segunda-feira, 22 de outubro de 2012

MODELO DE RECURSO ESPECIAL CÍVEL - PRÁTICA JURÍDICA CÍVEL



Por Luiz Cláudio Borges


AULA PRÁTICA – DIREITO PROCESSUAL CIVIL
 
1.- RECURSO ESPECIAL
 
            O recurso especial (assim como o recurso extraordinário), até mesmo pelo seu tratamento constitucional, difere-se dos demais recursos quanto ao objeto, requisitos, procedimento e competência para julgamento. É tratado pela doutrina como meio excepcional de impugnação, assim, para sua interposição não bastará sua sucumbência, ao contrário, será necessário o preenchimento de uma série de requisitos – listagem cada vez mais longa e exigente[i].
 
1.1.Hipóteses de cabimento do Recurso Especial (art. 105, III, da Constituição Federal)
 
i)                    Contrariedade e negativa de vigência a tratado de lei federal (alínea “a”, do artigo 105, CF)
           
ii)                  Validade de ato de governo local contestado em face de lei federal (alínea “b”, do artigo 105, CF)
 
iii)                Interpretação divergente da de outro tribunal (alínea “c”, do artigo 105, CF)
 
 
1.2.REQUISITOS COMUNS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL E DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
 
1.2.1.      Irrecorribilidade das decisões nas instâncias ordinárias com a formação de causa decidida
Os recursos excepcionais (Especial e Extraordinário) só têm aplicabilidade quando esgotados todos os demais recursos das instâncias ordinárias, ou seja, somente quando não houve mais possibilidade de interposição dos recursos ordinários. Para Nunes et al “o pressuposto de admissibilidade decorrente da irrecorribilidade da decisão justifica-se pela função que as cortes superiores desempenham na organização judiciária brasileira”[ii].
A matéria encontra-se sumulada pelo c. STF, veja:
 
Súmula 281. É inadmissível o recurso extraordinário quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da questão impugnada.
 
1.2.2.      Circunscrição à matéria de direito
 
Uma questão muito relevante é a circunscrição à matéria de direito. Tanto o recurso especial, quanto o recurso extraordinário estão circunscrito à matéria de direito, não se prestando tratar de matérias de fato.
Mais uma vez Nunes et al salienta que
Porém, não se pode negar a competência dos tribunais superiores para examinar e decidir sobre a melhor interpretação da norma, frente a um contorno fático já delimitado. Se a questão jurídica for levantada e questionada à luz daquilo que foi provado nas instâncias ordinárias, mas que ensejou uma interpretação equivocada da lei ou da Constituição Federal por parte do Tribunal a quo , os tribunais superiores deverão ser chamados a se pronunciar sobre a questão[iii].
            O c. STF e o STJ já sumularam as questão por meio das Súmulas 279 e 07, respectivamente.
 
1.2.3.      Necessidade de prequestionamento
 
É importante salientar que o prequestionamento foi criado como um óbice à admissibilidade do RE. Isso porque as Constituições brasileiras afirmavam que só era cabível RE de causas já decididas, o que, necessariamente implicava na análise da matéria. Com a criação do REsp, o mesmo requisito do prequestionamento foi adotado.
Nunes et al, citando Pantuzzo (1998, p. 86) salienta que a exigência do prequestionamento se dá para:
 
a)      Evitar a usurpação de competência (supressão de instância), o que ocorreria se o STJ ou o STF acolhessem o recurso constitucional e lhe dessem provimento, sem que a matéria ou o tema decidido nessas cortes tivessem sido previamente submetidos ao tribunal local ou sem que esse tribunal tivesse emitido juízo explícito sobre o mesmo;
b)       Manter a ordem constitucional das instâncias ou do sistema jurídico vigente no Brasil: decisão do juiz de primeiro grau, recurso próprio ao tribunal local (instância recursal de segundo grau) e recurso constitucional aos tribunais superiores;
c)      Evita que a parte contrária seja surpreendida, o que aconteceria se o tema não prequestionado, nem objeto de impugnação em contrarrecurso da parte contrária, fosse aceito no recurso extraordinário ou no recurso especial, com quebra das duas finalidades anteriores;
d)     Indiretamente, examinar ou esgotar as instâncias locais, o que impede o cabimento e o conhecimento do recurso extraordinário ou do recurso especial, se nestes é enfocado tema novo ou questão nova que não fora decidida pelas cortes locais.
 
            Nunes et al salienta que tanto a doutrina quanto a jurisprudência costumam classificar o instituto do prequestionamento em três formas: explícita, implícita ou ficta.
Ocorre o primeiro quando o tribunal de origem tenha apreciado no acórdão a questão jurídica objeto de irresignação e o preceito (norma)  invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo aresto. O segundo, quando o tribunal tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha, mas sem exigir que o preceito normativo invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão impugnado. E ficto, quando após a oposição de embargos declaratórios (com fins prequestionadores), o tribunal a quo persiste em não decidir questões que lhe foram submetidas a julgamento, por força do princípio devolutivo ou, ainda, quando persista desconhecendo obscuridade ou contradição arguidas como existentes na decisão[iv].
 
Súmulas relacionadas ao prequestionamento:
 
- Súmula 282 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada (esta súmula foi editada quando ainda não existia o STJ. Todavia, ela é aplica até hoje).
- Súmula 356 do STF: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.
- Súmula 98 do STJ: Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório.
- Súmula 211 do STJ:  Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.
- Súmula 320 do STJ: A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento.
 
 
1.2.4.      Outros impedimentos
Nunes et al escreve
I.                   Formalidades procedimentais: os tribunais superiores, na busca por racionalizar o número de recursos, por vezes criam/mantêm embaraços meramente burocráticos para o conhecimento de recursos, como, por exemplo, quando nega seguimento por “falta de recolhimento de porte de retorno dos recursos extraordinários [...], exigência de certidão da tempestividade da interposição do recurso perante o tribunal local, mesmo que a apreciação da admissibilidade, feita nessa instância, demonstre que o prazo  foi cumprido e que as peças necessárias foram transladada. De outro lado, há também decisões em que, superando-se jurisprudência dominante, o STF conheceu de recursos a despeito da inobservância de certos formalismos, como, e. g., falta de assinatura do advogado na petição de RE ou falta de comprovação de tempestividade (a despeito de tempestivo).
II.                Os impedimentos trazidos com a  nova redação do art. 557, do CPC: o art. 557, caput, em sua atual redação, dispõe que o relator, no recurso de competência do tribunal, pode negar-lhe seguimento se ele for “manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”. Perceba-se que, sob o nomem júris “negar seguimento”, o relator faz juízo de admissibilidade – quando percebe que o recurso é manifestamente inadmissível (i. e., que não preenche os requisitos constitucionais e legais) ou prejudicado – e, também monocraticamente, pode fazer juízo de mérito, de verdadeiro não conhecimento do recurso – quando julga que o recurso é improcedente ou está em confronto com súmula ou jurisprudência[v].
1.2.5.      Forma retida
 
            O art. 542, §3º, do Código de Processo Civil dispõe que “o recurso extraordinário, ou o especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução, ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para interposição do recurso contra decisão final, ou para contra-razões”.
            Observa-se que a forma retida do recurso especial e extraordinário é semelhante a do agravo e consiste no sobrestamento do recurso interposto contra decisão interlocutória até o julgamento final. Entretanto, conforme o próprio dispositivo retro dispõe, esta inovação se aplica apenas aos processos de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução, ficando excluídos o processo penal e o de execução.
           
1.2.6.      Alterações no art. 498, advindas da Lei 10.352/2001
 
            Ante da Lei da 10.352/2001 que alterou a redação do art. 498, os recursos especial e extraordinário deveriam ser imediatamente interpostos, mesmo diante da existência de possibilidade de interposição de embargos infringentes. Hoje, com a nova redação do art. 498, somente o prazo fica sobrestado aguardando a decisão dos embargos.
 
1.2.7.      Alterações no art. 541 do CPC advinda da Lei 11.341/06
 
            O art. 541 do CPC sobre uma importante alteração pela Lei 11.341/2006 para permitir a utilização de acórdãos disponíveis na internet ou em mídia eletrônica como fonte para demonstração de divergência jurisprudencial com a finalidade de atendimento da hipótese de cabimento do recurso especial prevista no art. 105, III, “c”, da CF/88.
 
1.3.Recurso Especial Repetitivo
 
A Lei nº. 11.672/2008 introduziu no sistema processual civil vigente uma regra especial de processamento do recurso especial com consequências em razão do julgamento proferido. Trata-se do denominado “recurso especial repetitivo” previsto no art. 543-C do CPC: quando houver multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso poderá receber processamento peculiar.
 
1.4.Súmulas pertinentes aos Recursos Especial e Extraordinário
 
Súmula nº. 187 do STJ -  É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos.
Súmula nº. 115, do STJ – Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.
Súmula nº. 284, do STF- É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.
Súmula nº. 279, do STF – Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
Súmula nº. 7, do STJ – A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
Súmula nº. 282, do STF – É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.
Súmula nº. 207, do STJ – É inadmissível recurso especial quando cabível embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem.
Súmula nº. 280, do STF – Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.
Súmula nº. 454, do STF – Simples interpretação de cláusula contratual não dá lugar a recurso extraordinário.
Súmula nº. 5,  do STJ – Simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial.
Súmula nº. 13, do STJ – A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial.
Súmula nº. 83, do STJ – Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.
Súmula nº. 282, do STF – É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada. (esta súmula foi editada quando ainda não existia STJ, todavia, continua sendo aplicada até hoje)
Súmula nº. 356, do STF – O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.
Súmula nº. 98, do STJ – Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório.
Súmula nº. 283, do STF – É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
Súmula nº. 126, do STJ – É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.
Súmula nº. 211, do STJ – Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal “a quo”.
Súmula nº. 636, do STF – Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida.
 
 
1.5.RECURSO ESPECIAL – PEÇA PRÁTICA
 
 
Advertência!
É importante salientar que o modelo ora indicado representa apenas a estrutura da peça recursal adotada por este professor. É evidente que o aluno ou profissional que dela se valer deverá empregar sua forma de redigir e sua estrutura própria.
 
 
 
 
1ª PEÇA – INTERPOSIÇÃO
 
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO ________,
 
 
 
 
AUTOS Nº. ______________
 
 
 
                                               ______________________, já qualificada nos autos em referência da ação ___________________ ajuizado contra ______________________________, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência por seu advogado adiante assinado, tempestivamente[vi], com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a” e “c”, da Constituição Federal, interpor RECURSO ESPECIAL em face do v. acórdão da e. ____ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de __________________, requerendo desde já sua admissão e remessa ao Colendo STJ.
                                               O presente recurso é próprio, tempestivo, as partes são legítimas e estão devidamente representadas. Não existe preparo, haja vista que o(a) _________Recorrente litiga sob o pálio da justiça gratuita.
                                               Nestes termos,
Pede e espera deferimento.
                                   __________, ____ de _______ de ___.
 
ADVOGADO
OAB/MG
 
 
 
 
2ª PEÇA – RAZÕES RECURSAIS
 
COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
 
RECURSO ESPECIAL
 
 
 
AUTOS Nº.____________________________
RECORRENTE: _______________________
RECORRIDO:_________________________
_____ CÂMARA CÍVEL – TJ____
RELATOR:____________________________________
 
 
                                               NOBRES MINISTROS,
 
1.- PRELIMINARMENTE
1.1.- PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE


                                               A Colenda ___ Câmara Cível do Tribunal “a quo” _________________ (fazer referência ao que foi decidido). Com efeito, entende a(o) Recorrente que o v. acórdão além de violar o disposto nos artigos _______, diverge das decisões de outros tribunais, preenchendo, portanto,  os pressupostos das alíneas  “a” e “c” do artigo, 105, da Constituição Federal.
 
2.-  SÍNTESE DO PROCESSO
 
                                               ______________________ (elaborar uma síntese do processo, apontando apenas o que de mais importante aconteceu, sobretudo ao que vai ser objeto do recurso).
 
3.- DA VIOLAÇÃO DE LEI  INFRACONSTITUCIONAL
 
                                               ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­___________________________ (apresentar  violação a lei infraconstitucional, se houver; o fazendo de forma fundamentada).
 
                                               Diante dessas considerações, entende o(a) Recorrente que o e. Tribunal “a quo”  ao decidir _____________________ violou o disposto _____________.
 
4.- DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL
                                               Os arestos apontados como paradigmas neste recurso foram retirados do repositório oficial __________________.
 
4.1.- ARESTO PARADIGMA 1
 
                                               ____________________ (colacionar a ementa do aresto apresentado como paradigma).
 
Obs.: neste ponto do recurso é imprescindível que haja o confronto de teses, ou seja, deverá apresentar a divergência existente entre a decisão do Tribunal “a quo” com a decisão paradigma. E mais, podem-se apresentar quantas divergências seja necessário, entretanto, a advertência que se faz é que haja semelhança entre a matéria.
                                                Há divergência jurisprudencial entre a decisão do acórdão paradigma e do acórdão recorrido, isto porque _______________.
                                               Nobres Ministros, a divergência jurisprudencial é inconteste, principalmente no ponto _______________________.
                                               Eis a divergência.
5.- CONCLUSÃO
                                               Diante destas considerações, requer o recebimento e admissão do presente recurso para declarar a violação do artigo ________________  e  existência de divergência jurisprudencial, reformando o v. acórdão de origem para ________________________. Fazendo isto esse c. Tribunal estará renovando seus propósitos de distribuir a tão almejada Justiça!
 
                                               Nestes termos,
                                               Pede e espera deferimento.
                                               _________, ___ de _____________  de ______.
                                              
                                               ADVOGADO
                                                 OAB/MG


[i][i] NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; CÂMARA, Bernardo Ribeiro; SOARES, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual Civil: fundamentação e aplicação. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. P. 329-330.
[ii] Ibidem, p. 331.
[iii] Ibidem, p. 333.
[iv] Ibidem, p. 337.
[v] Ibidem, p. 338.
[vi] O v. acórdão ___________ fora publicado no dia ___________, sendo assim, o prazo recursal teve início em ______________, encerrando-se em _________________. Portanto, tempestivo.
 
 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Consumidor tem direito a reparação de falha oculta até o fim da vida útil do produto e não só durante garantia

Consumidor tem direito a reparação de falha oculta até o fim da vida útil do produto e não só durante garantia
O prazo para o consumidor reclamar de defeito ou vício oculto de fabricação, não decorrentes do uso regular do produto, começa a contar a partir da descoberta do problema, desde que o bem ainda esteja em sua vida útil, independentemente da garantia.

O entendimento, unânime, é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve rejeição de cobrança por reparo de trator que apresentou defeito três anos depois de vendido. A loja ainda deverá ressarcir o consumidor pelo tempo em que a máquina ficou indisponível para uso em razão da manutenção.

A empresa vendedora do trator buscava no STJ receber os quase R$ 7 mil equivalentes ao conserto do bem. Ela alegava que o defeito surgiu quando o prazo de garantia do produto, de oito meses ou mil horas de uso, já havia vencido. Segundo a loja, o problema deveria ser considerado desgaste natural decorrente do uso do produto por mais de três anos. Ela pretendia ainda reverter a condenação por lucros cessantes obtida pelo consumidor em reconvenção.

O ministro Luis Felipe Salomão rejeitou os argumentos da fornecedora. Para o relator, ficou comprovado nas instâncias inferiores que se tratava de defeito de fabricação. Em seu voto, ele citou testemunhas que afirmaram ter ocorrido o mesmo problema em outros tratores idênticos, depois de certo tempo de uso. As instâncias ordinárias também apuraram que a vida útil do trator seria de 10 mil horas, o que equivaleria a cerca de dez ou doze anos de uso.

Obsolescência programada

Para o relator, o Judiciário deve combater práticas abusivas como a obsolescência programada de produtos duráveis. Segundo Salomão, essa prática consiste na redução artificial da durabilidade de produtos e componentes, de modo a forçar sua recompra prematura, e é adotada por muitas empresas desde a década de 20 do século passado. Além de contrariar a Política Nacional das Relações de Consumo, avaliou o ministro, a prática gera grande impacto ambiental.

“Com efeito, retomando o raciocínio para o caso em apreço, é com os olhos atentos ao cenário atual – e até com boa dose de malícia, dada a massificação do consumo – que deve o Judiciário analisar a questão do vício ou defeito do produto”, afirmou.

“Independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor – CDC), evidencia quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam elas de consumo, sejam elas regidas pelo direito comum”, acrescentou o relator.

“Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo”, completou o ministro Salomão.

Garantia e durabilidade
Ele entendeu que, por se tratar de vício oculto, o prazo decadencial deveria ser contado a partir do momento em que o defeito fosse evidenciado, com base no artigo 26 do CDC. Esse artigo estabelece prazo de 90 dias para bens duráveis e de 30 dias para produto não durável, para o consumidor apresentar reclamação quando o vício é aparente.

O ministro Salomão afirmou, porém, que o fornecedor não será eternamente responsável pelos produtos colocados em circulação, mas também não se pode limitar a responsabilidade ao prazo contratual de garantia puro e simples, que é estipulado unilateralmente pelo próprio fornecedor.

Segundo o relator, a obrigação do fornecedor em consertar o produto acaba depois de esgotada a vida útil do bem. “A doutrina consumerista tem entendido que o Código de Defesa do Consumidor, no parágrafo 3º do artigo 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual”, declarou.
 
 
Fonte: STJ

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Normas do CDC podem ser aplicadas na compra de veículo para uso profissional

A aquisição de veículo para utilização como táxi, por si só, não impede a aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A constatação de defeito em carro novo configura hipótese de vício do produto, respondendo solidariamente a concessionária e o fabricante, conforme dispõe o artigo 18, caput, do CDC.

Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso especial interposto pela Ford Motor Company Brasil.

Problemas mecânicos

Na origem, um casal ajuizou ação indenizatória contra Ford Motor Company Brasil, Companhia Santo Amaro de Automóvel, Realce Distribuidora de Veículos e Banco Ford, alegando danos morais e materiais decorrentes da impossibilidade de utilização de automóvel adquirido por eles para uso como táxi.

Consta no processo que o veículo, um Ford Verona, apresentou vários problemas mecânicos, passando, durante mais de um ano, por diversos ajustes em oficina autorizada, o que levou à interrupção do pagamento das parcelas do financiamento.

Consta ainda que o carro foi tomado em ação de busca e apreensão movida pelo Banco Ford. Posteriormente, devido ao acúmulo de dívidas, os autores tiveram seus nomes inscritos nos órgãos de proteção ao crédito.

Indenização

O juízo de primeiro grau extinguiu o processo em relação ao Banco Ford e julgou o pedido procedente para condenar as demais rés, solidariamente, ao pagamento de 200 salários mínimos para cada autor por danos morais.

Na apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a decisão do juiz quanto ao valor da indenização por danos morais, mas incluiu o Banco Ford na condenação, “tendo em vista sua participação como coadjuvante nos prejuízos experimentados pelos autores”.

Em seu entendimento, o banco agiu de má-fé ao apreender o veículo; a oficina autorizada promoveu os reparos que considerou adequados, sem realmente detectar o defeito do veículo, e o fabricante deixou o caso chegar ao limite – “após mais de um ano com idas e vindas à oficina autorizada, procedeu à correção do seu próprio erro, muito embora ciente do problema desde o início”.

Recurso especial
Nesse contexto, Ford Motor Company Brasil interpôs recurso especial no STJ, no qual alegou violação ao artigo 2º do CDC, pois, em seu entendimento, a lei que protege o consumidor não poderia ser aplicada no caso, em razão de o veículo ter sido adquirido para fins comerciais. Alegou ainda violação aos artigos 12 e 18 do CDC, “posto não se tratar de fato do produto, mas de vício do produto”.

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial, citou precedente segundo o qual o fato de o comprador adquirir o veículo para uso comercial, como táxi, “não afasta a sua condição de hipossuficiente na relação com a empresa, ensejando a aplicação das normas protetivas do CDC” (REsp 575.469).

Fato ou vício do produto

Quanto à alegação de violação aos artigos 12 e 18 do CDC, Antonio Carlos Ferreira explicou que o fato do produto ou do serviço (relacionado a defeito de segurança), diversamente do vício do produto, tem natureza grave devido à potencialidade de risco ao consumidor e a terceiros.

“O fato do produto constitui acontecimento externo que causa dano material ou moral ao consumidor ou a terceiro, ou a ambos, mas que decorre de um defeito do produto”, afirmou.

Explicou ainda que o vício do produto ou serviço (vício de adequação) interfere no funcionamento, utilização ou fruição do produto ou serviço, comprometendo sua prestabilidade.

“Ao contrário do que ocorre na responsabilidade pelo fato do produto, no vício do produto a responsabilidade é solidária entre todos os fornecedores, inclusive o comerciante, a teor do que dispõe o artigo 18, caput, do CDC”, comentou.

Interpretação

O ministro Antonio Carlos lembrou que o STJ já decidiu, na interpretação dos artigos 14 e 18 do CDC, que todos os que participam da introdução do produto ou serviço no mercado respondem solidariamente por eventual vício do produto ou de adequação, isto é, “imputa-se a toda a cadeia de fornecimento a responsabilidade pela garantia de qualidade e adequação” (REsp 1.077.911).

No que se refere ao valor da indenização, o ministro mencionou que, conforme a jurisprudência do STJ, ele somente pode ser alterado quando for irrisório ou exorbitante. Para o relator, o valor fixado pelo juiz é exorbitante, pois destoa de precedentes do STJ quanto à indenização por danos morais.

Ele considerou as peculiaridades do caso e os princípios da razoabilidade e da moderação para reduzir a quantia a cem salários mínimos para cada um dos autores, “valor capaz de recompor o dano sofrido”.

A Quarta Turma, em decisão unânime, deu parcial provimento ao recurso especial, reduzindo a indenização para R$ 62.200 em favor de cada um dos autores, com juros desde o evento danoso.
Fonte: STJ

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DEMANDAS REPETITIVAS: Padronizar decisões pode empobrecer o discurso jurídico

Por Dierle Nunes
Revista Consultor Jurídico, 6 de agosto de 2012
 
É muito comum no Brasil a credulidade de que conseguiremos resolver os problemas do sistema processual tão somente mediante reformas em nossa legislação, especialmente pela tramitação do CPC projetado (substitutivo do PL 8.046/2010 da Câmara dos Deputados).
Dentro deste falso pressuposto[1] e em face da profusão numérica de processos que abarrotam o Poder Judiciário, especialmente de índole repetitiva, e do grande “congestionamento”,[2] vem se delineando uma tendência de utilização de técnicas de padronização decisória (para resolução de parte destes problemas) que buscariam, segundo argumentação recorrente, a proteção da confiança, segurança jurídica, isonomia, legalidade e a duração razoável do processo.
O Projeto de Lei 8.046/2010 parte desta premissa e possui como uma de suas finalidades mais marcantes a tentativa de dimensionamento técnico desta litigiosidade repetitiva mediante a utilização destes mecanismos de padronização.
Se percebe em seu texto, entre as inúmeras técnicas previstas, por exemplo, o Incidente de resolução de demandas repetitivas[3] que viabilizará um claro exemplo da padronização decisória preventiva ao permitir que no primeiro caso que ingresse no Judiciário, que tenha a potencialidade de se gerar outras demandas idênticas, já se instaure a referida técnica e se gere uma decisão modelar a ser seguida.
Evidentemente, se busca evitar que uma profusão de ações e recursos ingressem nos tribunais, embasado no marco exclusivo da eficiência quantitativa, sem viabilizar uma padronização decisória uniformizadora que teria o condão de estabilizar o quadro interpretativo.
Isto significa que se pretende a partir dos primeiros casos, antes mesmo que o dissenso interpretativo se instaure, ofertar uma resposta para os litígios que se repetirão.
A opção adotada ao invés de gerar a isonomia com legitimidade (fruto da máxima análise de argumentos após a divergência de entendimentos) promoverá, no mais das vezes, um julgado empobrecido por parcos argumentos analisados, em face do pinçamento preventivo dos primeiros casos que forem submetidos ao Poder Judiciário e que puderem gerar a multiplicação de processos sobre idêntica controvérsia.
Nestes termos, se assiste a utilização destes padrões decisórios para gerar uma profusão numérica de julgados, sem o devido respeito ao modelo constitucional de processo, especialmente quando se percebe os novos papéis que a Jurisdição e o processo viabilizam na implementação de direitos em nosso país pós 1988.[4]
Encampa-se, assim, a ideia (especialmente no PL 8.046/2010 para um novo CPC) de que uma vez firmada jurisprudência em certo sentido, esta deve, como norma, ser mantida, salvo se houver relevantes razões recomendando sua alteração (overruling).
Devemos tematizar se esta seria a solução mais idônea eis que potencialmente uma solução molecular fruto de um processo coletivo, com ampla participação dos interessados e renovada aplicação do contraditório, poderia ofertar uma resposta bem mais legítima do que uma decisão fruto de um recurso pinçado (artigos 543 A, B, e C, CPC) e julgado com rapidez por um Tribunal Superior.
Há de se repisar que o problema das demandas repetitivas não é somente numérico, eis que o processo civil viabiliza a obtenção de direitos fundamentais, muitas vezes não ofertados pela Administração Pública com políticas idôneas de inclusão (v.g. no campo da saúde e previdência social), o que, desde já, inviabiliza a análise da questão tão somente visando um aumento numérico de julgados, vistos como dados de produtividade.
O processo é garantia e a padronização de julgados (precedentes) deve ser formatada e aplicada a partir deste pressuposto.
Nestes termos a aplicação dos padrões decisórios deveria seguir um iter mínimo de aplicação.[5]
Padrões decisórios não podem empobrecer o discurso jurídico, nem tampouco serem formados sem o prévio dissenso argumentativo e um contraditório dinâmico, que imporia ao seu prolator buscar o esgotamento momentâneo dos argumentos potencialmente aplicáveis à espécie. Não se trata de mais um julgado, mas de uma decisão que deve implementar uma interpretação idônea e panorâmica da temática ali discutida. Seu papel deve ser o de uniformizar e não o de prevenir um debate.
Espera-se que estas preocupações, já direcionadas anteriormente a Câmara dos Deputados, permita o amadurecimento e adequação constitucional dos institutos projetados naquela Casa Legislativa, de modo a permitir um uso legítimo dos precedentes judiciais em nosso país.

[1] Pois seria necessária uma abordagem muito mais panorâmica do sistema de aplicação de direitos em nosso país. Cf. THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle. O princípio do contraditório. Revista de Processo, v. 168.
[2] Em pesquisa realizada pelo CNJ em diversos países se constatou que taxa de congestionamento no Brasil é muito alta. Segundo o texto do documento: “O Brasil é o país que apresenta maior taxa de congestionamento, 70%, seguido de Bósnia e Herzegovina e Portugal, com 68 e 67%, respectivamente. Observa-se elevada diferença entre a taxa mais alta, de 70%, e a mais baixa, de 3%, referente à Federação Russa. Assim como a maior taxa de congestionamento, o Brasil também apresenta o maior número de advogados por magistrado, seguido por Itália e Malta, com 25 e 33 advogados, respectivamente, conforme apresentado na tabela. Como a elevada proporção de advogados em relação a magistrados pode indicar que existe elevada propensão ao litígio e relativa incapacidade de fazer frente a essa tendência, analisou-se o coeficiente de correlação entre a proporção de advogados por magistrados e a taxa de congestionamento. Obteve-se como resultado um valor de 61,8%. Isso significa que há relação alta e significativa entre essas duas variáveis. Ou seja, quanto maior o número de advogados por magistrado, maior tende a ser a taxa de congestionamento desses países. […] O Brasil possui a terceira maior produtividade quando comparado aos países da Europa. Não obstante, contrariamente à Dinamarca, essa produtividade é ainda inferior à carga de trabalho, e isso se reflete em uma taxa de congestionamento alta. Pode-se dizer que o Brasil está em posição intermediária entre a Bósnia e Herzegovina e a Dinamarca. CNJ. Estudo Comparado Sobre Recursos, Litigiosidade e Produtividade: a prestação jurisdicional no contexto internacional. Brasilia: CNJ, 2011.
[3] “Art. 930. É admissível o incidente de demandas repetitivas sempre que identificada controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.
[4] Sobre os novos papéis do processo e da jurisdição Cf. NUNES, Dierle et al. Curso de direito processual civil: fundamentação e aplicação. Belo Horizonte, Fórum, 2011, Cap.1.
[5] NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva.A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo, vol. 189, p. 38, São Paulo: Ed. RT, set. 2011.
Dierle Nunes é advogado, professor adjunto na UFMG, FDSM e PUCMinas e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia.
Revista Consultor Jurídico, 6 de agosto de 2012

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