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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Direito à meação em união estável só existe para bens adquiridos após a Lei 9.278




Em uniões estáveis iniciadas antes da Lei 9.278/96, mas dissolvidas já na sua vigência, a presunção do esforço comum – e, portanto, o direito à meação – limita-se aos bens adquiridos onerosamente após a entrada em vigor da lei.

Esse foi o entendimento majoritário da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu questão controvertida nas duas turmas que compõem o colegiado ao julgar recurso sobre partilha de bens em união estável iniciada em 1985 e dissolvida em 1997.

O recorrente se insurgiu contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que reconheceu o direito à meação do patrimônio reunido pelos companheiros nos moldes da Lei 9.278, incluídos todos os bens, inclusive os que foram adquiridos antes da edição da lei. O TJMG considerou a presunção legal do esforço comum.

Segundo o recorrente, a decisão do tribunal mineiro desrespeitou o direito adquirido e o ato jurídico perfeito por ter atingido os bens anteriores à lei, que seriam regidos por outra legislação.

A ministra Isabel Gallotti, cujo voto foi vencedor no colegiado, afirmou que se houve ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, isso não decorreu do texto da Lei 9.278, mas da interpretação do TJMG acerca dos conceitos legais de direito adquirido e de ato jurídico perfeito – presentes no artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) –, “ensejadora da aplicação de lei nova (Lei 9.278) à situação jurídica já constituída quando de sua edição”.

Sociedade de fato

A ministra explicou que até a entrada em vigor da Constituição de 1988, as relações patrimoniais entre pessoas não casadas eram regidas por “regras do direito civil estranhas ao direito de família”.

De acordo com Gallotti, o entendimento jurisprudencial sobre a matéria estava consolidado na Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal (STF). O dispositivo diz que, comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

A ministra lembrou que a partilha do patrimônio se dava não como reconhecimento de direito proveniente da convivência familiar, mas de contrato informal de sociedade civil, cujos frutos eram resultado de contribuição direta dos conviventes por meio de trabalho ou dinheiro.

Segundo Gallotti, com a Constituição de 1988, os litígios envolvendo as relações entre os conviventes passaram a ser da competência das varas de família.

Evolução

Ao traçar um histórico evolutivo das leis, a ministra reconheceu que antes de ser publicada a Lei 9.278, não se cogitava presunção legal de esforço comum para efeito de partilha igualitária de patrimônio entre os conviventes.

A partilha de bens ao término da união estável dava-se “mediante a comprovação e na proporção respectiva do esforço de cada companheiro para a formação do patrimônio amealhado durante a convivência”, afirmou.

Segundo Gallotti, com a edição da lei, foi estabelecida a presunção legal relativa de comunhão dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável.

Aquisição anterior

Entretanto, essa presunção não existe “se a aquisição se der com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união”, acrescentou a ministra.

Ela explicou que, com a edição da Lei 9.278, “os bens a partir de então adquiridos por pessoas em união estável passaram a pertencer a ambos em meação, salvo se houvesse estipulação em sentido contrário ou se a aquisição patrimonial decorresse do produto de bens anteriores ao início da união”.

Segundo Gallotti, a partilha dos bens adquiridos antes da lei é disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente quando se deu a aquisição, ou seja, com base na Súmula 380 do STF.

A ministra afirmou que a aquisição da propriedade acontece no momento em que se aperfeiçoam os requisitos legais para tanto, e por isso sua titularidade “não pode ser alterada por lei posterior, em prejuízo do direito adquirido e do ato jurídico perfeito”, conforme o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição e o artigo 6º da LICC.

Expropriação

Isabel Gallotti disse que a partilha de bens, seja em razão do término do relacionamento em vida, seja em decorrência de morte do companheiro ou cônjuge, “deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar”.

De acordo com a ministra, a aplicação da lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de união implicaria “expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da lei anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, além de causar insegurança jurídica, podendo atingir até mesmo terceiros”.

Por isso, a Seção determinou que a presunção do esforço comum e do direito à meação limitam-se aos bens adquiridos onerosamente após a vigência da Lei 9.278.

Quanto ao período anterior, “a partilha deverá ser norteada pela súmula do STF, mas, sobretudo, pela jurisprudência deste tribunal, que admite também como esforço indireto todas as formas de colaboração dos companheiros, mas que não assegura direito à partilha de 50%, salvo se assim for decidido pelo juízo de acordo com a apreciação do esforço direto e indireto de cada companheiro”, afirmou Gallotti.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Ensaio sobre Decadência, Prazo, Termo Final e Extinção de Eficácia do Negócio Jurídico


Ensaio sobre Decadência, Prazo, Termo Final e Extinção de Eficácia do Negócio Jurídico


Humberto Theodoro Júnior


Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito
da UFMG; Desembargador Aposentado do TJMG;
Membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas,
do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do
Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, do
Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto
Ibero-Americano de Direito Processual e da International
Association of Procedural Law; Doutor em Direito;
Advogado.


Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 57 - Nov/Dez de 2013


RESUMO: O estudo do fenômeno da decadência exige a compreensão dos fatos envolvidos na extinção dos direitos e das situações jurídicas, por influência do decurso do tempo. Semelhante análise reclama preocupação com noções básicas como as pertinentes não só ao conceito de extinção de direito, como ao determo e prazo e suas classificações. É nesse terreno que pretendemos desenvolver o presente ensaio, tendo em conta que as noções apontadas nem sempre têm merecido a compreensão adequada e satisfatória, seja na doutrina ou na jurisprudência.

PALAVRAS-CHAVE: Decadência. Prazo. Termo Final. Negócio Jurídico. Eficácia. Adimplemento.


SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O Tempo e o Direito. 3 Extinção dos Direitos. 4 Termo de Eficácia e Termo de Adimplemento. 5 Negócios Jurídicos Sujeitos a Termo de Eficácia e Termo de Adimplemento. 6 Prazos Extintivos; 6.1 Similitude entre Termo Final e Decadência, no Plano dos Negócios Jurídicos. 7 Contagem dos Prazos nos Negócios Sujeitos a Termo Final. 8 A Decadência e o Termo Final de seu Prazo, Segundo a Jurisprudência; 8.1 Força do Termo Final. 9 Conclusões.


1 Introdução

O estudo do fenômeno da decadência exige a compreensão dos fatos envolvidos na extinção dos direitos e das situações jurídicas, por influência do decurso do tempo.

Semelhante análise reclama preocupação com noções básicas como as pertinentes não só ao conceito de extinção de direito, como ao de termo e prazo e suas classificações.

É nesse terreno que pretendemos desenvolver o presente ensaio, tendo em conta que as noções apontadas nem sempre têm merecido a compreensão adequada e satisfatória, seja na doutrina ou na jurisprudência.

2 O Tempo e o Direito

O tempo, como evento natural, pode, por si só, apresentar-se como fato jurídico lato sensu, com aptidão para produzir efeitos no plano dos direitos subjetivos, seja em razão da lei ou em função da declaração de vontade. Em outras palavras: o tempo, fenômeno da natureza alheio a qualquer comportamento humano, pode serpressuposto de fato capaz de determinar consequências jurídicas relevantes, como o nascimento, a modificação e a extinção de direitos e relações jurídicas 1.

Muitos são os fatos jurídicos de eficácia instantânea sobre os quais o decurso do tempo não exerce papel algum 2. Outros há, porém, cujos efeitos se distanciam no tempo, dando origem aos direitos e obrigações a termo, sobre os quais incide um prazo que pode ser de nascimento, modificabilidade ou extinção.

Costuma-se confundir prazo com termo, classificando-se o prazo em inicial ou final, quando, na verdade, o que pode ser inicial ou final é o termo, isto é, o momento em que o fato jurídico ou o negócio jurídico começam a produzir efeito ou cessam de produzi-lo 3. Decorre ele - segundo Pontes de Miranda - de determinação da vontade ou da lei que define o tempo certo em que "há de começar certa eficácia ou que há de terminar toda a eficácia (...) ou algum ou alguns efeitos do ato jurídico hão de terminar". A manifestação de vontade, in casu - ainda conforme o tratadista -, "só opera no plano da eficácia; noutras palavras: somente concerne ao nascimento, modificação ou extinção de direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções" 4.

Prazo, por sua vez, não é momento, mas espaço temporal entre dois termos ou dois momentos eficaciais 5. Falar-se, então, em prazo inicial e prazo final só tem sentido se, por metonímia, se considerar que pelo primeiro se alcança um termo inicial, e, pelo segundo, um termo final 6.

Estabelecido um momento posterior ao fato jurídico para que seus efeitos comecem a ocorrer, ter-se-á um prazo cuja implementação provocará o termo inicial. O estabelecimento, portanto, de termo inicial "suspende o exercício do direito", embora este já tenha sido adquirido, desde o fato que lhe deu origem (CC, art. 131). Pelotermo inicial há apenas uma prorrogação do momento de eficácia do negócio jurídico já aperfeiçoado ou um fato jurídico já consumado.

O termo final opera em sentido contrário, já que sua função é determinar a extinção de um direito, de uma situação jurídica ou da faculdade de exercer um direito ou uma pretensão 7. Tal termo é figurável não apenas nos negócios jurídicos, mas também em faculdades, deveres e obrigações que emergem da lei. "O termo final [lembra Pontes de Miranda] pode ser concernente a direito, ou a pretensão, ou a ação e, até, a exceção. O que se subordina ao termo pode ser qualquer efeito" 8.

É, por exemplo, o referir-se o termo à eficácia do direito ou da pretensão que permite distinguir entre decadência e prescrição. A decadência acarreta a extinção do próprio direito não exercido durante o tempo de duração da respectiva eficácia, enquanto a prescrição põe fim à pretensão nascida da violação de um direito, cuja reparação não foi reclamada pelo titular no tempo de lei. Há, nos dois casos, termo final de eficácia, mas de objetos distintos. Na decadência, extinguem-se o direito e a ação que o tutelava. Na prescrição, extinguem-se a pretensão e a ação que viabilizava seu exercício, mas subsiste o direito, embora enfraquecido por falta da ação.

3 Extinção dos Direitos


A exemplo dos seres da natureza, os direitos comportam-se como seres vivos, isto é, "nascem de diferentes causas, se modificam por diferentes causas e por diferentes causas se extinguem" 9.

Por extinção de um direito, ensina Caio Mário da Silva Pereira, "deve-se entender o seu fim, a sua morte, o seu desaparecimento" 10. Há direitos que só se extinguem com o seu titular; outros há cuja extinção ocorre em virtude da vontade de outrem exercida com base nos chamados direitos formativos ou potestativos; sempre, outrossim, que a regra jurídica exige como suporte fático um ato ou omissão do próprio titular do direito, diz-se que, à falta de tal suporte, "o direito caiu, caducou". Nesse sentido, a caducidade "supõe conduta do titular que a lei repute assaz para que o direito deixe de ser". Dá-se a preclusão, em sentido estrito, se a extinção ocorre em razão do decurso do tempo, apenas 11.


Não se deve confundir, frente às faculdades jurídicas, a perda e a extinção. Substancialmente são fenômenos diversos e de diferentes efeitos. Na lição de Caio Mário, "dá-se a perda do direito quando ele se separa do titular atual e passa a subsistir com outro sujeito". Pense-se nas alienações do domínio e nas cessões de crédito. Para o mesmo civilista, "na perda há uma ideia de relatividade, de vez que o sujeito não pode mais exercer as faculdades jurídicas" 12, embora outrem o possa.

A extinção, por sua vez, é um conceito absoluto, que importa a completa destruição do vínculo jurídico. "As faculdades jurídicas não podem ser exercidas pelo sujeito atual, nem por outro qualquer" 13.

Explica Caio Mário que a extinção completa do direito pode ocorrer em razão do sujeito, do objeto ou do vínculo:

"(I) extinção subjetiva ocorre em relação aos direitos personalíssimos e, por isso, insuscetíveis de transmissão, de modo que, se o titular morre ou perde a faculdade de exercê-los, os direitos da espécie desaparecem ou se destroem;

(II) extinção objetiva é a que se origina do perecimento do objeto sobre que versa o direito, como na morte do animal vendido, antes da tradição, ou a ruína do prédio arrendado, quando, em qualquer caso, não ocorra a sub-rogação da obrigação no equivalente econômico; os direitos reais, por exemplo, não têm como subsistir após o perecimento do respectivo objeto;

III) extinção em razão do vínculo ocorre nos casos em que sobrevive o sujeito e subsiste o objeto, ‘mas falta ao titular o poder de ação para exercer as faculdades jurídicas’, como se passa com a decadência (perda do direito) e a prescrição (perda da pretensão)." 14


Nessa mesma perspectiva, Pontes de Miranda registra que a morte do titular do direito, seja ativo ou passivo, põe fim à relação jurídica a que se achava vinculado. Mas, se se trata de direito transmissível causa mortis, "não se extingue o direito, ou o dever, a pretensão, ou a exceção ou a obrigação, a ação ou a legitimação passiva na ação ou na exceção" 15. Emigra, o direito, de um sujeito para outro.

Vários são, enfim, os direitos que, por sua própria estrutura, "trazem ínsita a causa de sua própria extinção", de sorte a merecer a qualificação de direitos transitórios". Nessa categoria incluem-se, por exemplo, (I) os direitos constituídos a termo (CC, art. 131), os quais "desaparecem com o escoamento do prazo"; e (II) os direitos subordinados à condição resolutiva (CC, arts. 127 e 128), cujo implemento importa no seu perecimento 16.

A extinção dos direitos - vista de outro ângulo - opera bilateralmente, de sorte que eliminadas as faculdades que tocavam ao sujeito ativo da relação jurídica, extintos também estarão os deveres correlatos do sujeito passivo. "A dívida desaparece". No caso dos direitos reais sobre coisas alheias, desaparecem o usufruto, o uso, ou a habitação, "de maneira que os elementos que se afastaram, para lhes fazer o suporte fático, volvem à propriedade". Prossegue Pontes de Miranda: "Extinção em direito, como em física, em matemática, em lógica e em todas as ciências, é deixar de ser, ser ‘nada’. O devedor, que alega ter-se extinto o direito do credor, alega ter-se extinto a sua dívida. O proprietário, que objeta ter-se extinto o usufruto de outrem em sua propriedade, objeta que não há mais aquele direito e ele, dono da propriedade nesse momento, não tem o dever de proceder, que teria se o usufruto existisse" 17.


Em síntese, os termos desempenham papel decisivo na vida dos direitos, faculdades e pretensões, já que predeterminam, ou podem predeterminar, tanto o início da eficácia como o seu fim. Com efeito, é por seu intermédio, na maioria dos atos e negócios jurídicos, que se define o momento do nascimento dos direitos, bem assim o seu perecimento, morte ou extinção.

4 Termo de Eficácia e Termo de Adimplemento

A clássica divisão dos prazos e termos em iniciais e finais, todavia, não esgota as espécies e funções que tais categorias jurídicas exercem no plano dos fenômenos negociais. Com efeito, além dos prazos para iniciar ou findar a eficácia de negócio jurídico, há na ordem jurídica os prazos estabelecidos para o adimplemento das obrigações e para o exercício dos direitos potestativos.

Na categoria dos prazos e termos finais, a perda do direito não decorre da inércia do titular, mas apenas do fim preordenado do vínculo jurídico. Os direitos sujeitos a essas modalidades, como bem explica Caio Mário da Silva Pereira 18, são direitos transitórios, que já nascem com prazo de eficácia prefixado. Podem ser exemplificados por meio do fornecimento de alimentos, assinaturas de jornais ou periódicos, locação por temporada, comodato, etc. Durante todo o período de vigência, há o desfrute (ou a possibilidade de desfrute) dos direitos decorrentes do negócio ou da situação jurídica, e sua extinção advém do puro e simples termo final, sendo de nenhuma relevância o adimplemento (ou não) de qualquer prestação ou a prática (ou não) de qualquer ato por parte do respectivo titular. A hipótese é deprazo extintivo simples 19.

Outros prazos são concebidos para que o titular de um direito exerça-o dentro de um termo fatal. Sua inércia acarretará a extinção ou caducidade do direito. Configurar-se-á o denominado prazo de decadência, cuja incidência independe de violação cometida pelo sujeito passivo e se baseia unicamente no não exercício do direito pelo titular em tempo útil. Há, também, prazos estabelecidos para o exercício de pretensões (derivadas de violação de direitos) e que, igualmente, se encerram pela inércia do titular em reagir contra o ofensor. Aqui, o prazo, que não é fatal, pois admite impedimento, suspensão e interrupção, configura o denominado prazo prescricional.

Há, enfim, prazos estipulados para cumprimento de prestações, cuja transgressão submete o obrigado faltoso às sanções da mora ou do inadimplemento, sem que, necessariamente, ocorra o rompimento do vínculo jurídico entre as partes. A essa modalidade de prazo atribui-se a denominação de prazo de adimplemento, em contraposição ao prazo de eficácia, que deriva, pura e simplesmente, do termo final a que o destino do vínculo jurídico se achava atrelado, desde a origem.

Diante dessa distinção, a doutrina lembra a necessidade de considerar o que seja, em outra nomenclatura, o "termo essencial" e o "termo não essencial". Tal classificação aplica-se, particularmente, aos termos de cumprimento ou adimplemento. Segundo esclarece José de Oliveira Ascensão, tem-se como "termo essencial" aquele a partir do qual o obrigado "cai no incumprimento definitivo" 20; e como "termo não essencial" aquele cuja ultrapassagem apenas "conduz à mora do devedor"21. No primeiro caso, a obrigação resolve-se em perdas e danos, e, no segundo, surge, para a parte prejudicada, a opção de executar judicialmente a prestação inadimplida acrescida dos consectários da mora, ou de rescindir o contrato.

5 Negócios Jurídicos Sujeitos a Termo de Eficácia e Termo de Adimplemento


As obrigações criam poderes e deveres entre as partes, necessariamente temporários. Nascem fadados a extinguirem-se quando atingido o escopo (o fim) para o qual a vontade negocial foi endereçada. Com o cumprimento desse objetivo (meta optata), exaure-se o vínculo jurídico, ficando o credor satisfeito e o devedor liberado.

As estruturas do negócio pactuado, porém, não são sempre iguais: há, por exemplo, contratos unilaterais e contratos bilaterais, assim como existem contratos consensuais e contratos de eficácia real. Essa diversidade estrutural permite a constatação de (I) que há negócios jurídicos cuja extinção se submete apenas a termo de eficácia, (II) ou tão somente a termo de adimplemento, ou, ainda, (III) de que há aqueles que provocam a coexistência de ambas as modalidades de termo.

Num contrato unilateral como o empréstimo, por exemplo, o vínculo se estabelece todo em função da obrigação de repor a quantia mutuada. A relação contratual subsiste à espera do pagamento, pelo mutuário, da quantia que o mutuante lhe repassou. É claro que as partes estipularam um termo para a duração do vínculo obrigacional (vencimento do empréstimo). O mais importante, contudo, para exaurir a relação jurídica, não é o vencimento, é o pagamento da dívida contraída pelo devedor. O contrato de empréstimo, portanto, é um daqueles cujo destino se sujeita, predominantemente, a um termo final de adimplemento.

Quer isso dizer: o vencimento da obrigação, por si só, não a extingue; de maneira que o seu desrespeito por parte do devedor não é suficiente para acarretar a morte do vínculo jurídico que o une ao credor. A violação do prazo negocial, por isso, é causa apenas da mora debitoris 22.

Outra é a situação dos contratos de eficácia real (aqueles em que uma parte cede, temporariamente, a posse ou o desfrute de um bem). Em relação a esses contratos, o regime é o do termo final de eficácia. Atingido este, extingue-se ipso iure o vínculo obrigacional, pouco importando tenha o vencimento do prazo recaído, ou não, em dia útil. O uso da coisa não pode ultrapassar o termo de eficácia do negócio jurídico.

Igual regime prevalece também para os contratos de duração, como os de prestação de serviços ou de fornecimento. Quem se obriga, por exemplo, a fornecertransporte durante 10 dias, ficará liberado no termo final previsto, ou seja, quando completado o 10º dia da prestação a que se obrigou. O mesmo acontecerá com a empresa que contraiu a obrigação de fornecer energia ou outros insumos, durante prazo certo. Em casos como estes, o termo é fatal e não sofre prorrogação pela eventualidade de recair em feriado.

Há, ainda, contratos bilaterais em que se estipulam prazos de diferentes naturezas para obrigações impostas a ambas as partes. Na locação ou na concessão de uso, ou na constituição de direito real de superfície, v.g., o dono do bem cedido sujeita-se a assegurar a posse e desfrute ao destinatário do respectivo uso, enquanto este se obriga a pagar periodicamente (ou de uma só vez) o preço convencionado para remunerar a cessão. Em relação ao vínculo a que se acha jungido o dono do bem, o termo final é um termo de eficácia, cujo atingimento acarretará sua imediata liberação, não sendo relevante a circunstância de o vencimento recair em feriado ou em dia útil.

Em relação, porém, aos prazos de pagamento dos encargos periódicos do usufruidor do bem cedido, a natureza dos respectivos vencimentos é a de termo de adimplemento 23.

Deve-se registrar, ainda, a possibilidade de incidentes ocorríveis durante a vigência do contrato, como o de revisão de preços, denúncia do ajuste, prorrogação de vencimento, renovação do negócio, etc. Se se estipula prazo certo para que essas faculdades se exerçam, o caso é de instituição de direitos formativos oupotestativos, cujo termo final acarreta decadência. O direito já nasce vinculado a uma duração certa, ao fim da qual extingue-se automaticamente 24.

Outro aspecto a ressaltar é que esses direitos potestativos, que nascem para os contratantes, quando não sujeitos a prazo certo, têm como pressuposto a vigência do negócio principal. São acessórios ou incidentes somente admissíveis enquanto não extinto o vínculo negocial que lhes serve de suporte fático. Extinto este, extinta estarão também as faculdades que dele derivavam. Mesmo que, em casos especiais, se admita a revisão do contrato já extinto por decorrência de termo final de eficácia, o exercício tardio dessa faculdade se dará apenas para obter compensação eventual de prejuízos de um dos contratantes, e não para ressuscitar um contrato já inexoravelmente morto.

Nessa mesma perspectiva, a obtenção de prorrogação, legal ou convencional, para satisfazer débito parcial vencido durante a vigência do contrato extinto por termo final decadencial, não tem o condão de manter vivo o negócio principal. A novação ou o favor legal restringem-se à prestação prorrogada. Não interfere, pois, no termo final já ultrapassado e, tampouco, na consequente extinção do negócio jurídico principal. Pense-se na obrigação do administrador de prestar contas no último dia da gestão, e que obtém prazo adicional para desincumbir-se do encargo. Essa prorrogação, de maneira alguma, implicará ampliação do prazo da gestão já extinta. O gestor apenas terá obtido a relevação de sua possível mora, no tocante à obrigação acessória. Ficará, por exemplo, isento da cláusula penal prevista para a hipótese. Escapará tão somente da multa a que estaria sujeito pelo não cumprimento da obrigação acessória dentro do prazo de vigência do negócio principal. Nada mais do que isso.

6 Prazos Extintivos

Consideram-se prazos extintivos aqueles que provocam a extinção, seja da pretensão (prescrição), seja da eficácia do próprio direito (decadência e resolução simples)25.

A prescrição não atinge o direito contra cuja violação o titular não reagiu no tempo determinado em lei. O direito, não obstante violado, subsiste, tanto que o devedor pode renunciar aos efeitos da prescrição já consumada (CC, art. 191), e o pagamento da dívida prescrita não corresponde a pagamento sem causa, nem autoriza a repetição de indébito (CC, art. 882). O que se extingue é apenas a pretensão, isto é, o poder de exigir coativamente, do devedor, a prestação não reclamada no devido tempo (CC, art. 189).

A decadência é algo maior do que a prescrição. Produz ela "l’estinzione del diritto in virtú del fatto oggettivo del decorso del tempo, esclusa, in genere, ogni considerazione relativa alla situazione soggettiva del titolare. La decadenza implica, quindi, l’onere di esercitare il diritto esclusivamente entro il tempo prescritto dalla legge" 26.

Da substancial diferença entre prescrição e decadência decorre que o prazo da primeira se acha sujeito a várias causas de interrupção ou suspensão, enquanto o da decadência é fatal e somente pode ser impedido pelo "exercício do direito mediante o cumprimento do ato previsto" 27 (naturalmente, antes do termo final do prazo de vigência do direito subjetivo). É clara a alternativa que a lei opõe ao titular do direito sujeito a prazo decadencial: "o avvalersi del diritto entro il termine o perderlo (...)". Por isso, "non si applicano alla decadenza le regole sull’ interruzione e sulla sospensione della prescrizione" 28; ou seja, ou vale-se do direito antes do termo ou perdê-lo-á, pois não se aplicam à decadência as regras de suspensão ou interrupção da prescrição.

A par dos casos típicos de prescrição e decadência, existem, ainda, em grande número, direitos que trazem ínsita a causa de sua própria extinção e podem por isso mesmo tachar-se de direitos transitórios" 29 (ou de duração temporária predeterminada). Entre esses casos figuram, segundo Caio Mário, os seguintes:

"a) Os direitos constituídos a termo (CC, art. 131), os quais ‘desaparecem com o escoamento do prazo’;

b) Os direitos subordinados à condição resolutiva (CC, arts. 127 e 128), ‘cujo implemento importa no seu perecimento’;
c) ‘Os direitos que se prendem indissoluvelmente à pessoa do sujeito’, os quais desaparecem quando perece o titular;
d) E ainda ‘aqueles que se constituem como meios de obtenção de um fim determinado, os quais deixam de existir quando este é conseguido’." 30

Em todos esses exemplos - dos quais se sobressaem os negócios a termo - a característica comum é a previsão de um momento certo em que a eficácia se extinguirá automaticamente, pondo fim à relação obrigacional ou ao vínculo jurídico existente.

Esse termo extintivo de eficácia é muito diferente do termo de adimplemento, porque aquele é causa ipso iure de cessação ou extinção da eficácia do direito ou da situação jurídica 31, enquanto o último apenas provoca a mora, que não é causa de extinção de eficácia, mas apenas causa autorizadora do cumprimento forçado e só, eventualmente, de rescisão contratual.

Na verdade, o desrespeito ao termo de cumprimento se presta apenas a ensejar o nascimento da pretensão oponível ao devedor inadimplente, e, por conseguinte, a fixação do termo inicial da prescrição (CC. art. 189) 32. Com efeito, a prescrição "começa a correr a partir do dia em que o direito pode ser feito valer" 33.

São exemplos típicos de termo de eficácia aqueles impostos nos contratos de efeitos reais, como a de transferência ou constituição de direitos reais ou de concessão temporária de posse ou uso de coisas (direito real de usufruto, locação, comodato, etc.). "L’eventuale termine disegna i limiti temporali del diritto ad ottenere la disponibilità del godimento del bene e del diritto al corrispettivo" 34.

Se, pois, o termo de eficácia é final, a sua verificação acarreta pura e simplesmente o efeito programado pelas partes do negócio jurídico, qual seja o de extinguir sua eficácia 35.

6.1 Similitude entre Termo Final e Decadência, no Plano dos Negócios Jurídicos

Entre os fatos extintivos de direito e efeitos jurídicos, nosso Código Civil define a prescrição (art. 189) e, sem conceituá-la literalmente, prevê, ainda, a existência dadecadência, a qual determina a não sujeição às "normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição" (art. 207). Prevê, também, que a decadência dos direitos subjetivos - que, segundo o léxico, é o "perecimento ou extinção de um direito" em virtude de decurso de prazo determinado para sua eficácia - possa decorrer tanto de regra legal como convencional (arts. 210 e 211).

Para o sistema de nosso Código, portanto, o prazo extintivo que não trate de pretensão (isto é, do poder de reagir contra a violação de um direito subjetivo) será sempre um prazo decadencial. Vale dizer: "Quando se estipula, na lei ou no contrato, um prazo determinado para que a parte exerça um direito, a própria aquisição desse direito restou condicionada ao dado temporal. A decadência se insere na estrutura formativa do próprio direito" 36.


O sistema legal é de extrema singeleza: o prazo extintivo é de prescrição se se refere ao não exercício da pretensão; será de decadência, sempre que o direito subjetivo nascer com prazo certo para ser exercitado. Explica Miguel Reale, autor do Projeto que se converteu no atual Código Civil: "Não haverá dúvida nenhuma: ou figura [o prazo extintivo] no artigo que rege a prescrição, ou então se trata de decadência" 37.

É certo que a decadência é concebida como mecanismo extintivo imediatamente aplicável aos direitos potestativos, mesmo porque estes não geram pretensão de exigir qualquer prestação do sujeito passivo, e, assim, jamais poderão recair no campo de aplicação do fenômeno da prescrição 38, mas não cabe dar-lhe um sentido que impeça de estender seus efeitos extintivos a quaisquer outros direitos subjetivos, que, a exemplo dos direitos potestativos, também estejam substancialmente vinculados a uma eficácia temporal rígida. Mesmo porque - é bom ressaltar - o Código, em momento algum, restringiu a aplicação da decadência apenas aos direitos potestativos, de sorte que aquilo que há de ocorrer sempre no terreno dos direitos potestativos poderá, também, em identidade de causa, se dar no âmbito dos demais direitos, desde que subordinados a um tempo certo de duração ou eficácia. Decadência, enfim, é sinônimo de morte, extinção de direito, por decorrência do tempo útil de vida pré-assinalado desde o seu nascimento 39.


Nunca é pouco lembrar que a temporariedade é da substância das obrigações negociais, de modo que os direitos, faculdades, deveres e encargos que se originam das relações obrigacionais nascem, como estas, com o destino de extinguirem-se, fatalmente, num determinado momento, que corresponde ao chamado termo final da situação jurídica criada pelo negócio jurídico.

Em resumo: "prazos prescricionais são apenas os dos arts. 205 e 206 [do CC]. Todos os demais que figuram no Código [e nos contratos], mormente os da Parte Especial, são decadenciais" 40.

7 Contagem dos Prazos nos Negócios Sujeitos a Termo Final


Não raro se encontram doutrina e jurisprudência no sentido de que, mesmo sendo decadencial e peremptório, o prazo final previsto em lei ou contrato não se vence em dia feriado ou não útil 41.

Afirmações desse jaez decorrem, todavia, de uma visão restrita e por demais simplificadora das relações jurídicas sujeitas a prazos decadenciais. Os que assim pensam esquecem-se de que há mais de uma modalidade de termos de decadência:

"a) Há aqueles termos dentro dos quais se exige o exercício do próprio direito sujeito a decadência; e

b) Há aqueles outros termos em que dentro (ou em função) do direito sujeito a decadência se impõem prazos para cumprimento ou prática de ato que se pode considerar como ‘singular’; trata-se de ato que não se pode considerar como correspondente ao conteúdo do direito básico, isto é, daquele direito cuja duração haverá de findar com o advento do termo final da decadência."

São casos como os de pagamentos de encargos periódicos, os de denúncia, de reserva ou ressalva, etc. 42. Aqui ocorrem prestações ou atos que a parte deve realizar, em prazos ou momentos certos, antes da extinção do direito submetido ao regime decadencial, e que, em regra, correspondem a declarações de vontade receptícias; ou seja, devem ser praticadas perante a contraparte ou por meio de agentes ou serviços públicos.

A inércia da parte, que não é relevante para a verificação do termo final, assume importância para o cumprimento de um ato "singular", porque diante deles a extinção da faculdade atuaria como sanção. Em relação ao negócio básico, a decadência é apenas uma questão de duração do direito; mas, relativamente aos atos singulares, a perda do poder de praticá-los operaria como pena ou sanção.

Nesse campo dos atos singulares sujeitos a prazos extintivos é que se pode cogitar de aplicar a regra geral de contagem de prazo que não se vence em dia não útil, tendo em vista a impossibilidade ou dificuldade de que a prestação pudesse ser nele efetivada. Não naqueles em que o efeito de acarretar o fim da situação jurídica se dá tão somente pelo decurso do tempo, sem depender de qualquer tipo de cooperação da contraparte ou de intermediação necessária de algum serviço público ou privado, a cargo de terceiros (publicidade registral ou serviços bancários, por exemplo).


aqui que se torna importante a distinção entre termo de eficácia e termo de adimplemento. Se o caso é de termo de eficácia, a extinção do direito ocorre pelo simples decurso do prazo de vigência do direito, pouco importando o dia em que o vencimento se deu, seja ele útil ou festivo. Se o termo, porém, está atrelado a alguma prestação, ao obrigado haverá de ser assegurado que o prazo não se vença em dia não útil. É o que se passa, em regra, com os prazos processuais, que são contínuos e preclusivos, mas não se vencem em dias não úteis, para evitar que o litigante sofra redução do tempo disponível para desencargo do ônus processual (prejuízo irremediável, caso a faculdade tivesse de ser exercitada antes do dia festivo). Tem-se em conta que o ato processual não é praticável, senão em face dos órgãos e agentes judiciais que não são acessíveis nos dias não úteis. É nesse sentido que, também no direito material, se estipula que o tempo de execução das prestações dura até o último instante do dia final. E se "este é um dia festivo, o termo é prorrogado para o dia útil seguinte" 43.


Diversa é a situação do termo final de eficácia de um contrato ou de uma situação jurídica, que não pode ser confundido com "o termo das obrigações singulares que derivam do contrato", termo esse regulado por normas específicas, e não pelas que disciplinam a duração e extinção da relação contratual 44. O feriado, assim, é relevante para o termo das prestações singulares, e irrelevante para o termo de eficácia do contrato.

Em suma, pode-se afirmar que perante o contrato (e as situações jurídicas convencionais em sentido lato) há dois tipos bem diferenciados de termos:



"a) O termo de eficácia, que determina o momento inicial ou final de eficácia do negócio jurídico, como fonte de direito e obrigações recíprocas, e que nenhuma influência sofre em razão de sua coincidência (ou não) com dia útil ou festivo; e

b) O termo de adimplemento, que determina o tempo de cumprimento das prestações que decorrem do negócio jurídico e cujo vencimento, salvo convenção em contrário, não recairá em dia não útil. O descumprimento do termo de adimplemento, no entanto, não se apresenta ordinariamente, como causa de extinção do contrato ou da situação jurídica existente entre as partes; gera, em regra, os efeitos da mora."


8 A Decadência e o Termo Final de Seu Prazo, Segundo a Jurisprudência

Sem embargo do reconhecimento universal de que as causas de interrupção ou suspensão dos prazos prescricionais não se aplicam à decadência, o STF chegou a decidir, por maioria, que, quando o direito potestativo houvesse de ser praticado por meio de ação judicial, não se poderia deixar de prorrogar, para o dia útil imediato, o vencimento que recaísse em dia em que não houvesse expediente forense. Entendeu-se que a regra do art. 125, § 1º, do CC/1916 (art. 132, § 1º, do CC/02) firmaria "princípio geral a ser obedecido", de modo que "se o termo final de prazo recair em dia não útil, prorrogar-se-á até o primeiro dia útil seguinte, mesmo que seja de decadência dito prazo" 45.

Coube, porém, ao próprio STF alertar para a necessidade de rever sua velha tese sobre a prorrogabilidade do vencimento do prazo decadencial que recaia em dia não útil. E essa revisão se deu por meio de julgamento unânime do Plenário da Corte, assim ementado:


"AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL DE 2 (DOIS) ANOS. DIREITO MATERIAL. NÃO INCIDÊNCIA DA NORMA QUE PRORROGA O TERMO FINAL DO PRAZO AO PRIMEIRO DIA ÚTIL POSTERIOR. 1. Por se tratar de decadência, o prazo de propositura da ação rescisória estabelecido no art. 495 do CPCnão se suspende, não se interrompe, nem se dilata (RE 114.920, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 02.09.88), mesmo quando o termo final recaia em sábado ou domingo. 2. Prazo de direito material. Não incidência da norma que prorroga o termo final do prazo ao primeiro dia útil posterior, pois referente apenas a prazos de direito processual. 3. Na espécie, o trânsito em julgado do acórdão rescindendo ocorreu em 1º de dezembro de 1999 (dies a quo), tendo o prazo decadencial se esgotado em 01.12.01 (sábado), ante o disposto no art. 1º da Lei nº 810/1949 - ‘considera-se ano o período de doze meses contados do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte’. Ação rescisória protocolada nesta Suprema Corte apenas em 03.12.01 (segunda-feira), portanto, extemporaneamente. 4. Decadência reconhecida. Processo extinto com base no art. 269, IV, do CPC." 46

O novo pronunciamento do STF foi unânime na acolhida da tese de que o prazo de decadência é fatal: "não se prorroga, é peremptório e vence no dia correspondente ao termo final, considerado o período fixado em lei" (voto do Relator originário, Ministro Marco Aurélio); "mesmo quando o termo final recaia em sábado ou domingo, como na espécie" (voto da Revisora, Ministra Ellen Gracie).

O prazo de decadência é sempre de direito material, ainda que o direito potestativo que lhe corresponde deva ser exercitado por meio de ação judicial. O que, afinal, está em jogo, no caso da rescisória, não é uma simples faculdade processual, mas é a subsistência, ou não, da situação jurídica substancial tornada imutável e indiscutível por força da coisa julgada material. Logo, o que se ataca não é senão a estabilidade e definição da situação de direito material assegurada ao respectivo titular.

Não se trata, portanto, de um direito potestativo diverso daquele que permite à parte prejudicada por vício de consentimento promover a ação de anulação do negócio jurídico. O prazo para propô-la é decadencial e de natureza material (CC, art. 178), sem embargo de o exercício do direito potestativo reclamar sentença judicial (CC, art. 177) 47.

Sendo indiscutível tratar-se de prazo assinalado para o exercício de direito material, a decadência, que se origina da ultrapassagem do seu termo final, consiste, precisamente, "no esgotamento de um direito potestativo pelo decurso do tempo". Daí porque não se é de admitir "que haja, em regra, interrupção ou suspensão de prazo decadencial", tendo em conta que o direito potestativo de alguém sempre põe em risco direito já estabelecido em favor de outrem 48.

Melhor explicando, Gustavo Neves ressalta que não se aplicam à espécie as causas que suspendem ou interrompem a prescrição, e "não há nem admissão da prorrogação do exercício de prazo decadencial para o primeiro dia útil subsequente". Aduz mais: "A decadência historicamente representa um meio de libertação diante de um direito potestativo exercido diante de um sujeito passivo, que permanece em estado de sujeição (v. art. 207). O fundamento da decadência é a intangibilidade das esferas individuais que deve ser preservada" 49.

O STJ, que tem admitido a prorrogação do vencimento do prazo de propositura da rescisória, adotou posição contrária, ao tratar da extinção do contrato por força do implemento do termo final de sua vigência

"LOCAÇÃO. AÇÃO RENOVATÓRIA. TERMO FINAL DO CONTRATO. PRORROGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 125, § 1º, DO CC/1916. INAPLICABILIDADE. I - Consoante entendimento manifestado por esta Corte, a data definida no contrato de locação para seu término prevalece sobre qualquer outra forma de contagem do lapso temporal de vigência do pacto. II - O art. 125, § 1º, do CC/1916 estabelece que se o vencimento ‘cair em dia feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil’. Não há determinação no sentido de que se o termo final de um negócio jurídico cair em dia não útil, haverá a prorrogação de sua eficácia." 50


O STJ, nesse acórdão, fez bem a distinção entre prazo de eficácia do contrato e prazo de cumprimento de prestação. A este, e não àquele, é que a lei admite a prorrogação de vencimento para o dia útil subsequente 51.

De fato, é de se ter como provisória, e não definitiva, toda eficácia que se apresenta como resolúvel pela possibilidade de "ser desfeita pelo implemento de condição resolutiva ou alcance do termo final" 52. O termo final, nessa ordem de ideias, provoca a extinção do direito que do contrato nascera para a parte. Extinto o vínculo negocial, desaparecem os direitos que temporariamente encontraram fonte no referido vínculo.

Se durante a vigência de um determinado vínculo jurídico estabelece-se um direito potestativo para uma das partes (por exemplo: direito de denunciar ou prorrogar o contrato), o prazo que para o respectivo exercício se estabelece é, necessariamente, decadencial, mesmo quando haja de ser exercitado judicialmente, como já decidiu o STF (AR 1.681/CE). Vale a pena relembrar a lição de Agnelo Amorim Filho, a respeito de direitos potestativos, como o de preferência, o de rescindir a sentença de mérito, o de anular contratos, etc.: "Assim, pode-se dizer, com relação aos direitos potestativos subordinados a prazo, que o prazo não é fixado, propriamente, para a propositura da ação, mas para o exercício de direito (...). O que intranquiliza não é a possibilidade de ser proposta a ação, mas a possibilidade de ser exercido o direito. Assim, extinguir a ação, e deixar o direito sobreviver (como ocorre na prescrição), de nada adiantaria, pois a situação de intranquilidade continuaria de pé. Infere-se, daí, que quando a lei fixa prazo para o exercício de um direito potestativo, o que ela tem em vista, em primeiro lugar, é a extinção desse direito, e não a extinção da ação. Essa também se extingue, mas por via indireta, como consequência da extinção do direito" 53.

8.1 Força do Termo Final

Com o advento do termo final, extingue-se o vínculo negocial, ipso iure. Não há de se pretender dilatação do prazo de eficácia da relação jurídica mantida entre as partes, a pretexto de que o vencimento recaiu em dia não útil. A exaustão do vínculo jurídico, na espécie, não é fato que dependa de ato das partes ou que reclame cooperação entre elas; é fenômeno que se passa exclusivamente no plano do direito; é algo muito diferente do ato de realizar o cumprimento da prestação devida pelo contratante, que se materializa no pagamento (ato bilateral, a envolver o solvens e o accipiens). Por isso é que a regra de prorrogação do prazo de adimplemento não tem aplicação ao prazo de eficácia.


Parece óbvio que a posse e desfrute de um bem contratado, v.g., pelo prazo de 10 dias, não haverá de se prorrogar por mais um ou dois dias simplesmente por o termo final recair num sábado ou num domingo. Vencido o prazo ajustado, extingui-se a posse cedida e o objeto do contrato tem de achar-se liberado, sob pena de tornar-se, o contratante, responsável por esbulho. Da mesma forma, quem aluga uma casa de praia por cinco dias não tem direito de ocupá-la na segunda-feira, pelo fato de o quinto dia do prazo contratual ter recaído no domingo. Tampouco o seguro contratado por tempo certo pode ter sua cobertura ampliada por um dia, quando o vencimento recair em dia não útil. E assim por diante.

9 Conclusões

Em suma:

a) A duração da situação jurídica criada por um contrato ou outro negócio jurídico extingue-se definitivamente com o advento do termo final, a que a convenção se acha subordinada.

b) Salvo previsão especial de lei ou de convenção expressa, o termo final, pondo fim à situação jurídica estabelecida entre as partes, acarreta necessariamente a extinção dos direitos potestativos ou faculdades que pressuponham a vigência (ou eficácia) da relação negocial.

c) Todos os poderes que correspondiam a faculdades inerentes ao vínculo contratual, que não foram exercitados durante a vida do negócio jurídico, extinguem-se juntamente com a cessação de eficácia deste. A decadência de um acarreta ipso facto a decadência dos outros, i.e., dos direitos potestativos deles originados.

d) O efeito da exaustão do prazo de caducidade, como é o de vigência do contrato ou da autorização ou concessão administrativa, "produz-se automaticamente, valedizer, uma vez transcorrido, o poder, ação ou direito que seja, se extingue ipso iure, e não é necessário que tal seja alegado pelo interessado, já que os Tribunais o apreciarão de ofício" 54.

e) A regra de que o vencimento, quando recai em dia não útil, se prorroga para o primeiro dia útil subsequente (CC, art. 132, § 1º), aplica-se aos termos de adimplemento (correspondentes aos prazos para cumprir prestações estatuídas em negócios jurídicos), e não aos termos de eficácia (correspondentes ao tempo de duração da situação jurídica nascida do contrato ou de outro negócio jurídico qualquer). A prorrogação de que se cuida se dá em favor de quem não consegue realizar a prestação devida no dia do vencimento do prazo previsto e tem como objetivo impedir a mora debitoris, e não evitar o perecimento de direito que deve acontecer por simples decurso do tempo, sem depender de ação ou omissão do respectivo titular.

f) Não é prazo processual, mas material, o que prefixa a duração do vínculo negocial e das faculdades ou direitos dele derivados, ainda que devam ou possam ser exercidos através de processo judicial. A esse tipo de direito ou faculdade não se aplicam as regras especiais dos prazos genuinamente processuais, no que se relaciona com as possíveis prorrogações de vencimento.

g) Somente são prazos processuais aqueles que se praticam no processo, com o objetivo de produzir efeito processual 55. Não se pode, portanto, tratar como prazo processual aquele que nasce fora do processo, para delimitar o tempo dentro do qual será possível juridicamente atacar uma situação de direito material revestida da imutabilidade e indiscutibilidade gerada pela coisa julgada material. A eficácia da coisa julgada, in casu, embora assentada sobre um provimento judicial, só se aperfeiçoa com o encerramento definitivo da relação processual; e seu objetivo é pacificar, de forma plena, a situação jurídica de direito material disputada entre os litigantes. Quando, portanto, passa a imperar a autoridade da res iudicata, não há mais processo, e o plano em que essa autoridade se faz valer pertence, por inteiro, ao direito material.

h) A pretensão de rescindir uma sentença revestida da autoridade da coisa julgada material não é substancialmente diversa daquela voltada para a anulação de um negócio jurídico, ou para a rescisão de um contrato afetado por descumprimento. Pouco importa que, nesses casos, a pretensão rescisória tenha de ser manejada por via judicial. O que se exercita é pretensão de natureza material, e não faculdade meramente relacionada com o processo ou com o procedimento. Por isso é que o prazo para propor a ação rescisória, como o da ação anulatória de negócio jurídico, não pode ser tratado sob o regime dos prazos processuais. Há de prevalecer, portanto, como já acentuou o STF, o regime dos prazos decadenciais, sem embargo de o direito potestativo material (ou faculdade) depender da via judicial para seu exercício (AR 1.681/CE).


TITLE: Essay about preemption, term, expiration and the termination of effectiveness in legal transactions.

TRACT: The study of peremption demands the understanding of the facts involved in the extinction of the rights and legal situations, influenced by the passage of time. A similar analysis demands attention not only to the concept of right termination, but also to term and its classifications. This paper aims at examining this scenario, taking into consideration that the notions hereby mentioned are not always properly understood, be it among jurists or courts.

KEYWORDS: Peremption. Term. Expiration. Legal Transaction. Effectiveness. Payment.



Fonte: Editora Magister

terça-feira, 25 de março de 2014

RESPONSABILIDADE CIVIL, PENAL E ÉTICA DOS MÉDICOS

RESPONSABILIDADE CIVIL, PENAL E ÉTICA DOS MÉDICOS
 
ARTUR UDELSMANN Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médica da Universidade Estadual de Campinas,SP
 
 
RESUMO – Nos últimos anos, os médicos têm sido alvo de processos indenizatórios, criminais e éticos com freqüência cada vez maior. A Medicina é uma profissão muito visada, não somente em razão dos riscos que comporta, mas também, em alguns casos, por uma visão equivocada do Poder Judiciário sobre as obrigações dos médicos. As decisões nos processos éticos dos Conselhos Regionais de Medicina repercutem na justiça comum, e por isso devem ser seguidas com bastante atenção. O objetivo desta revisão é dar uma visão ampla, do ponto de vista de um médico-advogado, dos processos envolvendo responsabilidade civil, penal e ética e tentar torná-los compreensíveis aos médicos. Após breve introdução histórica, são abordadas as causas de responsabilidade civil e os artigos legais que lhe dão base. As responsabilidades do médico, do hospital e dos planos de saúde são vistas separadamente, bem como os mecanismos de indenização. Os crimes possíveis de ocorrer no exercício da Medicina são descritos, suas penas e a relação direta existente entre crime e a indenização é demonstrada. É feita a descrição da natureza administrativa do processo ético, chamando a atenção para o fato do caráter legal de suas penas, que com freqüência, serve de base para as decisões da justiça comum.
A prevenção ainda é o melhor remédio para fazer face ao problema; o bom exercício da Medicina e a boa relação médico-paciente ainda são as melhores soluções para minimizar as repercussões de tais ações. É conveniente que os médicos tenham noções dos mecanismos jurídicos de tais demandas, mas não devem nunca tomar iniciativas de defesa sem antes consultar um advogado.
UNITERMOS: Médico. Responsabilidade: civil, penal, ética.
 
 
INTRODUÇÃO
O exercício da Medicina, até um passado historicamente recente, era cercado de uma aura de divindade e não se discutiam os desígnios dos esculápios, pois estes eram tidos somente como intermediários da vontade divina. Mesmo assim, já no Código de Hammurabi da Babilônia do séc. XVIII a.C. havia regras que previam penas aos médicos em caso de erros1. Com a evolução dos conhecimentos, a arte da Medicina foi se tornando ciência, e com isso a sociedade passou a exigir dos médicos condutas científicas e reparação por eventuais erros cometidos. A sociedade muito evoluiu desde então, até chegarmos aos tempos de hoje, onde o exercício da Medicina em nosso país tornou-se quase uma atividade de risco. Não bastassem as inúmeras dificuldades das políticas governamentais de saúde, os conflitos com os planos e seguros de saúde, acrescente-se, mais recentemente, a tendência à institucionalização da "indústria da indenização", cópia deformada de modelos existentes em outros países mais evoluídos. Médicos não têm formação jurídica, mas deveriam começar a olhar a questão com interesse se pretendem continuar a exercer a profissão e sobreviver no mercado de trabalho. O objetivo da seguridade social moderna é, acertadamente, o de estender os cuidados à saúde e os cuidados médicos a toda a população, mas esta, freqüentemente, confunde o direito à seguridade com o direito à cura e tende, atualmente, a exigir indenizações quando seus objetivos não são atingidos, encorajada pela mídia sensacionalista.
 
 
Fonte: Scielo
 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

PRESCRIÇÃO DE PRTENSÃO INDENIZATÓRIA EM CONTRATO DE RESSEGURO É DE UM ANO

Prescrição de pretensão indenizatória em contrato de resseguro é de um ano
Em julgamento de recurso especial interposto pela empresa Rural Seguradora S/A, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que não reconheceu a natureza excepcional dos contratos firmados entre seguradora e resseguradora, razão pela qual prevaleceu o entendimento de que o prazo de prescrição para indenizações é de um ano.

O caso envolveu contrato firmado entre a Rural Seguradora e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), feito em 1998, que garantia a cobertura para danos a passageiros e tripulantes de aeronaves no valor de US$ 2 milhões.

Em 26 de fevereiro de 1999, um helicóptero segurado fez um pouso de emergência, em virtude de problemas mecânicos, e dois de seus ocupantes morreram ao ser atingidos pelas hélices do aparelho.

Em junho do mesmo ano, a Rural consultou o IRB sobre o reembolso do sinistro, mas foi informada de que a hipótese de falha mecânica não estava amparada pelo seguro contratado. Mesmo assim, a seguradora fez o pagamento da indenização aos beneficiários.
Pretensão prescrita
Em 2003, a Rural propôs ação de cobrança contra o IRB, mas o TJMG entendeu que a pretensão indenizatória já estaria prescrita.

Segundo o acórdão, “o contrato de resseguro nada mais é do que outro contrato de seguro firmado entre a seguradora e a resseguradora. Consequentemente, nas relações entre estas se aplica o prazo prescricional de um ano, previsto no artigo 178, parágrafo 6º, inciso II, do Código Civil de 1916 e repetido no inciso II do artigo 206 do atual Código Civil”.

No recurso ao STJ, a seguradora defendeu que a operação de resseguro não poderia ser equiparada à de seguro, tratando-se de relação negocial de natureza diversa, pessoal, constituída entre companhias de seguro.

Alegou ainda que, diante da falta de previsão legal específica quanto ao prazo prescricional da ação de cobrança promovida por seguradora contra resseguradora, deveria ser aplicado o prazo de 20 anos, previsto no artigo 177 do Código Civil de 1916, vigente à época.
Acórdão mantido
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, não acolheu os argumentos da seguradora. Ele reconheceu que a definição da natureza do contrato de resseguro “ainda encontra discordância entre os estudiosos”, mas observou que a maior parte da doutrina sustenta que, de modo geral, o contrato está inserido no tipo securitário.

“O contrato de resseguro garante ao segurador o ressarcimento pelo seu prejuízo, passando o ressegurador a atuar como segurador do segurador. Daí a expressão habitual, o resseguro é o seguro do segurador”, explicou.

“Quanto à prescrição, a lei previu, para qualquer pretensão decorrente do contrato de seguro privado, o prazo de um ano (artigo 178, parágrafo 6º, do Código Civil de 1916 e artigo 206 do Código Civil de 2002). Nisso se inclui o seguro do segurador, isto é, o resseguro”, concluiu o ministro.
Fonte: STJ

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

AS CONSEQUÊNCIAS DO JEITINHO BRASILEIRO NA ADOÇÃO ILEGAL DE CRIANÇAS

As consequências do jeitinho brasileiro na adoção ilegal de crianças
O número de crianças e jovens aptos para a adoção no Brasil é de 5,4 mil, segundo dados de outubro de 2013 do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O cadastro foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em abril de 2008, para centralizar as informações dos Tribunais de Justiça do país sobre pretendentes e crianças disponíveis para encontrar uma nova família – e também para auxiliar os juízes na condução dos processos de adoção.

Apesar de seu esforço para acelerar esses procedimentos, a Justiça ainda não consegue evitar a prática de algumas famílias, que se utilizam do “jeitinho brasileiro” para adotar crianças. É a chamada adoção à brasileira.

A adoção à brasileira se caracteriza “pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra o menor como seu filho, sem as cautelas judiciais impostas pelo estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses da criança”, explicou a ministra Nancy Andrighi em um de seus julgados sobre o tema.

Da diferenciação à igualdade
A Constituição Federal de 1988 (CF) encerrou definitivamente a diferenciação de direitos estabelecida pelo Código Civil de 1916, entre filhos legítimos, ilegítimos e adotados (artigos 337 a 378).

Estabeleceu no parágrafo 6º do artigo 227 que os filhos provindos ou não do casamento, ou de adoção, possuem os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O Código Civil de 2002 (CC/02) seguiu o ordenamento constitucional ao tratar do assunto no seu artigo 1.596. Definiu no artigo 1.618 que a adoção de crianças e adolescentes deveria ser feita de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90) –, o qual foi aperfeiçoado pela Lei 12.010/09, chamada Lei da Adoção, aprimorando a sistemática para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes.

Ao tratar do assunto, o Código Penal estabeleceu que a prática da adoção à brasileira é criminosa, prevendo inclusive pena de reclusão de dois a seis anos. É o chamado crime contra o estado de filiação, trazido pelo artigo 242: dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.

Suspeita de tráfico
Além de sujeitar o adotante a essas sanções penais, a adoção informal pode dar margem à suspeita de outros crimes, como se viu em caso julgado recentemente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O recurso em habeas corpus trouxe a história de um bebê recém-nascido, entregue pelos pais biológicos a um casal. A entrega foi intermediada por terceiro, que possivelmente recebeu R$ 14 mil. A mãe biológica também teria recebido uma quantia de R$ 5 mil pela entrega da filha.

No registro da criança constou o nome da mãe biológica e do pai adotante, que se declarou genitor do bebê. A criança permaneceu com o casal adotante por aproximadamente quatro meses, até ser recolhida a um abrigo em virtude da suspeita de tráfico de criança.

O Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação de busca e apreensão do bebê, com pedido de destituição do poder familiar do pai registral e da mãe biológica, bem como de nulidade do registro de nascimento. O juízo de primeira instância deferiu em caráter liminar o acolhimento institucional da criança. O casal impetrou habeas corpus pedindo o desabrigamento da criança e a sua guarda provisória.

Com a negativa do habeas corpus pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), o casal recorreu ao STJ. Afirmou que a criança estava sofrendo “danos psicológicos irreversíveis” em virtude da retirada do lar e que não houve tráfico de criança.

Antes de 2009, o STJ tinha o entendimento pacífico de que não era possível a discussão de questões relativas à guarda e adoção de crianças e adolescentes utilizando-se a via do habeas corpus. Entretanto, em julgamentos a partir dessa data, os magistrados da Corte têm excepcionado o entendimento “à luz do superior interesse da criança e do adolescente”, esclareceu Sanseverino. Segundo o ministro, a análise do caso deve se limitar à validade da determinação legal de acolhimento institucional do menor e posterior encaminhamento para adoção.

Situação de risco

A Terceira Turma negou provimento ao recurso. De acordo com Sanseverino, não houve ilegalidade no acolhimento institucional da criança. O ministro explicou que o acolhimento não foi devido apenas à preservação do CNA, legalidade contida no artigo 50 do ECA, ou em virtude da fraude no registro, mas também porque foi identificada uma “situação de risco concreto à integridade moral e psicológica da infante, diante da suspeita da ocorrência de crime de tráfico de criança”.

Ao analisar os autos, Sanseverino afirmou que, mesmo sem a comprovação do pagamento pela criança, ela foi efetivamente negociada pelos envolvidos. O ministro ressaltou que a conduta do casal, que passou por cima das normas legais para alcançar seu objetivo, “coloca em dúvida os seus padrões éticos, tão necessários para a criação de uma criança”.

“Tal situação, a meu ver, não pode ser endossada pelo Poder Judiciário, sob pena de desestimular pretensos adotantes a seguir os trâmites legais, e, em última análise, estimular o tão repugnante comércio de bebês”, garantiu o ministro.

Parentalidade socioafetiva

A jurisprudência do STJ tem exemplos de casos em que crianças foram adotadas ilegalmente, de maneira consciente e voluntária, por pessoas que após determinado tempo resolveram negar a paternidade, ignorando o vínculo socioafetivo criado. Nesses julgados, é possível perceber a prevalência da paternidade socioafetiva.

Nesse sentido, foi julgado o recurso de um pai que requereu a anulação do registro de nascimento das filhas da esposa. Ele alegou que foi induzido a registrá-las como suas filhas, quando na realidade não o eram. Só depois da propositura da ação, as filhas descobriram que ele não era seu pai biológico.

O pai alegou que deveria prevalecer a verdade real, mesmo havendo vínculo socioafetivo entre eles. Sustentou que o registro deveria ser anulado por erro de vontade. Porém, não obteve sucesso no recurso interposto no STJ.

A Quarta Turma negou provimento ao recurso do pai, acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão. Segundo ele, nos dias de hoje, a paternidade “deve ser considerada gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a socioafetiva. Assim, em conformidade com os princípios do CC/02 e da CF/88, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica, e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar”.

Salomão observou que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, “quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva”.

O ministro ponderou que se a declaração sobre a origem genética realizada pelo autor na ocasião do registro foi uma inverdade, “certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro”.

Limbo jurídico

Entendimento semelhante foi proferido pela Terceira Turma ao julgar recurso especial de relatoria da ministra Nancy Andrighi. Um pai ajuizou ação negatória de paternidade, na qual alegou tê-la reconhecido sob ameaças e pressões da mãe da criança. Requereu também a realização de exame de DNA, para comprovar a inexistência de vínculo biológico.

A ação foi proposta quando a criança já tinha cinco anos de idade. Em virtude da comprovação da ausência de vínculo biológico pelo exame, tanto a primeira instância quanto o TJSC determinaram a retificação do registro civil.

Ao julgar o recurso do Ministério Publico local contra o acórdão do tribunal catarinense, o STJ decidiu que não ocorreu vício de consentimento quando do registro da criança, nem que o pai tenha sido induzido a erro.

De acordo com Nancy Andrighi, em processos que lidam com o direito de filiação, “as diretrizes determinantes da validade de uma declaração de reconhecimento de paternidade devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, conscientemente, reconhece paternidade da qual duvidava, e depois de cinco anos se rebela contra a declaração produzida, colocando a menor em limbo jurídico e psicológico”.

A ministra afirmou que, mesmo na ausência do vínculo genético, o registro da criança como filha, “realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva”. Para Nancy Andrighi, é “inequívoco” o fato de que ele assumiu, “em ação volitiva, não coagida, a paternidade sociafetiva”.

Em outro recurso, o ministro Massami Uyeda (hoje aposentado) considerou que, “em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado”.

Direito à verdade biológica
Outra discussão que surge no STJ é sobre a possibilidade de o vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica ou a obrigação patrimonial.

Sobre o assunto, a Terceira Turma decidiu que o adotado ilegalmente, mesmo usufruindo de uma relação socioafetiva com o pai registrário, tem direito, se quiser, a tomar conhecimento de sua “real história” e ter acesso à sua “verdade biológica”, pois “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana” – como afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi.

No caso julgado, uma mulher em idade madura ajuizou ação de investigação de paternidade, cumulada com petição de herança, pois o pai já era falecido. Na ocasião do seu nascimento, ela foi registrada como filha do marido de sua mãe, mesmo sendo filha biológica de outro homem.

Diante da confirmação do vínculo biológico trazida pelo exame de DNA, os herdeiros do pai sustentaram que, nesse caso, deveria prevalecer a paternidade socioafetiva em relação à biológica, pois se tratava de um caso de adoção à brasileira. Alegaram ainda que tanto a adoção como o registro civil eram irrevogáveis.

Segundo Nancy Andrighi, existe amplo reconhecimento da maternidade e paternidade socioafetivas pela doutrina e jurisprudência, bem como a possibilidade de ela prevalecer sobre a verdade biológica. “Trata-se do fenômeno denominado pela doutrina como a ‘desbiologização da paternidade’, o qual leva em consideração que a paternidade e a maternidade estão mais estreitamente relacionadas à convivência familiar do que ao mero vínculo biológico”, explicou a ministra.

Por outro lado, a ministra também esclareceu que, se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico, não é razoável que seja imposta a ele a prevalência da paternidade socioafetiva para impedir sua pretensão.

Obrigação patrimonial

Mesmo nas hipóteses em que a adoção é feita de maneira legal, nos termos do ECA e da Lei da Adoção, é assegurado ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica (artigo 48). Contudo, lembrou Nancy Andrighi, quando uma adoção é efetivada pelos trâmites legais, há o “rompimento definitivo do vínculo familiar”. E se o adotado desejar conhecer sua origem biológica, “essa investigação não gera consequências de cunho patrimonial”.

Diferentemente, na adoção à brasileira, “embora não caiba a anulação do registro de nascimento (salvo na hipótese de erro), por iniciativa daquele que fez a declaração falsa, diante da voluntariedade expressada (artigo 1.604 do CC/02) e da necessidade de proteger os interesses do próprio adotado, se a pretensão for investigatória e advier da própria vontade do filho interessado, é assegurado a ele o direito à verdade e a todas as suas consequências, incluindo as de caráter patrimonial”, afirmou a ministra.

Busca pelos pais biológicos

Conforme afirmou o ministro Luis Felipe Salomão em outro recurso especial, “a tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto”.

O recurso tratou da história de uma mulher registrada pelos pais adotantes como se fossem seus genitores, depois de ter sido entregue pela mãe biológica ainda bebê. Posteriormente, a mãe biológica passou a conviver com ela como sua madrinha de batismo. O pai biológico possivelmente nem sabia da existência da filha.

Na adolescência, ela soube que sua mãe era, na verdade, a madrinha. Porém, somente após a morte dos pais registrais, e contando 47 anos de idade, soube a identidade do pai biológico e propôs a ação de investigação de paternidade e maternidade, cumulada com anulação de registro.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou improcedente o pedido da autora, pois entendeu que a existência do vínculo socioafetivo entre os pais registrais e a autora da ação afastava a possibilidade de reconhecimento da paternidade biológica. No STJ, o entendimento do tribunal gaúcho foi reformado. A Quarta Turma deu provimento ao recurso da mulher.

De acordo com o relator, a paternidade biológica gera “necessariamente” uma responsabilidade que não se desfaz com a prática ilícita da adoção à brasileira, “independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram”. No mesmo sentido, “a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo haver equiparação entre a adoção regular e a chamada adoção à brasileira”.

Salomão explicou que a paternidade socioafetiva prevalece sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, entretanto, ela não prevalece quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva.

O raciocínio deve ser aplicado para as adoções à brasileira, já que a adoção legal, conforme dispõe o ECA, é irrevogável e desliga o adotado de qualquer vínculo com pais e parentes (artigos 39, parágrafo 1º, e 41).

Pedido de terceiro

A Terceira Turma negou provimento ao recurso de um irmão que queria anular o registro de nascimento da irmã, afirmando que o pai havia praticado adoção ilegal.

A filha foi registrada em 1955, quando já possuía sete anos de idade e, segundo o recorrente, por insistência da então companheira de seu pai. Após aproximadamente 37 anos do registro, o fato foi tornado público e a filha tomou conhecimento de como aconteceu o seu registro. Daí se originou a ação ajuizada pelo irmão, para desconstituir a declaração de paternidade feita por seu pai biológico em relação à irmã adotada ilegalmente.

A relatora do caso foi a ministra Nancy Andrighi que, ao citar o artigo 1.601 do CC/02, lembrou que se restringe ao marido a legitimidade para contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, e ao filho a legitimidade para ajuizamento de ação de prova de filiação (artigo 1.606).

Todavia, a ministra ressaltou que esse leque foi ampliado pelo artigo 1.604, legitimando aqueles que provassem a existência de erro ou falsidade. Nesse último caso se encaixaria o interesse do irmão em contestar a paternidade.

A relatora ponderou que, se de um lado não há vínculo biológico entre o pai registral e a recorrida, a alteração do registro civil “deve ser avaliada à luz da existência de uma relação de filiação socioafetiva consolidada e construída sobre ações de boa-fé do pai socioafetivo”.

Nancy Andrighi entendeu que o pai registral, mesmo sem possuir vínculo biológico, ao registrar de forma consciente a criança como filha, consolidou a filiação socioafetiva. E embora a adoção tenha acontecido à margem da lei, a situação concretizou para a adotada a condição de filha, “que não pode ser enjeitada por aquele que registrou, nem ao menos contestada por terceiros”, avaliou.

De acordo com a ministra, a relação socioafetiva “não é constatada somente por meio de um convívio perene, mas no momento da declaração do pai registral, porque de outra forma se construiria relação filial sujeita às intempéries da vida, que podem determinar o afastamento de pessoas que mantinham íntima convivência, como de fato ocorreu na espécie”.

Direitos assegurados

Dessa maneira, nos recursos em que os adotantes ilegais queiram, tempos depois, negar a paternidade de seus filhos, ou quando terceiros alegam erro ou falsidade no ato do registro, percebe-se a prevalência da paternidade socioafetiva, “em nome da primazia dos interesses do menor”, explicou Nancy Andrighi.

Nos casos em que os filhos adotados ilegalmente buscam o reconhecimento dos pais biológicos, a tendência é que a verdade biológica prevaleça, em razão do “princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no artigo 1º, inciso III, da CF/88”, e que traz em seu bojo “o direito à identidade biológica e pessoal” – ponderou a ministra.

Os números dos processos citados no texto não são divulgados em razão de segredo judicial
 
Fonte: STJ

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

ESCRITURA DE DIVÓRCIO QUE PREVÊ PENSÃO TEM FORÇA JURÍDICA

Escritura de divórcio que prevê pensão tem força jurídica

 
O site do Tribunal de Justiça de São Paulo veiculou, no dia 18 de dezembro de 2013, a notícia de que a 3ª Câmara de Direito Privado negou o processamento de uma execução de alimentos em que era pedida a prisão civil do devedor (artigo 733 do Código de Processo Civil). Entendeu-se que o pedido não era possível porque o título executivo era extrajudicial — uma escritura pública de divórcio —, e não uma decisão judicial.
Vejamos a fundamentação do voto:
É que o art. 733 do Código de Processo Civil estabelece que a prisão civil pode decorrer da inércia do devedor em pagar ou se escusar os alimentos fixados em sentença ou decisão (“Na execução de sentença ou decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo”).
Contudo, a escritura pública de divórcio é título executivo extrajudicial (art. 1.124-A, parágrafo 1º, CPC), cujo grau de certeza é menor do que o do título produzido em juízo após contraditório e cognição exaurientes.
Daí porque não se pode admitir a prisão civil do devedor, medida excepcional e extremamente gravosa, em decorrência de ajuste que constou de escritura pública.
Para a execução desse débito alimentar, a agravada poderia se valer do rito da execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 732, CPC), mas não do rito que prevê a prisão civil.
O assunto é de grande alcance prático, ultrapassando os limites do simples interesse das partes, visto que milhares são os casos de separação e divórcio instrumentalizados por escritura pública com a estipulação de pensão alimentícia em favor de um dos cônjuges ou dos filhos maiores.
Por primeiro, deve-se refutar a tese de que a obrigação de prestar alimentos firmada em cartório de notas é desprovida da observância do princípio do contraditório. Entende-se que há, sim, contraditório na formação do acordo de divórcio feito perante o tabelião, pois no ato as duas partes devem estar presentes e assessoradas pelo advogado escolhido por elas, que tanto pode ser um só para as duas ou um para cada. Como se vê, nada é feito sem a presença e a anuência do devedor, que está amparado por profissionais do direito de sua confiança. O tabelião fará as vezes de um juiz, confirmando a vontade das partes e, com o advogado, alertando-as das consequências do ato que está sendo feito. Tudo isso com a participação ativa dos interessados.
Os cartórios são parceiros da justiça e assim devem ser vistos. É o poder Judiciário que seleciona e fiscaliza os tabeliães. Por isso a Resolução 35 do CNJ, no seu art. 52 diz: os cônjuges separados judicialmente podem, mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as.
Em outras palavras, as partes podem, por escritura, alterar até mesmo o que antes tinham combinado sobre alimentos na presença do juiz! Portanto, não há espaço para entender-se que a escritura tem menos valor que a homologação judicial e por isso é incabível obstar a execução da pensão alimentícia na forma do art. 733 do CPC.
Não podemos nos prender à literalidade do art. 733 do CPC, que fala em execução de sentença ou decisão. Este dispositivo só se refere a esses dois tipos de pronunciamentos judiciais porque foi redigido na época em que só por meio de um magistrado era definido o valor de uma pensão, ainda que por mera homologação.
Porém, os tempos mudaram, o direito não é o mesmo e, com o advento da Lei 11.441/07, em muito boa hora, o divórcio consensual sem filhos menores passou a poder ser feito por escritura pública, na qual os alimentos são convencionados para o casal ou para os filhos maiores. Portanto, desde 2007, a definição do valor dos alimentos não é mais privativa de uma decisão judicial. Há mais liberdade para as próprias pessoas resolverem suas vidas. Portanto, o artigo 733 deve ser interpretado de forma sistemática e atual, não podendo ser apenas lido de forma literal.
O entendimento do julgado que se analisa parece ter considerado que o devedor é a parte mais fraca na relação jurídica da dívida alimentar. Todavia, o que ocorre é exatamente o contrário. Nessa relação alimentar a parte mais forte é quem paga e não quem recebe os alimentos. Quem paga tem para se manter e ainda pode ajudar alguém. Quem recebe não tem nem para o próprio sustento.
A pessoa que recebe a pensão está em situação de vulnerabilidade, pois precisa que outra pessoa contribua para o que é necessário para o seu bem estar: alimentação, vestuário, educação, transporte, saúde e lazer.
A interpretação meramente literal do artigo 733 do CPC, feita pelo acórdão noticiado, criou uma exceção, não prevista na lei e nem na Constituição, em que uma dívida alimentar ficou sem a força da possibilidade de prisão do devedor, enfraquecendo o direito do credor dos alimentos, que deles necessita para ter uma vida humana com dignidade, o que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição).
O entendimento do julgado em análise retira das escrituras, indevidamente, eficácia jurídica que lhes é conferida pela Lei 11.441/07 e tem a consequência perniciosa de fazer com que a Justiça tenda a ser cada vez mais sobrecarregada, pois, com menos eficácia nos acordos de divórcio feitos nos cartórios de notas, as pessoas tendem a procurar o Judiciário para fazer o mesmo acordo que poderiam perfeitamente fazer fora dele.
O credor dos alimentos tem direito à proteção que decorre da possibilidade da prisão do devedor inadimplente. Se não for reconhecida essa eficácia no título extrajudicial, produzido no cartório de notas, a tendência é o credor fazer questão de que o acordo seja feito perante o Judiciário, com isso gerando processos e mais processos totalmente desnecessários, para mera homologação, exatamente o que a Lei 11.441/07 quis evitar.
Por sua vez, esse afluxo maior de processos tornará a justiça ainda menos célere e menos eficiente, o que contraria pelo menos dois princípios constitucionais: eficiência (art. 37) e duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).
Lembre-se que os tabeliães não são os únicos que podem celebrar acordos de alimentos. A defensoria pública e o ministério público também podem lavrar termos de acordos, gerando igualmente títulos extrajudiciais. E o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade de prisão civil na execução de tais títulos. Vejamos os precedentes adiante.
RECURSO ESPECIAL - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM SENTIDO ESTRITO – DEVER DE SUSTENTO DOS PAIS A BEM DOS FILHOS - EXECUÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO – DESCUMPRIMENTO - COMINAÇÃO DA PENA DE PRISÃO CIVIL - POSSIBILIDADE.
1. Execução de alimentos lastrada em título executivo extrajudicial, consubstanciado em acordo firmado perante órgão do Ministério Público (art. 585, II, do CPC), derivado de obrigação alimentar em sentido estrito - dever de sustento dos pais a bem dos filhos.
2. Documento hábil a permitir a cominação de prisão civil ao devedor inadimplente, mediante interpretação sistêmica dos arts. 19 da Lei n. 5.478/68 e Art. 733 do Estatuto Processual Civil. A expressão "acordo" contida no art. 19 da Lei n. 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp 1117639/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 21/02/2011.
3. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade apresentada pelo Tribunal de origem e garantir que a execução alimentar seja processada com cominação de prisão civil, devendo ser observada a previsão constante da Súmula 309 desta Corte de Justiça.
RESP 1285254/DF - Relator Ministro Marco Buzzi - T4 - j. 04.12.12
RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – ACORDO REFERENDADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL - AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL - OBSERVÂNCIA DO RITO DO ARTIGO 733 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Diante da essencialidade do crédito alimentar, a lei processual civil acresce ao procedimento comum algumas peculiaridades tendentes a facilitar o pagamento do débito, dentre as quais destaca-se a possibilidade de a autoridade judicial determinar a prisão do devedor.
2. O acordo referendado pela Defensoria Pública estadual, além de se configurar como título executivo, pode ser executado sob pena de prisão civil.
3. A tensão que se estabelece entre a tutela do credor alimentar versus o direito de liberdade do devedor dos alimentos resolve-se, em um juízo de ponderação de valores, em favor do suprimento de alimentos a quem deles necessita.
4. Recurso especial provido.
REsp 1117639/MG - Relator Ministro Massami Uyeda - T3 - j. 20.05.2010
Com tantas possibilidades de soluções dos problemas por outras vias que não o processo judicial, não me parece correto o entendimento que induz as pessoas a procurar a justiça nos casos em que não há litígio, pois em tais casos elas estão de acordo e podem resolver o seu problema muito mais rapidamente, num cartório extrajudicial ou perante outros órgãos como a defensoria pública ou o ministério público.
Devemos ter em mente que não há possibilidade de prisão civil sem o crivo judicial. Quem decreta a prisão não é o advogado, não é o tabelião e nem são as partes. A prisão só é decretada por um juiz e sempre depois de possibilidade de defesa.
De fato, o devedor é citado para pagar, comprovar que pagou ou se justificar no prazo legal de três dias. A prisão só vem rapidamente quando ocorrem essas três omissões do devedor. Não existe entre nós uma prisão automática, decorrente da pura e simples falta de pagamento. Desde a inadimplência até a ordem de prisão, há uma importante tramitação processual, que assegura uma série de garantias.
Deve ficar bem claro que a escritura não acarreta a prisão de ninguém. Não há o que temer. Todos estão seguros, inclusive os devedores. A prisão é excepcional, pois é a última opção do juiz, reservada apenas para quem não tem motivo justo para deixar de pagar.
Portanto, é um equívoco ser rigoroso demais na exigência formal do título que gera o crédito aos alimentos. Isso fez o julgado em questão. Se a preocupação é não prender alguém desnecessariamente, basta que o juiz só decrete a prisão nos casos em que isso realmente é necessário, mas independentemente de o título ser judicial ou extrajudicial.
As pessoas costumam pagar as pensões não porque são presas, mas pelo temor de ter a sua prisão decretada. Por isso que, para que as coisas funcionem bem, basta que exista a mera possibilidade de a prisão ser decretada. Mas, quando se considera, de antemão, que a prisão é incabível porque o título é extrajudicial, o temor desaparece e com ele um importante estímulo ao pagamento pontual.
Com a impontualidade estimulada, aumenta ainda mais o número dos processos de execução, sobrecarregando-se ainda a justiça, de maneira totalmente desnecessária. Como vemos, um dos efeitos é uma litigiosidade maior.
Finalmente, do ponto de vista de política judiciária e de planejamento estratégico do Poder Judiciário, é um equívoco grave negar a possibilidade de prisão por alimentos convencionados em escritura de divórcio, pois o fundamento de proteger o devedor inadimplente acaba sendo um golpe gravíssimo contra o instituto do divórcio extrajudicial, que muito tem contribuído para melhorar a atuação da justiça e a vida de tantas pessoas.
Negar eficácia parcial aos divórcios extrajudiciais é estimular que eles sejam feitos em juízo, o que contraria o momento em que vivemos. Não devemos fomentar o litígio e nem a desnecessária judicialização, que já é grande. Devemos buscar formas alternativas de resolução dos conflitos, como tem dito o Conselho Nacional de Justiça.
O Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini, em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, no dia 02 de janeiro de 2014, quando tomou posse, disse que uma das metas de sua gestão é reduzir o número de demandas. Vejamos um trecho do que foi dito pelo chefe do Poder Judiciário Paulista.
“Gostaria que a sociedade paulista prestasse mais atenção ao Judiciário e ajudasse a definir se esse é o modelo realmente hábil para a solução de conflitos. Há um excesso de demandismo. O Brasil tem 93 milhões de processos para quase 200 milhões de habitantes. Isso é irreal. O Judiciário deve investir cada vez mais nos meios alternativos de solução de conflitos. A população se acostumou a discutir todas as suas questões, desde as mais graves até as menores, em juízo. Nós alargamos a porta de acesso à Justiça. Todos entram, mas agora não encontram a saída, que é um funil. O Judiciário deve mostrar que a solução pacífica, a autocomposição, é muito mais eficaz do que a solução dada pelo Estado-juiz. Quando se faz um acordo, além de economizar tempo e dinheiro, você foi protagonista da sua história. Opinou, discutiu e entendeu. Você não foi excluído. No processo, a parte é excluída. Ela fica ali. É só o advogado que fala”.
Em conclusão, a escritura de divórcio que estipula alimentos entre os cônjuges não é juridicamente frágil e nem potencialmente perigosa para a proteção dos direitos dos envolvidos. Ao contrário, ela é um importante instrumento de realização rápida do direito, bem como da “desjudicialização”, de modo que, a regra procedimental prevista no artigo 733, do CPC deve ser harmonizada com a inovação prevista na Lei 11.441/07, viabilizando, portanto, o método coercitivo do devedor, em consonância ao que dispõe a Constituição Federal, consistente na admissão da excepcional prisão do devedor de alimentos, ainda que estes tenham sido estipulados consensualmente perante um cartório de notas. Com esta ótica não se prega a indiscriminada prisão civil dos devedores de pensões alimentícias. O que se defende é a mera possibilidade do cabimento da prisão civil, sem se fazer a discriminação da natureza do título executivo, seja ele judicial ou uma escritura pública.
 
José Luiz Germano é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e aluno da Especialização em Direito Notarial e Registral na Escola Paulista da Magistratura
Revista Consultor Jurídico, 24 de janeiro de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...