente, menos recalcitrante ao adimplemento da dívida tributária do que o devedor que já chegou a ter contra si processo de execução e penhora, devedor este que, certamente, tem débito mais antigo – tanto que lhe foi possível antes o questionar, inclusive em processo administrativo. A garantia, no caso do devedor que já tem penhora contra si, deve realmente ser tratada com maior cautela, em prol da Fazenda Pública. Assim, a distinção das situações jurídicas leva à diferença de tratamento das consequências. Isso quer dizer que, já havendo penhora em execução fiscal ajuizada, a exigibilidade do crédito tributário não se suspende, permanecendo intacto, exigível. A propósito, os comandos legais em questão não pressuporiam lei complementar (art. 146, III, b, da CF c/c art. 97, VI, do CTN), pois a reserva legal não vai além da necessidade de lei ordinária, diante da diversidade de situações jurídicas semelhantes. AI no REsp 1.266.318-RN, Rel. originário Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/11/2013.
Primeira Seção
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS PARA GARANTIR O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
É possível ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento das partes, o bloqueio ou sequestro de verbas públicas como medida coercitiva para o fornecimento de medicamentos pelo Estado na hipótese em que a demora no cumprimento da obrigação acarrete risco à saúde e à vida do demandante. De acordo com o caput do art. 461 do CPC, na “ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. O teor do § 5º do mesmo art. 461, por sua vez, estabelece que, para “a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”. Nesse contexto, deve-se observar que não é taxativa a enumeração, no aludido § 5º do art. 461, das medidas necessárias à efetivação da tutela específica ou à obtenção do resultado prático equivalente, tendo em vista a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas relacionadas à norma. Dessa forma, é lícito o magistrado adotar, com o intuito de promover a efetivação da tutela, medida judicial que não esteja explicitamente prevista no § 5º do art. 461, mormente na hipótese em que a desídia do ente estatal frente a comando judicial possa implicar grave lesão à saúde ou risco à vida da parte demandante, uma vez que, nessas hipóteses, o direito fundamental à saúde (arts. 6º e 196 da CF) prevalece sobre os interesses financeiros da Fazenda Nacional. Precedentes citados: EREsp 770.969-RS, Primeira Seção, DJ 21/8/2006; REsp. 840.912-RS, Primeira Turma, DJ 23/4/2007; e REsp. 1.058.836/RS, Segunda Turma, DJe 1º/9/2008. REsp 1.069.810-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2013.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO ANTERIOR À LEI 8.213/1991. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
É possível a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição mediante o cômputo de atividade rural com registro em carteira profissional em período anterior ao advento da Lei 8.213/1991 para efeito da carência exigida pela Lei de Benefícios. De fato, estabelece o § 2º do art. 55 da Lei 8.213/1991 que “o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento”. Entretanto, não ofende o citado dispositivo o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (FUNRURAL). Assim, o trabalhador rural não pode ser responsabilizado pela comprovação do recolhimento das contribuições vertidas ao fundo. Ademais, na atual legislação, o parágrafo único do art. 138 da Lei 8.213/1991 expressamente considera o tempo de contribuição devido aos regimes anteriores a sua vigência. Por fim, o art. 63 da Lei 4.214/1963 (Estatuto do Trabalhador Rural) determinava que os contratos de trabalhos, se constantes de anotações em carteira profissional, não poderiam ser contestados. Precedente citado: REsp 554.068-SP, Quinta Turma, DJ 17/11/2003. REsp 1.352.791-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 27/11/2013.
Segunda Seção
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. FORO COMPETENTE PARA APRECIAR COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SEGURO DPVAT. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Em ação de cobrança objetivando indenização decorrente de Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres – DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre os seguintes foros para ajuizamento da ação: o do local do acidente ou o do seu domicílio (parágrafo único do art. 100 do Código de Processo Civil) e, ainda, o do domicílio do réu (art. 94 do mesmo diploma). De fato, a regra geral de competência territorial encontra-se insculpida no art. 94, caput, do CPC e indica o foro do domicílio do réu como competente para as demandas que envolvam direito pessoal, quer de natureza patrimonial quer extrapatrimonial, e para as que tratem de direito real sobre bens móveis. Nada obstante, o art. 100, excepcionando o dispositivo mencionado, prescreve foros especiais em diversas situações, as quais, quando configuradas, possuem o condão de afastar o comando geral ou relegá-lo à aplicação subsidiária. Em princípio, a norma contida no art. 100, parágrafo único, do CPC revela elementos que permitem classificá-la como específica em relação à do art. 94 do mesmo diploma, o que, em um exame superficial, desafiaria a solução da conhecida regra de hermenêutica encartada no princípio da especialidade (lex specialis derrogat generalis). A situação em análise, contudo, não permite esse tipo de técnica interpretativa. Na hipótese, a regra específica, contida no art. 100, parágrafo único, não contrasta com a genérica, inserta no art. 94. Na verdade, ambas se completam. Com efeito, a demanda objetivando o recebimento do seguro obrigatório DPVAT é de natureza pessoal, implicando a competência do foro do domicílio do réu (art. 94, caput, do CPC). O art. 100, parágrafo único, do CPC, por sua vez, dispõe que, “nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato". Nesse contexto, a regra prevista no art. 100, parágrafo único, do CPC cuida de faculdade que visa facilitar o acesso à justiça ao jurisdicionado, vítima do acidente; não impede, contudo, que o beneficiário da norma especial "abra mão" dessa prerrogativa, ajuizando a ação no foro domicílio do réu (art. 94 do CPC). Assim, trata-se de hipótese de competência concorrente, ou seja, como o seguro DPVAT ancora-se em finalidade eminentemente social, qual seja, a de garantir, inequivocamente, que os danos pessoais sofridos por vítimas de veículos automotores sejam compensados ao menos parcialmente, torna-se imprescindível garantir à vítima do acidente amplo acesso ao Poder Judiciário em busca do direito tutelado em lei. Precedente citado: AgRg no REsp 1.240.981-RS, Terceira Turma, DJe 5/10/2012. REsp 1.357.813-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/9/2013.
Terceira Seção
DIREITO PROCESSUAL PENAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA APLICAÇÃO DE FALTA DISCIPLINAR AO PRESO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. No âmbito da execução penal, a atribuição de apurar a conduta faltosa do detento, assim como realizar a subsunção do fato à norma legal, ou seja, verificar se a conduta corresponde a uma falta leve, média ou grave, e aplicar eventual sanção disciplinar é do diretor do estabelecimento prisional, em razão de ser o detentor do poder disciplinar (Seção III do Capítulo IV da LEP). Não se olvida, entretanto, que, em razão do cometimento de falta de natureza grave, determinadas consequências e sanções disciplinares são de competência do juiz da execução penal, quais sejam, a regressão de regime (art. 118, I), a revogação de saída temporária (art. 125), a perda dos dias remidos (art. 127) e a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade (art. 181, § 1º, d, e § 2º). A propósito, o art. 48 estabelece que a autoridade administrativa “representará” ao juiz da execução penal para adoção dessas sanções disciplinares de competência do juiz da execução penal. Dessa forma, constata-se que a LEP não deixa dúvida ao estabelecer que todo o "processo" de apuração da falta disciplinar (investigação e subsunção), assim como a aplicação da respectiva punição, é realizado dentro da unidade penitenciária, cuja responsabilidade é do seu diretor. Somente se for reconhecida a prática de falta disciplinar de natureza grave pelo diretor do estabelecimento prisional, é que será comunicado ao juiz da execução penal para que aplique determinadas sanções, que o legislador, excepcionando a regra, entendeu por bem conferir caráter jurisdicional. No tocante à formalização dessa sequência de atos concernentes à apuração da conduta faltosa do detento e aplicação da respectiva sanção, o art. 59 da LEP é expresso ao determinar que: “praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para a sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa”. E mais, mesmo sendo a referida lei do ano de 1984, portanto, anterior à CF de 1988, ficou devidamente assegurado o direito de defesa do preso, que abrange não só a autodefesa, mas também a defesa técnica, a ser realizada por profissional devidamente inscrito nos quadros da OAB. Não por outro motivo o legislador disciplinou expressamente nos arts. 15, 16 e 83, § 5º, da LEP, a obrigatoriedade de instalação da Defensoria Pública nos estabelecimentos penais, a fim de assegurar a defesa técnica daqueles que não possuírem recursos financeiros para constituir advogado. Ademais, vale ressaltar que o direito de defesa garantido ao sentenciado tem assento constitucional, mormente porque o reconhecimento da prática de falta disciplinar de natureza grave acarreta consequências danosas que repercutem, em última análise, em sua liberdade. Com efeito, os incisos LIV e LV do art. 5º da CF respaldam a obrigatoriedade da presença de defensor regularmente constituído na OAB, em procedimento administrativo disciplinar, no âmbito da execução da pena. No particular, registre-se que a Súmula Vinculante 5, a qual dispõe que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”, não se aplica à execução penal. Primeiro, porque todos os precedentes utilizados para elaboração do aludido verbete sumular são originários de questões não penais, onde estavam em discussão procedimentos administrativos de natureza previdenciária (RE 434.059); fiscal (AI 207.197); disciplinar-estatutário militar (RE 244.027); e tomada de contas especial (MS 24.961). Segundo, porque, conforme mencionado, na execução da pena está em jogo a liberdade do sentenciado, o qual se encontra em situação de extrema vulnerabilidade, revelando-se incompreensível que ele possa exercer uma ampla defesa sem o conhecimento técnico do ordenamento jurídico, não se podendo, portanto, equipará-lo ao indivíduo que responde a processo disciplinar na esfera cível-administrativa. Ademais, observa-se que o Regulamento Penitenciário Federal, aprovado pelo Dec. 6.049/2007 – que disciplina as regras da execução da pena em estabelecimento prisional federal, seguindo a diretriz traçada pela Lei 7.210/1984 (LEP) –, determina expressamente a obrigatoriedade de instauração de procedimento administrativo para apuração de falta disciplinar, bem como a imprescindibilidade da presença de advogado. Seria, portanto, um verdadeiro contrassenso admitir que o preso que cumpre pena em estabelecimento penal federal, regido pelo aludido Decreto, possua mais direitos e garantias em relação àquele que esteja cumprindo pena em presídio estadual. Ademais, quanto ao disposto no art. 118, I e § 2º, da LEP – que determina que o apenado deva ser ouvido previamente antes de ser regredido definitivamente de regime –, mesmo que se entenda que somente o juiz possa ouvi-lo, não se pode perder de vista que antes de ser aplicada qualquer sanção disciplinar pela prática de falta grave deve ser instaurado o devido procedimento administrativo pelo diretor do presídio. Somente após todo esse procedimento é que o diretor do estabelecimento prisional representará ao juiz da execução para que aplique as sanções disciplinares de sua competência, dentre elas, quando for o caso, a regressão de regime, ocasião em que o apenado deverá ser previamente ouvido, por meio de sua defesa técnica. Dessarte, verifica-se que a defesa do sentenciado no procedimento administrativo disciplinar revela-se muito mais abrangente em relação à sua oitiva prevista no art. 118, § 2º, da LEP, tendo em vista que esta tem por finalidade tão somente a questão acerca da regressão de regime, a ser determinada ou não pelo juiz da execução. Nota-se que os procedimentos não se confundem. Ora, se de um lado, o PAD visa apurar a ocorrência da própria falta grave, com observância do contraditório e da ampla defesa, bem como a aplicação de diversas sanções disciplinares pela autoridade administrativa; de outro, a oitiva do apenado tem como único objetivo a aplicação da sanção concernente à regressão de regime, exigindo-se, por óbvio, que já tenha sido reconhecida a falta grave pelo diretor do presídio. Conquanto a execução penal seja uma atividade complexa, pois desenvolve-se nos planos jurisdicional e administrativo, da leitura dos dispositivos da LEP, notadamente do seu art. 66, que dispõe sobre a competência do juiz da execução, conclui-se que não há nenhum dispositivo autorizando o magistrado instaurar diretamente procedimento judicial para apuração de falta grave. Assim, embora o juiz da Vara de Execuções Penais possa exercer, quando provocado, o controle de legalidade dos atos administrativos realizados pelo diretor do estabelecimento prisional, bem como possua competência para determinadas questões no âmbito da execução penal, não lhe é permitido adentrar em matéria de atribuição exclusiva da autoridade administrativa, no que concerne à instauração do procedimento para fins de apuração do cometimento de falta disciplinar pelo preso, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. REsp 1.378.557-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2013.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA APURAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 241 DO ECA.
Não tendo sido identificado o responsável e o local em que ocorrido o ato de publicação de imagens pedófilo-pornográficas em site de relacionamento de abrangência internacional, competirá ao juízo federal que primeiro tomar conhecimento do fato apurar o suposto crime de publicação de pornografia envolvendo criança ou adolescente (art. 241 do ECA). Por se tratar de site de relacionamento de abrangência internacional – que possibilita o acesso dos dados constantes de suas páginas, em qualquer local do mundo, por qualquer pessoa dele integrante – deve ser reconhecida, no que diz respeito ao crime em análise, a transnacionalidade necessária à determinação da competência da Justiça Federal. Posto isso, cabe registrar que o delito previsto no art. 241 do ECA se consuma com o ato de publicação das imagens. Entretanto, configurada dúvida quanto ao local do cometimento da infração e em relação ao responsável pela divulgação das imagens contendo pornografia infantil, deve se firmar a competência pela prevenção a favor do juízo federal em que as investigações tiveram início (art. 72, § 2º, do CPP). CC 130.134-TO, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), julgado em 9/10/2013.
Primeira Turma
DIREITO ADMINISTRATIVO. RESERVA DE COTA-PARTE DE PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO.
Não é possível reservar cota-parte de pensão por morte a fim de resguardar eventual beneficiário que ainda não tenha se habilitado. Isso porque, somente após a habilitação, mesmo que tardia, é que a Administração deverá realizar novo rateio do benefício entre os beneficiários concorrentes. Precedente citado: REsp 1.002.419-CE, Quinta Turma, DJe 28/9/2009. AgRg no REsp 1.273.009-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 17/10/2013.
DIREITO TRIBUTÁRIO. CAUÇÃO PARA EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA.
O contribuinte pode, após o vencimento de sua obrigação e antes da execução fiscal, garantir o juízo de forma antecipada mediante o oferecimento de fiança bancária, a fim de obter certidão positiva com efeitos de negativa. De fato, a prestação de caução mediante o oferecimento de fiança bancária, ainda que no montante integral do valor devido, não se encontra encartada nas hipóteses elencadas no art. 151 do CTN, não suspendendo a exigibilidade do crédito tributário. Entretanto, tem o efeito de garantir o débito exequendo em equiparação ou antecipação à penhora, permitindo-se, neste caso, a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa. AgRg no Ag 1.185.481-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14/10/2013.
DIREITO TRIBUTÁRIO. CAUÇÃO EM EXECUÇÃO FISCAL.
O seguro garantia judicial não pode ser utilizado como caução em execução fiscal. Isso porque não há norma legal disciplinadora do seguro garantia judicial, não estando essa modalidade de caução entre as previstas no art. 9º da Lei 6.830/1980. Precedentes citados: AgRg no AREsp 266.570-PA, Segunda Turma, DJe 18/3/2013; e AgRg no REsp 1.201.075-RJ, Primeira Turma, DJe 9/8/2011. AgRg no REsp 1.394.408-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17/10/2013.
Segunda Turma
DIREITO TRIBUTÁRIO. MANIFESTAÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA A COBRANÇA DE DÉBITO INSCRITO EM DÍVIDA ATIVA.
O pedido administrativo realizado pelo contribuinte de cancelamento de débito inscrito em dívida ativa não suspende a exigibilidade do crédito tributário, não impedindo o prosseguimento da execução fiscal e a manutenção do nome do devedor no CADIN. A leitura do art. 151, III, do CTN revela que não basta o protocolo de reclamações ou recursos para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. A manifestação de inconformidade ("reclamações" ou "recursos"), para ser dotada de efeito suspensivo, deve estar expressamente disciplinada na legislação específica que rege o processo tributário administrativo. Nesse contexto, a manifestação administrativa (é irrelevante o nomen iuris, isto é, "defesa", "pedido de revisão de débito inscrito na dívida ativa" ou qualquer outro) não constitui "recurso administrativo", dele diferindo em sua essência e nos efeitos jurídicos. O recurso é o meio de impugnação à decisão administrativa que analisa a higidez da constituição do crédito e, portanto, é apresentado no curso do processo administrativo, de forma antecedente à inscrição em dívida ativa, possuindo, por força do art. 151, III, do CTN, aptidão para suspender a exigibilidade da exação. A manifestação apresentada após a inscrição em dívida ativa, por sua vez, nada mais representa que o exercício do direito de petição aos órgãos públicos. É essencial registrar que, após a inscrição em dívida ativa, há presunção relativa de que foi encerrado, de acordo com os parâmetros legais, o procedimento de apuração do quantum debeatur. Se isso não impede, por um lado, o administrado de se utilizar do direito de petição para pleitear à Administração o desfazimento do ato administrativo (na hipótese em análise, o cancelamento da inscrição em dívida ativa) – já que esta tem o poder-dever de anular os atos ilegais – , por outro lado, não reabre, nos termos acima (ou seja, após a inscrição em dívida ativa), a discussão administrativa. Pensar o contrário implicaria subverter o ordenamento jurídico, conferindo ao administrado o poder de duplicar ou "ressuscitar", tantas vezes quantas lhe for possível e/ou conveniente, o contencioso administrativo. Cabe ressaltar, a propósito, que inexiste prejuízo ao contribuinte porque a argumentação apresentada após o encerramento do contencioso administrativo, como se sabe, pode plenamente ser apreciada na instância jurisdicional. É inconcebível, contudo, que a Administração Pública ou o contribuinte criem situações de sobreposição das instâncias administrativa e jurisdicional. Se a primeira foi encerrada, ainda que irregularmente, cabe ao Poder Judiciário a apreciação de eventual lesão ou ameaça ao direito do sujeito processual interessado. REsp 1.389.892-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/8/2013.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PARA BUSCAR REPARAÇÃO DE PREJUÍZOS DECORRENTES DE VIOLAÇÃO DA IMAGEM E DA MEMÓRIA DE FALECIDO.
Diferentemente do que ocorre em relação ao cônjuge sobrevivente, o espólio não tem legitimidade para buscar reparação por danos morais decorrentes de ofensa post mortem à imagem e à memória de pessoa. De acordo com o art. 6º do CC – segundo o qual “a existência da pessoa natural termina com a morte [...]” –, os direitos da personalidade de pessoa natural se encerram com a sua morte. Todavia, o parágrafo único dos arts. 12 e 20 do CC estabeleceram duas formas de tutela póstuma dos direitos da personalidade. O art. 12 dispõe que, em se tratando de morto, terá legitimidade para requerer a cessação de ameaça ou lesão a direito da personalidade, e para reclamar perdas e danos, o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. O art. 20, por sua vez, determina que, em se tratando de morto, o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes são partes legítimas para requerer a proibição de divulgação de escritos, de transmissão de palavras, ou de publicação, exposição ou utilização da imagem da pessoa falecida. O espólio, entretanto, não pode sofrer dano moral por constituir uma universalidade de bens e direitos, sendo representado pelo inventariante (art. 12, V, do CPC) para questões relativas ao patrimônio do de cujus. Dessa forma, nota-se que o espólio, diferentemente do cônjuge sobrevivente, não possui legitimidade para postular reparação por prejuízos decorrentes de ofensa, após a morte do de cujus, à memória e à imagem do falecido. REsp 1.209.474-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/9/2013.
DIREITO EMPRESARIAL. EXECUÇÃO DE AVALISTA DE NOTA PROMISSÓRIA DADA EM GARANTIA DE CRÉDITO CEDIDO POR FACTORING.
Para executar, em virtude da obrigação avalizada, o avalista de notas promissórias dadas pelo faturizado em garantia da existência do crédito cedido por contrato de factoring, o faturizador exequente não precisa demonstrar a inexistência do crédito cedido. Com efeito, ainda que as notas promissórias tenham sido emitidas para garantir a exigibilidade do crédito cedido, o avalista não integra a relação comercial que ensejou esse crédito, nem é parte no contrato de fomento mercantil. Na condição de avalista, questões atinentes à relação entre o devedor principal das notas promissórias e a sociedade de fomento mercantil lhe são estranhas. Isso decorre da natureza pessoal dessas questões e da autonomia característica do aval. Assim, na ação cambial somente é admissível defesa fundada em direito pessoal decorrente das relações diretas entre devedor e credor cambiários, em defeito de forma do título ou na falta de requisito necessário ao exercício da ação. REsp 1.305.637-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/9/2013.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MOMENTO ADEQUADO PARA A ALEGAÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO PERITO.
A parte não pode deixar para arguir a suspeição de perito apenas após a apresentação de laudo pericial que lhe foi desfavorável. Por se tratar de nulidade relativa, a suspeição do perito deve ser arguida na primeira oportunidade em que couber à parte manifestar-se nos autos, ou seja, no momento da sua nomeação, demonstrando o interessado o prejuízo eventualmente suportado sob pena de preclusão (art. 245 do CPC). Permitir que a alegação de irregularidade da perícia possa ser realizada pela parte após a publicação do laudo pericial que lhe foi desfavorável seria o mesmo que autorizá-la a plantar uma nulidade, o que não se coaduna com o sistema jurídico pátrio, que rejeita o venire contra factum proprium. AgRg na MC 21.336-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 17/9/2013.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSECTÁRIOS LEGAIS NA TUTELA DO INCONTROVERSO EM ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA.
O valor correspondente à parte incontroversa do pedido pode ser levantado pelo beneficiado por decisão que antecipa os efeitos da tutela (art. 273, § 6º, do CPC), mas o montante não deve ser acrescido dos respectivos honorários advocatícios e juros de mora, os quais deverão ser fixados pelo juiz na sentença. Com efeito, enquanto nos demais casos de antecipação de tutela são indispensáveis os requisitos do perigo de dano, da aparência e da verossimilhança para a sua concessão, na tutela antecipada do § 6º do art. 273 do CPC basta o caráter incontroverso de uma parte dos pedidos, que pode ser reconhecido pela confissão, pela revelia e, ainda, pela própria prova inequívoca nos autos. Se um dos pedidos, ou parte deles, já se encontre comprovado, confessado ou reconhecido pelo réu, não há razão que justifique o seu adiamento até a decisão final que aprecie a parte controversa da demanda que carece de instrução probatória, podendo ser deferida a antecipação de tutela para o levantamento da parte incontroversa (art. 273, § 6º, do CPC). Verifica-se, portanto, que a antecipação em comento não é baseada em urgência, muito menos se refere a um juízo de probabilidade – ao contrário, é concedida mediante técnica de cognição exauriente após a oportunidade do contraditório. Entretanto, por política legislativa, a tutela do incontroverso, ainda que envolva técnica de cognição exauriente, não é suscetível de imunidade pela coisa julgada, o que inviabiliza o adiantamento dos consectários legais da condenação (juros de mora e honorários advocatícios). De fato, a despeito das reformas legislativas que se sucederam visando à modernização do sistema processual pátrio, deixou o legislador de prever expressamente a possibilidade de cisão da sentença. Daí a diretiva de que o processo brasileiro não admite sentenças parciais, recaindo sobre as decisões não extintivas o conceito de “decisão interlocutória de mérito”. REsp 1.234.887-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19/9/2013.
Quarta Turma
DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE DE HOSPITAL POR DANOS DECORRENTES DE TRANSFUSÃO DE SANGUE.
O hospital que realiza transfusão de sangue com a observância de todas as cautelas exigidas por lei não é responsável pelos danos causados a paciente por futura manifestação de hepatite C, ainda que se considere o fenômeno da janela imunológica. Os estabelecimentos hospitalares são fornecedores de serviços, respondendo objetivamente pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos dos serviços. Relativamente às transfusões sanguíneas, a doutrina especializada esclarece que ainda não é possível a eliminação total dos riscos de transfusão de sangue contaminado, mesmo que se adotem todos os testes adequados à análise sanguínea. Por isso, não sendo absoluta a segurança que o consumidor razoavelmente pode esperar nesses casos, o só fato da existência do fenômeno da janela imunológica não é passível de tornar defeituoso o serviço prestado pelo hospital. REsp 1.322.387-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/8/2013.
DIREITO EMPRESARIAL. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA RELATIVOS A CRÉDITO VEICULADO EM CHEQUE.
Os juros de mora sobre a importância de cheque não pago contam-se da primeira apresentação pelo portador à instituição financeira, e não da citação do sacador. A mora ex re independe de qualquer ato do credor, como interpelação ou citação, porquanto decorre do próprio inadimplemento de obrigação positiva, líquida e com termo implementado, desde que não seja daquelas em que a própria lei afasta a constituição de mora automática. Assim, em se tratando de mora ex re, aplica-se o antigo e conhecido brocardo dies interpellat pro homine (o termo interpela no lugar do credor). Com efeito, fica límpido que o art. 219 do CPC, assim como o 405 do CC, deve ser interpretado à luz do ordenamento jurídico, tendo aplicação residual para casos de mora ex persona – evidentemente, se ainda não houve a prévia constituição em mora por outra forma legalmente admitida. Assim, citação implica caracterização da mora apenas se ela já não tiver ocorrido pela materialização de uma das diversas hipóteses indicadas no ordenamento jurídico. No caso, a matéria referente aos juros relativos à cobrança de crédito estampado em cheque por seu portador é regulada pela Lei do Cheque, que estabelece a incidência dos juros de mora a contar da primeira apresentação do título (art. 52, II). Ademais, por materializar uma ordem a terceiro para pagamento à vista, o momento natural de realização do cheque é a apresentação (art. 32), quando a instituição financeira verifica a existência de disponibilidade de fundos (art. 4º, § 1º), razão pela qual a apresentação é necessária. REsp 1.354.934-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/8/2013.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ÔNUS SUCUMBENCIAIS NA HIPÓTESE DE HABILITAÇÃO DE LITISCONSORTE EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
Em ação civil pública que busque a tutela de direitos individuais homogêneos, a mera habilitação de interessado como litisconsorte do demandante não enseja, por si só, a condenação do demandado a pagar ônus sucumbenciais antes do julgamento final. Isso porque o pedido de intervenção no feito como litisconsorte nada mais é do que um incidente processual, haja vista que o interessado, aproveitando-se do poder de disposição em aderir ou não ao processo coletivo (art. 94 do CDC), solicita seu ingresso no feito, na qualidade de litisconsorte facultativo ulterior. Não se está dizendo que o demandado não poderá ser condenado nos ônus sucumbenciais, mas apenas que a definição do responsável pelo pagamento, com análise do princípio da causalidade, ficará para momento futuro, qual seja, a prolação da sentença na ação civil pública. Ademais, os arts. 18 da Lei 7.347/1985 e 87 do CDC consagram norma processual especial, que expressamente afastam a necessidade de adiantar custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas para o ajuizamento de ação coletiva, que, conforme o comando normativo, só terá de ser recolhida ao final pelo requerido, se for sucumbente, ou pela autora, quando manifesta a sua má-fé. REsp 1.116.897-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/9/2013.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE DE AGENTE PÚBLICO PARA RESPONDER DIRETAMENTE POR ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO.
Na hipótese de dano causado a particular por agente público no exercício de sua função, há de se conceder ao lesado a possibilidade de ajuizar ação diretamente contra o agente, contra o Estado ou contra ambos. De fato, o art. 37, § 6º, da CF prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica, que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Nesse particular, a CF simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo. Contudo, não há previsão de que a demanda tenha curso forçado em face da administração pública, quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto; tampouco há imunidade do agente público de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de qualquer forma, em regresso, perante a Administração. Dessa forma, a avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o agente público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios, os quais, como é de cursivo conhecimento, não são rigorosamente adimplidos em algumas unidades da Federação. Posto isso, o servidor público possui legitimidade passiva para responder, diretamente, pelo dano gerado por atos praticados no exercício de sua função pública, sendo que, evidentemente, o dolo ou culpa, a ilicitude ou a própria existência de dano indenizável são questões meritórias. Precedente citado: REsp 731.746-SE, Quarta Turma, DJe 4/5/2009. REsp 1.325.862-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/9/2013.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. LEGITIMIDADE DO MP NA DEFESA DE DIREITOS DE CONSUMIDORES DE SERVIÇOS MÉDICOS.
O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública cujos pedidos consistam em impedir que determinados hospitais continuem a exigir caução para atendimento médico-hospitalar emergencial e a cobrar, ou admitir que se cobre, dos pacientes conveniados a planos de saúde valor adicional por atendimentos realizados por seu corpo médico fora do horário comercial. Cuida-se, no caso, de buscar a proteção de direitos do consumidor, uma das finalidades primordiais do MP, conforme preveem os arts. 127 da CF e 21 da Lei 7.347/1985. Além disso, tratando-se de interesse social compatível com a finalidade da instituição, o MP tem legitimidade para mover ação civil pública em defesa dos interesses e direitos dos consumidores difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme o disposto no art. 81 do CDC. REsp 1.324.712-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/9/2013.
DIREITO DO CONSUMIDOR. COBRANÇA POR HOSPITAL DE VALOR ADICIONAL PARA ATENDIMENTOS FORA DO HORÁRIO COMERCIAL.
O hospital não pode cobrar, ou admitir que se cobre, dos pacientes conveniados a planos de saúde valor adicional por atendimentos realizados por seu corpo médico fora do horário comercial. A pedra de toque do direito consumerista é o princípio da vulnerabilidade do consumidor, mormente no que tange aos contratos. Nesse contexto, independentemente do exame da razoabilidade/possibilidade de cobrança de honorários médicos majorados para prestação de serviços fora do horário comercial, salta aos olhos que se trata de custos que incumbem ao hospital. Este, por conseguinte, deveria cobrar por seus serviços diretamente das operadoras de plano de saúde, e não dos particulares/consumidores. Além disso, cabe ressaltar que o consumidor, ao contratar um plano de seguro de assistência privada à saúde, tem a legítima expectativa de que, no tocante aos procedimentos médico-hospitalares cobertos, a empresa contratada arcará com os custos necessários, isto é, que haverá integral assistência para a cura da doença. No caso, cuida-se de cobrança iníqua, em prevalecimento sobre a fragilidade do consumidor, de custo que deveria estar coberto pelo preço exigido da operadora de saúde – negócio jurídico mercantil do qual não faz parte o consumidor usuário do plano de saúde –, caracterizando-se como conduta manifestamente abusiva, em violação à boa-fé objetiva e ao dever de probidade do fornecedor, vedada pelos arts. 39, IV, X, e 51, III, IV, X, XIII, XV, do CDC e 422 do CC. Ademais, na relação mercantil existente entre o hospital e as operadoras de planos de saúde, os contratantes são empresários – que exercem atividade econômica profissionalmente –, não cabendo ao consumidor arcar com os ônus/consequências de eventual equívoco quanto à gestão empresarial. REsp 1.324.712-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/9/2013.
DIREITO DO CONSUMIDOR. EXIGÊNCIA DE CAUÇÃO PARA ATENDIMENTO MÉDICO DE EMERGÊNCIA.
É incabível a exigência de caução para atendimento médico-hospitalar emergencial. Antes mesmo da vigência da Lei 12.653/2012, a Quarta Turma do STJ (REsp 1.256.703-SP, DJe 27/9/2011) já havia se manifestado no sentido de que é dever do estabelecimento hospitalar, sob pena de responsabilização cível e criminal, da sociedade empresária e prepostos, prestar o pronto atendimento. Com a superveniente vigência da Lei 12.653/2012, que veda a exigência de caução e de prévio preenchimento de formulário administrativo para a prestação de atendimento médico-hospitalar premente, a solução para o caso é expressamente conferida por norma de caráter cogente. REsp 1.324.712-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/9/2013.
Quinta Turma
DIREITO PENAL. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA.
O termo inicial da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, ainda que pendente de apreciação recurso interposto pela defesa que, em face do princípio da presunção de inocência, impeça a execução da pena. Isso porque o art. 112, I, do CP (redação dada pela Lei 7.209/1984) dispõe que a prescrição, após a sentença condenatória irrecorrível, começa a correr “do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação [...]”. Cabe registrar que a redação original do dispositivo não possuía a expressão “para a acusação”, o que gerava grande discussão doutrinária e jurisprudencial, prevalecendo o entendimento de que a contagem do lapso para a prescrição executória deveria ser a partir do trânsito em julgado para a acusação, tendo em vista que a pena não poderia mais ser aumentada. Posteriormente, com a reforma do CP, por meio da Lei 7.209/1984, o legislador, em conformidade com a orientação jurisprudencial predominante, acrescentou a expressão "para a acusação", não havendo mais, a partir de então, dúvida quanto ao marco inicial da contagem do prazo prescricional. É necessário ressaltar que a interpretação do referido dispositivo em conformidade com o art. 5º, LVII, da CF – no sentido de que deve prevalecer, para efeito de contagem do prazo da prescrição da pretensão executória, o trânsito em julgado para ambas as partes, ante a impossibilidade de o Estado dar início à execução da pena antes da sentença condenatória definitiva – não se mostra razoável, pois estaria utilizando dispositivo da CF para respaldar “interpretação” totalmente desfavorável ao réu e contra expressa disposição legal. Na verdade, caso prevaleça o aludido entendimento, haveria ofensa à própria norma constitucional, máxime ao princípio da legalidade. Ademais, exigir o trânsito em julgado para ambas as partes como termo inicial da contagem do lapso da prescrição da pretensão executória, ao contrário do texto expresso da lei, seria inaugurar novo marco interruptivo da prescrição não previsto no rol taxativo do art. 117 do CP, situação que também afrontaria o princípio da reserva legal. Assim, somente com a devida alteração legislativa é que seria possível modificar o termo inicial da prescrição da pretensão executória, e não por meio de "adequação hermenêutica". Vale ressaltar que o art. 112, I, do CP é compatível com a norma constitucional, não sendo o caso, portanto, de sua não recepção. Precedentes citados: AgRg no AREsp 214.170-DF, Sexta Turma, DJe 19/9/2012; e HC 239.554-SP, Quinta Turma, DJe 1/8/2012. HC 254.080-SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 15/10/2013.
DIREITO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA.
A possibilidade de ocorrência da prescrição da pretensão executória surge somente com o trânsito em julgado da condenação para ambas as partes. Isso porque o título penal executório surge a partir da sentença condenatória definitiva, isto é, com o trânsito em julgado para acusação e defesa, quando também surgirá a possibilidade de ocorrência da prescrição executória. Antes do trânsito em julgado para ambas as partes, eventual prescrição será da pretensão punitiva. Todavia, esse entendimento não altera o termo inicial da contagem do lapso prescricional, o qual começa da data em que a condenação transitou em julgado para a acusação, conforme dispõe expressamente o art. 112, I, do CP. HC 254.080-SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 15/10/2013.
DIREITO PENAL. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO ENQUANTO NÃO HOUVER TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES.
Deve ser reconhecida a extinção da punibilidade com fundamento na prescrição da pretensão punitiva, e não com base na prescrição da pretensão executória, na hipótese em que os prazos correspondentes a ambas as espécies de prescrição tiverem decorrido quando ainda pendente de julgamento agravo interposto tempestivamente em face de decisão que tenha negado, na origem, seguimento a recurso especial ou extraordinário. De início, cumpre esclarecer que se mostra mais interessante para o réu obter o reconhecimento da extinção da punibilidade com fundamento na prescrição da pretensão punitiva, pois, ainda que ambas possam ter se implementado, tem-se que os efeitos da primeira são mais abrangentes, elidindo a reincidência e impedindo o reconhecimento de maus antecedentes. A prescrição da pretensão executória só pode ser reconhecida após o trânsito em julgado para ambas as partes, ainda que o seu lapso tenha início com o trânsito em julgado para a acusação, nos termos do que dispõe o art. 112, I, do CP. Nesse contexto, havendo interposição tempestiva de agravo contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial ou extraordinário (art. 544 do CPC e art. 28 da Lei 8.038/1990), não se operaria a coisa julgada, pois a decisão do Tribunal de origem é reversível. Ademais, mostra-se temerário considerar que o controle inicial, realizado pela instância recorrida, prevalece para fins de trânsito em julgado sobre o exame proferido pela própria Corte competente. Posto isso, enquanto não houver o trânsito em julgado para ambas as partes da decisão condenatória, não há que se falar em prescrição da pretensão executória, eis que ainda em curso o prazo da prescrição da pretensão punitiva, de forma intercorrente. Entretanto, se o agravo for manejado intempestivamente, sua interposição não impedirá o implemento do trânsito em julgado, o qual pode ser de pronto identificado, haja vista se tratar de evento objetivamente aferível, sem necessidade de adentrar o próprio mérito do recurso. Nesse caso, ainda que submetido ao duplo juízo de admissibilidade, inevitável o reconhecimento da intempestividade. REsp 1.255.240-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/9/2013.
DIREITO PENAL. FURTO DE OBJETO LOCALIZADO NO INTERIOR DE VEÍCULO.
A subtração de objeto localizado no interior de veículo automotor mediante o rompimento do vidro qualifica o furto (art. 155, § 4º, I, do CP). Precedente citado: EREsp 1.079.847-SP, Terceira Seção, Dje de 5/9/2013. AgRg no REsp 1.364.606-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 22/10/2013.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA NA HIPÓTESE DE FALTA DE PERITOS OFICIAIS.
Verificada a falta de peritos oficiais na comarca, é válido o laudo pericial que reconheça a qualificadora do furto referente ao rompimento de obstáculo (art. 155, § 4º, I, do CP) elaborado por duas pessoas idôneas e portadoras de diploma de curso superior, ainda que sejam policiais. A incidência da qualificadora prevista no art. 155, § 4º, I, do CP está condicionada à comprovação do rompimento de obstáculo por laudo pericial, salvo em caso de desaparecimento dos vestígios, quando a prova testemunhal poderá lhe suprir a falta. Na ausência de peritos oficiais na comarca, é possível que se nomeie duas pessoas para realizar o exame, como autoriza o art. 159, § 1º, do CPP. O referido preceito, aliás, não impõe nenhuma restrição ao fato de o exame ser realizado por policiais. REsp 1.416.392-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 19/11/2013.
Sexta Turma
DIREITO PENAL. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA.
O fato de a vítima não ter contribuído para o delito é circunstância judicial neutra e não implica o aumento da sanção. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.294.129-AL, Quinta Turma, DJe 15/2/2013; HC 178.148-MS, Quinta Turma, DJe 24/2/2012. HC 217.819-BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/11/2013.
DIREITO PENAL. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NA PRIMEIRA PARTE DO ART. 18, III, DA LEI 6.368/1976.
Com o advento da nova Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006), não subsiste a causa de aumento de pena prevista na primeira parte do art. 18, III, da Lei 6.368/1976, cujo teor previa o concurso eventual de agentes como majorante.  De fato, a Lei 11.343/2006 – que expressamente ab-rogou a Lei 6.368/1976 e a Lei 10.409/2002 – não contemplou a conduta prevista na primeira parte do referido inciso (concurso eventual de agentes). Nesse contexto, a nova lei deve ter aplicação retroativa e imediata, conforme determina o parágrafo único do art. 2º do CP. Precedentes citados: EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1.221.240-DF, Quinta Turma, DJe 24/10/2013; HC 220.589-SP, Quinta Turma, DJe 19/12/2011. HC 202.760-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/11/2013.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. ILEGALIDADE NO RECONHECIMENTO DE FALTA GRAVE.
A mudança de endereço sem autorização judicial durante o curso do livramento condicional, em descumprimento a uma das condições impostas na decisão que concedeu o benefício, não configura, por si só, falta disciplinar de natureza grave. Com efeito, essa conduta não está prevista no art. 50 da LEP, cujo teor estabelece, em rol taxativo, as hipóteses de falta grave, a saber, as situações em que o condenado à pena privativa de liberdade: a) incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; b) fugir; c) possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; d) provocar acidente de trabalho; e) descumprir, no regime aberto, as condições impostas; f) inobservar os deveres previstos nos incisos II e V do artigo 39 da LEP; e g) tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Desse modo, não é possível o reconhecimento da falta grave com fundamento na simples mudança de endereço durante o curso do livramento condicional, sem que evidenciada situação de fuga, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. HC 203.015-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/11/2013.
FONTE: STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...