terça-feira, 1 de outubro de 2013

DEPUTADO SANDRO MABEL SERÁ INDENIZADO PELA GLOBO POR VEICULAÇÃO DE NOTÍCIA FALSA



Deputado Sandro Mabel ganha disputa contra Rede Globo, Correio Braziliense e Contratuh

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Rede Globo, o jornal Correio Braziliense e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh) terão de indenizar o deputado federal Sandro Antônio Scrodo, mais conhecido como Sandro Mabel, por terem associado seu nome e imagem ao esquema de corrupção conhecido como mensalão.

As notícias com imagens do parlamentar foram divulgadas em 2006, mesmo tendo sido o parlamentar absolvido das acusações pelo conselho de ética e pelo plenário da Câmara dos Deputados em 2005. Ele nem chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal na ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal. No STJ, os recursos foram relatados pelo ministro Luis Felipe Salomão.

Rede Globo

Ao ajuizar a ação de indenização por danos morais contra a Rede Globo, o deputado teve seu pedido atendido. Porém, em grau de apelação, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) afastou a indenização imposta na sentença, pois considerou que a emissora apenas exerceu o direito de imprensa ao noticiar à população que o parlamentar era suspeito de receber dinheiro do esquema do mensalão.

No STJ, Salomão reconheceu que a Globo feriu o dever de diligência mínima ao incluir o parlamentar no rol dos participantes do escândalo do mensalão em matérias jornalísticas veiculadas em outubro de 2006 nos noticiários Bom Dia Brasil, Jornal Hoje e Em Cima da Hora, quando ele já havia sido absolvido.

De acordo com o ministro, apesar de os direitos à informação e à liberdade de expressão serem resguardados constitucionalmente, “tais direitos não são absolutos”, encontrando suas “rédeas” nos direitos à honra e à imagem da pessoa.

Para o relator, “o dever de veracidade ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa não deve consubstanciar-se em dogma absoluto, ou condição peremptoriamente necessária à liberdade de imprensa, mas um compromisso ético com a informação verossímil”.

Diante dessas razões, a Turma condenou a Rede Globo ao pagamento de indenização no valor de R$ 60 mil ao parlamentar, montante superior aos R$ 38 mil arbitrados na sentença.

Contratuh

A Contratuh foi condenada pela Quarta Turma a indenizar o deputado, por ter distribuído aos seus associados material informativo que associava a imagem de Sandro Mabel ao rótulo de “mensaleiro”.

A acusação foi divulgada na campanha eleitoral, publicada em jornal com tiragem de cinco mil exemplares distribuído aos trabalhadores do setor no mês de setembro de 2006, ou seja, quase um ano depois de ter sido comprovada a não participação do parlamentar no esquema. No material constavam fotografias de vários parlamentares, divididos em “sanguessugas” e “mensaleiros”, com a foto de Sandro Mabel no segundo grupo.

Na sentença, a Contratuh foi condenada a pagar indenização de R$ 150 mil e a publicar a decisão do juízo de primeiro grau no mesmo jornal onde foi veiculada a notícia.

Na apelação, o TJGO julgou que a matéria não promoveu juízo de valor para ofender diretamente a honra e a moral do deputado. De acordo com o tribunal de segundo grau, a Contratuh limitou-se a divulgar fotos dos parlamentares supostamente envolvidos nos escândalos e informações extraídas da investigação promovida pelo conselho de ética da Câmara dos Deputados.

Fato público

Salomão ressaltou que, “principalmente em épocas eleitorais, em que as críticas e os debates relativos a programas políticos e problemas sociais são de suma importância, até para a formação da convicção do eleitorado”, os direitos à informação e à liberdade de expressão não são absolutos, mesmo sendo resguardados constitucionalmente.

A Turma lembrou que era fato público, noticiado pela mídia televisiva, pelos jornais e pela internet, que o deputado já havia sido absolvido de qualquer envolvimento com o escândalo quase um ano antes de o material ser veiculado.

No entendimento do relator, quando a Contratuh distribuiu o encarte, em setembro de 2006, na véspera da eleição que Sandro Mabel disputaria, “rompeu-se claramente o vínculo com o dever de veracidade”, ficando configurado o ato ilícito.

O colegiado acordou que o valor de R$ 150 mil, fixado pela sentença, era exorbitante se comparado com a indenização estabelecida para a Globo e para o Correio Braziliense. Por isso, reduziu o valor da indenização para R$ 15 mil, mais “razoável” e “adequado ao caso concreto”, para que não houvesse “enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização nem incentivo à prática de atos ilícitos que violem direitos de outrem”.

Correio Braziliense

Sandro Mabel também ajuizou ação contra o jornal Correio Braziliense, que publicou matéria jornalística, em julho de 2006, com o título “Declarações de bens de candidatos envolvidos no escândalo do caixa 2 têm acréscimo de até 1.123%. Mensaleiros bons de renda”.

O juízo de primeiro grau decidiu que o parlamentar deveria ser indenizado no montante de R$ 22.800. A decisão foi mantida pelo segundo grau, pois o TJGO lembrou que a absolvição do deputado já havia sido noticiada pelo periódico em novembro de 2005, demonstrando “com maior dimensão o ultraje pessoal ao parlamentar”.

O jornal sustentou que a reportagem não extrapolou o dever narrativo e informativo garantido pela Constituição à imprensa. Alegou que apenas noticiou a investigação promovida pelo Congresso Nacional e pela Polícia Federal para apurar os responsáveis pelo “tráfico político de apoio”, que culminou com a cassação de dois parlamentares e com a propositura de ação penal pelo Ministério Público Federal.

Entretanto, o TJGO considerou que a liberdade de informação foi extrapolada pelo jornal ao incluir o parlamentar como beneficiário de vantagem indevida, mesmo sabendo que ele fora absolvido das acusações.

Ao recorrer para o STJ, o Correio Braziliense não obteve sucesso. A Quarta Turma ratificou o entendimento do tribunal de origem, mantendo inclusive o valor da indenização em R$ 22.800.



Fonte: STJ

Cicatriz diferente da previsão não prova erro médico



Por Gabriel Mandel


A qualidade final das cicatrizes que resultam de cirurgias plásticas depende de condições inerentes a cada paciente. Assim, se não há erro médico e se a paciente é informada sobre os riscos do procedimento, o profissional responsável pela cirurgia não pode ser cobrado por danos morais e estéticos se a cicatriz não ficar do jeito ideal. Com base em tal entendimento, a 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina rejeitou Apelação movida por uma mulher contra o médico responsável por sua cirurgia no abdômen.

A cirurgia para retirada de gordura do abdômen, que recebe o nome de dermolipectomia abdominal, foi feita em 2002 e dois anos depois, o mesmo médico recebeu a paciente para um segundo procedimento. O perito João Ignácio da Silveira Neto, que colaborou no processo, afirmou que o problema alegado pela mulher é comum e decorre de um grande inchaço dos tecidos durante o pós-operatório.

Relator do caso, o desembargador Luiz Fernando Boller afirmou que, para a condenação de médico por dano ao paciente durante o exercício da profissão, é fundamental a demonstração de culpa do profissional. Excetuando-se os casos grosseiros, episódios de negligência ou de imperícia, não é possível presumir a culpa do médico, segundo ele.

No caso em questão, o relator afirma que a mulher se submeteu, após a cirurgia, a perícia médica que apontou ótima qualidade da cicatriz no lado esquerdo, com alargamento e escurecimento moderados na parte direita. Ele cita ainda fala do perito João Ignácio da Silveira Neto, para quem é impossível uma cicatriz reduzida e inaparente em procedimentos como o feito pela mulher. Na visão do perito, aponta o relator, a cicatriz costuma ser mais longa do que o normal nos casos em que o paciente apresenta grande flacidez e volume de gordura na região da operação.

O desembargador diz ainda que tanto o médico quanto o perito apontam a possibilidade da linha da cicatriz ficar acima ou abaixo do inicialmente previsto por conta da maior ou menor quantidade de pele a ser retirada no abdômen superior ou inferior. Tudo isso, de acordo com Luiz Fernando Boller, era de conhecimento da paciente, que uma semana antes da cirurgia assinou termo de consentimento informado, em que constava os riscos envolvendo as cicatrizes.

O relator nega também a afirmação de erro médico, apontando que a conduta adotada pelo profissional foi correta, com a solicitação dos devidos exames e a escolha da técnica correta para a cirurgia. Segundo ele, outro aspecto que derrubou a tese de falha na prestação de serviço foi o fato de a mulher ter voltado ao consultório do cirurgião e discutido um novo procedimento, para colocação de silicone nos seios, que não foi feito por questões financeiras.

Clique aqui para ler a decisão.

Gabriel Mandel é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2013

Barbosa critica Judiciário brasileiro a empresários



O sistema legal brasileiro é uma “monstruosidade” e não há no mundo Justiça tão confusa quanto a do Brasil. A avaliação, noticiada pelo portal UOL, é do presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Joaquim Barbosa, durante palestra do Fórum Exame, voltado para empresários, em São Paulo.

Se no STF Barbosa chefia a corte responsável por zelar pelo cumprimento da Constituição, no CNJ ele comanda o órgão criado em 2004 para, justamente, melhorar o funcionamento Judiciário. Nas palavras da própria corte, sua missão é “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade em benefício da sociedade”.

Aos empresários, Barbosa disse a morosidade da Justiça causa “graves entraves” à economia. Para ele, esses entraves são "expressões vivas de um bacharelismo decadente, palavroso, mas vazio, e, sobretudo, descompromissado com a eficiência".

Para o presidente do STF e CNJ, o Brasil adotou o aumento da máquina judiciária para tentar resolver a lentidão dos processos. "A solução fácil de aumento da máquina judiciária é apenas momentaneamente paliativa e não resolve a origem do problema, que está na vetustez barroca da nossa organização de todo sistema judiciário."

Segundo ele, uma das soluções às mazelas do Judiciário é priorizar a 1ª instância, além de "reduzir o número excessivo de recursos que atualmente permite que se passe uma década sem que haja solução definitiva do litígio”.

Barbosa, que foi nomeado ministro em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criticou também o modelo de indicação de magistrados. "Um dos fenômenos — que eu chamo de mais pernicioso — é a indicação política. Não há mecanismos que criem automatismo, que, passado um determinado tempo, um juiz seja promovido sem que tenha que sair com o pires na mão”.

Barbosa afirmou que juizes politicamente engajados em alguma coisa são impedidos moralmente de cumprir sua missão, assim como aqueles que são "medrosos".

O ministro evitou comentar a declaração do ex-presidente Lula ao jornal Correio Braziliense, em que afirmou que, hoje, teria mais critérios ao indicar um ministro para o STF. "Não tenho nada a dizer. Ele foi presidente da República, eu não sou presidente da República, não tenho nenhum papel na nomeação de ministros para o Supremo e nunca procurei exercer influência sobre esse papel, que não me cabe", afirmou no evento.

Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2013

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O DIREITO ESTÁ NAS RUAS, NA LEI OU NA CONSCIÊNCIA?



Por Lenio Luiz Streck


Da voz das ruas à consciência e assim por diante: as falsas “ditricotomias”
Durante o affair “Embargos Infringentes”, forjou-se uma falsa “ditricotomia”: ouvir a voz das ruas ou a voz da lei (ou a consciência individual, do tipo “faço o que acho o certo”). Nada mais ficcional do que isso. Além do fato de que os ministros do STF por vezes sustentam uma tese e, em outras, a tese inversa. Veja-se, nesse sentido, o voto do ministro Roberto Barroso no MS 32.326 (caso Donadon), em que apelou textualmente, como motivo para não chancelar a existência de um Deputado presidiário, cumprindo pena de mais de 13 anos, em regime inicial fechado: “A indignação cívica, a perplexidade jurídica, o abalo às instituições e o constrangimento que tal situação gera para os Poderes constituídos legitimam a atuação imediata do Judiciário”.

Dias depois, ao aceitar os Embargos Infringentes, disse o contrário: “A verdade não tem dono. A única coisa que um juiz pode fazer, em meio ao vendaval, é ser leal a si mesmo e ao Direito tal como ele o compreende. À sua consciência.” Ou seja: antes, a indignação cívica é fundamento; logo depois, não mais o é.

Só por aí já poderia desenvolver páginas e páginas. Veja-se que o ministro Celso de Mello, por exemplo, para sustentar seu voto de desempate e, com isso, “anunciar” a vitória da lei sobre a voz das ruas, disse que o STF deve ficar imune às pressões das ruas e ater-se apenas à tecnicidade da lei. OK, mas, o que é isto, a tecnicidade da lei? A lei tem vida própria? O Direito é feito de “normas gerais” que contém de antemão todas as respostas?

Vários artigos foram publicados nas redes sociais, contendo argumentos com perguntas do estilo “o STF deve julgar pela consciência, pelas ruas ou pela lei?”. Por que essa “ditricotomia” (ou contraposição) é falsa? O professor Marcelo Cattoni, da UFMG, e eu vimos discutindo isso há muito tempo. Com efeito.

As oposições “voz da lei versus voz das ruas” ou “voz da consciência versus voz das ruas”, ou ainda, “voz da lei versus voz da consciência”, são reducionistas e fragilizam o Direito. É como discutir se a legitimidade vem do pluralismo das ruas ou simplesmente do direito posto pelo parlamento (ou pelo STF, no seu Regimento Interno) ou pelas consciências dos intérpretes autênticos (ou inautênticos). Com efeito, se é certo que o Direito não deve ser reduzido à vontade não-mediada institucionalmente de maiorias e/ou minorias conjunturais, por outro não pode ser reduzido à mera estatalidade político-burocrática, muito menos àquilo que dizem que ele é (Realismo Jurídico). Afinal, as decisões estatais no Estado Democrático de Direito só são válidas se garantirem suas pretensões democrático-constitucionais.

É claro que todo o Direito é público, não resta dúvida quanto a isso. Mas o público não se reduz ao estatal, no Estado Democrático de Direito, e está numa relação pública de complementaridade e interdependência entre público e privado.

Assim é que a coerência normativa exigida pela integridade do/no direito é de princípios (exigências do hoje), e não meramente de regras (convenções do passado). Disso se pode dizer que, se o Direito não nascer na(s) rua(s), se a legalidade não nascer também das reinvindicações populares, a partir de demandas sociais diversas, e não se sustentar com base em razões que sejam capazes de mobilizar os debates públicos, pela atuação da sociedade civil e dos setores organizados da sociedade, e assim, sem uma perspectiva generalizada, universalizada, instaurada pelas lutas por reconhecimento e por inclusão social e econômica, não ganhar os fóruns oficiais do Estado, não ganhar o centro do sistema político, e não se traduzir em decisões participadas, como falar em legitimidade democrática?

Dito de outro modo: é na mediação discursiva entre a informalidade e a formalidade, garantida num nível institucional pelos processos deliberativos constitucional e democraticamente institucionalizados, legislativos, administrativos e jurisdicionais, que o poder político/jurídico é gerado comunicativamente e a legitimidade é gerada através da legalidade...

Portanto, já de pronto afasto essa “ditricotomia”, pela incindibilidade entre direito e fatos e entre interpretação e aplicação. Mas, quero avançar. E enfrentar outra questão que corre paralela.

Legalistas versus pragmatistas?
Leio em O Globo artigo de Eduardo Jordão e Diego Werneck Arguelles, intitulado O STF observado. O artigo é interessante, porque critica o modo como as votações são conduzidas, como, por exemplo, ocorre a incidência da pressão da opinião pública. Os articulistas mostram a instabilidade dos compromissos dos membros do STF, verbis: “Legalistas convictos buscam soluções muito além do texto da lei. Históricos pragmáticos, orgulhosos de sua flexibilidade e bom senso, tratam as palavras da lei como se delas não pudessem se desvencilhar”.

Tenho “batido” nessa tecla de há muito. Tenho denunciado essas “idas e vindas” nas posições dos ministros (e não só deles). Por vezes, a letra da lei... em outras, os limites semânticos são implodidos... Em todos os meus livros denuncio essa problemática. Mas não se trata apenas de opor, como de certo modo fizeram os dois articulistas, “legalismo versus pragmatismo”, até porque não há dados consistentes acerca de quem são os “legalistas” e quem seriam os “pragmatistas”. Isso seria simplificar a discussão. Seguramente, há munição para os dois lados, afinal, o decisionismo é um animal camaleônico e imprevisível. Ele usa o Anel de Giges (quando quer, desaparece sem deixar rastros). É o predador implacável da integridade e coerência do Direito. E sem integridade e coerência dos intérpretes, de nada serve a Constituição. Talvez fosse isso que os articulistas quisessem dizer. O que deve ser frisado é que há algo mais profundo e que esconde essas falsas “ditricotomias” “consciência versus voz das ruas versus lei.

Refiro-me à ausência da discussão acerca de uma teoria da decisão. Ou seja, para além do problema de “como se interpreta”, que por si já é um problema (basta ver o uso abundante da metodologia de Savigny misturada com componentes da jurisprudência dos valores e dos interesses), tem-se a questão de “como se decide”. Dessa arte, quero registrar, de novo, que toda essa problemática da fragmentação das decisões — e, portanto, da falta de coerencia e integridade detectável nessas idas e vindas entre “legalismos e pragmatismos” — advém do fato de que recepcionamos equivocadamente (no mínimo) cinco teses ou posturas, conforme explitei na coluna passada (clique aqui para ler).

Mas é a quinta recepção que me parece a mais perigosa, porque demonstra uma algaravia mais explícita, uma espécie de “flambagem transteorética”. Refiro-me à mera tentativa de superação do tal “legalismo” exatamente por posturas pragmáticas ou proto-pragmáticas, algumas delas envernizadas sob o rótulo de neoconstitucionalismo, em que simplesmente se (re)coloca a moral no direito a partir dos princípios entendidos como...valores. Bingo. E o resultado é desastroso, ou seja, na medida em que a moral é contingente, cada juiz ou membro de tribunal “repõe” a moral no Direito a partir de seus pressupostos pessoais (donde a minha crítica à questão da “consciência”...!). Despiciendo lembrar que há centenas de dissertações, teses e livros que caem nessa armadilha.

Veja-se que para além da operacionalidade stricto sensu, a doutrina indica “o caminho” para a interpretação, colocando a consciência ou a convicção pessoal como norteadores do juiz, perfectibilizando essa “metodologia” de vários modos. Ou seja, criou-se uma falácia naturalizada, pela qual é “normal” que o judiciário decida conforme o que cada membro pensa a respeito do direito... E isso “aparecerá” de várias maneiras, como na direta aposta na: a) interpretação como ato de vontade do juiz ou no adágio “sentença como sentire”; b) interpretação como fruto da subjetividade judicial; c) interpretação como produto da consciência do julgador; d) crença de que o juiz deve fazer a “ponderação de valores” a partir de seus “valores”; e) razoabilidade e/ou proporcionalidade como ato voluntarista do julgador; f) crença de que “os casos difíceis se resolvem discricionariamente”; g) cisão estrutural entre regras e princípios, em que estes proporciona(ria)m uma “abertura se sentido” que deverá ser preenchida e/ou produzida pelo intérprete.

Sigo, então. Por vezes, parece — e isso me preocupa sobremodo — que pesquisadores do Direito resvalam na aceitação-institucionalização da “vontade” como fundamento da decisão (por exemplo, quando se coloca frente a frente “legalismo e pragmatismo”, já se está, inexoravelmente, no olho do furacão). Algo do tipo “já-que-os-ministros-decidem-como-querem, segundo-e-seguindo-suas-ideologias-e/ou-preferencias-pessoais-ou-as-respectivas-consciências (seja lá o que isso quer dizer)”, temos (nós, a doutrina) que estudar essas suas preferencias para argumentarmos estrategicamente... Ou, ainda, “devemos nos limitar a produzir as melhores condições para a livre emanação da vontade do intérprete, ou entender os momentos inoportunos para sua manifestação...”. Assim, se o juiz ou ministro gosta de estrogonofe, devemos fazer de tudo para que a ele seja servido esse prato no dia do julgamento. Se ele torce para o Flamengo, não devemos pedir liminar no dia seguinte à demissão do Mano Menezes... Peço que me incluam fora dessa. Se a aplicação do Direito é um ato de vontade, ele não é mais Direito. É um jogo de poder. E nesse banquete, a choldra fica de fora. Só participam os do andar de cima, os que tem acesso à katchanga (real). Como somos paradoxais no Brasil, pois não? Falamos tanto em democracia e, no entanto, ao fim e ao cabo, jogamos tudo nos braços da moral, da política e da economia. Do Direito, nada resta. Aliás, para quem não entendeu isso ainda: quem sustenta que a interpretação jurídica é um ato de vontade ou coisa do tipo “a decisão está na consciência do intérprete”, está dando um tiro no pé... a não ser que o defensor da ideia tenha o poder de decidir. Se, por exemplo, um advogado pensa assim, a pergunta que deve ser feita ao causídico é: para que você serve, afinal? O mesmo se deve perguntar a quem escreve ou tem pretensões doutrinárias... Afinal, se tudo se resolve na consciência ou na vontade do sujeito-intérprete, tudo o que você fizer será supérfluo. Peço perdão pela minha rudeza. Não quero retirar a ilusão de tanta gente...

Sigo. E o faço para dizer que, pensar que a decisão judicial é (ou não passa de) um ato de vontade (de poder), é, sem tirar nem por, dar razão à Kelsen (na parte da aplicação do direito, ou seja, no “andar de baixo” de sua teoria — peço, encarecidamente, que os leitores leiam as poucas páginas do famoso 8º capítulo da Teoria Pura do Direito). E é também dar razão a juristas como Richard Posner, um pragmati(ci)sta da cepa, que odeia princípios e acha que a autonomia do Direito não serve para nada. Só que isso transforma o Direito em uma mera racionalidade instrumental, algo à disposição do intérprete. Mais do que isso, trata-se da derrota da teoria do direito e a vitória da retórica (ou da mera retórica). O direito se transforma em um jogo de cartas marcadas, como já denunciava Warat há décadas.

Decisão é, mesmo, um ato de vontade?
Vou tentar mostrar isso de outro modo. Há algum tempo, fiz um debate com o penalista da escola crítica do Direito Penal brasileiro, o estimado Paulo Queiroz. Ele havia publicado um artigo (O que é direito? — clique aqui para ler) que me assustou sobremodo, em que dizia: “sempre que condenamos ou absolvemos, fazemo-lo porque queremos fazê-lo, de sorte que, nesse sentido, a condenação ou a absolvição não são atos de verdade, mas atos de vontade”.

E disse mais o penalista baiano: “parece evidente que, ordinariamente, por mais que tenhamos motivos, legais ou não, para condenar, condenamos porque queremos condenar e porque julgamos importante fazê-lo; inversamente: por mais que tenhamos motivos, legais ou não, para absolver, absolvemos porque queremos absolver e julgamos importante fazê-lo”.

Veja-se: embora substancialmente a contribuição crítica de Queiroz seja inegável, neste ponto corre o risco de provocar retrocessos democráticos nas manifestações processuais de Promotores, Juízes e Ministros do STF. No livro O Que é isto – decido conforme minha consciência, rebato essa tese de Queiroz, que, aliás, não difere daquilo que o ministro Marco Aurélio tem dito acerca do interpretação do Direito (a de que a interpretação é um ato de vontade — por exemplo AI 252.347 e AI 218.668, ou seja, nem mais, nem menos do que diz Kelsen no 8º Capitulo de sua TPD).

Como contraponto, sustento que acreditar que a decisão judicial é produto de um ato de vontade (de poder) nos conduz inexoravelmente a um fatalismo. Ou seja, tudo depende(ria) da vontade pessoal (algo do tipo “se-o-juiz-quer-fazer,-faz; se-não-quer, não-faz...!). Logo, a própria democracia não depende(ria) de nada para além do querer de alguém...!

Eis o meu repto, meio solitário, bem sei. Tudo o que venho escrevendo serve para dizer: “Fujamos disso”! Aliás, a hermenêutica surgiu exatamente para superar o “assujeitamento” que o sujeito faz do objeto (aliás, isso é o que é a filosofia da consciência... – ou a sua vulgata voluntarista!). Toda a minha aula de terça-feira à noite foi sobre isso: sobre o paradoxo que representa o Direito. Se se achar que a decisão é um ato de vontade de poder, então não deveríamos apostar no Direito. Deveríamos apostar na política, na sociologia, nas estratégias, na guerra, em qualquer coisa. Ora, o Direito foi feito justamente para se opor e controlar o poder, a política, etc. Se ele for um instrumento de poder, pessoal ou coletivo, ele não é Direito... Ele é arbítrio. E arbítrio é o contrário de Direito. Por isso, ser jurista é ser otimista. Meu amigo Paulo Queiroz e os que pensam como ele (por exemplo, o ministro Marco Aurélio), são pessimistas. Fatalistas. Kelsen também foi um pessimista. Por isso ele relegou a aplicação do direito a um ato de segundo nível, a mera “política jurídica”. Não penso que deva ser assim. Ou sejamos todos políticos. Azar será daqueles que não tem poder... Se me entendem o que quero dizer!

Por que o Direito é, hoje, a soma de todos os nossos medos?
Ao longo dos anos, minha preocupação tem sido exatamente com o debate contemporâneo “democracia-constitucionalismo”. São compatíveis? Orgulhosamente, digo: Sim! Porque sou um otimista. Mas disso exsurge um dilema: para impedir que a jurisdição constitucional, pelo qual se controla a constitucionalidade, seja transformada em uma judiciariocracia, é fundamental que controlemos as decisões judiciais. Isso implica abandonar as teses que sustentam o poder discricionário (que não passa de um ato de vontade). Democracia e discricionariedade são incompatíveis. Daí que é espantoso — mas muito espantoso — que os projetos dos Códigos Processuais mantenham esses anacronismos (como, por exemplo, a livre apreciação da prova). É espantoso que se queira commonlizar o direito brasileiro sem uma adequada teoria que trate da decisão judicial.

Para ser mais claro e simples: de que adianta (ou de que adiantou) colocar na Constituição (e na legislação) as conquistas de todos os matizes se, no momento da concretização, dependemos da vontade individual ou de uma dada vontade individual (ou do que diz a consciência)?

Pergunto: tem sentido o país parar e ficar em suspenso esperando que um ministro desempate uma votação e não sabermos o que ele irá dizer? Suspense!

Pergunto: que Direito é esse que não nos fornece o mínimo de previsibilidade? Quer dizer que, se estivéssemos discutindo o aborto e o placar estivesse em 5x5, teríamos que ficar torcendo — dependendo de que lado estivéssemos — pelas crenças pessoais de sua excelência? Ou torcer para que seu almoço ou seu dia tenham sido do seu agrado? Torcer pela bondade dos bons?

Demo-cracia é isto? Mas, então, o que é isto, a democracia?

PS: se me perguntarem o que é isto, a dogmática jurídica dominante, respondo, em uma linha: é a soma de todos os nossos medos!

Felicidades. E boa sorte. De novo!

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2013

JUSTIÇA DO PARANÁ DEVE ASSEGURAR PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO QUE CONSIDERE INDISPENSÁVEL

 
 Justiça do Paraná deve assegurar prazo para apresentação de documento que considere indispensável
 
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a continuidade do julgamento de apelação interposta pela Bradesco Seguros S/A contra sentença que extinguiu ação de ressarcimento ajuizada por ela. A decisão do colegiado determina que o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) avalie a real necessidade de juntada de um documento traduzido e, se for o caso, garanta a abertura de prazo para a seguradora cumprir a exigência.

A ação de ressarcimento da seguradora, ajuizada contra a MSC Mediterranean Shipping Company S/A, discute o pagamento do valor de R$ 76.099,57, a título de reembolso pelo que foi pago, por força de contrato de seguro firmado com a Seara Alimentos S/A, em razão do extravio de mercadoria transportada por via marítima pela MSC.

A sentença extinguiu o processo por falta de juntada de tradução juramentada do conhecimento de transporte e da apólice que amparou o pagamento do seguro, e também por ilegitimidade passiva, em razão da suposta ausência de relação jurídica entre a Seara e a MSC.

O tribunal estadual negou provimento à apelação da Bradesco Seguros por reconhecer a falta da tradução juramentada. Os demais pontos do recurso ficaram prejudicados.

“Viola frontalmente o disposto no artigo 157 do Código de Processo Civil (CPC) a ausência de tradução juramentada de documentos redigidos em língua inglesa considerados essenciais à constituição e desenvolvimento do processo, entre eles o próprio conhecimento de embarque, cujo conteúdo é objeto de debate nos autos”, decidiu o TJPR.

No recurso especial, a seguradora alegou ser dispensável a juntada do conhecimento de transporte, pois a MSC não nega em sua resposta a prestação do serviço. Sustentou também que, ainda que necessária tal providência, a tradução seria dispensável por se tratar de documento produzido pela empresa marítima, cujos termos foram redigidos por ela.

Por último, a Bradesco Seguros afirmou que a decisão do tribunal estadual é nula porque não lhe foi dada a oportunidade para a juntada da tradução juramentada, e o processo foi extinto sem que fosse possibilitada a emenda da petição inicial.

Juntada dispensável

Em seu voto, a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que “pautando-se pelo modelo claramente adotado pelo CPC, qualquer discussão acerca da dispensabilidade de tradução de documento redigido em língua estrangeira – como todo e qualquer ato processual – deve vir precedida da avaliação, não em abstrato mas sim em concreto, quanto à ocorrência de prejuízo ao processo ou à defesa dos direitos do litigante adverso, verificando-se ainda o efetivo alcance da finalidade almejada”.

Enfatizou que, ainda que a decisão do TJPR aparentemente tenha avaliado a necessidade da tradução à luz da situação em debate, consta do recurso especial a informação de que o documento considerado indispensável teria sido juntado pela própria MSC quando do oferecimento da contestação.

“Deve ser dado provimento ao recurso para avaliar a real e efetiva necessidade de emenda à inicial, tarefa impossível de ser realizada nesta instância face o óbice da Súmula 7 do STJ”, concluiu a ministra.

Emenda à inicial

De acordo com a relatora, mesmo que o TJPR possa novamente concluir pela exigência de apresentação da tradução do conhecimento de transporte, é importante a alegação de que a decisão anterior não avaliou de modo adequado a necessidade de se permitir a regularização da inicial.

“Não houve a concessão de prazo para a regularização da inépcia documental verificada. Tal providência era imprescindível, mesmo porque o autor (seguradora) defendia desde o início do processo a dispensabilidade de tal documento, insurgência trazida, inclusive, até a instância especial”, ressaltou a ministra.


REsp 1231152

Fonte: STJ

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

GABARITO OFICIAL - DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO I - UNILAVRAS 2013/2







GABARITO OFICIAL – DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO I – UNILAVRAS 2013/2





1. D

2. A

3. E

4. E

5. C

6. C

7. C

8. E

9. C

10. E

11. C

12. E

13. C

14. E

15. E

16. C

17. E

18. C

19. C

20. E

21. C

22. C

23. C

24. C

25. B

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...