terça-feira, 2 de abril de 2013

Concessionária não pode dificultar indenizações


Se um equipamento for danificado por falha elétrica, a companhia de energia deve indenizar o consumidor ou provar que não houve relação entre o problema no fornecimento e o dano causado. Além disso, as concessionárias também não devem criar dificuldades para indenizar clientes. A determinação é do juiz substituto Diogo Ricardo Goes Oliveira, da Justiça Federal em Bauru (SP), que atendeu parcialmente a um pedido de antecipação de tutela em ação movida pelo Ministério Público Federal contra a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL).
Na ação, o MPF afirma que a concessionária, contrariando o Código de Defesa do Consumidor, transferia ao consumidor a responsabilidade de comprovar a relação entre o dano e a falha no fornecimento de energia elétrica. Além disso, segundo o Ministério Público, a CPFL também se recusa a inspecionar os equipamentos danificados no endereço do consumidor e a ressarci-lo diante da falta de laudo técnico que comprove o dano ou orçamento que indique o valor da indenização.
A prática adotada pela concessionária, aponta a ação, dificulta que o consumidor tenha seu direto ao ressarcimento garantido. Isso porque ele deve arcar com os custos de deslocamento para mostrar o produto danificado à empresa ou porque é ele quem deve providenciar um laudo técnico provando que a falha no fornecimento de energia causou o defeito.
A Agência Nacional de Energia Elétrica também é listada como ré da ação por não ter tomado nenhuma atitude contra a conduta da CPFL, mesmo tendo sido informada das falhas. O MPF também aponta que a edição, pela agência, da Resolução 414/2010 favoreceu as empresas de energia. De acordo com o artigo 206 da norma, as concessionárias podem optar pela verificação, ou não, do defeito causado no endereço do consumidor.
“A situação adquire um ar de gravidade maior tomando por base o fato de que a Aneel, apesar de devidamente informada das práticas abusivas adotadas pela CPFL (sobretudo o indeferimento de pedidos de ressarcimento de danos elétricos decorrente da não apresentação de laudos e orçamentos pelos consumidores) afirma que a compostura da empresa concessionária encontra respaldo na legislação e, por isso, não há providências a serem tomadas em seu detrimento”, argumenta o MPF.
Para o juiz, a exigência de que o consumidor prove a relação entre o dano e a falha no fornecimento de energia é um obstáculo ao acesso à "ordem jurídica justa" — que, segundo seu entendimento, previu, na Lei 8.987/1995, ser direito do consumidor a prestação de serviços adequados, com eficiencia e segurança. Dessa forma, ele afirma que deve caber à empresa, que inclusive lucrou com a prestação do serviço, a prova de que o serviço foi prestado normalmente.
Sobre a possibilidade aberta à concessionária para escolher verificar, conforme sua conveniência, o dano no endereço do cliente, o juiz entendeu que a norma da Aneel dificulta a defesa dos direitos do consumidor. Ele aponta que a resolução permite que o consumidor desista de reivindicar o ressarcimento, seja por falta de recursos ou por não concordar na relação custo-benefício em providenciar a vistoria por sua conta e risco.
Para corrigir as falhas apontadas pelo MPF, o juiz determinou na liminar que a CPFL e a Aneel sejam responsáveis por demonstrar a inexistência de falhas no serviço de distribuição de energia e não exijam a apresentação de laudos técnicos como condição obrigatória para analisar os pedidos de ressarcimento. A concessionária e a agência também devem disponibilizar formulários padronizados para que os consumidores registrem os eventos que danificaram o equipamento elétrico.
O juiz também manda que a CPFL e a Aneel, intimadas no último dia 13 de março, apresentem um plano de atuação relativo às determinações, no prazo de 30 dias, sob pena de multa no valor de R$ 10 mil por dia de atraso. A decisão, passível de recurso, tem validade em todos os municípios do estado de São Paulo atendidos pela concessionária de energia.
Clique aqui para ler a decisão.
Leonardo Léllis é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2013

Ações trabalhistas crescerão com PEC das Domésticas


Além da atenção de patrões e empregados, a aprovação da PEC das Domésticas no Congresso atraiu os olhares dos advogados trabalhistas. Enquanto não estiver clara a aplicação dos direitos recém-conquistados, a expectativa é de que, pelo menos no início, mais processos congestionem a Justiça. “Com o tempo, os tribunais enfrentarão as questões controvertidas, a relação empregado-patrão sofrerá os ajustes necessários e o número de ações deve estabilizar”, avalia Mayra Palápoli, sócia da Palópoli & Albrecht Advogados.
Para o advogado trabalhista Nicola Manna Piraino, porém, leva tempo para que a maioria dos trabalhadores domésticos — como babás, jardineiros, caseiros e motoristas — saiba sobre a ampliação de direitos. “A realidade dos empregados nas cidades do interior é bem diferente do que se vê nas capitais. A conscientização é lenta”, afirma. Na opinião da especialista Ana Amélia Mascarenhas Camargos, a Justiça do Trabalho deve demorar pelo menos três anos para pacificar interpretações sobre o assunto.
Uma das maiores dúvidas a respeito da PEC 66/2012 é sobre seu caráter retroativo. “Acredito que passe a valer a partir de agora, mas não vejo necessidade de que a legislação seja explícita sobre esse ponto”, opina Nicola Piraino. O entendimento recorrente é que a lei não altera os contratos antigos e, para os vigentes, só vale a partir da data de promulgação da lei. “O problema é que súmulas e orientações jurisprudenciais são retroativas. Isso poderá complicar muito”, prevê Ana Amélia Mascarenhas.
A delimitação da jornada de trabalho, um direito imediato, será outro desafio para os patrões. De acordo com a nova legislação, os funcionários domésticos só poderão trabalhar oito horas diárias e 44 horas semanais. Já as horas extras devem ser remuneradas com valor 50% superior ao normal.  O artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho, porém, traz controvérsia à questão. Há exigência de controle de jornada apenas para estabelecimentos que têm mais de dez funcionários.
Para a advogada Mayra Palápoli, a delimitação do período trabalhado será o centro de várias disputas judiciais. “Empregadas que dormem no emprego, cuidadores de idosos, babás que viajam com a família. Essas são relações diferenciadas que não foram tratadas com a devida especificidade, causando insegurança para empregadores”, afirma.
Mais desdobramentos
A nova PEC prevê a garantia de pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, mas essa parte da emenda ainda deve ser regulamentada. O valor a ser recolhido mensalmente é de 8% do salário e, em caso de dispensa sem justa causa, 40% de indenização sobre depósitos efetuados durante todo o contrato de trabalho. “É uma conquista justa dos trabalhadores, mas é preciso levar em conta que o empregador é pessoa física, não jurídica. Por isso, a alíquota deveria ser baixa”, afirma Nicola Paraino.

circular informativa sobre desdobramentos da PEC das Domésticas do escritório Baraldi Mélega Advogados destaca a possibilidade de aplicação, em médio prazo, de acordos e normas coletivas para a relação doméstica. De acordo com o documento, “não será surpresa se no futuro próximo forem constituídos sindicatos profissionais e entidades patronais representativas das respectivas categorias”.
Os advogados do Baraldi e Mélega ainda ressaltam que o bem da família, ou a residência onde atua o empregado doméstico, não poderá ser penhorada por causa de dívidas trabalhistas, como previsto pela Lei 8.009/90. O prazo prescricional para reclamações trabalhistas, como já fixado em jurisprudência, será de dois anos para propositura da ação pleiteando os direitos trabalhistas referentes aos últimos cinco anos. 
Marcos de Vasconcellos é editor da revista Consultor Jurídico.
Victor Vieira é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 2 de abril de 2013

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Indenização por nome no SPC tem teto de 50 salários


Cinquenta salários mínimos (R$ 33,9 mil) é o valor fixado pelo Superior Tribunal de Justiça como teto para indenizações por dano moral a quem teve o nome incluído de maneira equivocada nos serviços de proteção ao crédito.
Em caso julgado em fevereiro de 2011, o STJ reduziu para R$ 20 mil uma indenização de R$ 50 mil determinada pelo Tribunal de Justiça da Bahia. Nesse processo, o relator, Vasco Della Giustina, afirmou que a jurisprudência do STJ prevê indenização máxima de 50 salários mínimos para casos semelhantes. “Este Superior Tribunal de Justiça tem entendimento dominante que em situações de protesto indevido de títulos ou inscrição indevida em cadastros restritivos de crédito, o quantum da indenização por danos morais deve ser fixado em até 50 salários mínimos”. Na época, o salário mínimo era de R$ 540.
Não foi a única vez que o teto foi invocado. Em março de 2010, voto do ministro Aldir Pssarinho afirma que "importes de até o equivalente a cinquenta salários mínimos têm sido adotados por esta Turma para o ressarcimento de dano moral em situações assemelhadas, como de inscrição ilídima em cadastros, devolução indevida de cheques, protesto incabível etc". No julgamento, o STJ negou pedido de revisão de decisão que reduziu a indenização de R$ 35 mil para R$ 25,5 mil.
Em decisão de outubro de 2010, por exemplo, a corte diminuiu de R$ 200 mil para R$ 20 mil a condenação imposta pela primeira instância ao Banco do Brasil por ter inscrito o nome de duas pessoas no serviço de proteção ao crédito. Elas eram sócias minoritárias de uma empresa que ficou inadimplente com o banco.
“O valor fixado no presente caso, R$ 100 mil, para ambos os autores, destoa, em muito, dos valores aceitos por esta corte para casos semelhantes ao dos autos, isto é, inscrição indevida nos serviços de proteção ao crédito”, afirmou em seu voto o relator, ministro Sidnei Beneti. O valor inicial fora arbitrado pela Justiça do Piauí.
Beneti também afastou a indenização por dano material (R$ 20 mil) por não terem conseguido empréstimo de R$ 42,5 mil com outra instituição financeira. “Não demonstraram nenhum prejuízo sofrido com a negativa do empréstimo, isto é, não infirmaram o que teriam a perder ou o que deixado de ganhar com a ausência do capital almejado em mãos”, disse o relator.
Segurança jurídica
Na avaliação do advogado e professor do Mackenzie Bruno Boris, além de trazer segurança jurídica, o estabelecimento de um teto para as indenizações facilita os acordos. “Se você sabe que vai ganhar 20 mil daqui a cinco anos, por que não aceitar 18 mil hoje?”, questiona. O teto estabelecido, porém, não significa que ele será a regra em todas as situações. “Se a AmBev é negativada indevidamente e perde uma licitação, certamente a indenização não será de R$ 20 mil”, afirma.

O raciocínio é compartilhado pelo advogado Fábio Egashira, do Trigueiro Fontes Advogados. “Nos casos em que a parte conseguir comprovar outras repercussões decorrentes da inscrição indevida nos órgãos de restrição ao crédito e prejuízos superiores, esse teto poderá não ser aplicado. Também não se aplicará esse teto se o Judiciário, analisando o caso concreto e provas, entender pela simplicidade da situação, estabelecendo uma condenação menor.”
Clique aqui para ler o voto do ministro Sidnei Beneti.
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Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 31 de março de 2013

Caso Sacco e Vanzetti é exemplo de falhas da Justiça


Nicola Sacco (1891-1927) e Bartolomeo Vanzetti (1888-1927) eram italianos que viviam no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Foram acusados de matar um homem chamado Frederick Parmenter. A acusação também insistia que teriam também assassinado um guarda cujo nome era Alessandro Berardelli.

Pesava sobre eles, Sacco e Vanzetti, também a acusação de terem roubado US$ 15 mil. O dinheiro seria utilizado pelas vítimas para o pagamento dos salários dos empregados de uma fábrica de sapatos. Não houve testemunhas oculares do crime. Circulava boato que dava conta de que dois italianos teriam cometido os delitos. Houve suspeitas em relação a um sujeito chamado Mike Boda. Em seu carro foram encontrados livros relativos ao comunismo e muito material de propaganda subversiva.
Posteriormente o carro foi encontrado na posse de Sacco e Vanzetti. O primeiro portava uma pistola calibre 32 com nove balas, e esse último levava um revólver calibre 38. Em poder de Sacco encontrou-se pedaço de papel, que continha nota redigida em italiano, que pregava a luta pela resistência. As armas não estavam regularizadas. Sacco se defendeu dizendo que trabalhava em uma fábrica de sapatos no momento em que os crimes teriam ocorrido. Vanzetti insistia que estava então vendendo enguias. Uma histeria tomou conta da acusação, que usava de todos os artifícios para condenar os italianos, que eram tidos como anarquistas.
Um Comitê Internacional organizou movimento para a defesa de Sacco e Vanzetti, mediante contatos com autoridades. Vários protestos ocorreram junto às embaixadas americanas na França, na Bélgica, na Itália e na Suíça. Felix Frankfurter (que mais tarde foi juiz da Suprema Corte dos EUA) saiu em defesa dos italianos, no que foi apoiado por Karl Llewellyn, importante nome do realismo jurídico norte-americano que fez impressionante pronunciamento no rádio, em favor dos réus.
Roscoe Pound, também importante representante do realismo jurídico norte-americano, manteve-se em silêncio, preferindo não se manifestar. Oliver Wendell Holmes Jr., já juiz em Washington, onde pontificou na Suprema Corte, manteve a condenação.
Em 23 de agosto de 1927, Sacco e Vanzetti foram executados, ainda que o conjunto probatório não fosse absolutamente concludente. Cinquenta anos depois, Michael Dukakis, então governador de Massachusetts, reabilitou os dois italianos.
O caso Sacco e Vanzetti expôs a falta de unidade conceitual entre os representantes do realismo jurídico norte-americano. Frankfurter e Llewellyn fizeram campanha pela absolvição dos italianos. Pound ficou calado. Holmes, que na qualidade de juiz da Suprema Corte poderia ter participação mais ativa, votou pela condenação dos réus.
Porém, o que mais choca, é a inexistência de provas absolutamente concludentes, o que sugere dúvidas intermináveis. A injustiça de uma condenação é o mais grave dos males. O caso Sacco e Vanzetti persiste emblematicamente como exemplo que pode comprovar as falhas da justiça humana.
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 31 de março de 2013

quinta-feira, 28 de março de 2013

A DISCRIMINAÇÃO POSITIVA É O MEIO MAIS JUSTO PARA ATINGIR UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA


 

Por Cátia Alexandra Duarte Alves, n.º 6, 10.º C

Março de 2005

 

 Discriminar é favorecer ou prejudicar um indivíduo ou um grupo de indivíduos em relação a outros, com diferentes características. Discriminar positivamente (acção afirmativa) é favorecer um indivíduo ou um grupo de indivíduos, que à partida estariam em desvantagem, com o objectivo de chegar a um ponto de equilíbrio. É a esse ponto de equilíbrio, em que não há indivíduos ou grupos favorecidos, que chamamos sociedade igualitária.

 

 Existem grandes desequilíbrios na sociedade porque, no passado, certas pessoas foram, ou no presente continuam a ser, discriminadas, muitas vezes em relação ao seu sexo, mas também muitas vezes em relação à sua raça ou religião. É para combater essas injustiças que é utilizada a acção afirmativa, compensando quem foi prejudicado. É esse o objectivo mais “puro” da acção afirmativa, o que à partida nos leva a pensar que é um bom caminho para combater certas desigualdades. Por exemplo, no país A, existiam,  numa determinada altura, mais deputados na Assembleia do sexo masculino, do que do sexo feminino. O governo desse país achou que devia tomar uma atitude para que as coisas se equilibrassem. Então decidiu dar prioridade às candidaturas femininas, para que houvesse igualdade. Passado um tempo já havia igualdade e a discriminação positiva deixou de ser praticada. Deste modo, a acção afirmativa parece ser o meio mais práctico e correcto para atingir uma sociedade igualitária.

 

 Mas existem muitas pessoas que não concordam com isto. E eu também não concordo, pois acho que não é necessário nem correcto recorrer à discriminação positiva para que haja uma sociedade equilibrada.

 

 Como já foi acima referido, a acção afirmativa é utilizada para tornar a sociedade mais igualitária. Mas penso que não é racional nem justo, promover a igualdade, utilizando um meio discriminatório. Segundo os defensores da discriminação positiva, é correcto favorecer um grupo à partida em desvantagem. Só que isso implica muitas vezes prejudicar outros grupos, violando alguns dos seus direitos. Além disso levanta-se a seguinte questão: não foram os actuais membros desse grupo que contribuíram para a primeira discriminação. Estes vão pagar por uma acção dos seus antepassados, o que também seria uma injustiça. É certo que quem foi prejudicado tem o direito de ser compensado, mas não faz sentido se não for por quem a prejudicou. Deve-se, pois, utilizar a discriminação para acabar com a discriminação? Isto parece ser inconsistente.

 

 Acredito que a acção afirmativa, ao privilegiar elementos de grupos desfavorecidos, em vez de contribuir para extinguir certos preconceitos, como parece ser o seu objectivo, pode mesmo alimentá-los. Um aluno negro que tenha entrado para uma universidade, com média de 17.8, em detrimento de um branco com a mesma média, devido sim-plesmente à discriminação positiva, pode ser confrontado com reacções do género: “Só entrou porque é preto, e têm pena dele!” ou “Se eu fosse preto também teria entrado”.  Isto podia fazer aumentar certos preconceitos.

 

 É possível para um defensor da discriminação positiva responder ao primeiro argumento dizendo que é muito mais injusta a maneira como as coisas estão – o desequilíbrio naquele momento seria comparativamente mais injusto do que o recurso à da acção afirmativa. Se utilizarmos a acção afirmativa, estamos a contribuir para um futuro em que, a nível social, haverá menos desigualdades, alega quem defende a sua implementação. Mas mesmo assim será plausível que utilizemos uma acção desigualitária para obter uma igualdade? Eu penso que tal, além de não ser plausível, não é necessário.

 

Não é preciso favorecer os grupos em desvantagem, basta deixar de os prejudicar. Assim será mais justo, porque ninguém sairá prejudicado, havendo apenas o senão de este processo poder ser mais demorado do se recorrermos à discriminação positiva.  Quanto ao argumento dos preconceitos, pode ser respondido pelos defensores da acção afirmativa apresentando garantias do seguinte género: por exemplo, numa candidatura a um emprego, a acção afirmativa só deve funcionar a favor das mulheres se o nível mínimo de capacidades para que elas sejam admitidas for alto, apesar de poder haver homens com habilitações ligeiramente superiores. Mas é discutível que isto seja de facto discriminação positiva, pois pode ser apenas um ajustamento dos critérios de selecção de candidatos.

 

 Assim, do meu ponto de vista a discriminação positiva não é, de facto, o melhor meio para uma sociedade igualitária. Ela pode até estimular certos preconceitos, levando a fracturas na sociedade. Também não é plausível utilizar um meio que favorece uns, discriminando outros, para atingir um fim equilibrado e igualitário.

 

 Por tudo isto, eu penso que não devemos recorrer à discriminação positiva.

 

Fonte: A Arte de Pensar – Porto – Portugal.

A VERDADEIRA FORMA DO SILOGISMO ARISTOTÉLICO

 

Jan Lukasiewicz

Em três obras filosóficas publicadas recentemente, aquilo que se segue é fornecido como um exemplo de um silogismo aristotélico1:
1) Todos os homens são mortais,
Sócrates é um homem,
logo
Sócrates é mortal.
Este exemplo parece muito antigo. Com uma ligeira modificação — "animal" em vez de "mortal" — é citado já por Sexto Empírico como um silogismo "peripatético"2. Mas um silogismo peripatético não é necessariamente um silogismo aristotélico. De facto, o exemplo fornecido acima difere em dois aspectos logicamente importantes do silogismo aristotélico. Primeiro, a premissa "Sócrates é um homem" é uma proposição singular, visto que o seu sujeito "Sócrates" é um termo singular. Ora Aristóteles não introduz termos singulares nem premissas singulares no seu sistema. O seguinte silogismo seria então mais aristotélico:
2) Todos os homens são mortais,
Todos os gregos são homens,
logo
Todos os gregos são mortais3.
Este silogismo, contudo, ainda não é aristotélico. É uma inferência na qual, de duas premissas aceites como verdadeiras, "Todos os homens são mortais" e "Todos os gregos são homens", se extrai a conclusão "Todos os gregos são mortais". O sinal característico de uma inferência é a palavra "logo" (ára). Ora, e esta é a segunda diferença, nenhum silogismo é formulado por Aristóteles primariamente como uma inferência. Todos os silogismos são condicionais que têm como antecedente a conjunção das premissas e como consequente a conclusão. Um verdadeiro exemplo de um silogismo aristotélico seria assim a seguinte condicional:
3) Se todos os homens são mortais
e todos os gregos são homens,
então todos os gregos são mortais.
Esta condicional é apenas um exemplo moderno de um silogismo aristotélico e não existe nas obras de Aristóteles. Seria preferível, claro, ter um exemplo de um silogismo fornecido pelo próprio Aristóteles. Infelizmente, nenhum silogismo com termos concretos se encontra nos Analíticos Anteriores. Mas há algumas passagens dos Analíticos Posteriores das quais se podem extrair alguns exemplos de tais silogismos. O mais simples deles é este:
4) Se todas as plantas com folhas largas são efémeras
e todas as videiras são plantas com folhas largas,
então todas as videiras são efémeras4.
Todos estes silogismos, aristotélicos ou não, são apenas exemplos de algumas formas lógicas, mas não pertencem à lógica, pois contêm termos que não fazem parte dela, como "homem" ou "videira". A lógica não é uma ciência acerca dos homens ou das plantas, é apenas algo que é aplicável a esses objectos, tais como a quaisquer outros objectos. De forma a obter um silogismo pertencente à esfera da pura lógica, temos de remover do silogismo aquilo a que poderíamos chamar o seu conteúdo, mantendo apenas a sua forma. Isto foi feito por Aristóteles, que introduziu letras em vez de sujeitos e predicados concretos. Colocando em 4 a letra A em vez de "efémero", a letra B em vez de "planta com folhas largas" e a letra C em vez de "videira", e utilizando, tal como faz Aristóteles, todos estes termos no singular, obtemos a seguinte forma silogística:
5) Se todo o B é A
e todo o C é B,
então todo o C é A.
Este silogismo é um dos teoremas lógicos inventados por Aristóteles, mas mesmo ele ainda difere em estilo do genuíno silogismo aristotélico. Ao formular silogismos com a ajuda de letras, Aristóteles coloca sempre o predicado em primeiro lugar e o sujeito em segundo. Ele nunca diz "Todo o B é A", usando antes a expressão "A é predicado de todo o B", ou mais frequentemente "A pertence a qualquer B"5. Apliquemos a primeira destas expressões à forma 5; obteremos uma tradução exacta do mais importante silogismo aristotélico, posteriormente chamado "Barbara":
6) Se A é predicado de todo o B
e B é predicado de todo o C,
então A é predicado de todo o C6.
A partir do exemplo inautêntico 1, chegámos através de uma transição passo a passo ao genuíno silogismo aristotélico 6.
Jan Lukasiewicz

Notas

  1. Veja-se Ernst Kapp, Greek Foundations of Traditional Logic, New York (1942), p. 11; Frederick Copleston, S.J., A History of Philosophy, vol. I: Greece and Rome (1946), p. 277; Bertrand Russell, History of Western Philosophy, London (1946), p. 218.
  2. Sexto Empírico, Hipóteses Pirrónicas, ii, 164 [no original segue-se o excerto relevante em grego]. Umas linhas antes, Sexto afirma que se referirá aos chamados silogismos categóricos, utilizados principalmente pelos Peripatéticos [no original segue-se o excerto relevante em grego]. Veja-se também ibidem, ii , 196, onde o mesmo silogismo é citado com as premissas transpostas.
  3. B. Russell, op. cit., p. 219, fornece a forma 2 imediatamente a seguir à forma 1, acrescentando dentro de parênteses a seguinte observação: "Aristóteles não distingue entre estas duas formas; como veremos depois, isto é um erro". Russell tem razão quando diz que estas duas formas devem ser distinguidas, mas a sua crítica não deve ser aplicada a Aristóteles.
  4. Analíticos Posteriores, ii, 16, 98b5 [no original segue-se o excerto relevante em grego].
  5. [No original segue-se o excerto relevante em grego]
  6. [no original segue-se o excerto relevante em grego]. A palavra ananké omitida nesta tradução será explicada mais tarde.
Retirado de Aristotle's Syllogistic From the Standpoint of Modern Logic, de Jan Lukasiewicz (Oxford, Clarendon Press, 1951), pp. 1-3.
Tradução de Rui Daniel Cunha
Gabinete de Filosofia da Educação
Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Fonte: Arte de Pensar

quarta-feira, 27 de março de 2013

Reforma do CPC é vontade de criar totalitarismo judicial




Graças à intervenção direta do nosso maior aliado, o professor doutor Ives Gandra da Silva Martins, junto ao relator-geral da Comissão Especial de Reforma do Código de Processo Civil, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), ficou postergado de dezembro de 2012 para fevereiro de 2013 o trabalho dos 27 parlamentares que poderão mandar ao plenário da Câmara o projeto. Iniciado o ano legislativo, é hora de voltar a denunciar o autoritarismo que ronda a Justiça civil brasileira e reprisar em oito advertências as razões por que não podemos admitir a aprovação deste questionável projeto de CPC, agora sob a versão final do deputado paulista.
1ª advertência: Origem politicamente inadequada do projeto
O projeto de um novo CPC jamais deveria ter tido como casa iniciadora o Senado Federal, que representa os estados, mas sim a Câmara dos Deputados, que representa o povo brasileiro. A iniciativa senatorial torna a Câmara e o projeto reféns dos 81 senadores que poderão restabelecer – seja qual for o texto que aprovem os 513 deputados – o projeto originário do Senado, tão antidemocrático quanto imperfeito do ponto de vista técnico.

2ª advertência: Falta de tratamento democrático do projeto no próprio Senado
Nunca se viu, na história democrática brasileira, um projeto de código – tão grande quanto o de um CPC - ser aprovado em apenas seis meses, a toque de caixa, na calada da noite, por um Senado em final de legislatura e por meio da vergonhosa figura da votação simbólica. Apenas isto já deveria ter sido suficiente para que a Câmara tivesse interrompido a tramitação do novo CPC para começar tudo de novo em seu próprio e legítimo ventre legislativo e político.

3ª advertência: O Brasil não precisa de um novo CPC, mas de um choque de gestão no poder judiciário
A morosidade da Justiça brasileira não decorre das imperfeições do estatuto processual, mas da falta de uma boa infraestrutura administrativa do Poder Judiciário. O que precisamos é de vontade política e orçamentária para reformar a base operacional material da Justiça. O que precisamos é de informatização de todo o Judiciário. O que precisamos é de capacitação dos nossos servidores e gestão adequada dos nossos juízos e tribunais. O que precisamos em São Paulo - que responde por 20 dos quase 90 milhões de processos em tramitação no Brasil -, é o que o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais já têm conseguido realizar: julgar uma apelação em menos de um ano! Não precisamos de um novo CPC para consertar a Justiça, mas de uma Justiça melhor para fazer o CPC funcionar a contento.

4ª advertência: Poder instrutório excessivo nas mãos da primeira instância é proposição autoritária e repugnante
Não é possível que alguém, em sã consciência, entenda que vale a pena sacrificar o sagrado direito de fazer provas em favor de uma suposta agilização da atividade jurisdicional. Parece coisa de processo de estado totalitário: 1. tirar o direito da parte de ouvir 3 testemunhas para cada fato; 2. retirar o direito de agravar de decisões que indeferem provas; 3. não permitir o agravo contra decisões judiciais orais em audiência (não haverá mais agravo retido); 4. recusar o agravo em casos de decisões sobre prova ilícita ou emprestada. E, além de tudo isto, ainda teremos de suportar poder total dado aos juízes para inverter a ordem da produção das provas em franca agressão ao princípio do devido processo legal.

Como dissemos à revista Veja, há pouco mais de um ano, atualmente até em jogo de tênis existe agravo de instrumento com efeito suspensivo (o tenista tem 3 desafios por set), mas no processo civil brasileiro a palavra final sobre provas será exclusivamente do juízo monocrático sem qualquer possibilidade de impugnação efetiva. Conclusão: Ditadura do Judiciário à vista!
5ª advertência: Superpoderes cautelares também significam autoritarismo
Embora surgido em 1973, o Código de Processo Civil em vigor, apelidado de Código Buzaid, é profundamente democrático se comparado ao projeto em tramitação na Câmara, não apenas em matéria probatória, mas também em relação a medidas cautelares.

A eliminação do “Livro III – Do Processo Cautelar” representa a mais pura expressão do autoritarismo do projeto em curso, por pelo menos oito motivos:
1. Juízes poderão conceder medidas cautelares de ofício, fora dos casos legais expressamente previstos;
2. Não haverá mais ações cautelares incidentais, o que vai transformar todas as postulações cautelares em incidentes no próprio curso do processo de conhecimento (ou execução) com clara perspectiva de comprometimento do andamento da causa;
3. Não haverá mais necessidade de “prova literal de dívida líquida e certa” para o arresto, o que colocará nosso patrimônio em risco;
4. Não haverá mais a necessidade de dois oficiais de Justiça para cumprir busca e apreensão;
5. Não serão mais necessárias duas testemunhas para realizar arrombamento;
6. Não serão necessários dois peritos para atestar contrafação;
7. Não existirá mais procedimento para o arrolamento, o que nos submeterá à livre interpretação judicial sobre o que é, ou para que serve, tal medida cautelar;
8. Desaparece o procedimento da “caução”, o que também empobrecerá o nosso direito processual civil.
6ª advertência: Juízes poderão antecipar a tutela sem “prova inequívoca” e sem “periculum in mora”. Porta aberta ao arbítrio
A grande arbitrariedade que marca o projeto de CPC igualmente se revela pelos poderes incomensuráveis atribuídos aos juízes de primeiro grau para conceder tutela antecipada (“Tutela de Evidência” talvez seja o título da figura processual que nos espera). Não haverá mais a necessidade de “prova inequívoca”, nem de “periculum in mora” como requisitos para a concessão de antecipação. Bastará um documento qualquer (“suficiente”), desde que o réu não traga outro documento com a mesma força, sem necessidade de “periculum”. Ou, ainda, bastará que a postulação do autor venha amparada em Súmula Vinculante ou julgamento de casos repetitivos para que fique autorizada a antecipação.

A arbitrariedade a que nos referimos é porque, com tantas possibilidades na lei, julgamentos imediatos por liminares, ou antecipados ao direito de provar, ocorrerão aos milhares, sem limitações importantes. Razão pela qual também o agravo de instrumento não será capaz de corrigir, já que será a própria lei processual que não exigirá mais “prova inequívoca” (a prova de forte capacidade de convencimento), nem “periculum” (o perigo de dano sério demonstrado pelo autor). Estaremos todos à mercê de julgamentos imaturos de juízes singulares.
7ª advertência: Apelação por instrumento para dificultar ao máximo a vida da parte que quer recorrer
Outro lado claro da insensibilidade do projeto de CPC é a apelação por instrumento que vai dificultar o exercício do direito de recorrer e, com ele, o exercício do próprio direito de defesa. Imagine-se o tamanho do problema com que terão de lidar muitos milhares de advogados do Brasil para reproduzir centenas de peças dos autos, de sorte a poder enviá-las ao tribunal junto com seu recurso. 
Mas por que tanto endurecimento? As razões por trás do autoritarismo são simples:

1. Para que se imponha à parte a ideia de que uma única decisão é suficiente;
2. Para que se pense duas vezes antes de recorrer, porque quem recorre é provavelmente “litigante de má-fé”;
3. Para que as execuções provisórias fiquem facilitadas;
4. Para que, assim, diminuam os recursos, o trabalho dos tribunais e o número de processos acumulados. Os ideais de justiça ficam simplesmente postos de lado!
8ª advertência: Autoritarismo patente no desaparecimento do efeito suspensivo da apelação 
Num país onde, de cada dez sentenças proferidas, quatro ou cinco são reformadas pelos tribunais, não se pode eliminar o efeito suspensivo da apelação como regra geral do processo civil. No quadro atual, a eliminação da suspensividade da apelação é proposta irresponsável, insensível e injusta sob qualquer ângulo.

O que precisamos é aparelhar melhor o Judiciário para que uma apelação seja julgada em alguns meses, e não em alguns anos. Afinal de contas, a maioria dos brasileiros certamente ainda pensa que duas decisões legitimam mais a execução do que apenas uma. E, por outro lado, não há quem não deseje ardentemente uma “segunda opinião” se a primeira lhe é desfavorável em qualquer sentido da vida.
Esse é o sentimento comum do nosso povo que não deve ser desprezado quando se pensa em reforma do processo civil. Recorrer sem ser executado é o que se espera de um processo minimamente justo e democrático num país como o nosso. Fôssemos como a Alemanha, a França ou a Suíça, poderíamos cogitar a eliminação do efeito suspensivo da apelação, mas, como somos o Brasil, não devemos.
Não se pode subtrair dos demandados – pessoas físicas ou empresas – o legítimo direito de tentar reverter decisões desfavoráveis proferidas por um único magistrado, quase sempre assoberbado e apressado. Eliminar o efeito suspensivo é uma agressão ao princípio do duplo grau de jurisdição, um atentado ao Estado Democrático de Direito. É desejar de fato e de verdade criar o totalitarismo judicial entre nós.
Antônio Cláudio da Costa Machado é advogado e professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP, professor de pós-graduação da Faculdade de Direito de Osasco, coordenador de Direito Processual Civil da Escola Paulista de Direito, mestre e doutor em Direito pela USP.
Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2013

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