Publicado na Coluna Seu Direito do http://www.varginhaonline.com.br
Se fizermos uma pesquisa investigando se os consumidores sabem a diferença entre defeito e vício do produto ou serviço segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), seguramente grande parte desses consumidores responderia que defeito e vício são expressões sinônimas, que não existe diferença entre elas. Estariam errados? É evidente que não, até porque, conforme já tivemos oportunidade de escrever, não são todos os consumidores que tem acesso à educação e à informação(1) , o que, em linhas gerais, o torna alienado de seus direitos.
Cumpre-nos, antes de tratarmos do tema proposto, trazer os
conceitos de produto e serviço. O CDC no seu artigo 3º, §§ 1º e 2º, diz que
“produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”; já
serviço, “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Observa-se o conceito de produto é muito amplo, alcança todo e
qualquer produto colocado no mercado de consumo. Quanto aos serviços, existe uma
peculiaridade. Só pode ser considerado serviço aquele realizado mediante
remuneração, que são pagos e não gratuito, como por exemplo: a) os serviços de
hospedagem, b) os serviços de transporte, c) os serviços de educação, d)
entretenimento etc.
Mas, haverá situações onde os serviços não são pagos
diretamente, como acontece com os estacionamentos em supermercados, farmácias e
Shopping Center. Neste caso, ainda que o consumidor não pague diretamente pelo
serviço, este é remunerado indiretamente, na medida em que o consumidor consome
os produtos.
Pois bem, definidos os conceitos de produto e serviço, passemos
então a discutir quando esse produto ou serviço está viciado ou com defeito.
Será que essas expressões (defeito e vício) são sinônimas ou têm significados
distintos.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao tratar da
responsabilidade civil do fornecedor, cria duas hipóteses de aplicação, a
primeira denominada de “responsabilidade pelo fato do produto” (artigos
12-14) e a segunda de “responsabilidade pelo vicio do produto” (artigos
18-20).
É preciso esclarecer que responsabilidade civil é a obrigação
que uma das partes tem de reparar os danos por ela provocados, sejam morais ou
materiais, decorrentes da prática de atos ilícitos, ou seja, da ação ou omissão
voluntária, imprudência ou negligência que causa dano a alguém. Em suma, toda
vez que alguém, agindo ilicitamente, causar dano a outrem fica obrigado a
repará-lo.
Quando o CDC fala em fato do produto, dizendo que “o
fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador
respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos de correntes de projeto, fabricação,
construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamentos
de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua utilização e riscos” (art. 12), ele está fazendo referência ao chamado
acidente de consumo.
O mesmo acontece em relação ao fato do serviço, pois o
“fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, para
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos” (art. 14).
O que é acidente de consumo?
O dano causado ao consumidor em razão de um defeito no produto
ou no serviço. Produto ou serviço defeituoso é aquele que não oferece a
segurança que dele se espera.
Como exemplo de acidente de consumo, podemos citar aquele do
carro zero quilometro que sai da concessionária e que, no primeiro semáforo não
consegue parar causando um grave acidente, gerando danos não só patrimoniais,
como também à vida de outros condutores e pedestres.
Observa-se que no exemplo acima, uma falha nos freios do
veículo (defeito no produto) causou um dano não apenas ao consumidor
proprietário do veículo, mas a outras pessoas, pedestres e condutores de
veículos. É o típico acidente de consumo. Neste caso, o fabricante do veículo
será obrigado a reparar todos os danos causados ao consumidor e aos envolvidos.
Como exemplo de defeito (acidente de consumo) no serviço
prestado, podemos citar o acidente ocorrido com o avião da TAM, onde inúmeras
pessoas morreram (passageiros e proprietários dos imóveis onde o avião caiu.
Além das mortes o acidente causou danos materiais, com a destruição de diversos
imóveis.
Nos dois exemplos envolvendo acidente de consumo por defeito no
produto ou no serviço, os consumidores e as demais vítimas foram indenizados, ou
seja, no primeiro caso a fabricante do veículo teve de indenizar o consumidor e
todos os demais envolvidos, e, no segundo caso, a TAM teve que reparar os danos
provocados aos passageiros (consumidores) e as vítimas.
E vício, o que é vício?
Vício é um defeito que não causa dano. O vício está intimamente
ligado à qualidade ou quantidade do produto, tornando-o impróprio ou inadequado
ao consumo ou diminuindo-lhe o valor (art. 18). O vício do serviço se restringe
à qualidade do serviço, que o torne impróprio ao consumo ou lhe diminua o valor
(art. 20).
Os exemplos de vício do produto são variados, como: a) a TV que
não funciona, b) o liquidificador sem motor, b) o celular que não obedece aos
comandos da tela, d) o refrigerante sem gás, e) o carro zero arranhado, f) o
produto alimentício com data de validade expirada (vencido), e) os enlatados
amassados etc.
Como exemplo de vício no serviço, temos: a) a venda de passagem
aérea acima do número de passagens disponíveis, c) o caixa eletrônico que não
libera o dinheiro sacado, c) o atraso no vôo, d) o filme que era em cores, mas
só passa em preto e branco, e) o serviço de hotel que não funciona como
contratado, etc.
Observa-se que, em todos esses exemplos, seja em vício do
produto ou serviço, o defeito no produto não causa danos ao consumidor, apenas
torna o produto ou serviço impróprio para o consumo ou lhe diminua o valor.
Portanto, à primeira vista, defeito e vício podem expressar a
mesma coisa, entretanto, não são. Nas palavras do Rizzato Nunes, “há vício
sem defeito, mas não há defeito sem vício; o defeito pressupõe o vício. O
defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao
produto ou ao serviço, que causa um dano maior que simplesmente, o mau
funcionamento ou não funcionamento.”(2).
Neste estudo fizemos uma abordagem sucinta dos institutos
previstos nos artigos 12-14 e 18-20, defeito e vício, respectivamente, apontando
suas principais características e aplicações práticas. É evidente que não
tivemos a pretensão de esgotar o assunto, até porque o espaço não é acadêmico,
entretanto, tentamos expressar um pouco do pensamento do legislador. Nos
próximos textos iremos abordar como o consumidor pode exercer seu direito e
exigir a responsabilidade civil do fornecedor.
1 - “Pode soar estranho dizer isto, mas em pleno século XXI
existem pessoas que sequer sabem da existência do CDC, razão pela qual a
inserção da disciplina no ensino fundamental é medida imprescindível para a
formação de consumidores conscientes.
O dever de informar sobre os direitos e deveres dos
consumidores e dos fornecedores é do Estado. Neste ponto, o Estado falha,
sobretudo ao relegar esta obrigação à iniciativa privada. Já se passaram 20
anos, desde a entrada em vigor do CDC, muito se fez, mas, ainda, existe muito a
se fazer, sobretudo quando o assunto é a difusão do CDC.
Sem uma educação adequada, pouco provavelmente o consumidor
estará preparado para interpretar as normas elencadas no CDC. Se os próprios
aplicadores e operadores do direito confundem os institutos existentes no
Código, quem dirá o consumidor que é leigo.
Um exemplo disso é o disposto no artigo 12[viii] e 18[ix], do
CDC. O primeiro trata da responsabilidade civil pelos danos causados aos
consumidores por defeitos nos produtos; o segundo prevê a responsabilização dos
fornecedores pelos vícios de qualidade ou quantidade. Ora, defeito e vício não
têm o mesmo significado?
Na linguagem utilizada pelo CDC não. São expressões parecidas,
mas com significados diametralmente opostos. O consumidor está preparado para
distinguir um instituto do outro? É evidente que não. [...].” BORGES, Luiz
Cláudio. Direito do consumidor: Os efeitos pragmáticos da Lei nº 12.291/2010
que obriga a sociedade empresária e o prestador de serviços a ter um exemplar do
CDC à disposição do consumidor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 95,
01/12/2011 [Internet]. Disponível em
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10876.
Acesso em 02/05/2012.
2 - Nunes, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários aos Código de
Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro. Saraiva, 2000, p. 214.
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