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sábado, 12 de abril de 2014

NOVAS TENDÊNCIAS NA JURISPRUDÊNCIA DO STF E A JURISTOCRACIA

Novas tendências na jurisprudência do STF e a juristocracia

 
“O primeiro grande tema do constitucionalismo moderno é a democracia; o segundo é sua limitação.” Essa é uma das inúmeras frases de efeito que compõem o livro A nova separação de poderes, de Bruce Ackerman.[1] O texto, como o próprio nome indica, defende uma renovada compreensão acerca da vetusta ideia de separação de poderes na perspectiva de refletir sobre um modelo no interior do qual o exercício do poder político sofra controles internos mútuos — não necessariamente vinculados às três clássicas funções — tendo como mote o ideal de um governo efetivamente limitado.
No livro de Ackerman, a questão é colocada a partir do inexorável ponto de intersecção que vincula o conceito de separação de poderes ao de sistema de governo. E o autor não esconde suas principais intenções: quer expor criticamente as “numerosas desvantagens dos sistemas presidencialistas” em relação aos modelos parlamentaristas mais contemporâneos (que incorporam mecanismos de limitação das maiorias eventuais e controle sobre excessos eleitorais). Mais especificamente, sua critica está dirigida à exportação do modelo estadunidense de presidencialismo para outras realidades culturais cujo a América Latina talvez seja o maior exemplo. Claro que tais desvantagens são vistas a partir de um ponto específico: a questão da limitação do poder e da realização no maior grau possível da concepção de autogoverno.
O modelo por ele defendido representa, na verdade, uma provocação ao debate. É chamado de parlamentarismo limitado — que não existe em completude em nenhum sistema político contemporâneo – mas que é pensado a partir de uma analise comparada de uma série de engrenagens que compõem os sistemas constitucionais democráticos atuais. O resultado é um modelo complexo de controles de maiorias eventuais — por um Tribunal especializado, nos moldes dos Tribunais Constitucionais ad hoc — somado a recalls legislativos, adoção de corpos legislativos com duas casas que se relacionam, cada qual, de forma diferente com o gabinete do executivo e, ainda, um órgão externo, não vinculado a nenhuma das funções tradicionais, e especializado na função de exercer o controle do cumprimento das regras eleitorais (desde financiamento de campanhas, até a formação de coalisões etc).
Para além da discussão sobre a viabilidade do modelo proposto por Ackerman, o elemento mais significativo projetado pelo texto aparece na mensagem, implícita em todo o argumento do autor, de que a engenharia constitucional que preside a concepção de separação de poderes não pode ser pensada como uma máquina com engrenagens fixas e que, com o tempo, acabam por se tornar obsoletas. Ao contrário, esse arranjo político esta sujeito a revisões periódicas que podem levar a transformações profundas no modo como cada elemento desse sistema se relaciona com os outros e como se estabelecem mecanismos de controle.
Se esse aspecto mecânico pode apresentar transformações temporais, há um traço que se apresenta como elemento nuclear e essencial na articulação de todos esses fatores: a concepção de democracia e sua necessária limitação. O centro do debate é determinado, então, não pelos aspectos estruturais que caracterizam cada uma das funções do governo, mas, sim, sobre o que é necessário fazer para concretizar uma fórmula política democrática e o ideal de um governo limitado. Nada novo. Algo que deita raízes no conceito de governo misto e que está retido em Montesquieu e nas suas observações relativas à necessidade de um poder que controla o próprio poder. O que há de novo são as possibilidades de se levar esse ideário à realização. Nesse aspecto, a engenharia constitucional produz novos materiais, engrenagens que são interessantes do ponto de vista jurídico-político.
Toda essa discussão está na ordem do dia, levando-se em conta as recentes tendências da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, prevalecendo o entendimento adotado pela maioria dos ministros no julgamento da Reclamação 4.335/AC e da ADI 4.650/DF, não há dúvidas de que a arquitetônica da separação de poderes que oferece os contornos de nosso modelo constitucional está sofrendo um processo de reforma. E, é importante frisar, isso não está acontecendo na perspectiva de um planejamento adequado, cuidando para evitar rachaduras em nosso edifício democrático. Pelo contrário, no modo como estamos fazendo, a reforma está seguindo mesmo é a lógica do “puxadinho”.
Na Rcl 4.335/AC a maioria decretou, embora por diferentes motivos, o enterro da remessa ao Senado (artigo 52, inciso X da CF/1988) como um instrumento de verificação política das decisões de inconstitucionalidade exaradas pelo STF em sede de controle difuso de constitucionalidade. Ressalte-se que, mais além do aspecto pragmático que reveste o problema da generalização dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal nos casos de suspensão da execução da lei, o instituto da remessa ao Senado deve ser encarado, também, como uma possibilidade de controle da atividade do STF pelo Senado.
No caso desta reclamação, há que se consignar que o resultado que agora se confirmou já se projetava como provável desde os idos de 2007. Naquele momento, a doutrina jurídica — que tem a tarefa de constranger os significados articulados pelo judiciário em suas decisões — quedou-se praticamente silente com relação ao problema posto. Salvo as exceções do texto de Lenio Streck, Marcelo Cattoni e Martonio Barreto Lima (clique aqui para ler) e de Nelson Nery Jr.[2], boa parte do constitucionalismo brasileiro ou aderiu à posição ou adotou uma postura meramente descritiva para o caso. Aliás, já está encomendada, em parceria com Lenio Streck, uma outra coluna sobre os aspectos simbólicos da não doutrina. Voltaremos, portanto, a essa temática.
Já  com relação à ADI 4.650/DF, o que ficou determinado pela já formada maioria dos ministros implica uma clara intervenção do Supremo no âmbito eleitoral, conferindo ao Poder Judiciário uma função de controle que vai além de suas atribuições constitucionais. Já foi dito, inclusive pelo ministro Luís Roberto Barroso, que inconstitucionalidade, a princípio, não há (no financiamento eleitoral por pessoas jurídicas). Por tudo o que já foi exposto, inclusive neste mesmo Diário de Classe, a atividade do judiciário na ADI 4.650 esta fora do âmbito do controle de constitucionalidade. No caso, o Judiciário está agindo como saneador do processo eleitoral realizando um controle do próprio modelo de financiamento de campanhas vigente no direito brasileiro. A possibilidade — de fiscalização do processo eleitoral, inclusive no que tange ao financiamento de campanhas — pode ser algo salutar para aperfeiçoamento democrático do processo e fortalecimento da ideia de limitação do poder. Sem dúvida, trata-se de algo que cabe dentro desse debate acerca da nova separação de poderes. O próprio Bruce Ackerman propõem algo que ele nomeia como poder supervisor da democracia: um órgão burocratizado com função específica de controle do processo eleitoral mas que esta fora da estrutura orgânica do Poder Judiciário ou de qualquer outra das funções tradicionais de governo. Todavia, no julgamento da referida ADI, o Supremo reservou para si essa tarefa de controle do processo eleitoral dando ares de que a decisão que se tomava representava um exercício de controle de constitucionalidade.
Em suma, na nova separação de poderes à brasileira, o que se apresenta diante de nós não é uma formula que radicalize a concepção de um governo limitado, mas um caminho (sem volta?!) em direção a um fortalecimento cada vez maior dos poderes concentrados em torno do STF. Mais uma capítulo de nossa juristocracia. E o mais inquietante dessa história é que essa marcha da concentração do poder tem como fonte a própria jurisprudência da Corte. Além dos dois julgamentos acima retratados, é possível incluir também o entendimento já sedimentado e que foi reprisado no MS 32.033 a respeito da possibilidade de controle de constitucionalidade preventivo.
De fato, é preciso reconhecer que somos mesmo premiados no quesito engenharia constitucional. Além de sofrermos com os problemas decorrentes do nosso presidencialismo de coalisão — que Ackerman entende como sendo uma “modalidade tóxica de presidencialismo”, porque faz um mix entre presidencialismo e sistema eleitoral proporcional — convivendo com uma oscilação institucional perniciosa em que ora o executivo é muito forte e coopta o legislativo; ora o executivo é muito fraco e é cooptado pelo poder legislativo, temos também que nos preocupar com essa tendência autocrática que parece prevalecer no Supremo Tribunal Federal.
Certamente, nos dedicamos muito a falar dos riscos de uma juristocracia no plano da interpretação constitucional, cujo marco conceitual é dado pelo ativismo judicial. Mas é preciso permanecermos vigilantes também no que tange às transformações na nossa engenharia constitucional de separação de poderes. O Supremo Tribunal Federal, nessas novas tendências jurisprudenciais que tem adotado, não está praticando apenas uma modificação interpretativa. Está alterando a “máquina”, revolvendo a engrenagem que movimenta o governo em uma democracia.
Vale perguntar: estamos ganhando o quê com isso? Há maior limitação do poder e consequente valorização do ideal democrático de autogoverno? Parece-me que não. Talvez seja o caso de nos preocuparmos um pouco mais com a Política. Escrita assim mesmo, com “P” maiúsculo. Política como a arte do melhor governo. Política entendida não apenas numa perspectiva realista, mas também em uma perspectiva prescritiva. Deixo-vos com um convite à reflexão. O texto é de Giovanni Sartori:
“Um astrônomo que discute Filosofia, um químico que discorre sobre Música, ou um poeta que conversa sobre Matemática não emitem menos absurdos do que o cidadão comum quando entrevistado sobre política. A diferença está em que o astrônomo, o químico e o poeta evitarão geralmente o papel de tolos alegando desconhecimento, enquanto que o cidadão é forçado a preocupar-se com a política e no meio da incompetência geral ele já não percebe que é um asno. Assim, a única diferença reside em que nas outras zonas da ignorância somos avisados para pensar em nossos próprios afazeres, enquanto que no reino político somos encorajados a assumir atitude oposta, e assim acabamos por não saber que desconhecemos tudo.”[3] 

[1] Cf. Ackerman, Bruce, La nueva división de poderes. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2011, Kindle Edition, pos. 996.Registre-se que o livro encontra-se traduzido para o português pela editor Lumen Juris.
[2] Cf. NERY JÚNIOR, Nelson. Anotações sobre mutação constitucional – Alteração da Constituição sem modificação do texto, decisionismo e Verfassungsstaat”.In: Direitos Fundamentais e Estado Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet e George Salomão Leite (org.) São Pao: Revista dos Tribunais, 2009, p.94.
[3] Sartori, Giovanni. Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965, p. 91.
 
Rafael Tomaz de Oliveira é advogado, mestre e doutor em Direito Público pela Unisinos e professor universitário.
Revista Consultor Jurídico, 12 de abril de 2014

segunda-feira, 31 de março de 2014

CINCO NOVAS SÚMULAS DA PRIMEIRA SEÇÃO REFORÇAM TESES DE RECURSOS REPETITIVOS

Cinco novas súmulas da Primeira Seção reforçam teses de recursos repetitivos
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou nesta quarta-feira (26) cinco novas súmulas, todas baseadas em teses firmadas em recursos representativos de controvérsia repetitiva.

Anatel

A Súmula 506 afirma que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não é parte necessária nas ações contra operadoras que discutem contratos. Diz o texto aprovado: “A Anatel não é parte legítima nas demandas entre a concessionária e o usuário de telefonia decorrentes de relação contratual.”

A tese foi firmada no âmbito do Recurso Especial (REsp) 1.068.944, que tratou também da legitimidade da cobrança de tarifa básica de telefonia. O caso foi julgado em 2008 pela Seção.

Auxílio-acidente e aposentadoria

Na Súmula 507, a Seção esclarece que “a acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do artigo 23 da Lei 8.213/91 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho”.

Esse entendimento foi consolidado pela Seção em 2012, no REsp 1.296.673. A data corresponde à edição da Medida Provisória 1.596/97-14, convertida na Lei 9.528/97. Até essa norma, o artigo 86 da Lei 8.213 permitia a cumulação dos benefícios. Depois, a aposentadoria passou a computar em seu âmbito o auxílio-acidente.
Cofins de sociedades civis
A Súmula 508 reitera que “a isenção da Cofins concedida pelo artigo 6º, II, da LC 70/91 às sociedades civis de prestação de serviços profissionais foi revogada pelo artigo 56 da Lei 9.430/96”.

Entre 2003 e 2008, o STJ manteve súmula que afirmava essa isenção. No julgamento da Ação Rescisória 3.761, em novembro de 2008, a Seção cancelou o enunciado, entendendo que o tema era de competência do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse tribunal havia julgado o tema em repercussão geral em setembro daquele ano.

Em 2010, no REsp 826.428, a Primeira Seção alinhou-se ao entendimento do Supremo, julgando incidente a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre o faturamento das sociedades civis de prestação de serviços profissionais.

ICMS de nota inidônea

O comerciante que compra mercadoria com nota fiscal que depois se descobre ter sido fraudada pela vendedora tem direito ao aproveitamento de crédito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), desde que comprove ser real a aquisição.

É o que diz a Súmula 509, na linha do estabelecido pelo STJ no REsp 1.148.444 em 2010: “É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.”

Para o STJ, o comprador de boa-fé não pode ser penalizado pela verificação posterior de inidoneidade da documentação, cuja atribuição é da Fazenda.

Transporte irregular

A Súmula 510 repete e consolida outro entendimento do STJ pacificado em repetitivo de 2010: “A liberação de veículo retido apenas por transporte irregular de passageiros não está condicionada ao pagamento de multas e despesas.”

Naquele julgamento, os ministros entenderam que a pena administrativa por transporte irregular de passageiros não inclui o pagamento prévio de multas e despesas com a apreensão do veículo.

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, essas medidas são cabíveis no caso de apreensão de veículo sem licenciamento. Mas não há essa previsão específica na hipótese de apreensão por transporte irregular de passageiros.

quinta-feira, 27 de março de 2014

MARCO CIVIL DA INTERNET É UM VERDADEIRO NONSENSE

Marco Civil da Internet é um verdadeiro nonsense

 
Como o próprio nome já esclarece o Marco Civil da Internet possui precipuamente uma única finalidade: ser o ground zero da internet do Brasil.
Busca-se com esta pedra fundamental da internet normatizar, de modo geral, não apenas a utilização da própria internet em solo brasileiro, como também as situações reflexas à utilização desta. Portanto, sem qualquer dúvida, trata-se de valioso instrumento normativo que, aliás, há muito já vem fazendo falta em solo brasileiro.
Contudo, não obstante a valiosa iniciativa, não podemos deixar de externar nossa crítica ao substitutivo projeto de Lei 2.126/11, aprovado pela Câmara em 25 de março de 2014 e remetido ao Senado, notadamente em relação aos artigos 11 e 13, com a nova redação dada pela Câmara.
Isto porque, os dois dispositivos legais, à luz da atual dinâmica da tecnologia da informação, não possuirão qualquer eficácia no mundo fenomênico; não serão hábeis a coibir a prática de delitos praticados por meio ou contra sistemas informáticos. Vejamos:
Como já cediço, o ordenamento de ritos procedimentais em matéria penal não obriga o titular da ação penal, seja ela pública ou privada, à existência prévia do inquérito policial para poder embasar a peça acusatória inicial.
O legislador, em síntese, entendeu que bastam indícios de autoria e materialidade do crime para que se possibilite a instauração de uma ação penal. No entanto, como se verifica do cotidiano forense o inquérito policial é um valioso instrumento para se elucidar uma prática delitiva.
Contudo, é inegável que a investigação policial não é um procedimento célere o suficiente a atender as exigências investigativas de muitos crimes, como, por exemplo, os crimes eletrônicos.
Muito embora o Código de Processo Penal, em seu artigo 10, estabeleça que o inquérito policial possui prazo de duração de “(...) 10 (dez) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente (...) ou “(...) 30 (trinta) dias, quando estiver solto (...)” prorrogáveis a critério do Magistrado, é certo que a praxis forense nos mostra que a duração média de uma investigação é de pelo menos 214 dias [1].
Trata-se, inequivocamente, de número bastante alto levando-se em consideração outro país, como os Estado Unidos da América que, por meio do Federal Speed Trial Act, propicia que determinados crimes sejam investigados, processados e julgados em no máximo 100 dias.
Pois bem. Esta ponderação parece mais do que óbvia e, portanto, o leitor deve estar se questionando o porquê de tantas palavras a respeito.
Acontece, pesa dizer, que não nos parece que esta obviedade atingiu a mente do legislador quando da redação dos artigos 11 e 13 (com a nova redação dada pela Câmara dos Deputados) do substitutivo ao projeto de Lei n. 2.126/11. Vejamos:
É que, determinará a lei — caso venha ser aprovada nestes termos — que o provedor de acesso à internet (administrador do sistema autônomo[2] ) registre e mantenha a guarda, sob sigilo, de todas as conexões que os endereços de IP que por ele passarem para acessar a internet, bem como que sites como o Google, guardem os históricos de navegação de seus usuários.
Pretende o legislador, assim, preservar os dados que correspondem aos registros de conexão e acesso a sites, informações indispensáveis à investigação, haja vista permitir identificar o computador por meio do Internet Protocol e, logo, o autor de um delito.
Trata-se de meio cujo fim é garantir a preservação de prova hodiernamente indispensável para a apuração e.g. de crimes que cada vez mais são praticados se não contra sistemas informáticos, o são cometidos por meio destes.
Contudo, se questiona: será que do modo como os citados artigos se encontram redigidos, a finalidade será alcançada? Será que se transportarmos a teoria colocada na lei à realidade prática brasileira, esta possuirá efetividade?
A nós, concessa venia, parece que não. E, para assim se concluir, não se mostra necessário muito esforço. Diga-se isso pois, como aqui já mencionado, as investigações de crimes no Brasil não é tarefa das mais fáceis e rápidas de se executar.
De fato, segundo estudo realizado pelo Juiz Federal Vilian Bollmann [3], entre a data da ocorrência de um crime e aquela em que o inquérito policial é instaurado decorrem, em média, nada menos do que 452 (quatrocentos e cinquenta e dois) dias.
Isto é, na média, a Autoridade Policial somente toma conhecimento dos fatos, ou inicia, formalmente a investigação dos fatos, decorridos praticamente 1 ano e 3 meses desde a sua ocorrência.
Significa dizer, assim, que apenas após este imenso prazo é que se poderá cogitar a realização de diligências no sentido de buscar identificar o autor de um crime, vez que neste número não está computado o prazo de duração do próprio inquérito policial que, como aqui citado, gastam outros 214 dias, em média.
Eis, pois, o motivo pelo qual, à luz do quanto dos prazos de guarda dos dados estipulado nos artigos 11 (um ano) e 13 (seis meses) do substitutivo ao projeto de lei 2.126/11, a eficácia da norma e, consequentemente, a própria punibilidade dos autores de crimes que se valem da internet para o seu cometimento estão colocadas em xeque.
Ora, se a instauração de uma investigação demanda mais de 1 ano para ser formalizada, parece mais do que óbvio que obrigar os provedores de internet a guardarem os registros de conexão pelo prazo de 1 ano ou 6 meses, no caso dos sites como o Google é o que basta para que as provas destes crimes se percam.
Como bem assenta o Professor Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos, Presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, “(...) As provas dos crimes cibernéticos possuem um alto grau de volatilidade, ou seja, quando se está analisando um sítio que está no ar, operando na rede mundial de computadores, estes de uma hora para outra se “apagam” (...)”[4].
Resta mais do que claro que, a persistir a estipulação de prazos tão ínfimos para se guardar registros de conexão e acessos a determinados sites, muitos dos delitos praticados contra ou por meio da internet não serão passíveis da devida investigação pelo só fato de que a prova que vista rastrear e identificar seus autores não existirá mais.
Não se nega que o próprio projeto de lei, ora na berlinda, tenta estabelecer meios que possam evitar esse perecimento da prova eletrônica, em especial ao estabelecer nos parágrafos do artigo 11 e 13 a possibilidade de se realizar uma guarda cautelar.
Porém, a nós parece que esta previsão ainda é deveras tímida, haja vista que, como aqui já se demonstrou, o momento de maior risco de perecimento desta prova não é após as autoridades policiais já terem tomado conhecimento do feito, instaurando-se o competente inquérito policial.
O grande problema, e daí a necessidade de se estender este prazo legal, reside no fato de que, no Brasil, o lapso temporal entre a ocorrência de um fato criminoso e a instauração da investigação correlata demora-se mais de um ano.
Em melhores palavras, ainda que a lei preveja a possibilidade de guarda cautelar desta prova, na prática, quando a Autoridade Policial viesse buscá-la, esta certamente seria inócua, posto que a prova pretendida não mais existirá nos sistemas informatizados dos provedores de conexão à internet. Mutatis mutandis, a subsistir este irrisório prazo, a própria Lei estaria afiançando que muitos — para não dizer a maioria — daqueles que praticam crimes contra ou por meio de computador conectados à internet, estariam “imunes” de qualquer ação punitiva do Estado no prazo máximo de 1 ano.
Isto mesmo, porque se transcorrido este prazo, sem que o Estado-Acusador tenha tido ciência da sua ocorrência e consequentemente tenha, por exemplo, determinado aos provedores de conexão de internet a guarda dos registros de conexão, a prova de que ocorreu e.g. um acesso indevido a um banco de dados da Administração Pública, crime previsto no artigo 325, parágrafo 1, I do Código Penal, já terá se perdido.
E, com isso, não será viável estabelecer um nexo de causalidade entre o acesso indevido e o agente criminoso, pelo só fato de que não se terá como saber qual foi o computador que acessou este banco de dados e, por conseguinte, não se poderá buscar sua localidade ou e principalmente, o seu usuário.
Em resumo, diante da ausência desta prova, não se conseguirá obter sequer o indício de autoria, indispensável para se iniciar uma persecutio criminis, quiçá prova concreta para ensejar uma condenação.
Afinal, embora o Direito Penal garanta ao Estado-Acusação prazo sempre pautado pela gravidade do delito (a prescrição), o Marco Civil — se aprovado nos termos atuais — acaba por restringir a apuração de uma prática delitiva em seu nascedouro, salvo se o crime já tiver sido descoberto e medidas cautelares já tiverem sido tomadas a fim de preservar a prova.
Afinal, de que adianta possuir 20 anos para investigar, processar e punir, se a rainha das provas, ou senão a única, muitas das vezes já pereceu? De que adianta garantir ao Estado anos para executar a sua pretensão punitiva se este, na prática, não dispõe de meios sequer para formular uma acusação?
Ao menos para nós, parece que ambas as perguntas só possuem uma única resposta: NADA, não adianta nada.
E eis o porquê de se registrar a ausência de razoabilidade entre os prazos dos artigo 11 e 13 (este último com a nova redação dada pela Câmara) ante aos prazos que o Estado possui para processar — leia-se investigar, processar e julgar — uma pessoa.
Aliás, esta ausência de razoabilidade torna-se mais ululante ao compararmos, por exemplo, o prazo de 1 ano estabelecido pelo artigo 11 do Marco Civil com os prazos que outras legislações de nosso ordenamento jurídico impõem às pessoas físicas e jurídicas brasileiras.
Neste ponto, cite o prazo de 5 anos que o Código Tributário Nacional estipula como sendo o obrigatório para conservação do livros de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados.
Isto é, quando o assunto é arrecadar, o legislador estabelece prazo cinco vezes maior para a guarda de documentos que, em última análise, são provas para a ação da fiscalização, ao passo que, quando se visa garantir o combate a determinada espécie de criminalidade, o prazo se resume a um.
Ora, nada mais se mostra necessário dizer para se concluir que o prazo de 1 ano e 6 meses ora em voga são absolutamente desarrazoado e não se prestam a conferir à norma a sua verdadeira eficácia e, como já diziam os adeptos do realismo jurídico, de nada presta uma lei que não seja eficaz.
Bem por isso, a nosso entender, o mais correto seria o alargamento deste prazo, estipulando um quantum de tempo que se mostre suficiente para que o Estado, com toda a sua infeliz burocracia, consiga, por exemplo, iniciar uma investigação criminal sabendo que os registros de conexão do agente criminoso ainda não foi licitamente inutilizado pelo provedor de conexão.
Em razão da tormentosa tarefa que é a investigação criminal no Brasil, dever-se-ia realizar, primeiramente, um levantamento em âmbito nacional para se aferir o tempo que hodiernamente as Autoridades Policiais vêm gastando até solicitar os registros de conexão quando deparadas com estas espécies de crimes.
Diga-se isso pois, somente de posse destes dados concretos é que se poderá estabelecer um prazo proporcional e razoável para que os provedores de conexão mantenham a guarda dos registros de conexão, máxime à luz das políticas públicas de repressão e combate à criminalidade moderna que se dá por meios informáticos e internet.

[1] BOLLANN. Vilian. Medindo o tempo no processo penal. Disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/apg_VilianBollmann.pdf. Acessado em 11.11.12, às 16:08 hrs.
 
[2] Vide Art. 5∘do mencionado dispositivo legal: “Art. 5º Para efeitos desta Lei, considera-se: (…) III – administrador de sistema autônomo: pessoa física ou jurídica que administra blocos de endereço de Internet Protocolo – IP específicos e o respectivo sistema autônomo de roteamento, devidamente cadastrada no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geograficamente referentes ao País; (…)
[3] 3BOLLANN. Vilian. Medindo o tempo no processo penal. Disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/apg_VilianBollmann.pdf. Acessado em 11.11.12, às 16:08 hrs.
[4] SANTOS, Corliolano Aurélio de Almeida Camargo. As múltiplas faces dos Crimes Eletrônicos e dos Fenômenos Tecnológicos e seus reflexos no universo Jurídico. 2009. Disponível em http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-eletronico-crimes-alta-tecnologia/livro-sobre-crimeseletronicos. Acessado em 11.11.12, às 22:10 hrs.
Luiz Augusto Sartori de Castro é advogado, sócio do MCP Advogados — Machado Castro e Peret, formado em Direito pela PUC-SP, pós-graduando em Direito Eletrônico, Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal, professor Assistente de Direito Penal na PUC-SP, professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal da Escola Paulista de Direito (EPD) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB-SP e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2014

quarta-feira, 26 de março de 2014

MARCO CIVIL DA INTERNET É APROVADO NA CÂMARA

Marco Civil da Internet é aprovado na Câmara

 
Após meses de impasse, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira (25/3) o Marco Civil da Internet, projeto que estabelece direitos e deveres para usuários e provedores. O texto aprovado, com 32 artigos, mantém uma das regras polêmicas: a que estabelece a neutralidade de rede, determinando que os usuários sejam tratados da mesma forma pelas empresas que gerenciam conteúdo e pelas que vendem o acesso à internet. Fica proibida a suspensão ou a diminuição de velocidade no acesso a determinados serviços e aplicativos e também a venda de pacotes segmentados por serviços — de acesso só a redes sociais ou só a vídeos, por exemplo. A medida preocupa empresas do setor.
O PL 2126/2011 — cujo substitutivo aprovado não havia nem sido entregue aos deputados no início da sessão — passou em meio a bate-boca, gritos acalorados e discussões sobre assuntos que nada tinham a ver com o caso, como se houve ou não um golpe militar no Brasil em 1964. A proposta ainda seguirá para votação no Senado.
O relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), mudou trecho que concede à Presidência da República o poder de regulamentar exceções à neutralidade da rede, por decreto. Essa possibilidade ficou restrita a exceções citadas expressamente na lei: serviços de emergência e por razões técnicas, com submissão à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao Comitê Gestor da Internet. “Agora teremos a garantia de que não haverá o chamado ‘cheque em branco’ para o Poder Executivo”, afirmou o líder do DEM, Mendonça Filho (PE), cuja sigla passou a apoiar a votação do Marco Civil.
O governo federal também abriu mão da tentativa de obrigar que provedores tenham data centers no Brasil para armazenar dados de navegação em território nacional, com o objetivo de facilitar o acesso a informações em casos específicos. Críticos diziam que a medida seria inócua e poderia aumentar os custos das empresas, que seriam repassados aos usuários.
 
Responsabilidade das empresasMolon, porém, manteve o entendimento de que os provedores de internet só serão considerados responsáveis por publicações ofensivas postadas na rede caso descumpram ordem judicial mandando retirar o conteúdo. A exceção fica para imagens e vídeos com cenas de nudez ou sexo. Nesse caso, as empresas serão responsabilizadas subsidiariamente por conteúdo veiculado por terceiros se ignorarem notificação apresentada por um participante da cena em questão ou por seu representante legal.
O líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), avaliava que em quaisquer casos a empresa já deveria ser responsabilizada quando fosse notificada pelo ofendido e não retirasse o conteúdo. Mas ele desistiu de apresentar destaque para alterar o dispositivo. A bancada do partido chegou a um acordo com o governo e retirou outros destaques que poderiam atrasar a tramitação do projeto.
A disponibilização de dados pessoais e conteúdo de comunicações privadas fica condicionada a ordem judicial. Se a empresa da área deixar de proteger informações pessoais, pode ser multada em até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil e ter até atividades suspensas temporariamente ou proibidas. Segundo o substitutivo aprovado, é assegurado ao usuário o direito de acessibilidade, de contar com a manutenção da qualidade da conexão à internet contratada e de ter excluídos dados pessoais quando encerrar relação com algum serviço contratado na rede.
O PPS foi vaiado ao votar contra o projeto. O deputado federal Roberto Freire (SP) definiu a proposta como um “atentado à liberdade”. Ele disso no plenário que, ao disciplinar a internet, a lei permitiria o controle do que é veiculado e até a proibição do uso do Twitter e do Facebook. Na mesma linha, o deputado Emanuel Fernandes (PSDB-SP) disse que o Marco Civil inventa a figura do “guarda da infovia” — possibilidade de o governo federal controlar as informações que circulam na internet. Com informações da Agência Câmara Notícias.
 
Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2014

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

EQUÍVOCOS EM PROJETO DA MEDIAÇÃO PODEM SER SANADOS

 


Equívocos em Projeto da Mediação podem ser sanados

Por Rêmolo Letteriello



O Diário do Senado Federal, de 23 de outubro passado, publicou o Projeto de Lei do Senado 434, de 2013, que dispõe sobre a mediação. O Projeto deriva da conclusão dos trabalhos da Comissão de Especialistas instituída pela Portaria 2.148, de 29 de maio de 2013, do Ministério da Justiça, para discutir o marco legal da mediação e conciliação no Brasil, com o objetivo de avaliar, debater e elaborar propostas para subsidiar os devidos ministérios e órgãos do governo federal, visando o aprimoramento e modernização da legislação sobre as formas adequadas de solução de conflitos.

Ao examinar o texto integral, constatamos a existência de alguns equívocos e outras impropriedades e incorreções, que podem ser sanados quando da tramitação da proposição. Pensando em tornar melhor as disposições do Projeto, a título de colaboração, encaminhamos ao seu autor, senador José Pimentel (PT-CE), um tanto de sugestões que reputamos pertinentes e oportunas sobre a matéria. As propostas de alterações das regras constantes do Projeto foram todas acompanhadas de justificativas que, seguramente, serão sopesadas e bem examinadas pelo autor e demais eminentes senadores.

As sugestões apresentadas são as seguintes:

No Capítulo I das Disposições Gerais, o parágrafo único do artigo 1°, ao definir a função do mediador, estabelece que ele “promove a comunicação” entre as partes, para prevenir o conflito e buscar o consenso. Sugerimos a substituição da palavra “promove” por “restaura”, porque, na verdade, na mediação, não se promove, não se provoca, não se dá início a uma comunicação entre os mediandos, mas se restaura, se restabelece a comunicabilidade perdida, perda que deu causa ao conflito.

O artigo 2° aponta, entre os princípios fundamentais da mediação, o “consensualismo”, expressão que, no nosso entender, deve ser substituída por “consensualidade”. É que “consensualismo” significa uma posição que seria adotada, no caso, pelos conflitantes, ao passo que a expressão “consensualidade” representa uma característica da mediação, sendo, portanto, o termo apropriado.

No Capítulo II — Dos Mediadores, o artigo 6° prescreve que o mediador “conduz o processo de comunicação”. É de se anotar que o mediador conduz o processo de mediação e não de comunicação; o facilitar da comunicação entre as partes é um dos atos de desenvolvimento da mediação que integra o seu procedimento e não o processo. Registra-se, também, que entre as atividades do mediador está a de eliminar a causa primordial do conflito, que se assenta, recorrentemente, na ausência de comunicação entre as partes, cumprindo-lhe, portanto, torná-la acessível para permitir, a partir daí, o desenrolar eficiente do procedimento com o estabelecimento de uma relação confortável entre os mediandos. Em vista disso, sugerimos que se estabeleça que o mediador “conduz o processo de mediação, abrindo os canais de comunicação entre as partes”.

O artigo 14 do Capítulo que cuida dos Mediadores (III) estabelece os “critérios” a serem preenchidos por aquele que pretende se cadastrar como mediador judicial. Propomos a substituição do vocábulo “critérios” por “requisitos”, justificando que critério admite apenas três sentidos: com relação a método pode significar modo, norma, preceito, regra, sistema, etc.; referentemente a parâmetro pode representar base, medida, padrão, fundamento, etc., e relativamente a discernimento pode exprimir bom senso, discrição, equilíbrio, juízo, ponderação, razão, etc. Nenhum deles tem aplicação na hipótese, de sorte que a denominação dos pressupostos para que uma pessoa seja apta a exercer a função de mediador judicial não há de referir-se a critério e sim a requisito que tem o significado de condição — condição para ser mediador.

Na regulamentação do Procedimento da Mediação (Capítulo IV), na Seção I — Disposições Gerais, o parágrafo 3° do artigo 18 do Projeto estatui que o dever de confidencialidade aplica-se às partes, seus advogados ou defensores públicos, bem como aos assessores técnicos e outras pessoas de confiança do mediador, não constando a exigibilidade daquele dever ao mediador. Por isso, oferecemos sugestão de se incluir a figura do agente mediador no rol daqueles que devem guardar confidencialidade do processo e de todo o sucedido no seu transcorrer, ajuntando que a confidencialidade é uma das normas éticas mais importantes na atuação do mediador, não fazendo sentido a omissão da sua pessoa na redação do aludido parágrafo.

O artigo 19 impõe às partes interessadas na mediação a obrigatoriedade de assinarem um “termo inicial de mediação”. A experiência tem demonstrado que a hipótese mais frequente é a do comparecimento de apenas uma das partes ao serviço de mediação, haja vista que as pessoas em conflito dificilmente se colocam em acordo para acorrerem a tal serviço. Lembramos, então, a necessidade de se acrescentar dois parágrafos ao artigo: o primeiro, prevendo a pressuposição da existência de um (a) único (a) interessado (a), caso em que a outra parte seria convidada ao comparecimento e, acedendo ao convite, receberia informações sobre o processo de mediação; e o segundo, anunciando as providências a serem tomadas no caso de aceitação da parte convidada.

O artigo 20, que relaciona o que deve conter o termo inicial da mediação, estatui, no inciso I, a obrigatoriedade de se registrar o nome, a profissão, o estado civil e o domicílio das partes e, se houver, de seu advogado ou defensor público. Ante a omissão da hipótese de as partes renunciarem à assistência daqueles profissionais, apresentamos proposta no sentido de também constar tal ocorrência no termo, justificando que, se a renúncia das partes à assistência de advogados ou defensores públicos, no processo da mediação, deve ser expressa, como inscrito no artigo 23, tal ato só pode ser registrado no termo da mediação.

Os incisos do artigo 24 anotam o conteúdo do termo final da mediação, assentando o IV, “a descrição dos direitos e das obrigações das partes, a declaração de tentativa infrutífe ra ou a descrição do consenso obtido pelas partes”. Ao propor mudança no texto, sugerimos a supressão da obrigatoriedade de se descrever os “direitos” das partes, justificando que o termo de acordo não deve fazer referência a direitos que os conflitantes possam ter, uma vez essa questão não é de ser agitada no procedimento da mediação. Como se sabe, o reconhecimento e a declaração de direitos são obtidos na esfera judicial. Na instância da mediação, o que se pondera são os interesses e posições dos mediandos, questões que não importam ao termo. Durante o procedimento da mediação, em nenhum momento se perquire sobre a existência de direitos das partes. Ainda com relação ao inciso IV, recomendamos acrescentar, no seu final, a descrição “das obrigações individuais contraídas”, posto ser necessário que se explicite as obrigações de cada mediado, particularizando os respectivos encargos, o que seria de vital importância e evidência palpável do que as partes convencionaram fazer. Finalmente, mostramos a conveniência de se remeter a expressão “declaração de tentativa infrutífera” da mediação para inciso autônomo a ser criado, nomeadamente, o VII, porquanto o registro de eventual mediação frustrada deve constar em dispositivo apartado daquele que trata da mediação bem sucedida, não fazendo sentido a previsão de dois resultados distintos num único inciso, como está no Projeto.

O artigo 25 diz que “O termo final de mediação tem natureza de título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, de título executivo judicial”. Propusemos a troca do vocábulo “natureza”, pela palavra “eficácia”, ponderando o seguinte: a natureza de um título executivo diz respeito a um documento com função de provar um direito subjetivo, ou a um ato jurídico, cuja validade depende do preenchimento de determinados requisitos. Essa simples sustentação justifica a objeção que se faz ao texto do artigo 21, uma vez que este pretende exprimir o efeito do acordo e não definir a sua natureza. Por isso, a expressão correta e adequada, do ponto de vista jurídico, é eficácia, que dá o sentido de aptidão, a permitir a instauração de uma execução extrajudicial ou de uma execução de sentença.

Na Seção II, que disciplina o Procedimento da Mediação Judicial, estabeleceu-se no artigo 26 a solicitação de mediação através de petição inicial que seria distribuída ao juízo e ao mediador. Fizemos objeção aos dois procedimentos, argumentando que a exigência de petição inicial atenta contra uma das características fundamentais da Mediação — a informalidade, que é uma das grandes vantagens desse método alternativo de resolução de conflitos. Lembramos que na mediação judicial existem duas modalidades, quais sejam, a pré-processual e a processual, sendo que a primeira, invariavelmente, é provocada pelas partes, em grande maioria, não assistidas por advogados ou defensores públicos e que têm a natural dificuldade de formular um pedido, especialmente quando dirigido a um órgão do Poder Judiciário. A outra modalidade, a processual, se inaugura ou por triagem das causas em tramitação e passíveis de mediação, ou quando remetidas pelo magistrado aos centros, núcleos ou unidades organizados para a realização de conciliação e mediação, sendo despicienda qualquer tipo de petição. Não haveria, então, distribuição ao juízo, mas encaminhamento do termo inicial (artigo 19) ao mediador que figurasse no quadro de mediadores judiciais.

Sugerimos, ainda, incluir-se no aludido artigo 26 dois parágrafos: o primeiro, para que se observassem as disposições do artigo 19 e seus parágrafos, uma vez que na mediação judicial também se faz necessário firmar o termo que consolida o início do Processo, e o segundo, para dar outra redação ao parágrafo único do Projeto, que prescreve: “Competem (sic) aos Tribunais a organização e a disciplina de funcionamento do órgão que agregará os mediadores”. Pensamos em ampliar e melhor definir a competência dos Tribunais, ponderando que as suas atribuições não devem alcançar apenas a regulamentação da organização e funcionamento do órgão que reúne os mediadores, mas também e principalmente o regramento do procedimento que, embora informal, deve ser minimamente estruturado.

O Projeto determina que, na hipótese de inexistência de consenso, o mediador lavre certidão a respeito, encaminhando-a, juntamente com a petição inicial, ao juízo (artigo 27, parágrafo 2°). A sugestão apresentada foi no sentido de se inscrever que nas duas modalidades de mediação (processual e pré-processual), o mediador determine a expedição do termo de mediação negativa, não lavrando, ele próprio, qualquer certidão ou termo. É que a tarefa de lavrar termos ou certidões compete aos servidores que atuam nos cartórios ou secretarias, e não ao mediador, que tem outras atividades e funções mais importantes a desempenhar no procedimento da mediação.

De outra sorte, ordena o parágrafo 3° do artigo 27 que, no caso de acordo, o termo respectivo “será encaminhado pelo mediador ao juízo que o homologará, desde que requerida a homologação por ambas as partes”. Apresentamos proposta para, alterando o texto, permitir que o requerimento de homologação seja feito por uma ou ambas as partes. A justificativa se assenta em que o pedido de homologação do termo de acordo é uma faculdade a ser exercida por qualquer das partes ou por ambas. É possível que um dos mediados não se interesse pela homologação, se conformando com a posse de um título executivo extrajudicial; isso, contudo, não será causa impediente para que a outra busque a homologação, a fim de possuir um título executivo com eficácia judicial e melhor se garantir em futura e eventual execução.

O artigo 28 prevê a possibilidade de isenção de custas processuais no caso de obtenção de consenso na mediação. Sugerimos o acréscimo da palavra “processual” após a expressão “mediação”. O dispositivo tem aplicação apenas na mediação processual, porquanto na pré-processual, não havendo processo, não há despesas.

O Projeto se dispõe a regular a Mediação Extrajudicial, na Seção III, do Capítulo IV, estatuindo o artigo 29 que “O convite para iniciar procedimento de mediação extrajudicial poderá ser feito por qualquer meio de comunicação”. Essa redação não condiz com o sentido daquilo que se busca normatizar, daí porque indicamos a substituição do texto por outro, invocando as disposições constantes do artigo 19, que cuidam do início da mediação, e dos parágrafos 1° e 2° (se aceitas as propostas que oferecemos a respeito), que tratam do convite, da aceitação da mediação e da firmação do termo inicial pela parte que, de início, não se interessou por ela.

Não pode prevalecer, também, a redação do parágrafo único do artigo 29 que estabelece que “será considerado rejeitado o convite para participar da mediação” se não houver resposta ao pedido, no prazo de trinta dias. Ora, o não comparecimento da parte convidada não resulta em se rejeitar o convite, mas em tornar prejudicada a tentativa de mediação. A rejeição do convite, como previsto no texto original, implica considerar em desenvolvimento um procedimento que, na verdade, sequer foi instaurado e que, se fosse, não poderia prosseguir, simplesmente, por falta da parte contrária. Entendemos que o dispositivo se torna mais lógico com a seguinte redação: “Se a parte convidada não atender à convocação, no prazo de trinta dias da data de recebimento, restará prejudicada a tentativa de mediação, consignando-se o não comparecimento no termo inicial a que se refere o art. 19”.

Sobre a conclusão do procedimento da mediação, fixou o Projeto, no artigo 31, a regra que sustenta que a mediação conclui-se com a obtenção do consenso por vontade de qualquer das partes manifestada a qualquer momento, ou pelo mediador, quando este reputar inviável o consenso. Apresentamos três sugestões para a necessária correção do artigo: a primeira, visando à substituição da expressão “por vontade de qualquer das partes manifestada a qualquer momento”, por “a que tiverem chegado as partes”, com a justificativa de que o acordo que finaliza a mediação concretiza-se quando há consenso de ambas as partes. Se um dos conflitantes resiste ou não adere às propostas apresentadas, por não satisfazer aos seus interesses, é evidente que não há consenso e, consequentemente, não há acordo, que é o principal objetivo da mediação. Por outro lado, não faz sentido a proposição de se concluir a mediação pela “vontade de qualquer das partes manifestada a qualquer momento”. É que existe um momento certo para a manifestação do consenso que leva ao acordo, momento esse que ocorre na fase final do procedimento; a segunda proposta foi a de acrescentar a conjetura da tentativa infrutífera de mediação como causa de conclusão do procedimento, ponderando que a malograda tentativa, que muito se verifica na prática, também deve constar ao lado das outras causas de encerramento do procedimento, caso contrário este permanece em aberto; e a terceira, no sentido de se eliminar a hipótese de conclusão da mediação quando o mediador reputar inviável o consenso. Sobre isso, justificamos que não é só a falta de consenso que motiva a conclusão do procedimento; outras causas como, por exemplo, o abandono ou a desistência do procedimento por uma das partes, antes mesmo da formulação das propostas, a concordância de todos os mediados no sentido de encerrar o processo, a tentativa mal sucedida de resolução do conflito etc., são também razões que justificam a finalização da mediação. Oferecemos, então, a seguinte redação para o artigo 31: “O procedimento de mediação conclui-se com a obtenção do consenso a que tiverem chegado as partes, quando frustrada a tentativa de mediação, ou pelo mediador, quando este entender que, por qualquer razão, a mediação restou prejudicada”.

São essas as propostas que apresentamos, de alterações de algumas disposições do Projeto de Lei do Senado 434, de 2013, todas elas fundadas nos conhecimentos retirados dos estudos sobre mediação e da experiência adquirida na prática da resolução de conflitos através do notável instituto. Esperamos que elas possam contribuir para o aperfeiçoamento do texto dirigido à formação de uma legislação que realmente garanta aos cidadãos o efetivo acesso ao extraordinário método alternativo de solução de disputas e de pacificação social, que é a mediação.


Rêmolo Letteriello é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e Mediador.
Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2013

domingo, 30 de junho de 2013

MJ notifica empresas sobre compras eletrônicas

O Ministério da Justiça notificou nesta terça-feira (25/6) 13 empresas de compra online, com o objetivo de acompanhar a aplicação do Decreto 7.962/2013, que dispõe sobre a contratação no comércio eletrônico.
As empresas Compra Fácil;, Nova PontoCom; Máquina de Vendas; Groupon; Mercado Livre; Peixe Urbano; Clickon; Decolar.com; TAM; Gol; Azul; Avianca; e B2W (que abrange as marcas Americanas, Submarino e Shoptime) terão dez dias, a partir da data de recebimento da notificação, para explicar ao órgão quais medidas estão tomando para se adequar à nova legislação, vigente desde o dia 15 de março de 2013.
São empresas de vários tipos, de compras coletivas a sites onde vendedores e compradores comercializam vários tipos de produtos. De acordo com a assessoria do ministério, a notificação não tem caráter punitivo. O órgão pretende “mapear a implementação das regras do decreto pelas grandes empresas do comércio eletrônico”, nos mais variados ramos do setor. O ministério entende a notificação como uma oportunidade das empresas confirmarem o compromisso com a nova lei. Segundo o ministério, outras empresas também poderão ser notificadas.
O Decreto 7.962/2013 busca dar maior segurança ao consumidor em sua relação com empresas de comércioonline. Conforme o decreto, essas empresas devem prestar informações claras sobre o produto ou serviço, facilitar o atendimento ao consumidor e respeitar seu direito de se arrepender da compra. Com informações da Agência Brasil.
Revista Consultor Jurídico, 25 de junho de 2013

Após resolução, cartórios celebram 231 casamentos gays

Um mês depois da entrada em vigor da Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça, que disciplinou o casamento gay no país, os cartórios das principais capitais brasileiras celebraram 231 casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Uma média de 10,5 celebrações por capital pesquisada, segundo levantamento da Associação Nacional de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), entidade representativa dos Cartórios de Registro Civil.
A pesquisa é relativa ao período de 16 de maio, data de início da vigência da Resolução, e 16 de junho. De acordo com o levantamento, as capitais que mais celebrações formalizaram foram São Paulo (43), Goiânia (22), Curitiba, Fortaleza e Rio de Janeiro (as três com 18), Belo Horizonte e Salvador (ambas com 17), Campo Grande (16), Porto Alegre (15), Brasília (14), Belém (10) e Florianópolis (7).
Para o conselheiro Guilherme Calmon, do CNJ, os números da Arpen-Brasil comprovam que havia demanda na sociedade que está sendo satisfeita por meio da Resolução 175. “Os números comprovam a conveniência e a oportunidade da edição da resolução”, afirmou o conselheiro, lembrando que antes da decisão do CNJ alguns estados não celebravam uniões homoafetivas por falta de norma específica. “Isso demonstra que o CNJ reagiu de modo ágil, porque havia demanda, e a tendência é esse número aumentar”.
Essa também é a opinião do presidente da Arpen-Brasil, Ricardo Augusto de Leão. “A procura por essas celebrações vem crescendo na medida em que as pessoas vão vendo seus direitos serem garantidos e respeitados pela sociedade”, disse.
Ainda de acordo com o levantamento, Manaus (AM) e Vitória (ES) fizeram quatro celebrações; Boa Vista (RR), três, Cuiabá (MT) e Recife (PE), duas; e Porto Velho (RO) uma celebração. Palmas (TO), Rio Branco (AC), Maceió (AL) e Macapá (AP) não celebraram nenhum casamento gay no período pesquisado.
Nesse primeiro levantamento, segundo a Arpen, não foi possível realizar a pesquisa em Natal/RN, Teresina/PI, São Luís/MA, João Pessoa/PB e Aracaju/SE. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Revista Consultor Jurídico, 30 de junho de 2013

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Em manifesto, estudiosos defendem a Constituição

Um grupo de estudiosos do Direito lançou uma petição virtual que se soma ao conjunto de reivindicações feitas nas manifestações que tomaram os principais centros urbanos do país nas últimas semanas. As ideias estão reunidas no “Manifesto em defesa da Constituição da República e do Estado Democrático de Direito”.
Os signatários do manifesto são professores universitários, membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e advogados. Entre eles estão os colunistas da ConJur Lenio Luiz Streck e André Karam Trindade.
O documento exalta a tradição de lutas políticas que culminaram com a promulgação da Constituição de 1988 e repudia o discurso majoritário de que a sociedade brasileira é apática. “O Brasil não acordou porque não estava dormindo”, diz o manifesto.
“É preciso reconhecer o papel dos partidos progressistas, dos sindicatos de trabalhadores, do movimento estudantil e dos diversos movimentos sociais no processo de conquista dos direitos fundamentais. Ilusão pensar que possa haver democracia sem eles”, afirma.
Entre as propostas defendidas pelo abaixo-assinado está a crítica às decisões judiciais que pretendem proibir manifestações pacíficas. A petição também repudia atos de violência e desrespeito contra movimentos sociais, partidos políticos e organizações sindicais.
O documento ainda tem o objetivo de condenar propostas de suspensão de liberdades fundamentais e de decretação de estados de emergência a pretexto da organização da Copa das Confederações e do Mundo. O abaixo-assinado também critica condutas da Fifa que atentem contra a soberania brasileira.
Clique aqui para ver a petição.
Leia o manifesto:
O Brasil hoje vive um momento extremamente rico e importante para o aperfeiçoamento da democracia, nos 25 anos da Constituição da República de 1988, e não um estado de exceção.
Dizer que o Brasil está acordando é falta de memória e de respeito para com a história, para com as gerações passadas e futuras. O Brasil não acordou porque não estava dormindo.
Temos uma tradição de lutas políticas por direitos de liberdade e de igualdade, por dignidade, por trabalho e pela terra, pela cidade e por moradia, por redistribuição e por reconhecimento, ao longo de toda a nossa história, cujo aprendizado político e social está subjacente ao projeto constituinte de 1988 e coloca em xeque o mito da apatia, da passividade, dos bestializados e da cordialidade dos brasileiros.
É preciso lutar pela efetividade dos direitos fundamentais e garantir a supremacia da Constituição que os consagra. Não podemos abrir mão da Constituição e do Estado Democrático de Direito.
É preciso reconhecer o papel dos partidos progressistas, dos sindicatos de trabalhadores, do movimento estudantil e dos diversos movimentos sociais no processo de conquista dos direitos fundamentais. Ilusão pensar que possa haver democracia sem eles.
Mais uma vez, chegou a hora de aperfeiçoarmos nossa democracia. Este deve ser o fio condutor de todas as lutas políticas e sociais que legitimamente se fazem presentes nesta multiplicidade de vozes que ecoam na discussão pública brasileira:
Lutar pela garantia dos direitos constitucionais de ir e vir, de liberdade de expressão, de manifestação do pensamento, de protesto, de divergência e de reunião pública e coletiva para fins pacíficos;
Lutar contra todas as formas de discriminação e preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, orientação sexual, e contra toda forma de exclusão da cidadania política, social, econômica e cultural;
Criticar as decisões judiciais que pretenderam proibir manifestações pacíficas, como no caso do TJ-SP e do TJ-MG, que sequer concederam Habeas Corpus como salvo-conduto aos movimentos políticos para assegurar direitos fundamentais dos cidadãos;
Repudiar atos de violência e de desrespeito aos movimentos sociais, aos partidos políticos e às organizações sindicais por parte de quem quer que seja,
Criticar o anonimato e exigir transparência nas deliberações públicas;
Criticar práticas de violência e de repressão policial em desacordo com uma sociedade democrática;
Criticar atos de destruição, de dano e de violência contra o patrimônio público,
Repudiar qualquer proposta de suspensão das liberdades fundamentais e de decretação de estados de emergência sob o argumento falacioso da Copa das Confederações e do Mundo;
Criticar veementemente as interpretações equivocadas do art. 11,§ 1.º, da Lei Geral da Copa, legislação cujos dispositivos já têm arguída a sua inconstitucionalidade perante o STF, pela Procuradoria-Geral da República;
Criticar veementemente declarações de membros da Fifa atentatórias à democracia e à soberania brasileiras;
Lutar por novas e renovadas formas de mediação democrático-participativas das manifestações e protestos nas ruas no nível das instituições políticas;
Lutar e zelar pelo caráter laico, plural e aberto do Estado Democrático de Direito,
Lutar pela criação e ampliação de fóruns permanentes de debates e de deliberação públicos no sentido da construção de um programa de ação comum;
Exigir maior abertura dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em todas as esferas da Federação, num processo político cada vez mais amplo de formação pública da opinião e da vontade, no contexto de uma esfera pública ampliada.
Manifestações públicas, coletivas e pacíficas fazem parte da democracia. Lutar por elas, assim como por novas e renovadas formas de deliberação política, é, enfim, garantir a consolidação da democracia constitucional no Brasil.
Brasil, 22 de junho de 2013.
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (UFMG) 
André Karam Trindade (IMED/CESUCA) 
Lenio Luiz Streck (UNISINOS) 
Dierle Nunes (PUCMINAS/UFMG) 
Thomas da Rosa de Bustamante (UFMG) 
José Luiz Quadros de Magalhães (UFMG) 
Alexandre Bahia (UFOP) 
Brunello Stancioli (UFMG) 
Flaviane de Magalhães Barros (PUCMINAS/UFOP) 
Fausto Santos de Morais (IMED) 
Alexandre Morais da Rosa (UFSC) 
Daniela Muradas Reis (UFMG) 
José Ribas Vieira (PUC Rio/UFRJ) 
David Francisco Lopes Gomes (UFMG) 
Adamo Dias Alves (UFJFGV) 
Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR) 
Marciano Seabra de Godoi (PUCMinas) 
Gustavo Ferreira dos Santos (UFPE/UNICAP) 
Júlio Aguiar de Oliveira (UFOP/PUCMINAS) 
Antonio Pedro Melchior (IBEMEC-RJ) 
Marco Aurélio Marrafon (UERJ/ABDCONST) 
Katya Kozicki (PUC-PR/UFPR) 
Fernanda Henrique Cupertino Alcântara (UFJFGV) 
Bruno Galindo (UFPE) 
Onéssimo Cézar Gomes da Silva Cruz (Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba) 
Natália de Souza Lisbôa (UFOP) 
Bruno Camilloto Arantes (UFOP) 
Alonso Freire (UFMA/UNICEUMA) 
Alexandre Freire Freire (UFMA/UNICEUMA) 
Argemiro Cardoso Moreira Martins (UnB) 
Luiz Filipe Araújo (UFV) 
João Paulo Medeiros Araújo (UFJF) 
Angela Araujo da Silveira Espindola (UFSM e IMED) 
Gabriel Andrade Perdigão (UFMG) 
Taiguara Libano Soares e Souza (IBMEC/RJ) 
André de Oliveira Morais (UFMG) 
Jessica Holl (UFMG) 
Alfredo Canellas Guilherme da Silva (UNESA/RJ) 
Ana Carolina Guimarães Seffrin (UFRGS) 
João Ricardo Wanderley Dornelles (PUC-Rio) 
Alessandro Martins Prado (UEMS) 
Pádua Fernandes (UNINOVE/IDEJUST/IPDMS) 
Bernardo Gonçalves Fernandes (UFMG) 
Fabricio Bertini Pasquot Polido (UFMG) 
Felipe Machado (Ibmec/IHJ) 
Carlos Plastino (PUC-Rio) 
José Luis Bolzan de Morais (UNISINOS) 
Cristiano Paixão (UnB) 
Vera Karam de Chueiri (UFPR) 
Íris Pereira Guedes (UniRitter) 
Rafael L. F. C. Schincariol (USP)
Leonardo Léllis é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 24 de junho de 2013

O que é compliance no âmbito do Direito Penal?

Assunto frequente nos cursos de administração e de gestão, a figura docompliance começa a mostrar seus contornos na esfera do Direito Penal, em especial após ser citada inúmeras vezes na Ação Penal 470 como fundamento para algumas condenações.

Compliance — do termo inglês comply — significa o ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas reguladoras de determinado setor. Vogel descreve o compliance como um “conceito que provem da economia e que foi introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento das normas, não necessariamente de natureza jurídica.”
Dada a infinidade e complexidade de normas regulatórias para as mais diferentes atividades, empresas e instituições desenvolveram setores voltados única e exclusivamente para tal finalidade: assegurar que as regras a elas destinadas sejam cumpridas, evitando-se problemas jurídicos e de imagem.
O impulso inicial ao compliance partiu das instituições financeiras e tomou corpo após os mundialmente famosos escândalos de governança (Barings, Enron, World Com, Parmalat) e a crise financeira de 2008[1]. A partir de então, diversos documentos foram expedidos por órgãos internacionais recomendando o fortalecimento de políticas de compliance empresarial, bem como inúmeras leis de diversos países instituíram a obrigação da instalação deste mecanismo de monitoramento interno[2]. Nessa última linha, vale mencionar em especial os países que criaram ou incrementaram a responsabilidade penal de pessoas jurídicas, fixando como parâmetro para a pena a existência de sistemas de compliance mais ou menos robustos, como é o caso da legislação espanhola (artigo 31 bis do Código Penal espanhol)[3].
No Brasil, onde a preocupação com o desenvolvimento de setores para o cumprimento de normasteve início há menos de uma década, em especial no setor bancário, e onde a responsabilidade criminal da pessoa jurídica é praticamente restrita à esfera ambiental, o âmbito de abrangência docompliance é menor, voltado às áreas com maior risco de crises institucionais e de imagem, ou cuja regulação exija a criação do setor.
No entanto, a aprovação das novas regras de prevenção e combate à Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998, alterada pela Lei 12.683/2012) e a tramitação do Projeto de Lei 6862/2010, que dispõe sobre a responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica por atos contra a administração pública, tem movimentado diversos setores para uma efetiva implementação ou aprimoramento de políticas de compliance.
Nessa linha, as empresas tem desenvolvido programas e políticas que agregam (i) a orientação, formação e reciclagem de empregados e diretores sobre políticas de combate à lavagem de dinheiro; (ii) a elaboração de Códigos internos de conduta, organizar a coleta, sistematização e checagem de informações sobre clientes, empregados, parceiros, representantes, fornecedores e operações praticadas com sua colaboração ou assistência; (iii) o desenvolvimento de sistemas de comunicação interna e externa que facilite o repasse de informações sobre atos suspeitos; (iv) a implementação de sistema de controle interno de atos imprudentes ou dolosos, com mecanismos de apuração e sanção disciplinar.
São diversos os modelos de compliance, mais ou menos abrangentes ou estruturados de acordo com o setor e com a complexidade das atividades da empresa. Há setores de compliance voltados para assegurar o cumprimento de normas trabalhistas, outros direcionados à regulação tributária, ambiental, do consumidor, etc. Nesse contexto, surge o criminal compliance.
Como dito, o marco regulatório administrativo de diversos setores é detalhado, dinâmico e complexo. Como boa parte de tais normas complementa normas penais em branco, ou é levada em consideração na interpretação de tipos penais abertos, seu descumprimento pode levar — direta ou indiretamente — à responsabilidade penal.
Ademais, em regra tais normas administrativas determinam o risco permitido de uma atividade, sendo fundamentais para a verificação da imprudência (crimes culposos) ou da temeridade de alguns delitos dolosos (como gestão temerária, por exemplo).
Por isso, o cumprimento dos marcos regulatórios se torna importante não apenas para evitar responsabilidades na seara administrativa, mas também para proteção da imputação criminal. A observância das normas de cuidado  através de um sistema de compliance estruturado — é o instrumento que assegura a proteção da empresa e de seus dirigentes da prática de delitos e da colaboração com agentes criminosos, minimizando os riscos de responsabilidade penal e de desgastes perante a opinião pública.

[1] COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi. Manual de Compliance. São Paulo: Atlas, 2010, p. 1.
[2] Para uma análise detalhada do tema, ver SILVEIRA, Renato M. J.; SAAD-DINIZ, Eduardo. Noção penal dos programas de compliance e as instituições financeiras na "nova Lei de Lavagem": Lei 12.683/2012. Revista de Direito Bancário, nº 57, jul-set 2012, p. 302
[3] FURTADO, Regina Helena. A importância do compliance.
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2013

'Empresas que não fazem compliance andam para trás'

Débora Pimentel, Caroline Fonti e Silvia Urquiza - 06/06/2013 [Spacca]
A globalização do combate à corrupção e aos crimes financeiros empurra o Direito Penal e Empresarial para uma nova dinâmica. Recentes acordos internacionais para compartilhamento de investigações têm mudado a rotina de grandes empresas e o trabalho dos advogados em diferentes países, já que uma companhia acusada de corrupção em um país pode sofrer sérias consequências comerciais em outra nação. 

No Brasil, que paulatinamente vai aderindo a esses convênios, a exigência do chamado compliance já é concreta. Mais do que defender acusados, criminalistas têm sido incumbidos de investigar os próprios clientes — multinacionais preocupadas com a repercussão de possíveis crimes cometidos por seus executivos e funcionários. É o que testemunham as três advogadas Débora PimentelSylvia Urquiza e Carolina Fonti, que, de olho no mercado, decidiram sair do Trench, Rossi e Watanabe Advogados para inaugurar o Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados. Sylvia foi a responsável por inaugurar a área de Direito Penal do Trench, em 2003, — quando as grandes bancas dedicadas a Direito Empresarial ainda preferiam repassar casos penais a butiques especializadas.
Acostumadas a enfrentar complexas investigações por todo o mundo, elas alertam: as empresas nacionais estão demorando para se adequarem a padrões de proteção contra corrupção. Enquanto Estados Unidos, com o FCPA [Foreign Corrupt Practices Act, ou Lei de Práticas Corruptas no Exterior, em tradução livre], e o Reino Unido, com o UK Bribery Act [versão britânica da mesma lei], têm enquadrado matrizes e subsidiárias que cometem desvios, as multinacionais brasileiras ainda não entenderam que não criar uma cartilha de procedimentos e treinar executivos e funcionários é um risco. "As brasileiras que têm ações na bolsa no exterior ainda não perceberam a importância de um programa de compliance e estão andando para trás. Qualquer empresa grande que já tenha sido exposta a investigação ou tenha feito algum acordo com o Ministério Público ou com a Justiça americana é um brilho no programa de compliance: cumpre, faz treinamento, segue as exigências", esclarece Sylvia. 
A história das três advogadas se confunde com a da área penal do Trench, Rossi e Watanabe. O primeiro acordo de leniência — pelo qual o infrator ajuda na investigação em troca de abrandamento de punição — assinado no Brasil na área concorrencial passou pelas mãos de Sylvia. A experiência, garantem, é o que levou ao patamar mantido até hoje, segundo elas: dos inquéritos abertos contra seus clientes, nenhum virou denúncia. E nas denúncias que já chegaram ajuizadas a suas mãos, jamais houve condenação. 
Formada em Direito pela PUC de São Paulo e pós-graduada em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, de Portugal, Sylvia Urquiza sempre ouviu do pai, advogado trabalhista formado pela USP, que deveria evitar a área penal. “Ele dizia que era sonho de estudante, que para ganhar dinheiro, eu deveria ir para o Direito Tributário”, conta. Mas ela insistiu e, no quarto ano do curso, já estava estagiando na área penal no escritório Muylaert, Livingston e Kok Advogados, onde ficou por oito anos. Em 1998, montou a própria banca com o criminalista Cristiano Maronna. Mais tarde, grávida, Sylvia seria convidada para inaugurar, em 2003, a área criminal no Trench, Rossi e Watanabe, época em que poucos escritórios de grande porte tinham a sua. “Muitos ainda acreditavam que Direito Penal não combina com grandes escritórios”, lembra. Em sua trajetória, a advogada fez parte da Comissão de Estágio da OAB de São Paulo e ajudou a elaborar provas de Direito Penal e Processual Penal do Exame de Ordem. É vice-presidente no capítulo brasileiro da Association of Certified Fraud Examiners e, desde 2009, é apontada pela Cambers Latin Americaentre os dez melhores criminalistas do Brasil — o mesmo ocorreu em 2012 na Latin Lawyer e na revista Análise Advocacia.
Casada e com dois filhos, Débora Pimentel sempre trabalhou na área penal. Entrou no Trench, Rossi e Watanabe em 2005, depois de estagiar por três anos no Carnelós e Garcia Advogadosde e de passar dois anos no Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua & Furrier Advogados — onde trabalha o marido, Rodrigo Dall'Acqua — e outro tanto no escritório do seu pai. É formada na Unip de São Paulo e tem especialização em Processo Penal pela Escola Paulista de Magistratura, e em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), em convênio com a Universidade de Coimbra. Fez parte da Comissão de Prerrogativas da OAB paulista. 
Carolina Fonti é a mais nova das três, com 29 anos. Formada pela USP, termina este ano o mestrado em Direito Penal na universidade. Tem especialização em Direito Penal Econômico pelo IBCCrim em convênio com a Universidade de Coimbra. Fez parte da equipe do Trench desde que se formou, em 2007. Antes, estagiou no Lilla, Huck, Otranto, Camargo Advogados e no Moraes Pitombo Advogados. Passou ainda pelo Ministério Público, como estagiária no Tribunal do Júri da Barra Funda, o maior do país.
Leia a entrevista:
ConJur — O Brasil vem firmando pactos internacionais para o combate a crimes financeiros, inclusive acordos de transferência de informações. É motivo de preocupação?
Carolina Fonti — É uma tendência que nunca mais vai parar, um intercâmbio mais otimizado de informações. Isso tem crescido e se estreitado cada vez mais, tornando-se menos burocrático. Hoje, o Ministério Público Federal tem um canal de conversa muito próximo com o governo federal dos Estados Unidos e com a Europa. Já trabalhamos com algumas operações internacionais, com buscas e apreensões que ocorreram simultaneamente no mundo inteiro, em diversos países.
Débora Pimentel — O Ministério Público dos Estados Unidos pode inclusive fazer acordo com as empresas e com os indivíduos. É bem diferente da tradição penal que temos aqui. Eles simplesmente fazem um acordo para que a empresa se "autoinvestigue". Se chegarem à conclusão de que os resultados são idôneos e claros, simplesmente fazem um acordo para que a empresa pague uma multa, sem necessidade de homologação judicial.

ConJur — Como está o cenário nas empresas com a Convenção da OCDE assinada pelo Brasil para combate à corrupção e, mais recentemente, a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do ainda projeto da chamada Lei Anticorrupção — que responsabiliza as empresas, civil e administrativamente, por atos cometidos em seus nomes por funcionários?
Sylvia Urquiza — Desde 2003 trabalhamos com investigação de corrupção, com empresas de diversos países. A Convenção da OCDE assinada pelo Brasil tem uma cláusula que diz o seguinte: se diversos países forem competentes para investigar o caso, a competência será daquele onde ocorreu o crime. O Brasil tem legislação anticorrupção, os Estados Unidos também têm, a Inglaterra tem, outros países também. Todos estão precavidos nesse sentido. Se, por acaso, uma multinacional americana comete atos de corrupção no Brasil, os Estados Unidos, pela legislação americana, são competentes para investigar, inclusive para punir. Se essa empresa for britânica com uma subsidiária nos Estados Unidos e outra no Brasil, e esse ato de corrupção aconteceu no Brasil e, de alguma forma, passou pelo território americano, ainda que a decisão tenha sido tomada somente lá, existe competência para julgar nos dois países. Teve caso, por exemplo, que uma empresa fez um acordo nos Estados Unidos e outro na Alemanha por mais de US$ 2 bilhões em multa.

ConJur — As empresas brasileiras entram onde?
Débora Pimentel — Vai haver uma participação das multinacionais brasileiras a respeito de competência. Vamos supor que uma multinacional brasileira tenha ações na bolsa de Nova York e tenha algum caso de corrupção no Brasil ou em algum país em que ela também atue. Os Estados Unidos também são competentes para julgar porque ela tem ações lá.

ConJur — Pode haver punições diferentes para um só crime?
Sylvia Urquiza — É o que vem acontecendo. Daqui para frente, o principal ponto de foco do Direito em questão de compliance é justamente a questão da competência internacional.

ConJur — Isso não reclama uma denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos? 
Débora Pimentel — Muitas vezes, as empresas não têm interesse político e econômico em discutir. Existe um caso que também é público no qual os Estados Unidos detectaram que uma empresa estava cometendo atos de corrupção em diversos lugares do mundo. Essa empresa é europeia, mas tinha subsidiária nos Estados Unidos. Então, o governo americano intimou a empresa e falou: "Detectei a sua empresa e vou começar a me colocar contra vocês. Vocês querem fazer um acordo oficial e se autoinvestigam?" A empresa disse que não, de jeito nenhum, que não tinha nada a ver com essa legislação porque era uma empresa europeia. Só que os maiores clientes dessa empresa eram americanos. No dia seguinte, o que o DOJ [Department of Justice] fez? Mandou uma carta a todos os clientes americanos para que eles não fizessem negócios com a empresa que não cumpria a legislação. Imediatamente a empresa europeia entrou em acordo com o Departamento de Justiça.

ConJur — As brasileiras têm a mesma posição? 
Débora Pimentel — Uma empresa brasileira talvez prefira ser investigada internamente a fazer um acordo com autoridades estrangeiras, até porque a legislação é muito diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe a liberdade de compor com o Ministério Público com relação à responsabilidade criminal e cível. No Brasil, ainda não tem como associar a responsabilidade criminal nessa composição. Se houvesse, talvez elas preferissem tratar aqui a tratar lá, porque resolver lá acaba sendo entendido como um reconhecimento de culpa e consequente responsabilização no Brasil. Ainda, para fazer um acordo lá, você tem que ter feito uma investigação interna e independente — ou seja, com um escritório de advocacia terceirizado que também tenha o compromisso de ser independente —, tudo isso para dar credibilidade à investigação.

ConJur — Como foi o início do trabalho no Trench, Rossi e Watanabe, onde vocês montaram uma equipe na área penal?
Sylvia Urquiza — Com o aumento dos crimes empresariais, surgiu uma demanda diferente da que existia antigamente. Falava-se muito em crimes de pessoas físicas: era o diretor X, o presidente Y, que estavam sendo acusados por algum ato específico, uma apropriação indébita, algum tipo de fraude ou qualquer outro crime. Com o aumento desses crimes empresariais, surgiu um campo onde nos encaixamos. Começamos a trabalhar não com a pessoa física diretamente, mas com a diretoria jurídica. Quando falamos de empresa, há casos em que o funcionário, sozinho, contra as políticas da empresa, comete um crime e, como ele agiu contrariamente às políticas, pode ter que responder sozinho e ser desligado. Mas há também um campo de crimes que são inquéritos iniciados a partir de ações lícitas, em que os empregados das empresas tomaram atitudes em concordância com a política da companhia. Aí a empresa assume a defesa de todo e qualquer funcionário que possa vir a ser responsabilizado na esfera criminal. O diretor jurídico vem e fala: nossa empresa recebeu uma intimação. Então, vamos entender o caso, ver se os empregados poderiam ser responsabilizados e a corporação em si assume a defesa criminal. 

ConJur — Quais eram os clientes quando começou no Trench?
Sylvia Urquiza — Quando entrei, tinha zero clientes.
Débora Pimentel — Ela entrou sozinha e, quando saímos, tínhamos mais de 200 clientes, 90% empresas multinacionais. A área chegou a ter 11 advogados.
Sylvia Urquiza — A ideia do Trench, inicialmente, era ter um advogado criminalista primordialmente para defender casos de propriedade intelectual, marca, patente. Alguns clientes queriam que o escritório tivesse um setor criminal para entrar com ações antipirataria. Foi uma grande surpresa, porque, em um ano, perceberam que o potencial era enorme. Antes, cada sócio tinha o seu escritório preferido. Não se tinha sequer noção da capacidade de gerar trabalho na área e não demorou a se perceber que propriedade intelectual não era, de forma alguma, o foco principal da área, que tinha que abrir o leque e atender todos os crimes empresariais, incluindo evasão de divisas, lavagem de dinheiro, crimes tributários estaduais ou federais, crimes ambientais, fraudes... Outra área que gerou uma experiência muito grande foi a de responsabilização por acidentes de trabalho. Quando acontece um acidente de trabalho de proporções grandiosas, a empresa tem que tomar uma série de medidas. Se o acidente atingir o meio ambiente, há uma responsabilidade ambiental também. É preciso saber quem foi o culpado pela morte do funcionário, por ação ou omissão.

ConJur — E para vocês, qual foi a vantagem em mudar para um escritório maior, na época?
Sylvia Urquiza — O trabalhar dentro de um escritório multidisciplinar trouxe uma ideia de negócio muito mais forte e diferenciada daquela das boutiques criminais, porque quando uma diretoria jurídica ou uma empresa chegava com um problema tributário, muitas vezes nos reuníamos com os tributaristas e adquiria todo o conhecimento possível para poder pensar junto com a empresa qual a melhor estratégia de defesa. Conseguíamos transformar uma defesa em um material extremamente rico, tanto que todos os nossos inquéritos policiais foram arquivados. Em dez anos, nunca tivemos uma denúncia, nenhuuma ação penal. As ações penais que defendemos chegaram a nós com a denúncia já aceita.
Carolina Fonti – E absolvemos em todas. 

ConJur — Qual é o segredo?
Sylvia Urquiza — É exatamente esse trabalho conjunto. Trazer para o Direto Penal o conhecimento das demais áreas. Já chegamos a investigar desvios estimados inicialmente em mais de R$ 54 milhões. E efetivos de R$ 8 milhões, R$ 13 milhões... Em vez de optar apenas pela abertura de um inquérito policial, com o conhecimento que adquirimos, com uma visão mais global não só do Direito como de entender o negócio do cliente, procuramos entender primeiro se essa fraude atinge só a legislação brasileira ou se pode eventualmente atingir a legislação americana ou outras legislações ou se é uma fraude contábil ou financeira. Se atingir lei estrangeira e a empresa tiver que obedecer essas leis, o caso deve ir por um caminho. Se atingir só a lei nacional, o caminho é totalmente diferente. O segundo passo é saber o objetivo da empresa. Você quer despedir o seu empregado por justa causa ou sem justa causa? Quer dar um exemplo aos outros funcionários? Como fazer isso? Pode ser só com a dispensa ou algum outro critério de punição. Você quer receber os valores de volta e corrigidos? Como fazer isso em se tratando de valores altos? Então, o que fazemos, além de ter esse tratamento especial, é dar uma solução completa para o cliente, entendendo quais são os objetivos e o que pode ser feito para que ele atinja esses objetivos. Se o objetivo for o ressarcimento, vamos primeiro investigar internamente, obter todo tipo de informação possível, fazer levantamentos a respeito dos empregados ou eventuais terceiros que estariam envolvidos para verificar onde chegou aquele patrimônio, para poder apreender ou fazer o arresto. Nesses casos, o primeiro estágio quase sempre é essa investigação interna, por vezes feita em conjunto com alguns fornecedores que fazem a parte de investigação eletrônica, que é captar e fazer imagens de servidores, de computadores, recolher e-mails, colocar isso em um banco de dados, fazer o tratamento com softwares especializados.

ConJur — E tudo isso interceptando e-mails corporativos? 
Carolina Fonti — Atualmente, não há legislação que proíba o monitoramento de emails corporativos. Ao contrário, a jurisprudência dos tribunais do Trabalho afirma que as empresas são proprietárias dessa informação. De qualquer forma, sempre analisamos as políticas de tecnologia da informação, para ter certeza que os empregados foram informados sobre a possibilidade de monitoramento. Chega a ser impressionante o que os empregados registram por email.

ConJur — As empresas também contratam vocês para medidas preventivas?
Débora Pimentel — Em crimes contra o ambiente, por exemplo, dávamos muitos treinamentos. Analisamos a situação, fazemos uma visita com os olhos de investigador, pedimos documentos, licenças... Treinamos diversos membros das empresas em todas as áreas: ambiental, cartel... Damos treinamento especial para os diretores, para o corpo jurídico da empresa, que é um treinamento que agrega doutrina, jurisprudência, artigos de leis, artigos jurídicos, para eles ficarem confortáveis com a orientação que estamos passando. Mas a advocacia preventiva vai além dos treinamentos. É o nosso dia-a-dia no contato constante com os nossos clientes.

ConJur — Em um caso recente, uma montadora em São Bernardo do Campo (SP) foi condenada na Justiça do Trabalho por manter reservatórios de produtos inflamáveis no edifício em que os trabalhadores ficavam, assunto sobre o qual tanto a lei quanto a jurisprudência já se manifestaram. Por que isso ainda acontece?
Sylvia Urquiza — As empresas descentralizam as áreas. “Segurança do trabalho” costuma ficar embaixo de “meio ambiente”, sem nenhum advogado supervisionando. O mesmo acontece com outras áreas, como, por exemplo, trabalhista e tributário. Isso muitas vezes resulta na falta de conhecimento jurídico para identificar riscos inerentes à operação. 

ConJur — Como foi a experiência de vocês na área? 
Carolina Fonti — Fiz faculdade na USP, estou terminando este ano o mestrado em Direito Penal lá também. Assim que me formei, fui trabalhar no Trench, Rossi e Watanabe. Fiquei lá até decidirmos abrir o escritório. Antes disso, fiz estágio na área de contencioso cível no Lilla, Huck, Otranto, Camargo Advogados, mas não me identifiquei com a área. Aí fui fazer estágio no Tribunal do Júri da Barra Funda, no Ministério Público. Trabalhei com um promotor muito emblemático, Maurício Antonio Ribeiro Lopes. No Júri, acompanhei casos intensos. Lembro de um rapaz de classe média que, numa madrugada, consumiu muita droga, saiu, voltou para a “boca”, comprou mais, consumiu e, numa das vezes em que voltou para casa, assassinou a avó, mas não lembrava disso. A mãe do rapaz, que tinha acabado de perder a mãe, testemunhou com lágrimas que ele realmente estava fora de si, porque era muito apegado à avó. Foi bem marcante. Eu tinha o desconforto porque queria estar do outro lado. Aí fui trabalhar no Moraes Pitombo Advogados. Estagiei durante dois anos lá até acabar a faculdade, quando também trabalhei com o desembargador aposentado Alberto Silva Franco, realizando pesquisa para atualização de suas obras.
Débora Pimentel — Trabalhei por quase oito anos no Trench, Rossi e Watanabe, desde 2005. Antes, estagiei por três anos no escritório criminalista Carnelós e Garcia Advogados, atuei no escritório do meu pai na área penal e, depois, fiquei dois anos no Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua & Furrier Advogados, do criminalista José Luis de Oliveira Lima, o Juca. Sempre atuei na área penal. No Trench, com mais ênfase nos casos empresariais.
Sylvia Urquiza — No quarto ano da faculdade, consegui um estágio no Muylaert, Livingston e Kok Advogados. Fui efetivada e fiquei entre sete e oito anos lá. Foi ali a minha grande escola de base de Direito Penal e Processual Penal e de Direito Penal Empresarial. Até que achei que estava no momento de tentar montar um escritório meu. Em 1998, abri um escritório próprio com o Cristiano Maronna. Advogávamos para empresas, mas começamos a atender muitos casos de Direito Eleitoral e muitos políticos. Até que recebi um convite do Trench para abrir a área criminal deles. O namoro começou em 2002 e foi um processo longo, porque eles sabiam que era uma decisão ousada na época, quando pouquíssimos escritórios tinham área criminal. Fui efetivamente para dentro da estrutura em fevereiro de 2003. 

ConJur — Em março, o Brasil publicou decreto regulamentando a troca de informações entre os fiscos daqui e dos Estados Unidos, pactuada em 2007. O intuito é combater a lavagem de dinheiro. Para alguns especialistas, isso pode configurar quebra de sigilo. O Supremo já disse que o fato de dois órgãos estarem submetidos a obrigação de sigilo não os desobriga de pedir autorização ao Judiciário para ter acesso a informações um do outro. Há riscos?
Sylvia Urquiza — Não existe lei que determine expressamente que os órgãos possam se comunicar entre si, possam compartilhar entre si informações confidenciais. Aliás, isso é inconstitucional. Não há nenhuma legislação específica, e a Constituição diz o contrário. Sigilo fiscal, sigilo bancário, são protegidos constitucionalmente, são garantias constitucionais. Se não houver uma modificação do cenário legislativo, não existe normativa, regulamentação nem portaria que possa tratar do assunto. Dessa forma, o acordo, na minha opinião, deveria ficar adstrito aos limites legais de cada país.

ConJur — Ao eliminar a necessidade de crime antecedente para a configuração do crime de lavagem de dinheiro, o que a nova lei sobre o assunto mudou na rotina dos advogados?
Sylvia Urquiza — Antes, a lavagem de dinheiro necessitava de um crime antecedente de um rol taxativo. Esse rol incluía, entre vários, o crime contra o sistema financeiro, sem maiores definições. A lei de crimes contra o sistema financeiro, no artigo 22, tipifica o delito de evasão. E equiparado ao delito de evasão de divisas, o fato de manter contas no exterior sem declarar para as autoridades competentes. Por muito tempo, muita gente entendeu que a autoridade competente era o Banco Central. O fato é que não é só o Banco Central a autoridade competente. A Receita Federal é também. É preciso declarar para a Receita Federal os seus bens. Se você tiver uma conta no exterior com valor inferior ao limite estabelecido pelo Banco Central, pode ser que tenha que declarar para a Receita Federal, embora não para o Banco Central. Se você não declara, existe a possibilidade da tipificação da evasão e, por consequência, a lavagem. Hoje, não existe mais rol taxativo de crime antecedente. Agora, estamos num cenário completamente diferente: hoje todo e qualquer delito pode ser entendido assim, até uma contravenção penal.

ConJur — O fato de a pessoa ter deixado de informar na declaração de Imposto de Renda um valor que eu tem no exterior já configura lavagem?
Sílvia Urquiza — Sim, se o valor estiver acima dos limites legais. O grande problema é esse. Se você corrige a sua declaração, provavelmente vai responder por crime de lavagem. A partir do momento em que você não coloca isso no seu Imposto de Renda, você foi omisso com uma informação e isso poderia ser tipificado como crime.
Carolina Fonti — Nós já tivemos consultas de pessoas que têm valores mantidos no exterior e querem regularizar isso, recolher os impostos incidentes e multas, mas não podem. Se declararem agora, não haverá anistia ainda que os valores tenham sido depositados na vigência da lei anterior.

ConJur — É correto uma nova lei criminal retroagir para fatos pretéritos?
Sylvia Urquiza — Olhando de maneira muito conservadora, a resposta é que a lei anterior deixava uma brecha para que o Ministério Público considerasse que a manutenção de conta no exterior, por ser crime financeiro, era crime antecedente, independentemente da origem lícita ou ilícita do dinheiro. Embora a lei não possa retroagir no tempo, o fato é que crime financeiro já constava na lista taxativa da lei anterior.

ConJur — As investigações sobre operações financeiras no processo do mensalão deram destaque para o compliance que deve ser feito pelas instituições financeiras. Em que consiste essa obrigação? 
Sylvia Urquiza — Estar em compliance é estar em conformidade com toda a legislação do país onde você atua. Tem compliance de ambiental, societário, bancário, tem compliance absolutamente de tudo.
Carolina Fonti — Os bancos são obrigados a fazer um registro detalhado do tipo de cliente com quem estão lidando e a ir atrás de informações. É o know your customer. O banco tem que saber se é um terrorista, um traficante de drogas.
Sylvia Urquiza — Há muitos anos, os bancos do exterior, na Suíça, nos Estados Unidos, não abrem conta se você tiver exercido qualquer cargo de administração pública na sua vida.
Carolina Fonti — São pessoas para as quais surge uma luz vermelha. "Tenho primeiro que investigar esse cliente antes de manipular o dinheiro dele."
Débora Pimentel — O problema da nova lei foi incluir outras pessoas na obrigação de informar operações suspeitas ao Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras]. Porque, para mim, uma atividade suspeita pode ser uma transação de um número X, já para outra pessoa, podem ser cifras muito maiores. Não há uma regra.

ConJur — É o mesmo que devem fazer as empresas devido às novas regras de combate à corrupção?
Sylvia Urquiza — Coisa completamente diferente é o compliance anticorrupção, que vem provocando todas as empresas multinacionais. É o compliance atualmente do FCPA [Foreign Corrupt Practices Act, ou Lei de Práticas Corruptas no Exterior, em tradução livre] e do recente UK Bribery Act [versão britânica da mesma lei]. A FCPA é uma legislação de 1977, dividida em duas seções diferentes: uma trata só de corrupção e a outra de contabilidade não acurada. Toda e qualquer empresa que se submeta ao FCPA pode responder por corrupção. A empresa constituída nos Estados Unidos, que tem subsidiária ou que tem ações na bolsa de lá, enfim, deve seguir uma série de requisitos do FCPA para estar em compliance com aquela legislação, isso na prática anticorrupção. Já na parte de contabilidade não acurada, só respondem empresas que tenham ações em bolsa. A parte de contabilidade não acurada tem essa proposta a la “Al Capone”, de que já que não se consegue pegar por corrupção, observa-se a contabilização indevida de um pagamento em uma conta de promoção, de viagem, de marketing etc. A aplicação dessa legislação, de 2004 para cá, principalmente depois do escândalo da Enron, passou a ser muito mais frequente e consistente nos Estados Unidos.

ConJur — Isso em relação a empresas com sede nos EUA. E as empresas brasileiras?
Sylvia Urquiza — Isso é um problema muito sério. As empresas brasileiras que são multinacionais e têm ações na bolsa lá ainda não perceberam esse programa de compliance e estão andando para trás. Qualquer empresa grande que já tenha sido exposta a investigação ou tenha feito algum acordo com o Ministério Público ou com a Justiça americana é um brilho no programa de compliance: cumpre, faz treinamento, segue as exigências. As brasileiras não acreditam que possam ser alvo de uma investigação fora do Brasil. Não perceberam o que têm de fazer para se proteger de uma eventual investigação e ter um programa decompliance efetivo.

ConJur — E que práticas são essas?
Sylvia Urquiza — Ter normas e políticas internas muito claras, que sejam passadas para todos os empregados de forma consistente. Se o topo da empresa não se comporta daquela maneira e não passa a informação para os subordinados, os subordinados não vão fazer uma leitura de que têm de agir daquela forma. É preciso haver treinamentos constantes, deixar claro para todo o corpo da empresa que ela realmente quer que eles ajam como a lei manda. O departamento de vendas, por exemplo, acaba acreditando, até por uma questão cultural, que se não conversar com o concorrente, ou se não fizer um pagamento naquela situação, ou se não interferir para a modificação de um edital, não vai conseguir o negócio, não vai atingir a meta de vendas e não vai conseguir o bônus. A empresa precisa deixar claro que não está preocupada com a meta se, para atingir essa meta, será necessário cometer algum ato ilícito. É bom deixar claro que a empresa quer protegr o empregado das questões criminais, porque tem muita legislação que diz que se um indivíduo cometeu uma infração, a empresa está proibida de contratar o advogado de defesa dele e, principalmente, a empresa está proibida de pagar multas que forem impostas a ele. A legislação americana diz isso.

ConJur — Que casos dessa natureza vocês pegaram e podem relatar?
Débora Pimentel — Começamos a ser procuradas na área de compliance em 2003, antes mesmo de o Baker & McKenzie [escritório americano associado ao Trench] ter sua área de compliance nos Estados Unidos. Foi o primeiro caso de compliance que tivemos no Brasil. Era uma investigação que envolvia uma possível corrupção. Fizemos a investigação interna da empresa, com análise de e-mails, arquivos, documentos, agendas, livros, entrevistas, documentação pública. Tivemos que ver cópias de autos do processo administrativo licitatório para entender o que aconteceu, fazer uma análise dos concorrentes, do mercado, entender no que aquele cliente trabalhava. Pesquisamos os autos da investigação criminal, da busca e apreensão que o cliente estava sofrendo, procurando ajudar, orientar e tomar as medidas iniciais com relação à defesa do indivíduo e da pessoa jurídica. Percebemos evidências de corrupção praticada provavelmente por funcionários do cliente, ou então contribuições políticas que tinham sido feitas pela subsidiária brasileira — que embora aqui sejam permitidas, nos Estados Unidos são proibidas. Quando identificávamos uma situação de potencial conflito entre a pessoa jurídica e alguma atitude dos empregados aqui e o cliente pessoa jurídica desconhecia a legislação estrangeira, nosso dever era alertar: você tem um problema para além da responsabilidade criminal no Brasil, que envolve a responsabilidade criminal e cível nos Estados Unidos. Fizemos mais de 50 investigações internas nos últimos anos para diversos clientes.
Carolina Fonti — Em outros casos, fomos contratadas para criar o departamento de compliance, dar treinamentos e “tropicalizar” programas.

ConJur — O que é “tropicalizar”?
Débora Pimentel — É a linguagem das subsidiárias. É adaptar à legislação local. Por exemplo, nos Estados Unidos, eles chamam de expedite aquela taxa de agilização que pode ser paga legalmente para o seu processo ser passado na frente, se você precisa de uma licença e essa licença não sai.
Carolina Fonti — É mais ou menos assim: você vai obter a sua licença de qualquer forma, mas demoraria um mês. Pagando, sai em uma semana. Lá, isso não era crime.
Débora Pimentel — Mas aqui, sempre foi. No início, as empresas vinham ao Brasil e davam esses treinamentos para os empregados dizendo que esse pagamento de agilização era permitido. Mas aqui não é. E se eles cometessem aqui, isso seria corrupção e também acabaria, por uma via mais tortuosa, sendo uma infração também para a lei dos Estados Unidos.
Carolina Fonti — Daí a necessidade de adaptar esse programa de compliance, que já existe na matriz nos Estados Unidos, para a empresa aqui no Brasil.

ConJur — O julgamento do mensalão deu destaque ao compliance? 
Sylvia Urquiza — A responsabilidade penal tanto em crimes de corrupção quanto nos crimes de lavagem de dinheiro passa a ser uma preocupação mais constante na vida dos empresários, sem dúvida nenhuma.
Carolina Fonti — A questão de compliance bancário já é uma realidade antiga. O julgamento só trouxe à tona para a população essa exigência que os bancos já tinham. Na verdade, na mídia, na comunidade jurídica, se associou muito o julgamento do mensalão, uma causa de comoção nacional, à perspectiva de que agora o Judiciário vai ser mais rigoroso na aplicação da legislação. Então, é preciso sempre estar em conformidade com a legislação para não sofrer uma reprimenda, principalmente na área de lavagem de dinheiro. A corrupção, nessa parte do compliance, acabou aparecendo e ligando a corrupção ao compliance. O mais importante foi a exposição do tema. Mas de repercussão prática, o que preocupa os advogados é o interesse político, institucional, de se passar uma mensagem clara de que atos ilícitos não vão mais ficar impunes, gerando um tumulto maior. Mas podemos estar vivendo uma exceção até mesmo de interpretação restritiva da matéria penal para se passar essa ideia de rigor.

ConJur — Hoje é muito comum os advogados da área concorrencial fazerem investigações para as empresas, para comprovar fraudes a regras comerciais. Vocês participaram de procedimentos assim? 
Sylvia Urquiza — Quando nós começamos a trabalhar com compliance, em 2003, o acordo de leniência não era um instituto valorizado no Brasil. Passou a ser depois de um trabalho intensivo da antiga Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Naquela época, essas investigações na área concorrencial não existiam no Brasil. No Trench, nossas investigações de corrupção trouxeram para a área de concorrencial um acréscimo de experiência. O primeiro acordo de leniência feito por um criminalista no Brasil foi assinado por mim.

ConJur — Como foi o caso? 
Sylvia Urquiza — Na lei antiga, embora houvesse previsão de extinção da punibilidade, ainda não existia posicionamento jurisprudencial ou doutrinário que pudesse garantir que a extinção da punibilidade fosse aplicada conforme o Código Penal. A conclusão a que chegamos era que a empresa já tinha decidido assinar a leniência e ia expor todos os seus empregados de qualquer forma. Os empregados tinham duas possibilidades: ou estariam com a empresa, ou estariam sem. Sem ela, eles seriam investigados criminalmente. Com a empresa, teriam a força de discussão na validade da lei. Naquele momento, entendemos que, para os empregados, seria muito mais benéfico assinar a leniência. Aí entramos como criminalistas para discutir essa ideia com o Ministério Público, quais seriam os trâmites, inclusive da busca e apreensão, de troca de informações.

ConJur — E a discussão com o MP foi frutífera?
Carolina Fonti — Esse ponto é o mais importante de todos: é a mudança de mentalidade que se busca. Historicamente, a relação entre defesa, investigação e investigado é de embate. O que se quer adotar para corrupção é o que já existe no comercial e no sistema financeiro: uma mentalidade de que o investigado ou alguém que cometeu alguma coisa errada no passado não pode ficar simplesmente contando com a morosidade, com a demora da investigação. O pensamento deve ser: vamos criar um mecanismo para diminuir essa situação de embate. Se a pessoa colaborar com a investigação, tem que ter uma vantagem. Isso é um plus até para a imagem da empresa, um valor agregado imprescindível, muito comum na área concorrencial e que pode ser também agora na corrupção. 

ConJur — Isso também faz parte do treinamento que vocês fazem?
Débora Pimentel — Sim, porque é muito comum, principalmente em setores de vendas, aqueles e-mails em que as pessoas se comunicam por aspas. “Então vamos ‘tomar um choppinho’”, entre aspas. Ora, o que você quer dizer? Que quer tomar um choppinho mesmo ou que esse choppinho pode ser entendido como outra coisa? Porque, num aparato final de provas, se a empresa sofrer uma busca, esses e-mails podem ser interpretados de uma forma suspeita. Almoço entre aspas, não!
Sylvia Urquiza — É preciso explicar que, em português, você usa aspas só se tiver uma citação, uma palavra estrangeira ou se queira dar um significado diferente.
Carolina Fonti — Para os funcionários, é comum conversar com um concorrente, se encontrar, se são amigos, e perguntar. “Qual é o preço que você está aplicando?”
Sylvia Urquiza — A simples troca de informação já é suficiente para configurar uma infração administrativa. É preciso deixar claro que, se você for a uma reunião da associação das empresas do setor e for abordado sobre um tema desses, tem de levantar e dizer para todo mundo que você não participa, por determinação da sua empresa, desse tipo de discussão. Se possível até fazer isso formalmente, registrar em ata sua saída imediata da reunião. Quando você chegar na empresa, imediatamente deve escrever um email ao seu superior: “Estive na reunião, foi perguntado isso, isso e aquilo e eu imediatamente levantei”.

ConJur — É o cúmulo da prova negativa...
Sylvia Urquiza — Exatamente. Porque já ouvi de clientes envolvidos em investigações de cartel que o trânsito de São Paulo não era decorrente do número de carros vendidos, mas do aumento do número de interceptações telefônicas, porque as pessoas preferiam se encontrar pessoalmente. Você tem que estar o tempo inteiro pensando em se defender. Se alguém te liga e começa a falar coisas com as quais você não concorda, o seu “aham” é tido como um “sim, estou de acordo”. Nós tivemos um caso exatamente assim. O cliente sofreu busca e apreensão simplesmente porque dizia no telefone ao lobista “aham, aham”. Você tem que dizer assim: “Desculpe, as políticas da minha empresa proíbem qualquer ação nesse sentido”. Deixe gravada sua defesa.  

ConJur — Há peculiaridades da Justiça Federal em relação aos processos criminais. A tramitação direta dos inquéritos entre a Polícia e o Ministério Público, sem a participação do Judiciário, não ocorre na Justiça dos estados, por exemplo. O advogado tem mais dificuldade de acesso nessa esfera da Justiça?
Sylvia Urquiza — Esse é um problema muito sério. Os juízes estaduais estão acostumados a lidar com casos mais comuns, com réus mais simples. Mas eles atendem bem melhor o advogado. Já na esfera federal, salvo exceções, há muitos casos em que os juízes não despacham, não falam, não atendem, deixam esperando na secretaria. Para mim, o grande problema da Justiça Federal — e não só a de São Paulo — é o segredo. O sigilo que é simplesmente imposto, colocado nos autos. Por mais que você tenha procuração, eles negam o acesso, dizendo que o seu cliente não é investigado, que seu cliente é testemunha e que, por isso, você não pode ter acesso aos autos. Para os casos mais complexos, a regra é o sigilo.

ConJur — O segredo é a regra e não a exceção? 
Sylvia Urquiza — A minha visão sobre sigilo de autos é a seguinte: todo auto é público ou deveria ser. O sigilo deveria recair somente sobre os documentos que são efetivamente sigilosos e confidenciais em decorrência de lei. Por exemplo, um sigilo bancário, uma interceptação telefônica, um documento fiscal. Só que, na prática, o sigilo recai sobre os autos como um todo. Então, você não tem acesso sequer a uma portaria de instauração. Quantos casos tivemos ultimamente de situações muito complexas, sensíveis, de magnitude ímpar, e não conseguimos o processo? Tivemos inclusive que entrar com Mandado de Segurança para poder ter acesso aos autos.

ConJur — A Súmula Vinculante 14 não resolveu isso?
Débora Pimentel — Quando pedimos acesso ao inquérito, eles respondem que nosso cliente não é investigado. Portanto, por mais que juntemos procuração, não temos acesso aos autos. Mas nós sabemos que o nosso cliente pode estar eventualmente envolvido em algum momento naquela investigação. Sem acesso aos autos, não tem como sabermos se ele está ou não está.

ConJur — Quanto tempo demora para abrir esse sigilo?
Sylvia Urquiza — Dois ou três anos, mais até. Porque as empresas estão muito relutantes em entrar com Mandados de Segurança contra atos de delegados. Em alguns casos, nós recorremos aos juízes e eles simplesmente mantiveram a determinação do delegado, alegando simplesmente que, se o delegado está dizendo que é sigiloso, é sigiloso.
Débora Pimentel — As empresas ficam receosas porque se existe uma informação dizendo que elas não são parte na investigação, elas não querem aparecer ou dar muita importância para não chamar a atenção.

ConJur — O fato de os inquéritos federais não passarem pelo Judiciário dificulta o acesso da defesa?
Sylvia Urquiza — É mais complicado, porque o acesso no Ministério Público é muito difícil e na delegacia também.
Carolina Fonti — É uma questão de ordem prática mesmo. O Ministério Público, infelizmente, ainda não tem estrutura nem sistema que permita emprestar o processo para a parte. Mas existe um cuidado muitas vezes exagerado das autoridades, por querer proteger o nome dos investigados — o que também é questionável, porque muitas vezes a imprensa acaba obtendo as informações de alguma fonte.
Débora Pimentel — Muitas vezes, a polícia se vale do sigilo para garantir o sucesso da investigação. É justamente o medo de que as informações vazem e não se chegue a uma conclusão no inquérito policial. Por isso, decretam o sigilo nos autos e impedem que os advogados tenham acesso.

ConJur — Se a Polícia diz que seu cliente não é investigado, essa informação não é segura?
Débora Pimental — Tentamos obter do delegado uma manifestação por escrito dizendo que o cliente é testemunha, ou que, se o delegado quer ouvi-lo, que seja em termos acertados de que o depoimento é um termo de assentada e não uma simples declaração. Na declaração, você não tem a obrigação de dizer a verdade, você não está sendo testemunha e pode ser visto também como investigado.

ConJur — O Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu tirar a exclusividade de algumas varas para julgar crimes financeiros. Isso é bom ou ruim?
Sylvia Urquiza — Com as varas especializadas, os criminalistas acabaram conhecendo o juiz que ia tratar de cada caso, se ele é mais conservador, mais garantista, mais liberal, se é uma pessoa mais acessível, se recebe advogado no gabinete... A vara especializada tem seus prós e seus contras. Ao mesmo tempo em que ela faz com que aquele juiz desenvolva uma especialidade muito mais focada no tipo de crime que ele vai resolver, por outro lado, você sabe que vai estar sempre nas mãos do mesmo juiz. Ou seja, não existe diversidade de decisão. Qualquer modificação na Justiça, justamente por ser um órgão que envolve um número excessivo de processos, de funcionários, além de estruturas como a do Ministério Público, das delegacias e dos advogados, deve ser um processo em câmera lenta. O resultado que nós esperamos, de diminuir o número de cerceamento de defesas, deve ocorrer em longo prazo. Não acredito que vá mudar a partir do momento em que as varas especializadas acabarem.

ConJur — Como fazer uma defesa complexa sem saber se o juiz que vai analisar o caso entende profundamente do assunto?
Débora Pimentel — Costumamos ser muito didáticas nas petições, tentando oferecer um conhecimento geral de matérias mais específicas, como ambiente, tributário e econômico.
Carolina Fonti — Quando há um caso sobre assunto muito específico, por exemplo, fazemos uma petição mais descritiva e dedicamos tempo a despachar com as autoridades. Ao mesmo tempo, preparamos um dossiê de doutrina e de sentenças para auxiliar no desfecho favorável do caso.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 23 de junho de 2013

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...