quinta-feira, 22 de novembro de 2012

TEORIA DO DISCURSO: DIREITO À SAÚDE, CONTROLE JUDICIAL E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL


 
Luiz Cláudio Borges[1]

William Walbert dos Santos[2]

RESUMO

O direito à saúde, como direito social, merece do Estado toda atenção, sobretudo na implementação de políticas públicas. Entretanto, não é isso que acontece. Com efeito, os reclamos das partes diretamente interessadas acabam por desaguar no Judiciário, que exerce um papel contramajoritário, cujas decisões implicam diretamente na questão orçamentária do Estado, causando um desequilíbrio. Tal desequilíbrio desafia uma proposta de reforma do Sistema, o que exigirá da sociedade, sobretudo da Sociedade Civil uma participação mais efetiva através do processo discursivo.

PALAVRAS-CHAVES: TEORIA DO DISCURSO – DIREITO À SAUDE – LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO – DEMOCRACIA – SOCIEDADE CIVIL

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O direito à saúde é garantido pela Constituição Federal de 1988 e está inserido como direito social. Como direito social, sua implementação é garantida pelo Estado, que deverá fazê-lo por meio de políticas públicas e ações específicas de promoção, prevenção, reabilitação e recuperação da saúde, entretanto, o que se vê, sobretudo no Brasil, é um completo abandono.

O Judiciário, por sua vez, é chamado a tutelar o direito de inúmeros cidadãos que necessitam de medicamentos ou tratamentos médicos não disponíveis por políticas públicas idôneas, entretanto, suas decisões (contramajoritárias) provocam um problema ainda maior, que é o desequilíbrio orçamentário, o que desafia novas propostas de reforma do sistema de saúde.

O presente estudo tem por finalidade, sem descer a minúcias, discutir os efeitos da ausência de políticas públicas na área da saúde, sob a perspectiva da teoria do discurso de Habermas, a partir de discussões públicas, provocadas, sobretudo pela sociedade civil.

Sobre tais considerações trataremos a seguir em três tópicos: no primeiro, far-se-á breves considerações sobre o fenômeno da “litigância de interesse público”, demonstrando suas implicações no chamado ativismo judicial e o papel contramajoritário da jurisdição; no segundo, abordar-se-á a teoria discursiva e de democracia de Habermas e a sociedade civil; no terceiro e último, será realizada uma análise do cenário atual da saúde brasileira, com apontamentos pessoais sobre a participação da sociedade civil na (re)construção do direito à saúde e a implementação de políticas públicas.

 

2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O FENÔMENO DA LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO

O objetivo do presente trabalho não é discutir as questões de decidibilidade que cercam o direito à saúde, portanto, faremos neste tópico apenas alguns apontamentos acerca do fenômeno jurídico denominado de  “litigância de interesse público”, objeto de inúmeros estudos, sobretudo em outros países.

Nunes citando o Professor da Universidade de Chicago, Geraldo Rosenberg, discorre que o estudo da litigância de interesse público parte da crença de que a jurisdição pode agir para promover a defesa dos menos favorecidos[3].

 O caso  Brows vs Board of education of Topeka,[4]   assim como muitos outros, demonstraram que o Judiciário poderia ser utilizado para garantir direitos, atuando de forma contramajoritária.[5]

Em artigo publicado na Revista da Universidade de Harvard, em 1976, Abram Chayes demonstra que os esforços para garantir e aplicar o direito num Estado de bem-estar social moderno (welfare state) havia produzido um novo tipo de litígio, a chamada “litígância de interesse público” (Public interest litigation – PIL) [6]. Esse novo litígio, na opinião do autor, enriquecera o repertório institucional da democracia Norte Americana.

     Charles F. Sabel e William H. Simon, sustentam que a descrição analítica de CHAYES sobre litígio de direito público rendeu-lhe algumas críticas. No início, a legitimidade de litígio de direito público era tão suspeita como sua eficácia. Para CHAYES, tal litígio seria legitimar-se através da resolução de problemas públicos que outras instituições do estado administrativo não podia. Mas muitos críticos argumentaram que mesmo a intervenção judicial efetiva deste tipo, muitas vezes foram ilegítimas. Eles enfatizaram, como Chayes tinha concedido, que estes casos não se encaixam facilmente em noções tradicionais do papel judicial ou da separação de poderes[7].

   Na argentina,  segundo a professora Paola Bergallo, a partir da reforma constitucional de 1994, “um grupo de advogados, defensores públicos, organizações civis públicas se voltaram para os tribunais no sentido de alcançar novos espaços para a participação na busca de mudança social”[8]. 

    Já no Brasil, como em outros países onde não há respeito aos direitos fundamentais e não existem políticas públicas efetivamente implementadas, a utilização da litigância de interesse público acaba sendo a opção, o que se torna fonte de inúmeras demandas repetitivas e seriais[9].

   Nunes acrescenta:

[L]utas de movimento sociais, do movimento negro, de grupos religiosos, ambientais,[10] entre outras minorias, encontram espaço processual para serem exercidos, em face da garantia constitucional processual de acesso à justiça, que viabiliza a busca perante o Poder Judiciário de qualquer pretensão. Ao mesmo tempo, coloca-se em discussão em qual medida esse exercício de questões de variado matiz, perante a Jurisdição, teriam legitimidade em face das incontáveis ressonâncias que podem conduzir. Nesse aspecto, é emblemática a questão da judicialização da saúde no Brasil, na qual, de um lado, temos milhares de cidadãos que precisam de medicamento e tratamento não ofertados por políticas públicas idôneas, e de outro lado, temos decisões que desequilibram o orçamento público de saúde. Seria preciso induzir o cumprimento de um verdadeiro financiamento da saúde para tornar desnecessária a propositura das demandas;[11] mas até lá como resolver tal paradoxo?[12].

  Não resta dúvida que o Estado é negligente em relação a diversos direitos sociais, principalmente o direito à saúde. Entendemos que a ausência de implementação de políticas públicas e o gasto excessivo e sem planejamento das receitas destinadas  à saúde, são os principais fatores que desencadeiam inúmeras ações, provocando uma atuação ativista e contramajoritária dos Tribunais. Por sua vez, as decisõe, não invariavelmente, poderão provocar, como de fato provocam, um desequilibrio orçamentário, o que nos chama a atenção, como cidadão ou sociedade civil, a participar do debate e encontrar uma solução viável.

3. Habermas: Teoria do discurso e a Sociedade Civil

    Habermas, sociólogo e filósofo alemão, fazendo um caminho inverso da “razão instrumental” de Horkheimer e Adorno, propôs uma teoria que não se limitasse a observar os processos de dominação na sociedade. Para o Professor Simioni, Habermas “reconstruiu a teoria crítica de Marx para uma dimensão histórica onde o inimigo da crítica não era mais o capitalismo, mas a própria racionalidade instrumental do Iluminismo burguês”[13]. 

  Em 1981, em resposta a algumas acusações de transcendentalismo,[14] é publicada a obra Ação Comunicativa”, que é, sem dúvida, uma das principais teorias desenvolvidas por Habermas. Simioni a classifica como uma das mais sofisticadas e complexas teorias da sociedade [15].

   Em linhas gerais, a teoria da ação comunicativa pode ser delimitada como a teoria da sociedade moderna[16], pois Habermas supera todas as críticas à sua teoria dos interesses no conhecimento, demonstrando que a ação orientada (ação comunicativa) abandona o paradigma da filosofia da consciência pela filosofia da linguagem[17].  Com efeito, a linguagem serve como garantia da democracia, uma vez que a própria democracia pressupõe a compreensão de interesses mútuos e o alcance de um consenso.

   No pensamente habermasiano, a linguagem só assumirá esse papel democrático caso a comunicação seja clara; distorção de palavras e de sua compreensão impede uma comunicação efetiva, o consenso e, portanto, a prática efetiva da democracia.

   Elza Machado de Melo ao abordar a teoria da ação comunicativa de Habermas discorre que:

Trata-se, pois, de uma ciência reconstrutiva da linguagem que, como a Lingüística, postula que estas regras já estejam intuitivamente dadas, como um saber pré-teórico (know-how), a todo falante adulto, e que, à diferença da Lingüística, aborda, não apenas a competência para formar orações, mas a competência de formá-las e empregá-las, como atos de fala, em processos de entendimento, na prática comunicativa cotidiana, inserindo-as na realidade e com elas definindo uma situação demarcada pela referência ao mundo dos fatos (função expositiva da linguagem), ao mundo das vivências (função representativa) e ao mundo das normas (função interativa) – todo sujeito que fala tem a intenção de expressar, de forma inteligível, conteúdos verdadeiros sobre o mundo objetivo, corretos em relação às normas vigentes e verazes em relação ao seu mundo subjetivo, para que possa chegar ao entendimento com o ouvinte. Com seu ato de fala, ele levanta pretensões universais de validade, respectivamente, inteligibilidade, verdade, correção normativa e veracidade (Habermas, 1990a; 1987, v. I e II; 1989; 1996; 2002). O entendimento lingüístico é o processo pelo qual se produz um acordo fundado no reconhecimento intersubjetivo dessas pretensões de validade, que são passíveis de julgamento objetivo, podendo ser, portanto, fundamentadas e criticadas, pela adução de razões: "As pretensões de validade são conectadas 'internamente' com razões" (Habermas, 1987 v. 1). Sendo assim, o seu reconhecimento depende das tomadas de posição do ouvinte, que sempre podem ser sim ou não. Ao levantar, com seu ato de fala, pretensões de validade, o falante as quer reconhecidas pelo ouvinte – ele supõe ter razões e assume a obrigação de explicitá-las, se preciso for, para levar o ouvinte a aceitá-la; é exatamente esta garantia de que, se preciso for, o falante fundamentará, com razões, a pretensão de validade levantada que leva o ouvinte, racionalmente, a aceitá-la. Falantes e ouvintes supõem ter razões para dizer o que dizem e fazer o que fazem; logo, o acordo que produzem em processos de entendimento é um acordo racional. Dizer que um acordo é racional implica que ele não pode conter nenhum tipo de coerção que induza ou obrigue os participantes a adotar este ou aquele tipo de conduta e que apenas a força das razões que os mesmos julgam adequadas podem atuar para produzi-lo. Infere-se do que foi dito acima que todo ato de fala comporta imanentemente uma obrigação, por parte do falante, de fundamentação, e isto pode ser feito recorrendo ao conjunto de experiências, convicções e apelos que falantes têm disponíveis no próprio contexto da ação, ou, se os questionamentos forem mais profundos, entrando nos discursos teórico e prático, para fundamentar as pretensões de verdade e de correção normativa, respectivamente. Neste último caso, porém, as próprias normas é que são submetidas ao exame discursivo e não a pretensão de correção referente ao contexto normativo, pois as normas presentes na sociedade, explica Habermas, à diferença do mundo objetivo que tem uma base ontológica, precisam elas próprias de justificação e, por isso, elas mesmas são objeto do discurso prático. Exatamente por esse motivo é possível distinguir entre norma vigente e norma legítima (Habermas, 1987a; 1989b; 2002). Questionamentos persistentes dos atos de fala expressivos poderão ser resolvidos pela avaliação da consistência entre a fala e o comportamento do falante.  [...]. Observa-se que quando as energias da linguagem orientada ao entendimento são utilizadas como mecanismo coordenador da ação e funcionam como fonte de integração social, então, neste caso e apenas nele, tem-se a ação comunicativa. Neste tipo de interação, os planos dos participantes dirigidos a um fim – portanto, teleologicamente estruturados – são harmonizados e integrados pelo acordo alcançado em entendimentos lingüísticos; logo, a ação comunicativa envolve dois aspectos: um deles o entendimento, pelo qual os participantes interpretam consensualmente a situação da ação e realizam seus planos cooperativamente; o outro, o aspecto teleológico relativo aos planos de cada um destes participantes. ...As atividades orientadas para um fim, dos participantes da interação, estão jungidas umas às outras através do meio que é a linguagem (Habermas, 1990a) [18]. 

No mesmo sentido Simioni

[A] linguagem coloca a ação comunicativa exatamente no mecanismo de coordenação das ações sociais. Esse mecanismo, segundo Habermas, é o próprio entendimento lingüístico[19], que ajusta os planos de ação de cada participante para o estabelecimento de uma interação social. A ação comunicativa, nessas condições, pode então ser descrita como a mediação lingüística de todos os outros tipos de ação social[20]. As relações de um ator com o mundo, seja através da ação teleológica (mundo objetivo), normativa (mundo social) ou dramatúrgica (mundo subjetivo), só pode ser realizada através da linguagem[21]. Uma ação teleológica ou estratégica, governada por interesses individuais de utilidade na manipulação do mundo subjetivo, são medidas por atos comunicativos. Assim também com as ações normativas e dramatúrgicas, que pressupõem a formação de um consenso de natureza lingüística entre os participantes. Tanto a estratégicas como as normas e auto-encenações só têm lugar na linguagem[22]. A ação comunicativa está, portanto, na mediação lingüística do entendimento mútuo a respeito dos três mundos: objetivo, social e subjetivo[23].

Tais apontamentos não têm outra finalidade senão demonstrar a importância da linguagem na interação social. No tocante ao discurso, Habermas procura introduzir um princípio de universalização, isto é, um princípio moral, que analogamente ao princípio de indução do discurso teórico, harmonize, nos discursos práticos, as posições individuais dos participantes e a vontade universal, a partir delas formada, o que faz recorrendo ao Imperativo Categórico de Kant,[24] reformulando-o em termos discursivos[25].

 Para se saber se uma vontade é universalizável ou não, necessário se faz abandonar a consciência pessoal e entrar num processo de discussão, em que as decisões se fazem dialogicamente – único modo de alcançar a imparcialidade necessária para julgar questões morais. Só com a interação e participação de todos os envolvidos, que, sem nenhuma coação possam defender suas ideias e seus interesses, a partir de razões apresentadas reciprocamente e que se colocam sob o julgamento de todos, é possível chegar a um consenso que seja universal e ao mesmo tempo preserve a autonomia de todos. Pelos processos discursivos é possível reunir universalidade e autonomia[26].  

    MELO discorre acerca do processo de justificação de normas pelo procedimento discursivo sustentando, no pensamento de Habermas, que é válido o princípio da universalização no qual resulta no princípio do discurso onde só podem reclamar validez as normas que encontrem (ou possam encontrar) o assentimento de todos os concernidos enquanto participantes de um Discurso prático. “Com o princípio do discurso, chega-se ao princípio fundamental de uma teoria da moral”[27].

     Com a junção entre o princípio fundamental de uma teoria da moral e o direito gera o princípio da democracia, entendido como a institucionalização dos processos discursivos de formação política da opinião e da vontade, processo circular em que o princípio da democracia legitima o direito e por ele é institucionalizado[28].                             Para Melo tem-se aqui a gênese de um sistema dos direitos legítimos – liberdades iguais a todos os cidadãos – incluindo e tendo como núcleo – o mecanismo é circular – o direito de participação dado pela institucionalização dos processos discursivos de formação política da opinião e da vontade[29].

Os direitos sociais, como o direito à saúde, representam os aspectos substantivos da condição de liberdade e igualdade, razão pela qual devem ser garantidos pela participação política dos envolvidos.

Neste ponto passemos a abordar, de forma sintetizada, a noção de sociedade civil e sua finalidade. Por sociedade civil se entende aquele conjunto formado pelos organismos denominados privados, e sociedade política ou Estado. Ambos correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de domínio direto ou de comando que se expressa no Estado e no governo jurídico. Tais funções configuram-se organizativas e conectivas.      

Este conceito de sociedade civil fora elaborado por Gramsci que o resgatou da tradição iluminista e hegeliana dos séculos XVIII e XIX e o deu nova roupagem como parte de uma operação teórica e política dedicada a interpretar as imponentes transformações que se consolidavam nas sociedades do capitalismo desenvolvido. [30]

  Como pontua SEMERARO

[A] novidade da noção de sociedade civil esboçada por Gramsci consiste no fato de que não foi pensada em função do Estado, em direção ao qual tudo deve ser orientado, como queria Hegel. Nem se reduz ao mundo exclusivo das relações econômicas burguesas, como queriam algumas interpretações das teorias de Marx. Para Gramsci, a sociedade civil é, antes de tudo, o extenso e complexo espaço público não estatal onde se estabelecem as iniciativas dos sujeitos modernos que com sua cultura, com seus valores ético-políticos e suas dinâmicas associativas chegam a formar as variáveis das identidades coletivas. É lugar, portanto, de grande importância política onde as classes subalternas são chamadas a desenvolver suas convicções e a lutar para um novo projeto hegemônico enraizado na gestão democrática e popular do poder[31].

    Podemos concluir, embora não exista um conceito harmônico do termo, mas partindo das ideias de Gramsci, a sociedade civil é considerada um espaço onde são elaborados e viabilizados projetos globais da sociedade, se articulam capacidades de direção ético-política, se disputa o poder e a dominação. É um conceito complexo e sofisticado, com o qual se pode entender a realidade contemporânea. E é também um projeto político, abrangente e igualmente sofisticado, com o qual se pode tentar transformar a realidade.

  Esta ideia de sociedade civil espelharia a nova situação: uma expansão das individualidades e diferenciações, assim como agregações e unificações superiores. Seria a sede de múltiplos organismos privados, mas nem por isto menos estatais. Seus integrantes estariam dispostos como vetores de relações de força, como agentes de consenso e hegemonia, candidatos a se tornar Estado[32].

4. DIREITO À SAÚDE: ausência de políticas públicas, controle judicial e participação da sociedade civil                       

    O direito à saúde é consagrado pela Constituição Federal como direito social e tem o Estado como seu garantidor. É dever do Poder Público a formulação e execução de políticas públicas, as quais estão elencadas nos Títulos VII e VIII da Constituição. Entretanto, o que se vê, não raras vezes, é um total abandono, um verdadeiro descaso por parte do Estado. O Sistema Único de Saúde (SUS) não presta um serviço público de qualidade; muitos medicamentos e tratamentos não são ofertados, ante a ausência de uma política pública idônea[33].

  Com isso, inúmeros cidadãos buscam a tutela do Estado, através do Poder Judiciário, esperando que as omissões do Poder Executivo de do legislativo possam ser supridas. O grande problema, o qual reputamos não menos importante que a própria ausência de implementação de políticas públicas é o resultado catastrófico causado pelas decisões judiciais que desequilibram o orçamento público.

   O Estado tem o dever de formular e executar as políticas públicas no sentido de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais. Ainda que a tutela desses direitos, como o caso do direito à saúde, tenha que ser pensada a partir do binômio “mínimo existencial” (garantidor do fundamento da dignidade da pessoa humana) e “reserva do possível” – em meio às restrições orçamentárias e às prioridades governamentais fixadas intertemporalmente pelo Poder Público-, tais políticas não podem simplesmente ser negligenciadas. No entanto, não é o que se vê.        

   Sobre o tema colacionamos o pensamento da Professora Élida Graziane Pinto em artigo publicado em 2007

Quando se passa a cuidar da deliberação do quantum  orçamentário ideal – sempre progressivo e insuficiente – para essa ou aquela prestação social a cargo do Estado, sabe-se que tal debate só pode ser empreendido durante o processo de elaboração e aprovação das leis orçamentárias de cada ente. Por essa razão é que não se trataria de senda passível de revisão judicial, mas de deliberação político-representativa (por isso discricionária) à luz das disponibilidades de receitas e das prioridades alocativas de um determinado governo.

Mas como seria possível avançar em renovados instrumentos de controle postos à disposição da sociabilidade democrática? Quiçá seja esse o grande desafio, para além da emergência do Judiciário como gigante controlador da omissão (por vezes eventual, vezes outras reiterada) do Executivo no cumprimento de seus deveres constitucionais e das diversas insuficiências do Legislativo no estreitamento do controle sobre a execução orçamentária e sobre as políticas públicas que respondem por direitos fundamentais[34].

 

  Nosso objetivo não é discutir a questão orçamentária, até porque foge da proposta inicial, entretanto, não se deve desconsiderar a importância do debate, sobretudo porque se estamos diante de uma questão orçamentária, que afeta a todos daquele Estado, em tese, a matéria deve ser deliberada (discutida) por todos, isso é democracia.

 Com isso, estamos afirmando que não só os afetados diretamente pela ausência de políticas públicas devem ter uma participação mais efetiva no controle orçamentário, mas toda a sociedade. Se partirmos do pressuposto que num regime democrático todo poder emana do povo, [35] que o exerce por meio dos representantes eleitos, esse povo (que delegou poderes aos representantes) deve controlar seus representantes.

   Neste sentido, controlar se, na aplicação discricionária da lei orçamentária, não houve desvio de finalidade ou inadequação dos motivos apresentados com o caso concreto é exercício que passa tanto pela submissão a processos discursivos de deliberação, quanto pelo respeito a salvaguardas fundamentais. Ambas as hipóteses são necessárias porque, por um lado, asseguram o respeito republicano às prioridades alocativas inscritas constitucionalmente, quanto, por outro, asseguram o caráter democrático dos eventuais remanejamentos orçamentários ocorridos entre todas essas políticas públicas[36].

   MELO discorre que

[D]o mesmo modo, por falta de espaço, não é possível discutir aqui as implicações práticas da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, mas, a título de indicação, ressaltamos a fecundidade da intersubjetividade lingüisticamente mediada para pensar a organização e o funcionamento do sistema de saúde, em todos os seus aspectos, a saber, o financiamento, o desenho organizativo (modelos institucionais), a formação de recursos humanos, o planejamento, a construção de modelos assistenciais alternativos e, é óbvio, o controle social. Nesse sentido, nossa experiência com a promoção de saúde se beneficia dessa teoria e da sua tradução para um modelo de democracia sob três grandes e interligados enfoques, a saber: (1) o estabelecimento de relações de intersubjetividade abrindo o acesso ao mundo da vida dos atores sociais envolvidos (Ayres, 2004; Ceccim & Feuerwerker, 2004; Melo, 1999; Merhy, 1998), que, por sua vez, possibilitam concretamente (2) a associação imprescindível entre exercício de autonomia e direito de saúde, de tal modo que todos os participantes sejam de fato autores das ações implementadas (Saltmann, 1994; Westphal, 2000; Breilh, 2000; Andrade & Vaistman, 2002; Maia & Fernandes, 2002; Sperandio et al. 2004), gerando, em decorrência da participação nesse processo, (3) sociabilidade e laços de solidariedade capazes de se contrapor à colonização do mundo da vida (Melo, 2004; 2005; Maia & Fernandes, 2002). Sendo assim, os projetos que desenvolvemos na universidade se estruturam segundo o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e têm na sua base a adoção de um procedimento, a saber, a criação de espaços permanentes de participação e reflexão que se abrem à contribuição concreta de todos os participantes dentro do que cada um sabe e gosta de fazer de modo que, recebendo-a, integre-a ao conjunto, gerando assim saberes e práticas coletivas constitutivas do corpo e do conteúdo do projeto. Citamos especialmente a abordagem da violência social entre adolescentes do Aglomerado Urbano Morro das Pedras, Belo Horizonte, onde vivem aproximadamente 20.000 habitantes, sujeitos às mais duras condições de vida – a pobreza, a exclusão social, o tráfico de drogas, as gangues, perversa combinação que faz desse um dos espaços mais violentos de Belo Horizonte, com o maior índice de homicídios da nossa capital, motivo pelo qual, além de outras catástrofes, como desabamentos, está sempre presente, e de forma estigmatizante, na mídia. Se a violência pode ser definida como perda de reconhecimento pelo outro, mediante o uso do poder, da força física ou de qualquer forma de coerção (Zaluar, 2001), então, para nós, combatê-la é, antes de tudo, recuperar em cada espaço, no cotidiano, essa competência de falar e agir que nos dá a todos a condição de sujeitos – é explorar ao máximo as potencialidades interativas e criadoras da fala – no sentido do uso da linguagem como práxis social. Uma das questões que a proposta de democracia deliberativa deixa em aberto é o aspecto motivacional do cidadão em participar (Habermas, 1996). No entanto, configura-se aqui uma das contribuições da experiência à teoria: aprendemos com a prática que os atores sociais, se chamados a participar e se avaliarem que são ouvidos e levados em conta, eles participam [37].

  Em especial, as sociedades civis exercem um papel de fundamental importância no processo democrático, sobretudo no debate das políticas públicas. Seus integrantes estariam dispostos como vetores de relações de força, como agentes de consenso e hegemonia. É verdade que a decisão não está nas mãos da sociedade civil, enquanto entidade, e, tampouco dos cidadãos individualmente considerados e afetados diretamente, mas sua participação é imprescindível.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

   O direito à saúde encontra barreiras, por ora, intransponíveis, para sua perfeita implementação. É verdade que o Estado, garantidor dos ideais constitucionais, principalmente dos direitos fundamentais, tem o dever de regular e executar políticas públicas, sobretudo aquelas elencadas nos Títulos VII e VIII da Constituição Federal, especificamente no campo da saúde; não menos verdade, tais implementações devem passar pelo crivo do mínimo existencial e da reserva do possível, mas não podem, sobe este pretexto ser preteridas.

  Tentamos demonstrar no presente trabalho que o direito à saúde carece de atenção por parte do Poder Público, o que, invariavelmente, provoca a participação do Poder Judiciário em questões emergenciais, o qual, por sua vez, vem exercendo um papel contramajoritário, muitas vezes criticado de ativista, mas essencial, pelo menos no atual cenário, à garantia do direito à saúde. Essa necessidade de intervenção do Judiciário, ante a omissão do Poder Público, denominada de litigância de interesse público, cada vez mais presente no Brasil, foi e ainda é objeto de inúmeros estudos, sobretudo no estrangeiro.

  Restou consignado que as questões de saúde no Brasil decorrem da má distribuição orçamentária. Enquanto de um lado se questiona o dever do Estado de regular e executar políticas públicas da saúde, pautada no mínimo existencial; do outro, se alega que a intervenção do Judiciário nestas questões, violam não só a independência dos poderes, com também a reserva do possível. Neste contexto, concluímos que o povo, aqui entendido como destinatário dos direitos sociais (portanto, todos), tem o dever de controlar aqueles que ele elegeu.

Essa participação, seja individual (aqueles diretamente afetados), ou por meio das entidades públicas ou privadas (sociedades civis), deve ser efetiva e por meio do debate público, modo discursivo. Somente assim, tentar-se-á buscar o equilibro desejado entre a prestação de um serviço público com qualidade e a possibilidade de manutenção desse serviço através de uma política orçamentária séria e idônea. [38]

. REFERÊNCIAS

1.                  ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e minorias. Revista de informação legislativa, v.24, nº 96, p. 189-194, out./dez. de 1987. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181799/1/000433557.pdf.> Acesso em: 21/2/2012.

2.                  BERGALLO, Paola. Justicia y experimentalismo: la función remedial del poder judicial en el litigio de derecho público en Argentina. SELA 2005 Panel 4: El papel de los abogados.

3.                  CHAYES, Abram.    The Role Of the Judge in Public Law Litigation: The Harvard Law Review Association. Vol. 89. Nº. 7 pp. 1281-1316. Disponível em:  http://www.jstor.org/stable/1340256. Acesso em: 24/2/2012.

4.                  NUNES, DIERLE. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo 2011, vol. 199.

5.                  PINTO, Élida Graziane. Controle de Políticas Públicas: ainda às voltas com a indigência analítica. Veredas do Direito. vol. 4. Nº. 8, pp 65-80. Belo Horizonte. Junho-dezembro/2007

6.                  SABEL, Charles F.; SIMON, William H. Destabilization Hights: how Public Law Litigation Succeeds. The Harvard Law Review Association. Vol. 117. Nº.4 pp. 1015-1101. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/4093364>. Acesso em 24/2/2012.

7.                  SEMERARO, Giovanni. Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Educação & Sociedade. Ano XX. Nº. 66. Abril de 1999. PP. 65-83. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n66/v20n66a3.pdf.>  Acesso em: 24/2/2012.



[1] Mestrando em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil pelo CEPG, Faculdade de Direito de Varginha; advogado militante e professor universitário pelo Centro Universitário de Lavras – UNILAVRAS.
[2] Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Lavras – UNILAVRAS.
[3] NUNES, DIERLE. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo 2011, vol. 199.
[4] "1954) U.S. Supreme Court case in which the court ruled unanimously that racial segregation in public schools violated the 14th Amendment to the U.S. Constitution. The amendment says that no state may deny equal protection of the laws to any person within its jurisdiction. The court declared separate educational facilities to be inherently unequal, thus reversing its 1896 ruling in Plessy v. Ferguson. The Brown ruling was limited to public schools, but it was believed to imply that segregation is not permissible in other public facilities. Guidelines for ending segregation were presented and school boards were advised to proceed “with all deliberate speed.” Disponível em: http://encyclopedia2.thefreedictionary.com/Brown+v.+Topeka+Board+of+Education. Acesso em: 24/2/2012. "1954) EUA caso da Suprema Corte em que o tribunal decidiu por unanimidade que a segregação racial em escolas públicas violava a 14 ª Emenda à Constituição dos EUA. A emenda diz que nenhum estado pode negar igual proteção das leis de qualquer pessoa sob sua jurisdição. O tribunal Orientações declarados separados estabelecimentos de ensino para ser inerentemente desigual, invertendo assim a sua decisão de 1896 em Plessy v Ferguson. a decisão Brown limitou-se a escolas públicas, mas acreditava-se sugerir que a segregação não é admissível em outras instalações públicas. para acabar com a segregação foram apresentados e os conselhos escolares foram aconselhados a continuar "com a máxima urgência.” Tradução livre.
[5] Em 1987, Geraldo Ataliba escreveu um pequeno texto [ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e minorias. Revista de informação legislativa, v.24, nº 96, p. 189-194, out./dez. de 1987. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181799/1/000433557.pdf.>  Acesso em: 21/2/2012.] onde demonstra toda sua preocupação com esta parcela do povo, onde expõem suas ideias e prevê uma atuação mais efetiva do Judiciário, o que denominamos hoje de o papel contramajoritário da jurisdição:
De nada adianta fazer uma constituição, se ela não for obedecida. Não adiante haver lei [5]para tudo, se não for respeitada. Daí a importância do Poder Judiciário. Este merece especial cuidado dos constituintes, pois é a chave de todas as instituições. Elas só funcionam com o virtual ou atual controle do Judiciário, como demonstra o sábio SEABRA FAGUNDES.
Na nossa sociedade tão deformada, involuída e subdesenvolvida, o Judiciário é mais importante do que nos países adiantados (que, aliás, o são porque têm boas instituições judiciais.
É que os fracos, os pobres, os destituídos, os desamparados, bem como as minorias (raciais, religiosas, econômicas, políticas e étnicas etc), só têm por arma a defesa do direito. E direito só existe onde haja juízes que obriguem seu cumprimento.
Na democracia, governam as maiorias. Elas fazem as leis, elas escolhem os governantes. Estes são comprometidos com as maiorias que o elegeram e a elas devem agradar. As minorias não têm força. Não fazem leis, nem designam agentes políticos ou administrativos.
Sua única proteção está no judiciário. Este não tem compromisso com a maioria. Não precisa agradá-la, nem cortejá-la. Os membros do judiciário não são eleitos pelo povo. Não são transitórios, não são periódicos. Sua investidura é vitalícia. Os magistrados não representam a maioria, são a expressão da consciência jurídica nacional.
Seu único compromisso é com o direito, com a Constituição e as leis; com os princípios jurídicos encampados pela Constituição e por ela não repelidos (...).
 
[6]  CHAYES, Abram.    The Role Of the Judge in Public Law Litigation: The Harvard Law Review Association. Vol. 89. Nº. 7 pp. 1281-1316. Disponível em:  http://www.jstor.org/stable/1340256. Acesso em: 24/2/2012.
[7] SABEL, Charles F.; SIMON, William H. Destabilization Hights: how Public Law Litigation Succeeds. The Harvard Law Review Association. Vol. 117. Nº.4 pp. 1015-1101. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/4093364. Acesso em 24/2/2012.
[8] BERGALLO, Paola. Justicia y experimentalismo: la función remedial del poder judicial en el litigio de derecho público en Argentina. SELA 2005 Panel 4: El papel de los abogados. p. 1.
[9] NUNES. Op. Cit. p. 43.
[10] A utilização da litigância de interesse público vem se tornando comum no Brasil, mediante a utilização de Ações Coletivas promovidas pelo Ministério Público. Este não é um fenômeno tão somente brasileiro. Como noticia Gao Jie desde 27 de dezembro de 2007 tal litigância vem se tornando viável na China, quando a Corte Ambiental de Qingzhen, uma cidade em nível de distrito sob a jurisdição da capital provincial, Guiyang, Província de Guizhou, publicamente proferiu sua decisão no caso da Fábrica Química Tiangeng. Inclusive há uma tendência para criação de órgãos jurisdicionais especializados para a temática. JIE, Gao. Environmental Public Interest Litigation and the Vitality of environmental Courts: the development and future of environmental courts in China. Disponível em: [www.greenlawchina.org/2010/03/environmental-public-interest-litigation-continues-to-develop/].
[11] Como demonstra Élida Graziane Pinto “É preciso rever o modelo definido no artigo 77 do ADCT, o qual já deveria ter sido substituído por lei complementar desde 2005. Eis a raiz do problema: há uma omissão inconstitucional na falta de regulamentação da Emenda 29 que torna nebuloso o horizonte e que esconde a mais flagrante verdade não revelada pela União. Faltam recursos ao SUS, a despeito de a arrecadação federal bater recordes sucessivos e vertiginosos de crescimento, porque a União não tem nenhum dever de correlação de gasto mínimo na saúde em face do comportamento da sua receita. Enquanto o fasto mínimo federal continuar sendo corrigido apenas pela variação nominal do PÌB e a regulamentação da Emenda 29/2000 continuar sendo inconstitucionalmente negligenciada, o SUS sofrerá não é com a falta da CPMF, mas com a regressividade do gasto federal em saúde.” Pinto. Élida. Volta da CPMF não corrigirá subfinanciamento no SUS. Disponível em: [www.conjur.com.br/2011-abr-02/volta-cpmf-não-corridira-subfinanciamento-sistema-único-saude].
[12] NUNES. Op. Cit. pp. 43-44.
[13] SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito e racionalidade comunicativa: A Teoria Discursiva do Direito no Pensamento de Jürgem Habermas. Curitiba: Juruá, 2007. 332p. p.25-26.
[14] Simioni apresenta algumas questões que se colocavam à teoria de Habermas: a teoria dos interesses no conhecimento pode identificar interesses em seu próprio conhecimento? Que condições tem essa teoria de produzir emancipação social se ela mesma está inevitavelmente inserida na racionalidade instrumental que pretende criticar?
[15] Ibid. p. 26.
[16] “Para sistematizar os aportes da teoria da ação comunicativa, pode-se iniciar identificando três objetivos fundamentais de sua proposta teórica: a) Habermas pretende desenvolver um conceito de racionalidade abrangente e capaz de emancipar-se do modelo de racionalidade subjetivista e individualista a racionalidade comunicativa; b) pretende também explicar como é possível uma ordem social a partir da distinção entre “integração sistêmica” (para integrar a teoria dos sistemas) e “integração social” (para integrar a tradição fenomenológica, baseada no conceito de “mundo vivido” de Husserl); c) e por fim, Habermas utilizará esses aportes para uma teoria crítica da sociedade contemporânea, capaz de produzir novas possibilidades de reconstrução do projeto iluminista, que tem como hipótese de fundo a existência de âmbito de ação comunicativamente estruturados, os quais se encontram submetido a imperativos sistêmicos, isto é, sistemas de ação formalmente organizados que conquistaram autonomia. A diferença, então, entre integração sistêmica – realizada principalmente através de meios como o dinheiro e o poder burocrático – e integração social – realizada pelo conjunto de todas as crenças, práticas, culturas e tradições compartilhadas intersubjetivamente em um “mundo vivido” – constituirá o fundamento para as descrições das condições de validade das ações sociais.” (SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito e racionalidade comunicativa: A Teoria Discursiva do Direito no Pensamento de Jürgem Habermas, p. 27)
[17] Idem.
[18] MELO, Elza Machado de. Ação comunicativa, democracia e saúde. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2005, vol.10, suppl., pp. 167-178. ISSN 1413-8123. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000500019&lang=pt>. Acesso em: 24/2/2012.
[19] HABERMAS, Jürgen. Teoria de La acción comunicativa I, p. 138.
[20] Assim, Habermas prepara um conceito de ação comunicativa capaz de abranger todas as funções da linguagem, isto é, capaz de abranger o interacionismo simbólico de Mead, os jogos de linguagem de Wittgenstein, os atos de fala de Austin e até a hermenêutica filosófica de Gadmer. Segundo Habermas, a ação social não pode ser reduzida a operações de interpretação, onde atuação seria sinônimo de fala e interação sinônimo de conversação (ibidem, p. 138).
[21] Ibidem, p. 136.
[22] Ibidem, p. 137.
[23] SIMIONI. Op. Cit. pp. 38-39.
[24] O Imperativo Categórico de Kant é um princípio moral, segundo o qual são justas apenas as ações cujas máximas podem se transformar em lei universal (Kant apud Melo, p.171).
[25] HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro. 1989.
[26] MELO.  Op. Cit. p. 171.
[27] Idem.
[28] Habermas apud MELO, op. Cit. 173.
[29] Ibid. p. 172.
[30] SEMERARO, Giovanni. Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Educação & Sociedade. ano XX. Nº. 66. Abril de 1999. PP. 65-83. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v20n66/v20n66a3.pdf.  Acesso em: 24/2/2012. [Texto apresentado para o Congresso Internacional: “Antonio Gramsci: Da un secolo all’altro”,organizado pela Internacional Gramsci Society, no Istituto Italiano per  gli Studi Filosófici , Napoli, 16-18 de outubro de 1997].
[31] Ibid.
[32] Ibid.
[33] DIERLE, op. cit., 44.
[34] PINTO. Élida Graziane. Controle de Políticas Públicas: ainda às voltas com a indigência analítica... Veredas do Direito. vol. 4. Nº. 8, pp 65-80. Belo Horizonte. Junho-dezembro/2007
[35] Para definir um sistema democrático, pode-se começar verificando empiricamente os modos lingüísticos de utilização da palavra "povo" nos textos das normas do direito vigente, sobretudo nas constituições. Dessa análise, resultam vários modos de utilização. O primeiro deles é, também, o único que, até agora, foi usado na bibliografia da Ciência do Direito como conceito jurídico de "povo": os titulares dos direitos eleitorais. Denomino esse modo de utilização "povo ativo". Isso basta para o Poder Legislativo, na medida em que se compreende, graças à idéia de representação, que "o povo" é, indiretamente, a fonte da legislação. Mas isso não funciona no caso das atividades dos Poderes Executivo e Judiciário, que, afinal de contas, também devem ser "demo"craticamente justificadas. O povo ativo decide diretamente ou elege os seus representantes, os quais co-atuam, em princípio, nas deliberações sobre textos de normas legais que, por sua vez, devem ser implementadas pelo governo e controladas pelo Judiciário.
Na medida em que isso é feito corretamente em termos do Estado de Direito, aparece, no entanto, uma contradição no discurso da democracia: por um lado, faz sentido dizer que os governantes, os funcionários públicos e os juízes estariam democraticamente vinculados; mas não faz sentido dizer que, aqui, o povo ativo ainda estaria atuando "por intermédio" de seus representantes. Onde funcionários públicos e juízes não são eleitos pelo povo, a concretização de leis não basta para torná-los representantes deste mesmo povo. O ciclo da legitimação foi rompido, ainda que de forma democrática; mas ele foi rompido. Os vínculos são cortados de forma não-democrática quando a decisão executiva ou judicial for ilegal; aqui, o povo invocado pelo titular do respectivo cargo ("em nome do povo, profiro a seguinte sentença...") produz somente o efeito de um ícone, de um mero passepartout[35]  ideológico.
No caso já mencionado, ou seja, na decisão defensável em termos do Estado de Direito, o papel do povo apresenta-se diferentemente: como instância de uma atribuição global de legitimidade. Tal papel transcende, na sua abrangência, o povo ativo; abrange todos os que pertencem à nação.
Além disso, as decisões dos órgãos que instituem, concretizam e controlam as normas afetam a todos aqueles aos quais dizem respeito: o "povo" enquanto população efetiva. Uma democracia legitima-se a partir do modo pelo qual ela trata as pessoas que vivem no seu território - não importa se elas são ou não cidadãs, ou titulares de direitos eleitorais. Isso se aproxima, finalmente, da idéia central de democracia: autocodificação, no direito positivo, ou seja, elaboração das leis por todos os afetados pelo código normativo. O princípio "one man, one vote" (pensado em outra acepção) também pode ser compreendido não com vistas a uma camada social específica, mas com vistas à qualidade humana de cada pessoa afetada, independentemente da cidadania. Desse povo-destinatário, ao qual se destinam todos os bens e serviços providos pelo Estado Democrático de Direito, fazem parte todas as pessoas, independentemente, também, de idade, estado mental e status em termos de direitos civis. MÜLLER, Friedrich. Democracia e exclusão social em face da globalização. Op. Cit.
[36] Ibid. p. 78.
[37] MELO. Op. Cit. pp.176-177.

ACORDO EXTRAJUDICIAL TEM FORÇA EXECUTIVA PRÓPRIA E DISPENSA HOMOLOGAÇÃO

“O Poder Judiciário não pode ser utilizado como mero cartório que incluirá, em documentos submetidos à sua sumária avaliação, um mero selo, que sequer pode ser chamado selo de qualidade, porque não é submetido, do ponto de vista substancial, a seu controle efetivo.” Esse entendimento da ministra Nancy Andrighi embasou decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou homologação de acordo extrajudicial, por falta de interesse das partes.

Para a relatora, não há utilidade em homologar judicialmente um acordo extrajudicial, em que partes capazes transigem sobre direitos disponíveis, com assistência de seus advogados, por meio de instrumento particular, na presença de duas testemunhas.

Desjudicialização

“Admitir que acordos extrajudiciais se transformem em títulos executivos judiciais, tal qual pretendido, seria imaginar uma atividade cognitiva judicial que efetivamente não ocorreu”, acrescentou a ministra.

Para ela, esses acordos devem ser negociados fora do processo, com a participação dos advogados, figuras indispensáveis para a administração da Justiça. Mas não se deve envolver o Judiciário nesses procedimentos.

Segundo a relatora, há um processo legislativo de democratização do direito, evidenciando uma tendência à "desjudicialização dos conflitos" e valorização das negociações extrajudiciais, com o afastamento da autoridade judiciária do papel de mera chanceladora.

475-N

A ministra esclareceu ainda que o dispositivo processual que permite a homologação judicial de transação extrajudicial exige a existência de uma lide submetida previamente à jurisdição. Ou seja, o acordo poderia abarcar conteúdo mais amplo que o da lide em trâmite, devendo ser, então, homologado.

Esse dispositivo do Código de Processo Civil (CPC), o artigo 475-N, teria suplantado na legislação processual geral o artigo 57 da Lei 9.099/95, dos juizados especiais cíveis.

“As normas processuais têm sido criadas para possibilitar o melhor desenvolvimento dos processos, num ambiente fluido no qual as partes tenham a possibilidade de postular e receber sua resposta do estado de forma rápida e justa”, afirmou a ministra.

Nesta hipótese, porém, “não há qualquer lide subjacente a exigir a propositura de uma atuação judicial, tampouco se está diante de uma hipótese de jurisdição voluntária, em que a lei obriga as partes a buscar o Judiciário como condição para o exercício de um direito”, completou a relatora.

“O acordo aqui discutido, substancialmente, é uma transação extrajudicial, e já está dotado de sua eficácia específica de título executivo extrajudicial. Não se pode admitir que as partes tenham interesse jurídico em transformar algo que substancialmente está correto, em algo fictício, em algo que, do ponto de vista da moral e do direito, não encontra fundamento de validade”, concluiu a ministra.

Fonte: STJ

ADMITIDA RECLAMAÇÃO SOBRE CABIMENTO DE DANOS MORAIS PELA INSCRIÇÃO DO NOME DE DEVEDOR SEM PRÉVIA NOTIFICAÇÃO

O ministro Villas Bôas Cueva admitiu o processamento de reclamação apresentada por um consumidor contra decisão de turma recursal que entendeu que a falta de notificação prévia sobre a inserção de nome em lista de inadimplentes, por si só, não configuraria dano moral. O ministro concedeu liminar para suspender a decisão, até o julgamento final da reclamação pela Segunda Seção, por considerar que, em um juízo de cognição sumária, o entendimento da turma recursal diverge da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O consumidor ingressou no juizado especial requerendo indenização por danos morais, pelo fato de não ter sido notificado previamente da inscrição em cadastro de inadimplentes. O juízo de primeiro grau concedeu o pedido.

CDC

O entendimento do juiz foi integralmente reformado pela Segunda Turma Recursal Mista do Mato Grosso do Sul ao fundamento de que a falta de notificação prévia da inscrição de nome em cadastro de proteção de crédito, por parte da entidade mantenedora do banco de dados, não configura danos morais. Para o órgão julgador, o interessado deveria demonstrar os transtornos causados pela medida, que não se confundiriam com o mero dissabor.

Irresignado, o consumidor ajuizou reclamação no STJ pleiteando a reforma do julgado. Alega que a decisão da turma recursal contraria entendimento reiterado na Corte, no que tange ao direito de indenização por danos morais na hipótese de indevida inscrição do nome de inadimplentes em cadastros sem a devida comunicação prévia por escrito ao devedor, conforme interpretação do artigo 43, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Divergência jurisprudencial

Ao analisar o caso, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que cabe reclamação quando as decisões de juizados especiais contrariam a jurisprudência do STJ consolidada em súmulas ou teses adotadas no julgamento de recursos repetitivos.

Para o ministro, em uma análise preliminar do caso, há divergência jurisprudencial no tocante à questão da falta de comunicação sobre a inscrição de nome em cadastro de proteção ao crédito. A título de fundamentação, citou o Recurso Especial 1.083.291, submetido ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, no qual ficou assentado que a falta de prévia notificação ao consumidor enseja o direito de compensação por danos morais.

Diante dos fatos narrados, o magistrado admitiu o processamento da reclamação e deferiu a liminar para suspender a decisão, determinando que a turma recursal preste informações.

Fonte: STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...