Na minha assídua atividade profissional tenho me deparado, ao longo do tempo, com excelentes colegas que enchem de orgulho os quadros da advocacia brasileira. São causídicos que conhecem muito bem o relevante papel que o advogado desempenha em prol da construção da cidadania no seio de uma sociedade livre, plural e democrática. São profissionais que sabem lidar com o direito de seus respectivos clientes, jamais se afastando dos importantes princípios deontológicos que vivificam o exercício da defesa de direitos alheios.
Discorrendo sobre as boas relações entre juízes e advogados, afirmava Calamandrei que a postura ética do advogado é fundamental para o crescimento do prestígio social de toda uma classe. Nesta mesma linha, asseverava que, assim como os magistrados, porta-vozes da soberania estatal, não devem se afastar da sobriedade que reveste os atos decisórios, os advogados também não podem fazer pilhéria, mínima que seja, em seus arrazoados.
O capricho, aliás, é recomendável em toda petição, por mais simples que seja a demanda. Torna-se criticável, sob todos os aspectos, a apresentação de um requerimento com equívoco de digitação ou mesmo — o que é muito pior — com erro de português. Negligência, preguiça e desleixo definitivamente não combinam com o precioso ofício tão valorizado por Rui Barbosa, em seu famoso Dever do Advogado!
Ressalte-se, nesse particular, que os advogados devem cooperar com o julgador, procurando esclarecer, com clareza e coerência, qual a tese jurídica que embasa o direito de seu cliente. O artigo 6º do novo Código de Processo Civil, que encerra o denominado princípio da cooperação, tem, de fato, como corolário, o dever de esclarecimento das partes, pelo qual os respectivos patronos, como é curial, têm a “obrigação” profissional de zelar pela boa interpretação das normas jurídicas aplicáveis à causa.
Assim também, devem demonstrar ao juiz, tanto quanto possível, quais decisões — jurisprudência, precedente ou súmula — incidem no caso concreto, fazendo sempre o cotejo entre os elementos fáticos da questão a ser julgada e uma precedente decisão que tenha o condão de iluminar a melhor interpretação da regra de direito que embasa os argumentos deduzidos.
Cumprindo esta relevante tarefa, com o devido afinco e cuidado, torna-se bem mais reconhecida e produtiva a atuação profissional desempenhada pelo patrono.
A minha experiência de advogado aconselha os colegas mais jovens, quando oportuna a referência aos pronunciamentos dos tribunais, que invoquem, preferencialmente, nas hipóteses em que pertinente, a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal por sua evidente eficácia vertical, em tudo equiparada à lei. Incidindo a súmula vinculante num caso concreto, cuja demonstração é ônus do advogado, não se exige citação de qualquer outra decisão para reforçar a argumentação expendida.
Não havendo súmula vinculante, torna-se necessário verificar se existe “súmula persuasiva”, editada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, a qual, embora não tendo a mesma força da vinculante, ostenta inegável importância intrínseca.
Na sequência, um acórdão atual, colacionado como paradigma, numa hipótese concreta análoga, mesmo com a sua eficácia simplesmente persuasiva, constitui significativo subsídio. Nesta situação, cabe ao advogado cotejar os fatos do precedente judicial com aqueles do caso a ser julgado. Não se deve citar simplesmente a ementa. O advogado deve esquadrinhar a ratio decidendi e procurar demonstrar ao juiz a tese jurídica sufragada pela turma julgadora que, em tudo, abona aquela por ele sustentada na defesa do direito de seu cliente. Saliente-se, a propósito, que o precedente das cortes superiores, diante da autoridade que decorre da hierarquia judiciária (precedente vertical), possui, em tese, um valor persuasivo maior do que um julgado proveniente de tribunal postado no mesmo grau hierárquico (precedente horizontal). De qualquer modo, quanto mais recente for a decisão, tanto melhor para o fim a que se destina a sua respectiva citação.
É certo que em qualquer uma destas situações, a quantidade conspira contra a qualidade. Não é necessária a alusão a muitos julgados; basta que aqueles colacionados retratem o “mesmo caso” sub judice.
Já naquelas hipóteses nas quais as cortes superiores não tiveram oportunidade de proferir decisões, o advogado deve selecionar julgados dos tribunais de segundo grau, optando, antes de outros mais prestigiados, pelos acórdãos do tribunal em que tramita o recurso ou mesmo daquele ao qual o juiz de primeiro grau encontra-se hierarquicamente subordinado. Aqui também a quantidade não deve prevalecer sobre a qualidade. O advogado deve garimpar os mais recentes julgados e trabalhar com a fundamentação das decisões invocadas como paradigma, inclusive declinando o nome dos integrantes da turma julgadora, sobretudo quando gozar ela de prestígio perante a comunidade jurídica.
É assim imprescindível que se tenha esse mínimo de zelo, marcado por absoluta precisão, fidelidade e ética profissional nas respectivas citações das decisões judiciais, visando a persuadir o julgador a favor da tese defendida.
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2015, 8h05
Nenhum comentário:
Postar um comentário