segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Dano Eficiente e Análise Econômica do Direito: uma Visão Consumerista


Autores:
LANA, Henrique Avelino Rodrigues de Paula
PATROCÍNIO, Daniel Moreira do
(artigo publicado na Revista Magister clique aqui)

RESUMO: Inicialmente, serão feitas considerações sobre os Juizados Especiais Cíveis e as relações consumeristas nele em trâmite. Em seguida, abordar-se-á o instituto da Análise Econômica do Direito e seu aspecto histórico evolutivo. Posteriormente, serão invocadas premissas e ferramentas metodológicas afetas à Análise Econômica do Direito, essenciais à presente reflexão. Ao final, concluir-se-á que, de fato, surge a figura do dano eficiente, pois mostra-se mais vantajoso, em termos econômicos, ao produtor e fornecedor de serviços, sofrer o dano, do que investir em prevenção do defeito ou vício de seu produto ou serviço.

PALAVRAS-CHAVE: Análise Econômica do Direito - AED. Direito do Consumidor. Dano Eficiente. Juizados Especiais Cíveis.

1 Introdução

Fabricantes e fornecedores de bens e serviços, nas relações com consumidores, devem tomar decisões eficientes, em busca da maximização de seus resultados superavitários, impondo-se, portanto, para que se mantenham ativos em mercados competitivos, sejam considerados os custos necessários ao aperfeiçoamento de seus processos produtivos.

Neste contexto, podem surgir algumas indagações. Afinal, na prestação de serviços ou produção e venda de bens em favor de um grande número de consumidores, constatada a falha no processo produtivo, quais fatores e circunstâncias devem ser sopesados em busca da decisão mais adequada? Como a preocupação com a reputação que o empresário possui perante o mercado pode interferir nesta tomada de decisão? A condição de consumidor impede, de fato, que pessoas consideradas sempre hipossuficientes adotem condutas oportunistas que violem a boa-fé contratual e ocasionem vantagens desproporcionais?

Sem pretender esgotar o tema, mas sim contribuir para a problematização e consequente reflexão sobre a matéria, foram abordados neste texto os efeitos das decisões judiciais e a eficiência da atividade econômica envolvendo as relações de consumo.

Após o enfrentamento das principais características dos procedimentos instaurados nos juizados especiais, foi examinada a evolução da Análise Econômica do Direito, seus critérios de eficiência alocativa de recursos, bem como a ideia de dano eficiente. Ao final, buscou-se identificar a parcela de contribuição que cada agente do mercado, consumidores e o Judiciário podem trazer para o aperfeiçoamento das relações consumeristas, sempre pela ótica jurídica e de suas repercussões econômicas. Vejamos.

2 Breves Considerações Acerca dos Juizados Especiais Cíveis. Facilidade de Acesso. Presença cada Vez Maior no Dia a dia da População. Processos de "Massa"

É notório que clama a sociedade brasileira em geral por maior efetividade processual e maior acesso à justiça. Buscam os brasileiros, cada vez mais, crer que a justiça está, de fato, ao seu lado, lhes protegendo.

Sabe-se que os debates sobre a efetividade processual e o acesso à justiça tem sido tema de relevantes reflexões nos tempos atuais. Diante disso, visando-se irrestrito acesso à justiça, emanou a ideia de criação dos Juizados Especiais. Estes se revelam tribunais especiais destinados às pessoas comuns para garantir direitos de baixo caráter econômico-monetário.

Objetiva-se, com os Juizados Especiais, superar os obstáculos opostos ao pleno e igual acesso de todos os brasileiros à justiça, decorrentes do alto valor das custas processuais, despesas com honorários advocatícios, condenação em sucumbência, existência de vários recursos e, também, a morosidade afeta ao procedimento ordinário da justiça comum.

Nesse panorama, surgem os Juizados Especiais Cíveis, criados pela Lei nº 9.099, de 26.09.95. Trata-se de uma justiça especial, por ser diferente da dita Justiça Comum regida pelo hodierno Código de Processo Civil. É facultativa, pois o Autor pode "optar" por ela, desde que se sujeite às suas regras e princípios, tais como a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e limitação quanto a recursos.

Conforme enumera o art. 3º da Lei nº 9.099/95, o Juizado Especial tem competência para: a) causas que não excedam 40 salários-mínimos; b) as enumeradas no art. 275, II, do CPC, que correspondem a: b.1) arrendamento rural e de parceria agrícola; b.2) cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; b.3) ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; b.4) ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; b.5) cobrança de seguro, quanto aos danos causados em acidente de veículo, exceto os casos de execução; b.6) cobrança de honorários de profissionais liberais, salvo o disposto em legislação especial; b.7) todos os demais casos previstos em lei; c) ação de despejo para uso próprio; d) ações possessórias sobre bens imóveis até o limite de 40 salários-mínimos.

Como se vê, o leque de opções que se abre ao cidadão demonstra claramente o propósito desta lei: atender às lides em que o valor econômico discutido seja menor, de forma célere e para se "desafogar" a Justiça Comum. Estas particularidades transformam o Juizado Especial em uma espécie de protetor dos mais humildes, depositários de sua confiança.

Certo é que, para que este objetivo fosse alcançado com a profundidade e a eficiência necessária, não bastaria a criação dos Juizados Especiais dotando-lhes de competência específica, mas, sim, dotá-los de agilidade e rapidez, conjuntamente com a seriedade que nosso Poder Judiciário merece. Nesse sentido, como sabemos, os Juizados Especiais são regidos pelos princípios basilares da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade, tendo como meta, sempre, a conciliação ou a transação.

Por ora, não possuímos como intenção máxima abordar percuncientemente os princípios, normas e procedimentos que regem os Juizados Especiais. Todavia, para melhor compreensão do raciocínio que pretendemos expor ao longo deste trabalho, faremos observações acerca dos princípios que regem os Juizados Especiais. Avancemos nesse sentido.

Pelo princípio da oralidade busca-se a simplificação e celeridade dos procedimentos, desde a apresentação do pedido inicial até a fase de execução dos julgados. São reduzidos à forma escrita apenas os atos essenciais, como exemplo, a própria audiência para tentativa de conciliação, a qual é reduzida a termo (forma escrita).

Pelos princípios da simplicidade e informalidade pretende-se solucionar o litígio não importando a forma adotada para a prática dos atos processuais, desde que este atinja a sua finalidade e não gerem qualquer tipo de prejuízo. Exemplo: é válida a citação postal da pessoa jurídica, pela simples entrega da correspondência ao funcionário da recepção, enquanto pela regra comum do Código do Processo Civil - CPC, a princípio, esta somente seria válida quando entregue à pessoa, específica, com poderes de gerência ou administração da pessoa jurídica.

Busca o princípio da economia processual obter o máximo de rendimento e eficácia da lei, mediante o mínimo de atos processuais. Relaciona-se diretamente ao princípio da celeridade. Exemplo de tal contexto é a possibilidade de acumulação de pretensões conexas em um só processo, ou até mesmo a antecipação do julgamento de mérito, quando não houver a necessidade de provas orais em audiência.

Cabe frisar que o princípio da celeridade, a nosso sentir, é, de fato, o desafio maior dos Juizados Especiais, eis que surgiram exatamente para aproximar a Justiça da população e desafogar as varas cíveis comuns, apreciando-se as pretensões com rapidez, seriedade e, acima de tudo, preservando as garantias constitucionais do devido processo legal.

Por fim, insta mencionar que há a meta de que ocorra, num primeiro momento, a conciliação ou transação. Estas são oportunidades oferecidas às partes litigantes para tentarem resolver suas pretensões antes da sentença judicial final, em geral através de concessões mútuas. Nesse contexto, obviamente, estão inseridos os milhares de processos judiciais, em trâmite perante os Juizados Especiais Cíveis, que tratam das relações de consumo, pelos quais se reclamam indenizações por danos morais, materiais ou reexecução de serviços defeituosos.

Verifica-se que a imensa maioria das reclamações consumeristas existentes, tratam de processos cujo valor monetário envolvido não ultrapassa os 40 salários-mínimos previstos no art. 3º, inciso I, da Lei nº 9.099/90.

Trata-se também, via de regra, de rotineiras reclamações judiciais, já sabidamente conhecidas, tais como, serviços de telefonia mal prestados, inscrições indevidas dos nomes dos consumidores nos órgãos de restrição de crédito (SPC e SERASA), não reconhecimento do fabricante/fornecedor de seu dever de reparar os serviços ou produtos, extravios de bagagem aérea, etc.

De fato, por isso, há maior proliferação de conhecimento pela população acerca de seus direitos do consumidor, pois, comumente, os leigos passam a ter ciência de algum parente, vizinho, colega de trabalho, etc. que, ao ingressar no Juizado Especial Cível (Relações de Consumo), em razão das rotineiras reclamações acima ditas (telefonia, negativação indevida, inexistência de reparo/reexecução, extravios de bagagem aérea), tiveram seu direito efetivamente reconhecido pela Justiça.

Outros fatores contribuem, em muito, para que cada vez mais os cidadãos ingressem com seus pedidos nos Juizados Especiais, tais como inexistência (a princípio, salvo interposição de recurso) de condenação de sucumbência; não pagamento (a principio, salvo interposição de recurso) de custas processuais caso derrotado; inversão do ônus da prova e desnecessidade de constituição de advogado (nas demandas até 20 salários-mínimos).

Ou seja, em claras e simplórias palavras: prolifera-se a ideia, entre os cidadãos consumidores, de que, caso usufruam do Juizado Especial e venham a perder a demanda, não terão que pagar nada, nem mesmo honorários de advogado e, que, cabe ao fabricante/fornecedor provar que o consumidor é que está errado.

Assim, mostra-se relevante o presente trabalho, tendo em vista que tal contexto aplica-se a todos os cidadãos leigos em geral e, inclusive, aos operadores do direito que, a todo o momento, no seu dia a dia, também refletem sobre o que contratar, como contratar, quando contratar e qual o benefício esperado da contratação de um produto ou serviço.

Portanto, considerando-se que cada vez mais os Juizados Especiais, especialmente os de Relações de Consumo, estão presentes no cotidiano dos empresários, advogados, juízes, seus auxiliares e toda a sociedade consumerista comum, torna-se imperioso que adiante façamos ponderações técnicas sobre o assunto, calcadas na Análise Econômica do Direito - Law and Economics.

3 Apontamentos Acerca das Relações de Consumo: Abordagem e Reflexão Necessárias

Antes de adentramos, especificamente, na seara afeta à Análise Econômica do Direito e, posteriormente, a relacionarmos com as relações de consumo, é imprescindível que antes tenhamos claro em nosso conhecimento o que seja propriamente uma relação de consumo. Passemos, portanto, a uma objetiva ponderação sobre estas relações.

Sabe-se que as relações de consumo possuem sua origem nas transações de natureza comercial. Mediante a difusão, cada vez maior, do comércio, as relações de consumo experimentaram um processo de aprimoramento, progresso e desenvolvimento, auferindo notável relevância, conhecida por todos nós.

Como é notório, as relações de consumo são reguladas pela Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que tutela a relação consumidor/fornecedor, revestindo-a de caráter público, resguardando-se também os interesses da coletividade.

As relações de consumo regem-se, basicamente, mediante dois conceitos elementares: Consumidor e Fornecedor. Consumidor, de acordo com o art. 2º da Lei nº 8.078/90, é considerado toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços na condição de destinatário final. Já o Fornecedor, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, assim como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, nos termos do art. 4º da Lei nº 8.078/90.

Como se nota acerca das figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que os tenhamos como entes formadores da relação de consumo, em polos distintos. Logo, deve o consumidor figurar em um polo da relação e, de outro lado, o fornecedor.

Vejamos também que os conceitos de consumidor e fornecedor são muito amplos e levantam muitas dúvidas sobre sua definição e utilização. Por exemplo, no que diz respeito ao consumidor, com relação à palavra "destinatário final".

Entendemos que destinatário final é aquela pessoa, física ou jurídica, que adquire ou se utiliza de produtos ou serviços em seu benefício próprio. Assim, destinatário final é aquele que pretende a satisfação de suas necessidades pessoais, através de um produto ou serviço, sem que possua o interesse de repassar este serviço ou esse produto para terceiros.

Desta feita, na hipótese de ser o produto ou serviço repassado a terceiros, mediante remuneração, inexistiria a figura do consumidor e, então, surgiria a figura de outro fornecedor. Saliente-se que as pessoas jurídicas também podem se enquadrar na condição de consumidores, desde que, assim como as pessoas naturais, adquiram/contratem o produto ou serviços na condição de destinatário final.

Para se configurar uma relação de consumo, após identificados os dois polos essenciais, cabe aferir se existe, ou não, essencialmente, uma relação entre essas partes. Assim, em sendo verificada uma relação jurídica entre as partes e existindo o fornecedor de um lado e consumidor do outro, estaremos diante de uma relação de consumo, regida pela Lei nº 8.078/90.

Ao nosso modesto sentir, são direitos básicos do consumidor, de acordo com o art. 6º da Lei nº 8.078/90: proteção da vida, saúde e segurança; educação para o consumo; informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços; proteção contra publicidade enganosa e abusiva; proteção contratual; indenização; acesso à Justiça; facilitação de defesa de seus direitos e qualidade dos serviços públicos.

Não se duvida, de forma alguma, que vivemos, atualmente, em uma sociedade consumista, na qual muitas vezes prevalece "o que se tem", e não "o que se é". A todo o momento somos induzidos a consumir cada vez mais, mediante imposição de campanhas publicitárias, ou até mesmo, por exigência de "etiqueta" imposta pelas pessoas que convivem em nosso meio social.

Frequentemente, somos levados a, por exemplo, comprar um novo celular, comprar uma nova vestimenta, realizar uma viagem aérea, etc. Fato é, também, que dada a dinâmica da vida tecnológica moderna, nosso "consumismo" tende a aumentar, veementemente. Reconhecemos que, por um lado, isso possui um caráter positivo. Afinal, quanto mais consumo e produção de bens/serviços, maior será o progresso e avanço econômico de um país.

Portanto, o que se nota é que cada vez mais nos depararemos com invocações feitas pelos consumidores, calcadas no Código de Defesa do Consumidor, com fincas a tutelar seus direitos. Afinal, quanto mais produtos, serviços e consumo destes, será natural que a quantidade de reclamações aumente. Razões pelas quais, mostram-se relevantes as reflexões a seguir feitas.

Diante deste contexto, imperioso se faz que abordemos nossa reflexão em conjunto com a metodologia da Análise Econômica do Direito (AED). Avancemos.

4 Da Análise Econômica do Direito - AED (Law and Economics): Evolução Histórica, Aplicabilidade e Fundamentos

Pode-se definir a Análise Econômica do Direito (AED) ou Law and Economics como sendo o método pelo qual se estuda a teoria econômica relativamente à formação, estruturação, impacto e, sobretudo, as consequências de eventual aplicação de instituições jurídicas e/ou textos normativos, sejam eles públicos ou privados.

Aplica-se a AED diretamente ao Direito Civil Brasileiro, em todas as suas relações, sejam elas obrigacionais, familiares ou patrimoniais. A origem da AED deu-se em decorrência da proliferação e desenvolvimento das doutrinas econômicas e, também, mediante dedicação dos economistas no que se refere a assuntos essencialmente jurídicos, sendo que, posteriormente, também acarretou a atenção por parte dos juristas em prol deste novo enfoque: Direito e Economia.

Todavia, a preferência apenas de um título para este movimento doutrinário não expressa com toda exatidão e fidelidade as diferentes linhas de argumentação do tema. De fato, aqueles que se dedicam à AED compõem uma mesma classificação, pertencente a uma mesma denominação, pois detém demasiado consenso em relação aos conceitos e institutos essenciais.

As bases do movimento da AED encontram-se nos economistas da Escola Clássica, mormente, Adam Smith, com sua obra "An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations", também conhecida no vernáculo como "Riqueza das Nações", em que defendeu ser a liberdade de concorrência a melhor solução para a alocação dos recursos, pois os preços, naturalmente, seriam decorrentes do mercado e, consequentemente, com isso, poderia se chegar ao equilíbrio desejado. Surge, assim, a lendária expressão "mão invisível", ao se tratar dos efeitos de um mercado livre, no qual não haveria intervencionismo, o que seria, para Adam Smith, suficiente para regular os preços em favor de uma justa concorrência.

A maioria dos estudiosos da AED anui que o movimento originou-se na Universidade de Chicago. Ronald Coase, no ano de 1937, época em que era professor da Universidade de Chicago, publicou o seu artigo denominado "The Nature of the Firm". Nesse importante trabalho afirmou-se que as sociedades empresárias deveriam ser reconhecidas como entidades que pertenceriam ao sistema econômico em si, de modo que, a sua própria existência, apenas se justificaria em razão da presença dos "custos de transação".

Ensejou-se, assim, uma abordagem econômica das instituições, o que acarretou na posterior criação do movimento conhecido como "Nova Economia Institucional".

Nesse panorama, Aaron Director conduzia o Departamento de Economia da Universidade de Chicago, à época também apoiado por Milton Friedman, Frank Kinght, George Stigler. Aaron Director pretendeu focar as atenções dos juristas em relação aos benefícios e vantagens de uma interpretação do direito, partindo-se de premissas econômicas. De início, valeu-se de estudos referentes à existência de benefícios e/ou vantagens nas hipóteses de ocorrência de intervencionismos por parte do Estado perante os mercados. Vale dizer, que à época, ocorria relevante depressão econômica sofrida pelos Estados Unidos.

Aaron Director também baseou seus estudos em matérias afetas à regulação de bens imobiliários, receitas fiscais, leis das corporações, legislação trabalhista, dentre outros vários temas de cunho essencialmente jurídico que denotavam nítidos efeitos econômicos.

Para divulgar a existência inicial do movimento a Universidade de Chicago criou o "Journal of Law and Economics". A controladoria da edição foi assumida, posteriormente, por Ronald Coase. Tal jornal é, ainda hoje, publicado quadrimensalmente, contando, inclusive, com a versão eletrônica(1).

Apesar dos importantes estudos realizados anteriormente, é a partir da década de 1960 que o movimento da Análise Econômica do Direito consolida-se. Há estudiosos que dividem o movimento em "New Law and Economics" e "Old Law and Economics", sendo que, a referência temporal seria o conhecido artigo de Ronald Coase, denominado "The Problem of the Social Cost". Esta famosa obra de R. Coase calcava-se em temas econômicos como, por exemplo, o custo social e os efeitos externos ocasionados pelo exercício das atividades econômicas, o que deu causa à inteiração entre o campo jurídico e o econômico. Dentre os doutrinadores clássico-econômicos, o que mais contribuiu à ideologia defendida por Ronald Coase foi, justamente, Adam Smith.

R. Coase abordou suas palavras na compreensão das "instituições", sendo integrante da "Nova Economia Institucional". Em 1991, foi ganhador do Prêmio Nobel de Economia. Mister se faz também aduzir acerca do trabalho de Guido Calabresi, então professor da Universidade de Yale, na obra denominada "Somes thoughs on risk distribution and law of torts". Nela demonstrou-se a relevância de se analisar os impactos e consequências econômicas quando da alocação de recursos em busca da regulação da responsabilidade civil, no âmbito legislativo ou judicial. Inseriu-se a análise econômica em questões jurídicas.

O movimento da AED mantém-se em contínua expansão, adquirindo aceitação cada vez mais de juristas e economistas. Relevante obra de aceitação pela Análise Econômica do Direito é a de Thomas Ulen e Robert Cooter, chamada "Law and Economics", cuja primeira edição é de 1987. Atualmente, ainda prevalecem várias publicações em diversos periódicos, tal qual o "Journal of Law, Economics, and Organization" da Universidade de Yale, o "Journal of Legal Studies" e o "Journal of Law and Economics", ambos da Universidade de Chicago e o "International Review of Law and Economics", da Universidade Inglesa de New Castle.

Fato é que, cada vez mais, clama a sociedade por métodos técnicos, jurídicos e econômicos que sejam razoáveis e possibilitem enfrentar temas jurídicos para obter, efetivamente, melhor bem-estar possível, menor prejuízo à sociedade como um todo, maximização de suas riquezas, maximização de seus interesses, além da mais eficiente alocação dos recursos escassos existentes.

"Dentre duas possíveis decisões, aquela que causar o maior bem-estar é a que deve ser aplicada, devendo ser observado se as partes envolvidas estão em uma situação inicial relativamente homogênea. A escola de Law & Economics, para todos os efeitos, tem por foco a busca do melhor bem-estar, da melhor alocação possível de bens, conduzindo ao bem-estar dentro dos limites morais." (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 89)

Razão pela qual, somos levados a compreendermos o método da Análise Econômica do Direito e sua aplicação nas diferentes searas jurídicas, dentre elas, obviamente, o Direito do Consumidor, tão presente no dia a dia da comunidade jurídica e leiga em geral.

5 Necessidade de Aplicação da Análise Econômica do Direito (AED) aos Contratos de Consumo

Imperiosa inteiração da AED se dá também em relação aos contratos que regem as relações de consumo. Como sabemos, estes implicam limitações nas ações das partes que contratam, prevendo imposição de deveres e aquisição de direitos.

Pela AED, ressalta-se que os contratantes se submetem a essas condições tendo em vista que as pretensões individuais, sozinhas, em regra, não levam a um bom resultado coletivo. Afinal, quando as partes contratantes fixam, previamente, seus deveres e direitos, o resultado para a coletividade, usualmente, será maior e mais eficiente.

Busca a AED estudar além da própria elaboração, ensejo e formação dos contratos em geral, seus impactos, consequências que dão causa à sua proteção e, também, apreciar as consequências econômicas de eventual descumprimento de um contrato civil, dentre eles, os contratos que regem as relações de consumo.

A todo instante, fazemos "escolhas racionais" acerca do que contratar, com quem contratar, quando contratar e como contratar um produto ou serviço, decidindo, sempre, da forma que nos ocasione um menor "custo de oportunidade" e maior "utilidade" possível em uma relação de consumo. O eminente professor da PUC Minas, Dr. Eduardo Goulart Pimenta, pondera:

"O que pressupõe a análise econômica do Direito é que a conduta legal ou ilegal de uma pessoa é decidida a partir de seus interesses e dos incentivos que encontra para efetuá-la ou não. (...) Como já salientamos, a Economia estuda as escolhas, os custos, riscos e benefícios que os agentes econômicos (sujeitos de direito) encontram na busca pela maximização de seus próprios interesses." (PIMENTA, 2006, p. 29)

A incerteza ou o não conhecimento acerca do real cumprimento dos contratos enseja aumento do risco nas atividades econômicas. Prolifera-se a ideia de que se pode cumprir ou não cumprir um contrato, ganhar ou perder, ter ou não os serviços bem prestados, adquirir um produto com vicio ou não. Não se sabe, ao certo, o resultado final da atividade de se contratar. Aumenta-se o receio de se realizar um mau negócio, mediante uma má contratação de um produto ou serviço.

Sabe-se que os contratos são instrumentos adequados e indicados para se compor os riscos da própria atividade econômica, com intuito de minorar eventual perda, dano ou prejuízo acarretado ao agente contratante, possibilitando um contexto mais eficiente, inclusive nas relações de consumo.

Sabe-se também que o cumprimento dos contratos em geral é premissa elementar, básica e fundamental para o desenvolvimento econômico de um país e, exatamente por isso, é uma das searas em que a Análise Econômica do Direito deve ser aplicada.

Assim, quanto mais segurança tiverem os consumidores ao contratar nas relações de consumo um produto ou serviço, maior será a sua qualidade de vida, maior será o avanço tecnológico, maior será o número de celebrações de novos contratos, haverá maior "maximização de interesses," maior será o "acúmulo de riquezas", maior o "bem-estar" e, finalmente, maior será a dinamicidade da economia de um país. Contribui-se com, "incentivos positivos" em favor da economia de um país. Neste ponto, mostram-se adequadas as ponderações do professor da Universidade de Chicago, Richard Posner:

"Con 'maximización de la riqueza' quiero indicar la política de intentar maximizar el valor agregado de todos los bienes y servicios, ya sea que se comercien en mercados formales (los bienes y servicios 'económicos' usuales) o (en el caso de bienes y servicios 'no-económicos', como la vida, la recreación, la familia y la libertad de dolor y sufrimiento) que no se comercien en tales mercados. El 'valor' es determinado por lo que el dueño de los bienes o el servicio exigiría para separarse de él o por lo que un no-dueño estaría dispuesto a pagar para obtenerlo - cualquiera de los sea mayor. La 'riqueza' es el valor total de todos los bienes y servicios 'económicos' e 'no-económicos' y ésta es maximizada cuando todos los bienes y servicios, en la medida en que esto sea posible, sean asignados a sus usos más rentables." (POSNER, Richard A. Maximización de la riqueza y tort law. Una Investigación Filosófica)

Por sua vez, o Professor Eduardo Pimenta destaca que a análise e interpretação do direito a partir de institutos próprios das ciências econômicas contribui para a concretização de objetivos pretendidos por nossa Carta Magna:

"O direito é, então, um importante elemento na conformação da sociedade e sua orientação à maximização da riqueza e otimização de sua distribuição. Analisar o Direito conforme critérios e métodos econômicos nada mais é do que procurar elaborá-lo, interpretá-lo e aplicá-lo de modo a alcançar a eficiência econômica, entendida esta como a maximização na geração e distribuição dos recursos materiais disponíveis em uma dada comunidade, (...) Assim, a análise e aplicação do Direito de forma economicamente eficiente (ou seja, com o objetivo de maximização da riqueza) é não apenas possível, mas é também uma exigência da Constituição Federa de 1988, que a elevou, como se vê, à posição de um dos objetivos fundamentais da República." (PIMENTA, 2006, p. 24-25)

Ou seja, a maior crença e convicção de que os contratos nas relações de consumo serão cumpridos, em sua qualidade, quantidade e execução, gera maior eficiência e dinamicidade econômica. Afinal, certo é que a cooperação entre os contratantes nas relações de consumo é incentivada, de forma positiva, quando há efetiva proteção legal e judicial.

Verifica-se que ao longo de nossas relações pessoais diárias, celebramos diversas contratações de produtos ou serviços, junto aos produtores e consumidores, relativamente a serviços de telefonia, luz, água, aquisição de presentes, utensílios pessoais, serviços de transporte aéreo, dentre vários outros, ensejando, inclusive, a denominação "sociedade consumista".

Por outro lado, há interesse, também, por parte dos produtores e fornecedores de produtos e serviços que o número de contratos consumeristas aumente cada vez mais, de modo que na mesma proporção os consumidores contratem mais, e serviços e produtos sejam colocados no mercado, etc. Afinal, eis o objetivo maior destes: auferir o maior lucro.

Portanto, entendemos que, para a AED, há que se dar amparo em relação aos pactos que regem as relações consumeristas, através dos quais os agentes contratantes inicialmente desejavam que as condições prévias sejam todas devidamente honradas, independentemente do risco da atividade, de modo a se valorizar os atos que ensejem condutas mais eficientes e que visem mais, melhor e maior alocação possível dos bens escassos existentes. Há que se "incentivar", positivamente, o cumprimento dos contratos afetos às relações de consumo, o que certamente, contribui para a maior dinamicidade e evolução econômica de nosso país.

A eficiência, conforme lecionam os professores Márcia Carla Pereira Ribeiro e Irineu Júnior Galeski, "é uma das preocupações basilares da ciência econômica e, por conseguinte, da Análise Econômica do Direito, partindo do princípio de que as demandas são maiores que a existência de bens apreciáveis, dada sua escassez" (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 85). Desta forma, afigura-se necessário identificar a melhor maneira para alocação dos bens, a fim de que seja possível atender a maior quantidade possível das demandas.

Bem, mas como institutos próprios das Ciências Econômicas podem ser utilizados para se analisar decisões judiciais ou normas contidas em nosso ordenamento jurídico? Afinal, se, de forma metafórica, considerarmos a riqueza de nossa sociedade como um bolo, pode-se dizer que o Direito preocupa-se com a forma pela qual ele será dividido (equidade, justiça), enquanto os economistas dedicam-se à investigação de mecanismos que possam contribuir para o crescimento do bolo (eficiência)... Neste ponto, afiguram-se adequadas as palavras do professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, Dr. Bruno Salama, acerca da relevância da AED:

"A questão, portanto, não é tanto se eficiência pode ser igualada à justiça, mas sim como a construção da justiça pode se beneficiar da discussão de prós e contras, custos e benefícios. Noções de justiça que não levem em conta as prováveis consequências de suas articulações práticas são, em termos práticos, incompletas. Num certo sentido, o que a Escola de Direito e Economia de New Haven buscou é congregar a ética consequencialista da Economia com a deontologia da discussão do justo. O resultado é, em primeiro lugar, a abertura de uma nova janela do pensar, que integra novas metodologias (inclusive levantamentos empíricos e estatísticos) ao estudo das instituições jurídico-políticas, de forma que o Direito possa responder de modo mais eficaz às necessidades da sociedade. E, em segundo lugar, o enriquecimento da gramática do discurso jurídico tradicional, com uma nova terminologia que auxilia o formulador, o aplicador, e o formulador da lei na tarefa de usar o Direito como instrumento do bem comum." (SALAMA, 2008, p. 35)

Desta forma, é possível constatar que a AED pode contribuir para o aperfeiçoamento de institutos jurídicos, incentivando ou sancionando condutas que viabilizem ou, contrariamente, violem o interesse o social ou a satisfação do bem-estar de nossa sociedade. Mas como aferir a eficiência em uma determinada alocação de recursos? Neste caso, há dois critérios que costumam ser utilizados: o denominado Ótimo de Pareto e o critério Kaldor-Hicks.

Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi explicam que uma alocação de recursos será Pareto eficiente quando "não há mudança que melhore a situação de um agente sem piorar a situação de pelo menos um outro agente" (PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 120). Portanto, conforme ponderam os mencionados autores, não será eficiente uma dada situação, de acordo com o critério Paretiano, caso haja algo que possa ser feito com o objetivo de beneficiar alguém, sem implicar em prejuízos para outras pessoas.

Por outro lado, de acordo com o critério de Kaldor-Hicks, o resultado de uma disputa pela alocação de recursos será eficiente se ocasionar uma situação na qual os ganhos auferidos pelos ganhadores sejam superiores às perdas imposta aos vencidos (RIBEIRO; GALESKI, 2009. p. 88). Haverá, neste caso, um ganho líquido para a sociedade, correspondente à diferença entre ganhos e perdas. Assim, ao contrário do que ocorre no Ótimo de Pareto, neste caso admite-se a imposição de uma situação mais desvantajosa para um grupo de pessoas, desde que os benefícios auferidos por outro grupo, em razão de determinada mudança, sejam superiores.

SALAMA (2008, p. 24) destaca que o critério de Kaldor-Hicks objetiva superar a restrição imposta pelo ótimo de Pareto, segundo o qual as mudanças somente serão consideradas eficientes caso nenhum indivíduo fique em posição pior. Segundo o critério de Kaldor-Hicks, mostra-se relevante o fato de que os ganhadores sejam capazes de compensar os perdedores, ainda que, de fato, esta compensação não ocorra.

Os professores Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn destacam que o modelo de eficiência proposto por Kaldor-Hicks corresponde ao melhor critério para a identificação de opções eficientes, na alocação de recursos, nos seguintes termos:

"Outro critério proposto para avaliação da eficiência é desenvolvido por Kaldor e Hicks que, partindo de modelos de utilidade, tais como preconizados por Bentham, sugerem que as normas devem ser desenhadas de maneira a gerarem o máximo de bem-estar para o maior número de pessoas. O problema está na necessidade de maximizar duas variáveis e na dificuldade de estabelecer alguma forma de compensação entre elas. Todavia, refinando o modelo, Kaldor-Hicks chegam à proposta de compensações teóricas entre os que se beneficiam e os que são prejudicados. Comparando agregados entre as várias opções, escolhe-se aquele que resulte na possibilidade de compensação. Ainda uma vez que se refina o esquema reconhecendo haver redes de inter-relações nas sociedades e que a utilidade marginal de cada pessoa é decrescente. Este parece ser o melhor critério para as escolhas no que diz respeito à distribuição dos benefícios: o de dar mais a quem tem maior utilidade marginal." (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p. 76)

Ora, é evidente que os agentes econômicos, no exercício de suas atividades, buscarão maximizar os resultados financeiros através de várias formas, inclusive, mitigando os custos envolvidos em demandas judiciais relativas à qualidade dos serviços por eles prestados ou dos bens fabricados e comercializados. Diante deste fato, a partir da premissa de que o Direito pode (e deve) incentivar condutas que possam contribuir para o aumento do bem-estar dos cidadãos, vejamos se o Poder Judiciário, no que se refere às demandas concernentes às relações de consumo, tem agido de forma eficiente, analisando-se a questão pelo critério de Kaldor-Hicks acima mencionado.

6 Dano Eficiente

O exercício da atividade negocial empresarial, em determinados setores de nossa economia, pressupõe produção em grande escala de produtos ou mercadorias, bem como a prestação de serviços em favor de um grande número de consumidores, milhares e, em alguns casos, milhões (v.g., serviços de telefonia, bancários, transporte aéreo de pessoas, provedor de internet ou TV por assinatura). Nestas hipóteses, a relevância que o empresário atribui aos processos produtivos pode ser decisiva para o sucesso do empreendimento, em especial, se consideramos os dispêndios que foram suportados para identificar quem são seus possíveis clientes, suas preferências, características ou qualidades dos produtos ou serviços oferecidos por seus concorrentes, dentre outros custos de transação.

De fato, no exercício deste tipo de atividade, existe o risco de que o serviço ou o produto, por uma inconsistência de determinado processo de produção, atendimento ou mesmo logística seja executado ou produzido de forma inadequada, diversa da que fora contratada pelo consumidor. Assim, pode ocorrer a completa inexecução da obrigação assumida pelo prestador, pelo fabricante ou fornecedor, ou mesmo a entrega viciada em favor do consumidor.

Sem dúvida, o empresário objetiva o aperfeiçoamento constante não apenas de seus meios produtivos em busca da eficiência, mas, ciente de que atua em mercados competitivos, não desejando perder espaço para seus concorrentes, pretende o constante aprimoramento da qualidade dos bens e serviços ofertados. Afinal, os mecanismos de seleção daqueles agentes que permanecerão atuantes não admitem vacilos ou tomada de decisões que não contribuam para a conquista de novos mercados (e não apenas a manutenção da atual clientela).

Neste contexto, surge a matéria que se refere ao ponto central do presente trabalho: constatado o defeito na execução da atividade empresarial (v.g., negativações indevidas dos nomes dos clientes, constante extravio de bagagens, falta de qualidade do sinal das transmissões televisivas ou lentidão ou descontinuação do serviço do provedor de internet) a partir de que momento, ou em face de qual fato o empresário, obrigado a tomada de decisões eficientes, envidará esforços para a modificação de seus processos produtivos? Que papel os juizados especiais cíveis podem ocupar neste cenário como instituições que contribuem para a estabilização da paz social, mediante a composição de conflitos, mas também como geradores de decisões que incentivam ou inibem a conduta dos agentes econômicos? Vamos por partes.

Nosso eminente professor da PUC Minas, Dr. César Fiuza, nos traz a definição de dano eficiente, cuja ideia perpassa pelo sopesamento que seu causador deve fazer entre o custo indenizatório e o corretivo da imperfeição que ocasionou a conduta lesiva:

"Fala-se, outrossim, em dano eficiente e dano ineficiente. Ocorre dano eficiente, quando for mais compensador para o agente pagar eventuais indenizações do que prevenir o dano. Se uma montadora verificar que uma série de automóveis foi produzida com defeito que pode causar danos aos consumidores, e se esta mesma empresa, após alguns cálculos, concluir ser preferível pagar eventuais indenizações pelos danos ocorridos, do que proceder a um recall para consertar o defeito de todos os carros vendidos que lhe forem apresentados, estaremos diante de dano eficiente. O dano ineficiente, por seu turno, é o dano eficiente tornado ineficiente pela ação dos órgãos administrativos do Estado e/ou do Judiciário. Na medida em que o juiz condenar a montadora a uma altíssima indenização, ao atuar em ação indenizatória proposta por um dono de automóvel, vitimado pelo dano causado pelo defeito de produção, estará transformando o dano eficiente em dano ineficiente. As eventuais indenizações que a montadora terá que pagar serão tão altas, que será preferível o recall, por ser mais barato.

A questão relativa ao dano ineficiente é equacionar duas questões. Por um lado, o valor da condenação há de ser alto, para que o dano seja de fato ineficiente para seu causador. Por outro lado, deve-se ter em conta que indenização não deve ser fonte de enriquecimento, mas de reparação de danos. O problema é de difícil solução, exigindo do juiz um enorme exercício de bom-senso e, às vezes, de coragem. O legislador poderia pôr fim ao dilema, editando norma, segundo a qual parte do valor da condenação iria para a vítima, a título de reparação pelos danos sofridos, enquanto a outra parte reverteria aos cofres públicos, sendo afetada à utilização em programas sociais." (FIUZA, 2008, p. 720)

É bem verdade que o empresário almeja, como regra, a alta qualidade de seus produtos e de seus serviços além de, diante do princípio da boa-fé objetiva que impregnou a interpretação dos institutos do Direito Privado, busca agir de forma ética, de forma leal perante sua clientela. Contudo, os custos de transação que lhe são impostos pelo mercado competitivo estabelecem que as decisões acerca de investimentos na modificação de processos produtivos sejam sempre analisadas em função de sua efetiva necessidade. Não estamos, aqui, falando, obviamente, de questões que possam resultar na ausência de segurança para o usuário do bem ou serviço comercializado, não se trata de hipótese em que a imperfeição possa ocasionar risco de incolumidade física ao consumidor. Afinal, neste caso, não se pode falar em margem de discricionariedade para que o empresário opte ou não por sanar o defeito ou vício existente em seus processos produtivos. Estamos tratando de hipótese diversa.

Ora, a análise econômica realizada por uma instituição financeira relativa ao ajuste ou não de determinada cláusula contida em contrato de cheque especial, tida como abusiva em virtude de algumas demandas judiciais, certamente, levará em conta o custo atual com estas demandas (honorários advocatícios, custas, indenizações e eventual desgaste da imagem perante o mercado) e o benefício econômico decorrente de sua manutenção. Em hipóteses como esta, como o Poder Judiciário, em especial, em face do escopo reduzido deste trabalho, os juizados especiais poderão, em prol de toda a sociedade interferir neste tipo de situação? Aliás, deve o Judiciário considerar a repercussão econômica de suas decisões?

7 Impacto Econômico das Decisões Consumeristas

Nas relações de consumo, como regra, afigura-se evidente a assimetria de informações existente entre as partes, ou seja, costuma-se verificar uma grande diferença entre o conhecimento que o fabricante e o fornecedor possuem quanto às qualidades de um determinado produto ou serviço e as informações detidas pelo consumidor. É bem verdade que o Código de Defesa do Consumidor(2), dentre os diversos princípios que elenca, estabelece como dever do agente econômico a prestação de todas as informações(3) que permitam ao consumidor tomar a melhor decisão para a satisfação de suas necessidades. Contudo, ainda sim, este desequilíbrio informacional se verifica nas relações jurídicas constituídas em nosso mercado.

Ribeiro e Galeski (2009, p. 95) asseveram que a assimetria de informação se constitui em verdadeiro entrave à obtenção de relações econômicas mais eficientes. Os mencionados professores lecionam que esse obstáculo é mais visível nas relações de consumo, quando é da essência da negociação que haja a profissionalidade (domínio da técnica) de um lado (fabricante ou fornecedor) e a ausência de conhecimento, de outro (por parte do consumidor):

"Como bem ilustra Castellano, partindo da premissa de que a informação nunca é perfeita no mercado e se reconhece que o consumidor não conhece exatamente a qualidade do produto que irá comprar no momento de tomar a decisão de adquiri-lo, admite-se a possibilidade de que o consumidor não receba a qualidade que imaginava, e mais que isso correrá o risco de sofrer danos ao utilizar o produto adquirido nessas condições, danos esses que não foram previstos no momento de tomar a decisão de comprar." (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 95)

A assimetria informacional se constitui em uma falha de mercado, pois diante de sua existência não se mostra possível que apenas as interações estabelecidas entre empresas e consumidores sejam capazes de gerar um equilíbrio em que o bem-estar é maximizado. Acerca da inclusão da assimetria de informações dentre as denominadas falhas do mercado se mostra obrigatória a transcrição dos ensinamentos da ilustre professora da Universidade de São Paulo, Dra. Rachel Sztajn:

"Na medida em que se entenda mercado como uma instituição que vise a criar incentivos, reduzir incertezas, facilitar operações entre pessoas, fica clara a ideia de que mercados aumentam a prosperidade e, portanto, o bem-estar geral. Intervenções em mercados podem ser tanto reguladoras quando moderadoras do conjunto de operações neles realizadas. Aquelas são intervenções disciplinadoras de certos mercados, estas as destinadas a corrigir desvios que comprometem o funcionamento do mercado.

Se, entretanto, o mercado não for do tipo concorrência perfeita, as falhas devem ser corrigidas. Muitas são as possibilidades de falhas de mercado, como, por exemplo, assimetria de informação, externalidades, displicência, ações culposas. Mas, dizem os economistas, antes mesmo de se pensar em falhas de mercado, ou até mesmo falar-se em mercados, sem normas que os modelem, faltam parâmetros ou paradigmas que permitam perceber tais desvios." (SZTAJN, 2004, p. 34-35)

Pois bem, partindo da premissa de que a assimetria de informações, tida como uma falha de mercado, impede que transações consumeristas sejam realizadas de forma eficiente, resta saber qual seria o papel do Direito neste cenário. Ribeiro e Galeski (2009, p. 92) ponderam que, nestes casos, pode-se identificar três posicionamentos acerca da intervenção do Estado no mercado: a) uma corrente que defende a completa regulação da atividade econômica; b) outra que condena todo e qualquer tipo de intervencionismo; c) e, por fim, aquele que sustenta a necessidade de "uma intervenção moderada, apenas quando se verifica que as relações econômicas não promovem a melhor eficiência, a melhor alocação de bens".

Mankiw (2009, p. 11-12), por sua vez, sustenta que há dois motivos genéricos que podem justificar a intervenção estatal na atividade econômica: "promover a eficiência e promover a equidade. Ou seja, a maioria das políticas tem por objetivo ou aumentar o bolo econômico ou mudar a maneira como o bolo é dividido". Mankiw adverte que a "mão invisível" costuma permitir que os mercados aloquem os recursos de forma eficiente, mas que isto nem sempre acontece, em especial, em razão de falhas de mercado.

Ora, sem dúvida, o Judiciário não pode desconsiderar os efeitos econômicos produzidos por suas decisões, em especial, no que se refere às demandas consumeristas. A existência de evidente falha de mercado, decorrente da assimetria informacional exige que o Estado, no caso em análise, através dos Juizados Especiais de Consumo, intervenha de forma a contribuir para o aumento do bolo econômico (eficiência) e para sua melhor divisão (equidade). O estabelecimento de condenações impostas aos fabricantes e fornecedores, nas hipóteses em que o bem vendido ou o serviço prestado não correspondam, exatamente às características apresentadas quando da contratação, contribuem para o aperfeiçoamento dos processos produtivos.

Acerca dos impactos econômicos das decisões judiciais, vale destacar o posicionamento de um magistrado sobre o tema, Demócrito Reinaldo Filho(4):

"Se um dos objetivos da nossa república é a erradicação da pobreza, isso só se faz com desenvolvimento econômico, para suprir as necessidades coletivas de emprego, alimentação, saúde, saneamento e outros serviços públicos essenciais. Se o cumprimento das promessas constitucionais depende do desenvolvimento econômico, o Juiz tem o dever de examinar se sua decisão pode de qualquer forma afetá-lo. Por isso, o magistrado, no momento de decidir um caso, deve estar atento às múltiplas variáveis que o compõem, não podendo se cingir a apenas um único interesse envolvido. Como adverte o Desembargador Rogério Gesta Leal, 'é preciso haver uma sensibilização da magistratura brasileira para a complexidade das relações sociais, marcadas hoje por variados fatores. Um tema que aparentemente é jurídico, no sentido de ser tratado e regulado por lei, tem implicações de natureza econômica, social e política. Essas dimensões extranormativas precisam ser consideradas pelo julgador'.

(...) Uma avaliação legal completamente neutra, que desconsidere o fator econômico, é que significa um retrocesso. O que se quer é que o Juiz ou intérprete desperte para a extrema importância que as decisões judiciais representam para o desenvolvimento socioeconômico do país. O que se pretende é que, para propiciar previsibilidade, estabilidade e integridade (em relação ao sistema normativo), o Juiz tenha também uma perspectiva de análise econômica do direito. Se fatores econômicos estão envolvidos desde a criação e elaboração das leis, porque não se levá-los também em consideração quando se trata de reduzir o texto legal à norma do caso concreto? Não se trata, portanto, 'de substituir critérios de justiça por critérios econômicos, mas de perceber que os agentes econômicos mudam as estratégias à medida que a justiça se demonstra ineficiente e a economia injusta'."

Assim, conformamos nosso raciocínio no sentido de que a atuação dos magistrados, no âmbito dos Juizados Especiais, em especial no que se refere às lides consumeristas, é decisiva para que sejam superadas falhas de mercado, permitindo um resultado mais eficiente de nossa atividade econômica. Evidentemente, a insignificância das condenações impostas aos fabricantes ou prestadores de serviços, nas atividades de massa (direcionadas a um grande número de consumidores) implicará no simples provisionamento deste custo nos balanços das grandes corporações. A fração reduzida de consumidores que resolvem demandar judicialmente associado ao pequeno impacto econômico das condenações impostas nas sentenças judiciais não contribui para que haja, de fato, uma melhoria na qualidade dos serviços prestados ou dos bens produzidos. Afinal, o custo do aperfeiçoamento dos processos produtivos será maior do que aquele decorrente do pagamento das condenações determinadas pelos Juizados.

Note-se que, decisões judiciais que imponham aos agentes econômicos a melhoria de seus processos produtivos e, por consequência, o oferecimento de bens e serviços de melhor qualidade, resultam em uma mudança eficiente segundo o critério Kaldor-Hicks, na medida em que o benefício auferido por todos os consumidores será maior do que o custo, inicialmente suportado pelos fabricantes, fornecedores e prestadores de serviços.

8 Novas Fronteiras do Direito do Consumidor

O Judiciário tem por função precípua o estabelecimento de uma norma in concreto para a solução de uma determinada lide que é levada ao seu conhecimento, provocado que foi pelo exercício do direito de ação. É bem verdade, que modernamente, seja através do efeito erga omnes de algumas decisões, em especial nos casos envolvendo controle concentrado de constitucionalidade, ou através das denominadas súmulas vinculantes, a decisão judicial produzirá efeitos em relação a pessoas estranhas àquela relação jurídica processual específica. Por outro lado, ainda que se tratem de decisões que, de forma imediata, produzam efeitos apenas inter partes, não se pode desconsiderar o efeito indutor de condutas que a jurisprudência, assim entendida como a reiteração de decisões judiciais em um determinado sentido, possui. Não é diferente a situação no que concerne às demandas consumeristas. Afinal, será mesmo que os agentes econômicos, na tomada decisões estratégicas acerca do exercício de suas atividades negociais, não considerarão a jurisprudência que a eles diga respeito (v.g., sobre inclusão indevida do nome do consumidor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito)?

Evidente, neste caso, a existência de uma externalidade positiva. Afinal, a decisão judicial proferida em um determinado caso envolvendo direito do consumidor poderá beneficiar outros consumidores, diversos daquele que figura no processo, pois esta sentença contribuirá para que fabricantes, fornecedores ou prestadores de serviços envidem esforços para a melhoria dos meios produtivos. Acerca da ideia de externalidade, vejamos as lições Mankiw:

"Uma externalidade surge quando uma pessoa se dedica a uma ação que provoca impacto no bem-estar de um terceiro que não participa dessa ação, sem pagar nem receber nenhuma compensação por esse impacto. Se o impacto sobre o terceiro é adverso, é chamado de externalidade negativa; se é benéfico, é chamado de externalidade positiva. Quando há externalidades, o interesse da sociedade em um resultado de mercado vai além do bem-estar dos compradores e vendedores que participam do mercado; passa a incluir também o bem-estar de terceiros que são indiretamente afetados. Como os compradores e vendedores desconsideram os efeitos externos de suas ações quando decidem quanto demandar ou ofertar, o equilíbrio de mercado não é eficiente quando há externalidades. Ou seja, o equilíbrio não maximiza o benefício total para a sociedade como um todo." (MANKIW, 2009, p. 204)

Sztajn (2005, p. 252) pondera que, para os economistas, muitas externalidades decorrem de elevados custos de transação, os quais decorrem da organização das operações em mercados, o que pode ocasionar uma alteração nos mecanismos de alocação de recursos, por consequência, aumentando os custos sociais. A professora da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, partindo da ideia de externalidade, explica que cada ato ou ação, mesmo individual, pode se encontrar em uma cadeia de causa e efeito com repercussões externas ao agente. Destaca Sztajn que, diante de uma externalidade negativa, deve-se impor ao agente "o custo correspondente ao valor das utilidades ou recursos de terceiros que sejam por ele atingidos ou consumidos". Por fim, arremata:

"A escolha dos meios de imposição do ônus deve ser determinada mediante critérios específicos de forma a não ampliar custos de transação que se transformem em custos sociais. Oportunidades de ganhos extraordinários em virtude da percepção de externalidades quando não afetam terceiros podem ser aceitas." (SZTAJN, 2005, p. 252)

Carl J. Dahlman, professor da Universidade de Georgetown, a partir dos ensinamentos de Coase, pondera que a identificação do emitente e do receptor de uma externalidade mostra-se irrelevante. Assim, importante afiguram-se os critérios utilizados para a imposição dos riscos e custos - internalização - a uma das partes envolvidas:

"It is notable how completely the Coase approach bypasses both the problem of deciding who is the emittor and who is the recipient of an externality and the rather shady distinction between pecuniary and technological externalities so central to the Pigovian tax rules. Perhaps the real significance of the court cases cited by Coase is that the distinction between emitter and recipient of an externality is irrelevant: what matters is whether we achieve a higher-valued output by putting the liability on one or the other of the parties involved, and not who is the 'source' of the externality. Since at least two parties are necessarily involved, either may be considered the source. It is note worthy how the legal profession and the courts have come to grips with this point well before economists. The legal cases referred to by Coase show how courts in the presence of transaction costs have placed the liability sometimes with the 'emittor' and sometimes with the 'recipient' as these would be identified by an economist trained in modern welfare theory. Nor is the distinction between pecuniary and technological externalities in any way relevant for Coase's arguments: what matters is the role of transaction costs, and how such costs affect the allocation of resources." (DAHLMAN, 1979, p. 159)

Especialmente no que se refere às relações de consumo, o professor da Universidade de Harvard, Lucian Bebchuk, e Richard Posner lecionam que, mesmo diante de assimetrias informacionais, o vendedor pode ser dissuadido da ideia de agir de forma oportunista, pois se preocupa com sua reputação perante o mercado. Por outro lado, o consumidor não está constrangido por esta situação, já que não tem uma reputação a perder (desde que também não seja um agente do mercado, produtor de bens ou prestador de serviços), podendo desenvolver um comportamento oportunista em uma transação em particular que não será conhecido pelo mercado:

"We focus on the following asymmetry between seller and buyer in cases in which the latter is a consumer rather than another business or comparable entity: The seller in such a case may be deterred from behaving opportunistically by considerations of reputation; the consumer is not constrained by such considerations, because he has no reputation to lose, assuming that his opportunistic behavior in a particular transaction will not become known to the market as a whole. This difference is important whenever it is difficult to specify contractual terms to cover every important contingency that courts could accurately and easily enforce. In such circumstances, opportunistic buyers might try to use 'balanced' terms to press for benefits and advantages beyond those that the terms were actually intended to provide." (BEBCHUK; POSNER, 2005, p. 1-2)

Assim, quando as empresas são influenciadas por considerações reputacionais, contratos que possam parecer draconianos (one-sided contracts) contra os consumidores tendem a ser implementados de uma forma balanceada. Desta maneira, se o prestador do serviço é um jogador atuante no mercado, suas expectativas em realizar novas operações com outros consumidores podem afastá-lo da ideia de se valer de determinadas cláusulas contratuais, ainda que não haja expectativas de realizar negócios com este mesmo consumidor(5) (BEBCHUK; POSNER, 2005, p. 1-2). Interessante notar como este tipo de análise bem se adéqua à cultura capitalista norte-americana, na qual a reputação empresarial se constitui em um importante patrimônio.

Bebchuk e Posner (2005, p. 7-8) ponderam que, por outro lado, em determinados mercados, compradores podem não ser indiferentes a sua reputação. Eles podem ser empresas que atuam de forma repetitiva no mercado, enquanto os vendedores são indivíduos que não transacionam com frequência. Como exemplo, citam o caso dos contratos entre editoras de universidades e novos autores(6). Embora estes contratos possam estabelecer uma data limite para que o trabalho a ser publicado seja entregue, as editoras costumam dilatar este prazo, a fim de que seus autores tenham condições de revisar o trabalho. Afinal, as editoras atuam em um mercado competitivo e sua reputação no trato com produtores de conhecimento é relevante.

Pode-se perceber, destarte, que o aperfeiçoamento das relações de consumo depende de esforço e comprometimento não só dos fabricantes e prestadores de serviços, que devem primar pela melhoria da qualidade de seus processos produtivos, mas também do Judiciário que pode agir como indutor de condutas eficientes, menos nocivas aos consumidores, mas observando as regras de mercado. Por sua vez, os consumidores devem identificar fornecedores que de forma reiterada adotam condutas oportunistas, privilegiando por consequência a contratação com agentes econômicos que prezam a boa-fé nas relações contratuais, o que contribuirá para atitudes que privilegiem condutas destinadas a valorizar a preocupação da reputação empresarial.

Em nosso país e diante do perfil socioeconômico da maior parte da massa de consumidores, evidente se mostra a circunstância de que uma das partes na relação consumerista se afigura em condição evidentemente hipossuficiente, em especial no que se refere à assimetria informacional, o que exige a interferência estatal. Por outro lado, é preciso que se tenha em mente que sempre que o Estado interfere no mercado adotando medidas protetivas, favorecendo uma das partes nas relações de consumo, há certamente uma mitigação da autonomia privada, a qual corresponde a uma liberdade de contratar própria do regime do direito privado.

O Poder Judiciário não pode ser considerado como a única (e final) solução para a resolução de conflitos havidos entre fabricantes, fornecedores, prestadores de serviços e consumidores. O Código de Defesa do Consumidor não pode ser uma solução perpétua para a busca do justo equilíbrio entre as partes que participam do mercado. É preciso, portanto, que os agentes econômicos e a massa consumidora vislumbrem a possibilidade de, sem a interferência estatal, adotarem condutas que contribuam para a justa distribuição de riqueza, mediante a implementação de medidas eficientes.

9 Conclusão

Os Juizados Especiais Cíveis podem desempenhar papel decisivo no aperfeiçoamento dos processos produtivos adotados por fabricantes e fornecedores de bens e serviços, na medida em que a reiteração de decisões acerca de determinada falha se constitui em verdadeiro instrumento que desestimula posturas oportunistas, desleais existentes nas relações consumeristas.

É preciso notar que a apreciação judicial das lides desta natureza não pode desconsiderar a possibilidade de que os consumidores, despreocupados com sua reputação perante o mercado, podem também adotar condutas oportunistas, sob o pretexto exclusivo de que as contratações tenham sido realizadas sem que houvesse abertura para discussão das cláusulas contratuais.

Evidente que os empresários que atendem uma grande clientela, no exercício da atividade negocial, podem identificar que a implementação de modificações no processo produtivo poderá ocasionar dispêndios bem maiores do que os custos com o pagamento de honorários advocatícios, custas judiciais e indenizações em favor de seus consumidores. Decisivo, neste ponto, o caráter pedagógico que devem conter as decisões judiciais proferidas no âmbito dos juizados de consumo, seja em favor ou mesmo contra os consumidores, punindo (de certa forma) condutas meramente oportunistas, que assegurem vantagens desleais e desproporcionais para uma das partes.

Desta forma, a eficiência do dano se constitui em um tênue limite entre (i) o somatório dos custos de transação ocasionados pela atuação em mercados competitivos (de um lado), e (ii) a incapacidade de os próprios agentes econômicos de internalizar suas externalidades negativas.

Assim, não pode o juiz desconsiderar a repercussão econômica de suas decisões, que no caso do direito do consumo, exercem relevante papel indutor de condutas que podem contribuir para a alocação eficiente de recursos, maximizando o bem-estar social.

Contudo, o aperfeiçoamento que se pretende alcançar não pode ter como impulsionador, apenas, o Poder Judiciário e as legislações consumeristas, que em diversas passagens tratam o consumidor como pessoa incapaz de tomar decisões e de assumir riscos. É preciso que todos os agentes econômicos, bem como a massa consumista se conscientizem de sua capacidade para superação de falhas de mercado, reprimindo condutas simplesmente oportunistas, contribuindo, desta forma, para a busca de meios de produção mais eficientes.

Referências Bibliográficas

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Notas

(1)Disponível em: <http://journals.uchicago.edu/JLE/home.html>.

(2)Como o próprio nome desta lei bem destaca, seu objetivo primordial, além de simplesmente regular as relações jurídicas nas quais o consumidor figura como parte, é o de proteger (defender) os direitos e interesses da parte tida por hipossuficiente, sendo a assimetria informacional característica marcante deste desnível de posições.

(3)Código de Defesa do Consumidor: "Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;"

(4)REINALDO FILHO, Demócrito. A preocupação do juiz com os impactos econômicos das decisões. Uma análise conciliatória com as teorias hermenêuticas pós-positivistas. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13707>.

(5)"When firms are influenced by reputational considerations, contracts that appear on paper to be one-sided against the consumer may in reality be implemented in a balanced way. The distinction between contracts on paper and their actual implementation is one that has received much attention from the literature on relational contracts between businesses. As our analysis highlights, however, the distinction is also relevant to contracts that businesses enter into with consumers who are not repeat players. As long as the business is a repeat player with the consumer side of the market, its expectation of doing business with other consumers in the future may dissuade it from enforcing a one sided-contract to the hilt even though the business does not expect to have further dealings with this consumer." (BEBCHUK, Lucian A.; POSNER, Richard A. One-Sided Contracts in Competitive Consumer Markets. John M. Olin Law & Economics Working Paper, n. 270, Chicago, Estados Unidos, dezembro de 2005, p. 1-2)

(6)"In some markets, of course, buyers are not indifferent to their reputation. They may be firms that are repeat players with powerful incentives to protect their reputation, while the sellers may be individuals that transact infrequently. An example is the agreements that university presses have with new authors. Our analysis applies to such markets as well. It can explain, for example, why the agreements that those presses have with their authors include provisions that seem one-sided against the author even though authors are likely to read the terms of these agreements and there is competition among the publishers." (BEBCHUK, Lucian A.; POSNER, Richard A. op. cit., p. 7-8)

O que é compliance no âmbito do Direito Penal?

Assunto frequente nos cursos de administração e de gestão, a figura docompliance começa a mostrar seus contornos na esfera do Direito Penal, em especial após ser citada inúmeras vezes na Ação Penal 470 como fundamento para algumas condenações.

Compliance — do termo inglês comply — significa o ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas reguladoras de determinado setor. Vogel descreve o compliance como um “conceito que provem da economia e que foi introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento das normas, não necessariamente de natureza jurídica.”
Dada a infinidade e complexidade de normas regulatórias para as mais diferentes atividades, empresas e instituições desenvolveram setores voltados única e exclusivamente para tal finalidade: assegurar que as regras a elas destinadas sejam cumpridas, evitando-se problemas jurídicos e de imagem.
O impulso inicial ao compliance partiu das instituições financeiras e tomou corpo após os mundialmente famosos escândalos de governança (Barings, Enron, World Com, Parmalat) e a crise financeira de 2008[1]. A partir de então, diversos documentos foram expedidos por órgãos internacionais recomendando o fortalecimento de políticas de compliance empresarial, bem como inúmeras leis de diversos países instituíram a obrigação da instalação deste mecanismo de monitoramento interno[2]. Nessa última linha, vale mencionar em especial os países que criaram ou incrementaram a responsabilidade penal de pessoas jurídicas, fixando como parâmetro para a pena a existência de sistemas de compliance mais ou menos robustos, como é o caso da legislação espanhola (artigo 31 bis do Código Penal espanhol)[3].
No Brasil, onde a preocupação com o desenvolvimento de setores para o cumprimento de normasteve início há menos de uma década, em especial no setor bancário, e onde a responsabilidade criminal da pessoa jurídica é praticamente restrita à esfera ambiental, o âmbito de abrangência docompliance é menor, voltado às áreas com maior risco de crises institucionais e de imagem, ou cuja regulação exija a criação do setor.
No entanto, a aprovação das novas regras de prevenção e combate à Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998, alterada pela Lei 12.683/2012) e a tramitação do Projeto de Lei 6862/2010, que dispõe sobre a responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica por atos contra a administração pública, tem movimentado diversos setores para uma efetiva implementação ou aprimoramento de políticas de compliance.
Nessa linha, as empresas tem desenvolvido programas e políticas que agregam (i) a orientação, formação e reciclagem de empregados e diretores sobre políticas de combate à lavagem de dinheiro; (ii) a elaboração de Códigos internos de conduta, organizar a coleta, sistematização e checagem de informações sobre clientes, empregados, parceiros, representantes, fornecedores e operações praticadas com sua colaboração ou assistência; (iii) o desenvolvimento de sistemas de comunicação interna e externa que facilite o repasse de informações sobre atos suspeitos; (iv) a implementação de sistema de controle interno de atos imprudentes ou dolosos, com mecanismos de apuração e sanção disciplinar.
São diversos os modelos de compliance, mais ou menos abrangentes ou estruturados de acordo com o setor e com a complexidade das atividades da empresa. Há setores de compliance voltados para assegurar o cumprimento de normas trabalhistas, outros direcionados à regulação tributária, ambiental, do consumidor, etc. Nesse contexto, surge o criminal compliance.
Como dito, o marco regulatório administrativo de diversos setores é detalhado, dinâmico e complexo. Como boa parte de tais normas complementa normas penais em branco, ou é levada em consideração na interpretação de tipos penais abertos, seu descumprimento pode levar — direta ou indiretamente — à responsabilidade penal.
Ademais, em regra tais normas administrativas determinam o risco permitido de uma atividade, sendo fundamentais para a verificação da imprudência (crimes culposos) ou da temeridade de alguns delitos dolosos (como gestão temerária, por exemplo).
Por isso, o cumprimento dos marcos regulatórios se torna importante não apenas para evitar responsabilidades na seara administrativa, mas também para proteção da imputação criminal. A observância das normas de cuidado  através de um sistema de compliance estruturado — é o instrumento que assegura a proteção da empresa e de seus dirigentes da prática de delitos e da colaboração com agentes criminosos, minimizando os riscos de responsabilidade penal e de desgastes perante a opinião pública.

[1] COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi. Manual de Compliance. São Paulo: Atlas, 2010, p. 1.
[2] Para uma análise detalhada do tema, ver SILVEIRA, Renato M. J.; SAAD-DINIZ, Eduardo. Noção penal dos programas de compliance e as instituições financeiras na "nova Lei de Lavagem": Lei 12.683/2012. Revista de Direito Bancário, nº 57, jul-set 2012, p. 302
[3] FURTADO, Regina Helena. A importância do compliance.
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2013

'Empresas que não fazem compliance andam para trás'

Débora Pimentel, Caroline Fonti e Silvia Urquiza - 06/06/2013 [Spacca]
A globalização do combate à corrupção e aos crimes financeiros empurra o Direito Penal e Empresarial para uma nova dinâmica. Recentes acordos internacionais para compartilhamento de investigações têm mudado a rotina de grandes empresas e o trabalho dos advogados em diferentes países, já que uma companhia acusada de corrupção em um país pode sofrer sérias consequências comerciais em outra nação. 

No Brasil, que paulatinamente vai aderindo a esses convênios, a exigência do chamado compliance já é concreta. Mais do que defender acusados, criminalistas têm sido incumbidos de investigar os próprios clientes — multinacionais preocupadas com a repercussão de possíveis crimes cometidos por seus executivos e funcionários. É o que testemunham as três advogadas Débora PimentelSylvia Urquiza e Carolina Fonti, que, de olho no mercado, decidiram sair do Trench, Rossi e Watanabe Advogados para inaugurar o Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados. Sylvia foi a responsável por inaugurar a área de Direito Penal do Trench, em 2003, — quando as grandes bancas dedicadas a Direito Empresarial ainda preferiam repassar casos penais a butiques especializadas.
Acostumadas a enfrentar complexas investigações por todo o mundo, elas alertam: as empresas nacionais estão demorando para se adequarem a padrões de proteção contra corrupção. Enquanto Estados Unidos, com o FCPA [Foreign Corrupt Practices Act, ou Lei de Práticas Corruptas no Exterior, em tradução livre], e o Reino Unido, com o UK Bribery Act [versão britânica da mesma lei], têm enquadrado matrizes e subsidiárias que cometem desvios, as multinacionais brasileiras ainda não entenderam que não criar uma cartilha de procedimentos e treinar executivos e funcionários é um risco. "As brasileiras que têm ações na bolsa no exterior ainda não perceberam a importância de um programa de compliance e estão andando para trás. Qualquer empresa grande que já tenha sido exposta a investigação ou tenha feito algum acordo com o Ministério Público ou com a Justiça americana é um brilho no programa de compliance: cumpre, faz treinamento, segue as exigências", esclarece Sylvia. 
A história das três advogadas se confunde com a da área penal do Trench, Rossi e Watanabe. O primeiro acordo de leniência — pelo qual o infrator ajuda na investigação em troca de abrandamento de punição — assinado no Brasil na área concorrencial passou pelas mãos de Sylvia. A experiência, garantem, é o que levou ao patamar mantido até hoje, segundo elas: dos inquéritos abertos contra seus clientes, nenhum virou denúncia. E nas denúncias que já chegaram ajuizadas a suas mãos, jamais houve condenação. 
Formada em Direito pela PUC de São Paulo e pós-graduada em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, de Portugal, Sylvia Urquiza sempre ouviu do pai, advogado trabalhista formado pela USP, que deveria evitar a área penal. “Ele dizia que era sonho de estudante, que para ganhar dinheiro, eu deveria ir para o Direito Tributário”, conta. Mas ela insistiu e, no quarto ano do curso, já estava estagiando na área penal no escritório Muylaert, Livingston e Kok Advogados, onde ficou por oito anos. Em 1998, montou a própria banca com o criminalista Cristiano Maronna. Mais tarde, grávida, Sylvia seria convidada para inaugurar, em 2003, a área criminal no Trench, Rossi e Watanabe, época em que poucos escritórios de grande porte tinham a sua. “Muitos ainda acreditavam que Direito Penal não combina com grandes escritórios”, lembra. Em sua trajetória, a advogada fez parte da Comissão de Estágio da OAB de São Paulo e ajudou a elaborar provas de Direito Penal e Processual Penal do Exame de Ordem. É vice-presidente no capítulo brasileiro da Association of Certified Fraud Examiners e, desde 2009, é apontada pela Cambers Latin Americaentre os dez melhores criminalistas do Brasil — o mesmo ocorreu em 2012 na Latin Lawyer e na revista Análise Advocacia.
Casada e com dois filhos, Débora Pimentel sempre trabalhou na área penal. Entrou no Trench, Rossi e Watanabe em 2005, depois de estagiar por três anos no Carnelós e Garcia Advogadosde e de passar dois anos no Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua & Furrier Advogados — onde trabalha o marido, Rodrigo Dall'Acqua — e outro tanto no escritório do seu pai. É formada na Unip de São Paulo e tem especialização em Processo Penal pela Escola Paulista de Magistratura, e em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), em convênio com a Universidade de Coimbra. Fez parte da Comissão de Prerrogativas da OAB paulista. 
Carolina Fonti é a mais nova das três, com 29 anos. Formada pela USP, termina este ano o mestrado em Direito Penal na universidade. Tem especialização em Direito Penal Econômico pelo IBCCrim em convênio com a Universidade de Coimbra. Fez parte da equipe do Trench desde que se formou, em 2007. Antes, estagiou no Lilla, Huck, Otranto, Camargo Advogados e no Moraes Pitombo Advogados. Passou ainda pelo Ministério Público, como estagiária no Tribunal do Júri da Barra Funda, o maior do país.
Leia a entrevista:
ConJur — O Brasil vem firmando pactos internacionais para o combate a crimes financeiros, inclusive acordos de transferência de informações. É motivo de preocupação?
Carolina Fonti — É uma tendência que nunca mais vai parar, um intercâmbio mais otimizado de informações. Isso tem crescido e se estreitado cada vez mais, tornando-se menos burocrático. Hoje, o Ministério Público Federal tem um canal de conversa muito próximo com o governo federal dos Estados Unidos e com a Europa. Já trabalhamos com algumas operações internacionais, com buscas e apreensões que ocorreram simultaneamente no mundo inteiro, em diversos países.
Débora Pimentel — O Ministério Público dos Estados Unidos pode inclusive fazer acordo com as empresas e com os indivíduos. É bem diferente da tradição penal que temos aqui. Eles simplesmente fazem um acordo para que a empresa se "autoinvestigue". Se chegarem à conclusão de que os resultados são idôneos e claros, simplesmente fazem um acordo para que a empresa pague uma multa, sem necessidade de homologação judicial.

ConJur — Como está o cenário nas empresas com a Convenção da OCDE assinada pelo Brasil para combate à corrupção e, mais recentemente, a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do ainda projeto da chamada Lei Anticorrupção — que responsabiliza as empresas, civil e administrativamente, por atos cometidos em seus nomes por funcionários?
Sylvia Urquiza — Desde 2003 trabalhamos com investigação de corrupção, com empresas de diversos países. A Convenção da OCDE assinada pelo Brasil tem uma cláusula que diz o seguinte: se diversos países forem competentes para investigar o caso, a competência será daquele onde ocorreu o crime. O Brasil tem legislação anticorrupção, os Estados Unidos também têm, a Inglaterra tem, outros países também. Todos estão precavidos nesse sentido. Se, por acaso, uma multinacional americana comete atos de corrupção no Brasil, os Estados Unidos, pela legislação americana, são competentes para investigar, inclusive para punir. Se essa empresa for britânica com uma subsidiária nos Estados Unidos e outra no Brasil, e esse ato de corrupção aconteceu no Brasil e, de alguma forma, passou pelo território americano, ainda que a decisão tenha sido tomada somente lá, existe competência para julgar nos dois países. Teve caso, por exemplo, que uma empresa fez um acordo nos Estados Unidos e outro na Alemanha por mais de US$ 2 bilhões em multa.

ConJur — As empresas brasileiras entram onde?
Débora Pimentel — Vai haver uma participação das multinacionais brasileiras a respeito de competência. Vamos supor que uma multinacional brasileira tenha ações na bolsa de Nova York e tenha algum caso de corrupção no Brasil ou em algum país em que ela também atue. Os Estados Unidos também são competentes para julgar porque ela tem ações lá.

ConJur — Pode haver punições diferentes para um só crime?
Sylvia Urquiza — É o que vem acontecendo. Daqui para frente, o principal ponto de foco do Direito em questão de compliance é justamente a questão da competência internacional.

ConJur — Isso não reclama uma denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos? 
Débora Pimentel — Muitas vezes, as empresas não têm interesse político e econômico em discutir. Existe um caso que também é público no qual os Estados Unidos detectaram que uma empresa estava cometendo atos de corrupção em diversos lugares do mundo. Essa empresa é europeia, mas tinha subsidiária nos Estados Unidos. Então, o governo americano intimou a empresa e falou: "Detectei a sua empresa e vou começar a me colocar contra vocês. Vocês querem fazer um acordo oficial e se autoinvestigam?" A empresa disse que não, de jeito nenhum, que não tinha nada a ver com essa legislação porque era uma empresa europeia. Só que os maiores clientes dessa empresa eram americanos. No dia seguinte, o que o DOJ [Department of Justice] fez? Mandou uma carta a todos os clientes americanos para que eles não fizessem negócios com a empresa que não cumpria a legislação. Imediatamente a empresa europeia entrou em acordo com o Departamento de Justiça.

ConJur — As brasileiras têm a mesma posição? 
Débora Pimentel — Uma empresa brasileira talvez prefira ser investigada internamente a fazer um acordo com autoridades estrangeiras, até porque a legislação é muito diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe a liberdade de compor com o Ministério Público com relação à responsabilidade criminal e cível. No Brasil, ainda não tem como associar a responsabilidade criminal nessa composição. Se houvesse, talvez elas preferissem tratar aqui a tratar lá, porque resolver lá acaba sendo entendido como um reconhecimento de culpa e consequente responsabilização no Brasil. Ainda, para fazer um acordo lá, você tem que ter feito uma investigação interna e independente — ou seja, com um escritório de advocacia terceirizado que também tenha o compromisso de ser independente —, tudo isso para dar credibilidade à investigação.

ConJur — Como foi o início do trabalho no Trench, Rossi e Watanabe, onde vocês montaram uma equipe na área penal?
Sylvia Urquiza — Com o aumento dos crimes empresariais, surgiu uma demanda diferente da que existia antigamente. Falava-se muito em crimes de pessoas físicas: era o diretor X, o presidente Y, que estavam sendo acusados por algum ato específico, uma apropriação indébita, algum tipo de fraude ou qualquer outro crime. Com o aumento desses crimes empresariais, surgiu um campo onde nos encaixamos. Começamos a trabalhar não com a pessoa física diretamente, mas com a diretoria jurídica. Quando falamos de empresa, há casos em que o funcionário, sozinho, contra as políticas da empresa, comete um crime e, como ele agiu contrariamente às políticas, pode ter que responder sozinho e ser desligado. Mas há também um campo de crimes que são inquéritos iniciados a partir de ações lícitas, em que os empregados das empresas tomaram atitudes em concordância com a política da companhia. Aí a empresa assume a defesa de todo e qualquer funcionário que possa vir a ser responsabilizado na esfera criminal. O diretor jurídico vem e fala: nossa empresa recebeu uma intimação. Então, vamos entender o caso, ver se os empregados poderiam ser responsabilizados e a corporação em si assume a defesa criminal. 

ConJur — Quais eram os clientes quando começou no Trench?
Sylvia Urquiza — Quando entrei, tinha zero clientes.
Débora Pimentel — Ela entrou sozinha e, quando saímos, tínhamos mais de 200 clientes, 90% empresas multinacionais. A área chegou a ter 11 advogados.
Sylvia Urquiza — A ideia do Trench, inicialmente, era ter um advogado criminalista primordialmente para defender casos de propriedade intelectual, marca, patente. Alguns clientes queriam que o escritório tivesse um setor criminal para entrar com ações antipirataria. Foi uma grande surpresa, porque, em um ano, perceberam que o potencial era enorme. Antes, cada sócio tinha o seu escritório preferido. Não se tinha sequer noção da capacidade de gerar trabalho na área e não demorou a se perceber que propriedade intelectual não era, de forma alguma, o foco principal da área, que tinha que abrir o leque e atender todos os crimes empresariais, incluindo evasão de divisas, lavagem de dinheiro, crimes tributários estaduais ou federais, crimes ambientais, fraudes... Outra área que gerou uma experiência muito grande foi a de responsabilização por acidentes de trabalho. Quando acontece um acidente de trabalho de proporções grandiosas, a empresa tem que tomar uma série de medidas. Se o acidente atingir o meio ambiente, há uma responsabilidade ambiental também. É preciso saber quem foi o culpado pela morte do funcionário, por ação ou omissão.

ConJur — E para vocês, qual foi a vantagem em mudar para um escritório maior, na época?
Sylvia Urquiza — O trabalhar dentro de um escritório multidisciplinar trouxe uma ideia de negócio muito mais forte e diferenciada daquela das boutiques criminais, porque quando uma diretoria jurídica ou uma empresa chegava com um problema tributário, muitas vezes nos reuníamos com os tributaristas e adquiria todo o conhecimento possível para poder pensar junto com a empresa qual a melhor estratégia de defesa. Conseguíamos transformar uma defesa em um material extremamente rico, tanto que todos os nossos inquéritos policiais foram arquivados. Em dez anos, nunca tivemos uma denúncia, nenhuuma ação penal. As ações penais que defendemos chegaram a nós com a denúncia já aceita.
Carolina Fonti – E absolvemos em todas. 

ConJur — Qual é o segredo?
Sylvia Urquiza — É exatamente esse trabalho conjunto. Trazer para o Direto Penal o conhecimento das demais áreas. Já chegamos a investigar desvios estimados inicialmente em mais de R$ 54 milhões. E efetivos de R$ 8 milhões, R$ 13 milhões... Em vez de optar apenas pela abertura de um inquérito policial, com o conhecimento que adquirimos, com uma visão mais global não só do Direito como de entender o negócio do cliente, procuramos entender primeiro se essa fraude atinge só a legislação brasileira ou se pode eventualmente atingir a legislação americana ou outras legislações ou se é uma fraude contábil ou financeira. Se atingir lei estrangeira e a empresa tiver que obedecer essas leis, o caso deve ir por um caminho. Se atingir só a lei nacional, o caminho é totalmente diferente. O segundo passo é saber o objetivo da empresa. Você quer despedir o seu empregado por justa causa ou sem justa causa? Quer dar um exemplo aos outros funcionários? Como fazer isso? Pode ser só com a dispensa ou algum outro critério de punição. Você quer receber os valores de volta e corrigidos? Como fazer isso em se tratando de valores altos? Então, o que fazemos, além de ter esse tratamento especial, é dar uma solução completa para o cliente, entendendo quais são os objetivos e o que pode ser feito para que ele atinja esses objetivos. Se o objetivo for o ressarcimento, vamos primeiro investigar internamente, obter todo tipo de informação possível, fazer levantamentos a respeito dos empregados ou eventuais terceiros que estariam envolvidos para verificar onde chegou aquele patrimônio, para poder apreender ou fazer o arresto. Nesses casos, o primeiro estágio quase sempre é essa investigação interna, por vezes feita em conjunto com alguns fornecedores que fazem a parte de investigação eletrônica, que é captar e fazer imagens de servidores, de computadores, recolher e-mails, colocar isso em um banco de dados, fazer o tratamento com softwares especializados.

ConJur — E tudo isso interceptando e-mails corporativos? 
Carolina Fonti — Atualmente, não há legislação que proíba o monitoramento de emails corporativos. Ao contrário, a jurisprudência dos tribunais do Trabalho afirma que as empresas são proprietárias dessa informação. De qualquer forma, sempre analisamos as políticas de tecnologia da informação, para ter certeza que os empregados foram informados sobre a possibilidade de monitoramento. Chega a ser impressionante o que os empregados registram por email.

ConJur — As empresas também contratam vocês para medidas preventivas?
Débora Pimentel — Em crimes contra o ambiente, por exemplo, dávamos muitos treinamentos. Analisamos a situação, fazemos uma visita com os olhos de investigador, pedimos documentos, licenças... Treinamos diversos membros das empresas em todas as áreas: ambiental, cartel... Damos treinamento especial para os diretores, para o corpo jurídico da empresa, que é um treinamento que agrega doutrina, jurisprudência, artigos de leis, artigos jurídicos, para eles ficarem confortáveis com a orientação que estamos passando. Mas a advocacia preventiva vai além dos treinamentos. É o nosso dia-a-dia no contato constante com os nossos clientes.

ConJur — Em um caso recente, uma montadora em São Bernardo do Campo (SP) foi condenada na Justiça do Trabalho por manter reservatórios de produtos inflamáveis no edifício em que os trabalhadores ficavam, assunto sobre o qual tanto a lei quanto a jurisprudência já se manifestaram. Por que isso ainda acontece?
Sylvia Urquiza — As empresas descentralizam as áreas. “Segurança do trabalho” costuma ficar embaixo de “meio ambiente”, sem nenhum advogado supervisionando. O mesmo acontece com outras áreas, como, por exemplo, trabalhista e tributário. Isso muitas vezes resulta na falta de conhecimento jurídico para identificar riscos inerentes à operação. 

ConJur — Como foi a experiência de vocês na área? 
Carolina Fonti — Fiz faculdade na USP, estou terminando este ano o mestrado em Direito Penal lá também. Assim que me formei, fui trabalhar no Trench, Rossi e Watanabe. Fiquei lá até decidirmos abrir o escritório. Antes disso, fiz estágio na área de contencioso cível no Lilla, Huck, Otranto, Camargo Advogados, mas não me identifiquei com a área. Aí fui fazer estágio no Tribunal do Júri da Barra Funda, no Ministério Público. Trabalhei com um promotor muito emblemático, Maurício Antonio Ribeiro Lopes. No Júri, acompanhei casos intensos. Lembro de um rapaz de classe média que, numa madrugada, consumiu muita droga, saiu, voltou para a “boca”, comprou mais, consumiu e, numa das vezes em que voltou para casa, assassinou a avó, mas não lembrava disso. A mãe do rapaz, que tinha acabado de perder a mãe, testemunhou com lágrimas que ele realmente estava fora de si, porque era muito apegado à avó. Foi bem marcante. Eu tinha o desconforto porque queria estar do outro lado. Aí fui trabalhar no Moraes Pitombo Advogados. Estagiei durante dois anos lá até acabar a faculdade, quando também trabalhei com o desembargador aposentado Alberto Silva Franco, realizando pesquisa para atualização de suas obras.
Débora Pimentel — Trabalhei por quase oito anos no Trench, Rossi e Watanabe, desde 2005. Antes, estagiei por três anos no escritório criminalista Carnelós e Garcia Advogados, atuei no escritório do meu pai na área penal e, depois, fiquei dois anos no Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua & Furrier Advogados, do criminalista José Luis de Oliveira Lima, o Juca. Sempre atuei na área penal. No Trench, com mais ênfase nos casos empresariais.
Sylvia Urquiza — No quarto ano da faculdade, consegui um estágio no Muylaert, Livingston e Kok Advogados. Fui efetivada e fiquei entre sete e oito anos lá. Foi ali a minha grande escola de base de Direito Penal e Processual Penal e de Direito Penal Empresarial. Até que achei que estava no momento de tentar montar um escritório meu. Em 1998, abri um escritório próprio com o Cristiano Maronna. Advogávamos para empresas, mas começamos a atender muitos casos de Direito Eleitoral e muitos políticos. Até que recebi um convite do Trench para abrir a área criminal deles. O namoro começou em 2002 e foi um processo longo, porque eles sabiam que era uma decisão ousada na época, quando pouquíssimos escritórios tinham área criminal. Fui efetivamente para dentro da estrutura em fevereiro de 2003. 

ConJur — Em março, o Brasil publicou decreto regulamentando a troca de informações entre os fiscos daqui e dos Estados Unidos, pactuada em 2007. O intuito é combater a lavagem de dinheiro. Para alguns especialistas, isso pode configurar quebra de sigilo. O Supremo já disse que o fato de dois órgãos estarem submetidos a obrigação de sigilo não os desobriga de pedir autorização ao Judiciário para ter acesso a informações um do outro. Há riscos?
Sylvia Urquiza — Não existe lei que determine expressamente que os órgãos possam se comunicar entre si, possam compartilhar entre si informações confidenciais. Aliás, isso é inconstitucional. Não há nenhuma legislação específica, e a Constituição diz o contrário. Sigilo fiscal, sigilo bancário, são protegidos constitucionalmente, são garantias constitucionais. Se não houver uma modificação do cenário legislativo, não existe normativa, regulamentação nem portaria que possa tratar do assunto. Dessa forma, o acordo, na minha opinião, deveria ficar adstrito aos limites legais de cada país.

ConJur — Ao eliminar a necessidade de crime antecedente para a configuração do crime de lavagem de dinheiro, o que a nova lei sobre o assunto mudou na rotina dos advogados?
Sylvia Urquiza — Antes, a lavagem de dinheiro necessitava de um crime antecedente de um rol taxativo. Esse rol incluía, entre vários, o crime contra o sistema financeiro, sem maiores definições. A lei de crimes contra o sistema financeiro, no artigo 22, tipifica o delito de evasão. E equiparado ao delito de evasão de divisas, o fato de manter contas no exterior sem declarar para as autoridades competentes. Por muito tempo, muita gente entendeu que a autoridade competente era o Banco Central. O fato é que não é só o Banco Central a autoridade competente. A Receita Federal é também. É preciso declarar para a Receita Federal os seus bens. Se você tiver uma conta no exterior com valor inferior ao limite estabelecido pelo Banco Central, pode ser que tenha que declarar para a Receita Federal, embora não para o Banco Central. Se você não declara, existe a possibilidade da tipificação da evasão e, por consequência, a lavagem. Hoje, não existe mais rol taxativo de crime antecedente. Agora, estamos num cenário completamente diferente: hoje todo e qualquer delito pode ser entendido assim, até uma contravenção penal.

ConJur — O fato de a pessoa ter deixado de informar na declaração de Imposto de Renda um valor que eu tem no exterior já configura lavagem?
Sílvia Urquiza — Sim, se o valor estiver acima dos limites legais. O grande problema é esse. Se você corrige a sua declaração, provavelmente vai responder por crime de lavagem. A partir do momento em que você não coloca isso no seu Imposto de Renda, você foi omisso com uma informação e isso poderia ser tipificado como crime.
Carolina Fonti — Nós já tivemos consultas de pessoas que têm valores mantidos no exterior e querem regularizar isso, recolher os impostos incidentes e multas, mas não podem. Se declararem agora, não haverá anistia ainda que os valores tenham sido depositados na vigência da lei anterior.

ConJur — É correto uma nova lei criminal retroagir para fatos pretéritos?
Sylvia Urquiza — Olhando de maneira muito conservadora, a resposta é que a lei anterior deixava uma brecha para que o Ministério Público considerasse que a manutenção de conta no exterior, por ser crime financeiro, era crime antecedente, independentemente da origem lícita ou ilícita do dinheiro. Embora a lei não possa retroagir no tempo, o fato é que crime financeiro já constava na lista taxativa da lei anterior.

ConJur — As investigações sobre operações financeiras no processo do mensalão deram destaque para o compliance que deve ser feito pelas instituições financeiras. Em que consiste essa obrigação? 
Sylvia Urquiza — Estar em compliance é estar em conformidade com toda a legislação do país onde você atua. Tem compliance de ambiental, societário, bancário, tem compliance absolutamente de tudo.
Carolina Fonti — Os bancos são obrigados a fazer um registro detalhado do tipo de cliente com quem estão lidando e a ir atrás de informações. É o know your customer. O banco tem que saber se é um terrorista, um traficante de drogas.
Sylvia Urquiza — Há muitos anos, os bancos do exterior, na Suíça, nos Estados Unidos, não abrem conta se você tiver exercido qualquer cargo de administração pública na sua vida.
Carolina Fonti — São pessoas para as quais surge uma luz vermelha. "Tenho primeiro que investigar esse cliente antes de manipular o dinheiro dele."
Débora Pimentel — O problema da nova lei foi incluir outras pessoas na obrigação de informar operações suspeitas ao Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras]. Porque, para mim, uma atividade suspeita pode ser uma transação de um número X, já para outra pessoa, podem ser cifras muito maiores. Não há uma regra.

ConJur — É o mesmo que devem fazer as empresas devido às novas regras de combate à corrupção?
Sylvia Urquiza — Coisa completamente diferente é o compliance anticorrupção, que vem provocando todas as empresas multinacionais. É o compliance atualmente do FCPA [Foreign Corrupt Practices Act, ou Lei de Práticas Corruptas no Exterior, em tradução livre] e do recente UK Bribery Act [versão britânica da mesma lei]. A FCPA é uma legislação de 1977, dividida em duas seções diferentes: uma trata só de corrupção e a outra de contabilidade não acurada. Toda e qualquer empresa que se submeta ao FCPA pode responder por corrupção. A empresa constituída nos Estados Unidos, que tem subsidiária ou que tem ações na bolsa de lá, enfim, deve seguir uma série de requisitos do FCPA para estar em compliance com aquela legislação, isso na prática anticorrupção. Já na parte de contabilidade não acurada, só respondem empresas que tenham ações em bolsa. A parte de contabilidade não acurada tem essa proposta a la “Al Capone”, de que já que não se consegue pegar por corrupção, observa-se a contabilização indevida de um pagamento em uma conta de promoção, de viagem, de marketing etc. A aplicação dessa legislação, de 2004 para cá, principalmente depois do escândalo da Enron, passou a ser muito mais frequente e consistente nos Estados Unidos.

ConJur — Isso em relação a empresas com sede nos EUA. E as empresas brasileiras?
Sylvia Urquiza — Isso é um problema muito sério. As empresas brasileiras que são multinacionais e têm ações na bolsa lá ainda não perceberam esse programa de compliance e estão andando para trás. Qualquer empresa grande que já tenha sido exposta a investigação ou tenha feito algum acordo com o Ministério Público ou com a Justiça americana é um brilho no programa de compliance: cumpre, faz treinamento, segue as exigências. As brasileiras não acreditam que possam ser alvo de uma investigação fora do Brasil. Não perceberam o que têm de fazer para se proteger de uma eventual investigação e ter um programa decompliance efetivo.

ConJur — E que práticas são essas?
Sylvia Urquiza — Ter normas e políticas internas muito claras, que sejam passadas para todos os empregados de forma consistente. Se o topo da empresa não se comporta daquela maneira e não passa a informação para os subordinados, os subordinados não vão fazer uma leitura de que têm de agir daquela forma. É preciso haver treinamentos constantes, deixar claro para todo o corpo da empresa que ela realmente quer que eles ajam como a lei manda. O departamento de vendas, por exemplo, acaba acreditando, até por uma questão cultural, que se não conversar com o concorrente, ou se não fizer um pagamento naquela situação, ou se não interferir para a modificação de um edital, não vai conseguir o negócio, não vai atingir a meta de vendas e não vai conseguir o bônus. A empresa precisa deixar claro que não está preocupada com a meta se, para atingir essa meta, será necessário cometer algum ato ilícito. É bom deixar claro que a empresa quer protegr o empregado das questões criminais, porque tem muita legislação que diz que se um indivíduo cometeu uma infração, a empresa está proibida de contratar o advogado de defesa dele e, principalmente, a empresa está proibida de pagar multas que forem impostas a ele. A legislação americana diz isso.

ConJur — Que casos dessa natureza vocês pegaram e podem relatar?
Débora Pimentel — Começamos a ser procuradas na área de compliance em 2003, antes mesmo de o Baker & McKenzie [escritório americano associado ao Trench] ter sua área de compliance nos Estados Unidos. Foi o primeiro caso de compliance que tivemos no Brasil. Era uma investigação que envolvia uma possível corrupção. Fizemos a investigação interna da empresa, com análise de e-mails, arquivos, documentos, agendas, livros, entrevistas, documentação pública. Tivemos que ver cópias de autos do processo administrativo licitatório para entender o que aconteceu, fazer uma análise dos concorrentes, do mercado, entender no que aquele cliente trabalhava. Pesquisamos os autos da investigação criminal, da busca e apreensão que o cliente estava sofrendo, procurando ajudar, orientar e tomar as medidas iniciais com relação à defesa do indivíduo e da pessoa jurídica. Percebemos evidências de corrupção praticada provavelmente por funcionários do cliente, ou então contribuições políticas que tinham sido feitas pela subsidiária brasileira — que embora aqui sejam permitidas, nos Estados Unidos são proibidas. Quando identificávamos uma situação de potencial conflito entre a pessoa jurídica e alguma atitude dos empregados aqui e o cliente pessoa jurídica desconhecia a legislação estrangeira, nosso dever era alertar: você tem um problema para além da responsabilidade criminal no Brasil, que envolve a responsabilidade criminal e cível nos Estados Unidos. Fizemos mais de 50 investigações internas nos últimos anos para diversos clientes.
Carolina Fonti — Em outros casos, fomos contratadas para criar o departamento de compliance, dar treinamentos e “tropicalizar” programas.

ConJur — O que é “tropicalizar”?
Débora Pimentel — É a linguagem das subsidiárias. É adaptar à legislação local. Por exemplo, nos Estados Unidos, eles chamam de expedite aquela taxa de agilização que pode ser paga legalmente para o seu processo ser passado na frente, se você precisa de uma licença e essa licença não sai.
Carolina Fonti — É mais ou menos assim: você vai obter a sua licença de qualquer forma, mas demoraria um mês. Pagando, sai em uma semana. Lá, isso não era crime.
Débora Pimentel — Mas aqui, sempre foi. No início, as empresas vinham ao Brasil e davam esses treinamentos para os empregados dizendo que esse pagamento de agilização era permitido. Mas aqui não é. E se eles cometessem aqui, isso seria corrupção e também acabaria, por uma via mais tortuosa, sendo uma infração também para a lei dos Estados Unidos.
Carolina Fonti — Daí a necessidade de adaptar esse programa de compliance, que já existe na matriz nos Estados Unidos, para a empresa aqui no Brasil.

ConJur — O julgamento do mensalão deu destaque ao compliance? 
Sylvia Urquiza — A responsabilidade penal tanto em crimes de corrupção quanto nos crimes de lavagem de dinheiro passa a ser uma preocupação mais constante na vida dos empresários, sem dúvida nenhuma.
Carolina Fonti — A questão de compliance bancário já é uma realidade antiga. O julgamento só trouxe à tona para a população essa exigência que os bancos já tinham. Na verdade, na mídia, na comunidade jurídica, se associou muito o julgamento do mensalão, uma causa de comoção nacional, à perspectiva de que agora o Judiciário vai ser mais rigoroso na aplicação da legislação. Então, é preciso sempre estar em conformidade com a legislação para não sofrer uma reprimenda, principalmente na área de lavagem de dinheiro. A corrupção, nessa parte do compliance, acabou aparecendo e ligando a corrupção ao compliance. O mais importante foi a exposição do tema. Mas de repercussão prática, o que preocupa os advogados é o interesse político, institucional, de se passar uma mensagem clara de que atos ilícitos não vão mais ficar impunes, gerando um tumulto maior. Mas podemos estar vivendo uma exceção até mesmo de interpretação restritiva da matéria penal para se passar essa ideia de rigor.

ConJur — Hoje é muito comum os advogados da área concorrencial fazerem investigações para as empresas, para comprovar fraudes a regras comerciais. Vocês participaram de procedimentos assim? 
Sylvia Urquiza — Quando nós começamos a trabalhar com compliance, em 2003, o acordo de leniência não era um instituto valorizado no Brasil. Passou a ser depois de um trabalho intensivo da antiga Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Naquela época, essas investigações na área concorrencial não existiam no Brasil. No Trench, nossas investigações de corrupção trouxeram para a área de concorrencial um acréscimo de experiência. O primeiro acordo de leniência feito por um criminalista no Brasil foi assinado por mim.

ConJur — Como foi o caso? 
Sylvia Urquiza — Na lei antiga, embora houvesse previsão de extinção da punibilidade, ainda não existia posicionamento jurisprudencial ou doutrinário que pudesse garantir que a extinção da punibilidade fosse aplicada conforme o Código Penal. A conclusão a que chegamos era que a empresa já tinha decidido assinar a leniência e ia expor todos os seus empregados de qualquer forma. Os empregados tinham duas possibilidades: ou estariam com a empresa, ou estariam sem. Sem ela, eles seriam investigados criminalmente. Com a empresa, teriam a força de discussão na validade da lei. Naquele momento, entendemos que, para os empregados, seria muito mais benéfico assinar a leniência. Aí entramos como criminalistas para discutir essa ideia com o Ministério Público, quais seriam os trâmites, inclusive da busca e apreensão, de troca de informações.

ConJur — E a discussão com o MP foi frutífera?
Carolina Fonti — Esse ponto é o mais importante de todos: é a mudança de mentalidade que se busca. Historicamente, a relação entre defesa, investigação e investigado é de embate. O que se quer adotar para corrupção é o que já existe no comercial e no sistema financeiro: uma mentalidade de que o investigado ou alguém que cometeu alguma coisa errada no passado não pode ficar simplesmente contando com a morosidade, com a demora da investigação. O pensamento deve ser: vamos criar um mecanismo para diminuir essa situação de embate. Se a pessoa colaborar com a investigação, tem que ter uma vantagem. Isso é um plus até para a imagem da empresa, um valor agregado imprescindível, muito comum na área concorrencial e que pode ser também agora na corrupção. 

ConJur — Isso também faz parte do treinamento que vocês fazem?
Débora Pimentel — Sim, porque é muito comum, principalmente em setores de vendas, aqueles e-mails em que as pessoas se comunicam por aspas. “Então vamos ‘tomar um choppinho’”, entre aspas. Ora, o que você quer dizer? Que quer tomar um choppinho mesmo ou que esse choppinho pode ser entendido como outra coisa? Porque, num aparato final de provas, se a empresa sofrer uma busca, esses e-mails podem ser interpretados de uma forma suspeita. Almoço entre aspas, não!
Sylvia Urquiza — É preciso explicar que, em português, você usa aspas só se tiver uma citação, uma palavra estrangeira ou se queira dar um significado diferente.
Carolina Fonti — Para os funcionários, é comum conversar com um concorrente, se encontrar, se são amigos, e perguntar. “Qual é o preço que você está aplicando?”
Sylvia Urquiza — A simples troca de informação já é suficiente para configurar uma infração administrativa. É preciso deixar claro que, se você for a uma reunião da associação das empresas do setor e for abordado sobre um tema desses, tem de levantar e dizer para todo mundo que você não participa, por determinação da sua empresa, desse tipo de discussão. Se possível até fazer isso formalmente, registrar em ata sua saída imediata da reunião. Quando você chegar na empresa, imediatamente deve escrever um email ao seu superior: “Estive na reunião, foi perguntado isso, isso e aquilo e eu imediatamente levantei”.

ConJur — É o cúmulo da prova negativa...
Sylvia Urquiza — Exatamente. Porque já ouvi de clientes envolvidos em investigações de cartel que o trânsito de São Paulo não era decorrente do número de carros vendidos, mas do aumento do número de interceptações telefônicas, porque as pessoas preferiam se encontrar pessoalmente. Você tem que estar o tempo inteiro pensando em se defender. Se alguém te liga e começa a falar coisas com as quais você não concorda, o seu “aham” é tido como um “sim, estou de acordo”. Nós tivemos um caso exatamente assim. O cliente sofreu busca e apreensão simplesmente porque dizia no telefone ao lobista “aham, aham”. Você tem que dizer assim: “Desculpe, as políticas da minha empresa proíbem qualquer ação nesse sentido”. Deixe gravada sua defesa.  

ConJur — Há peculiaridades da Justiça Federal em relação aos processos criminais. A tramitação direta dos inquéritos entre a Polícia e o Ministério Público, sem a participação do Judiciário, não ocorre na Justiça dos estados, por exemplo. O advogado tem mais dificuldade de acesso nessa esfera da Justiça?
Sylvia Urquiza — Esse é um problema muito sério. Os juízes estaduais estão acostumados a lidar com casos mais comuns, com réus mais simples. Mas eles atendem bem melhor o advogado. Já na esfera federal, salvo exceções, há muitos casos em que os juízes não despacham, não falam, não atendem, deixam esperando na secretaria. Para mim, o grande problema da Justiça Federal — e não só a de São Paulo — é o segredo. O sigilo que é simplesmente imposto, colocado nos autos. Por mais que você tenha procuração, eles negam o acesso, dizendo que o seu cliente não é investigado, que seu cliente é testemunha e que, por isso, você não pode ter acesso aos autos. Para os casos mais complexos, a regra é o sigilo.

ConJur — O segredo é a regra e não a exceção? 
Sylvia Urquiza — A minha visão sobre sigilo de autos é a seguinte: todo auto é público ou deveria ser. O sigilo deveria recair somente sobre os documentos que são efetivamente sigilosos e confidenciais em decorrência de lei. Por exemplo, um sigilo bancário, uma interceptação telefônica, um documento fiscal. Só que, na prática, o sigilo recai sobre os autos como um todo. Então, você não tem acesso sequer a uma portaria de instauração. Quantos casos tivemos ultimamente de situações muito complexas, sensíveis, de magnitude ímpar, e não conseguimos o processo? Tivemos inclusive que entrar com Mandado de Segurança para poder ter acesso aos autos.

ConJur — A Súmula Vinculante 14 não resolveu isso?
Débora Pimentel — Quando pedimos acesso ao inquérito, eles respondem que nosso cliente não é investigado. Portanto, por mais que juntemos procuração, não temos acesso aos autos. Mas nós sabemos que o nosso cliente pode estar eventualmente envolvido em algum momento naquela investigação. Sem acesso aos autos, não tem como sabermos se ele está ou não está.

ConJur — Quanto tempo demora para abrir esse sigilo?
Sylvia Urquiza — Dois ou três anos, mais até. Porque as empresas estão muito relutantes em entrar com Mandados de Segurança contra atos de delegados. Em alguns casos, nós recorremos aos juízes e eles simplesmente mantiveram a determinação do delegado, alegando simplesmente que, se o delegado está dizendo que é sigiloso, é sigiloso.
Débora Pimentel — As empresas ficam receosas porque se existe uma informação dizendo que elas não são parte na investigação, elas não querem aparecer ou dar muita importância para não chamar a atenção.

ConJur — O fato de os inquéritos federais não passarem pelo Judiciário dificulta o acesso da defesa?
Sylvia Urquiza — É mais complicado, porque o acesso no Ministério Público é muito difícil e na delegacia também.
Carolina Fonti — É uma questão de ordem prática mesmo. O Ministério Público, infelizmente, ainda não tem estrutura nem sistema que permita emprestar o processo para a parte. Mas existe um cuidado muitas vezes exagerado das autoridades, por querer proteger o nome dos investigados — o que também é questionável, porque muitas vezes a imprensa acaba obtendo as informações de alguma fonte.
Débora Pimentel — Muitas vezes, a polícia se vale do sigilo para garantir o sucesso da investigação. É justamente o medo de que as informações vazem e não se chegue a uma conclusão no inquérito policial. Por isso, decretam o sigilo nos autos e impedem que os advogados tenham acesso.

ConJur — Se a Polícia diz que seu cliente não é investigado, essa informação não é segura?
Débora Pimental — Tentamos obter do delegado uma manifestação por escrito dizendo que o cliente é testemunha, ou que, se o delegado quer ouvi-lo, que seja em termos acertados de que o depoimento é um termo de assentada e não uma simples declaração. Na declaração, você não tem a obrigação de dizer a verdade, você não está sendo testemunha e pode ser visto também como investigado.

ConJur — O Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu tirar a exclusividade de algumas varas para julgar crimes financeiros. Isso é bom ou ruim?
Sylvia Urquiza — Com as varas especializadas, os criminalistas acabaram conhecendo o juiz que ia tratar de cada caso, se ele é mais conservador, mais garantista, mais liberal, se é uma pessoa mais acessível, se recebe advogado no gabinete... A vara especializada tem seus prós e seus contras. Ao mesmo tempo em que ela faz com que aquele juiz desenvolva uma especialidade muito mais focada no tipo de crime que ele vai resolver, por outro lado, você sabe que vai estar sempre nas mãos do mesmo juiz. Ou seja, não existe diversidade de decisão. Qualquer modificação na Justiça, justamente por ser um órgão que envolve um número excessivo de processos, de funcionários, além de estruturas como a do Ministério Público, das delegacias e dos advogados, deve ser um processo em câmera lenta. O resultado que nós esperamos, de diminuir o número de cerceamento de defesas, deve ocorrer em longo prazo. Não acredito que vá mudar a partir do momento em que as varas especializadas acabarem.

ConJur — Como fazer uma defesa complexa sem saber se o juiz que vai analisar o caso entende profundamente do assunto?
Débora Pimentel — Costumamos ser muito didáticas nas petições, tentando oferecer um conhecimento geral de matérias mais específicas, como ambiente, tributário e econômico.
Carolina Fonti — Quando há um caso sobre assunto muito específico, por exemplo, fazemos uma petição mais descritiva e dedicamos tempo a despachar com as autoridades. Ao mesmo tempo, preparamos um dossiê de doutrina e de sentenças para auxiliar no desfecho favorável do caso.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 23 de junho de 2013

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