Por Luiz Cláudio Borges
Publicado na Coluna Seu Direito - www.varginhaonline.com.br
Nesta edição, pretendemos apontar os
limites impostos pelo legislador (criador da lei) ao fornecedor (credor) na
cobrança de dívidas de consumidores inadimplentes. O tema não desafia maiores
digressões, mas desperta o interesse, sobretudo daqueles consumidores que são
hodiernamente desrespeitados nos seus direitos básicos. Pensando nisso,
resolvemos lançar três perguntas, que ao longo do texto serão prontamente
respondidas: i) como o fornecedor, sendo titular de um crédito, deve exercer o
direito de cobrança? ii) o que se pode entender por cobrança abusiva? e iii)
quais as implicações dessa cobrança abusiva/indevida?
Os estudiosos apontam que a preocupação com os direitos do
consumidor teve início após a declaração do presidente John Kennedy ao Congresso
norte-americano, em 1962, onde chamou a atenção do Congresso para a necessidade
de proteção do consumidor e estabeleceu quatro direitos básicos: a) direito à
segurança, b) direito à informação, c) direito de escolha, e d) direito de ser
ouvido(1) . Daí em diante, inúmeras leis começaram
a ser editadas visando a proteção do consumidor.
No Brasil, a defesa do consumidor só se tornou efetiva após a
edição do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078 de 11 de setembro de
1990(2) . O CDC(3)
brasileiro, assim como todas as normas jurídicas que tutelam a defesa do
consumidor, tem como princípio básico a “vulnerabilidade” do consumidor(4) , o que significa que o consumidor é a parte mais
frágil da relação de consumo.
Partindo dessa premissa, o legislador estabeleceu como direito
básico do consumidor a proteção contra todas e quaisquer práticas abusivas (art.
6º, inciso IV)(5) . E mais, apontou no artigo 39 do
CDC(6) , algumas práticas abusivas, entretanto,
aquelas não são as únicas, pois, além delas existem outras, como é o caso do
artigo 42, que trata da cobrança abusiva de dívidas.
O limite imposto ao fornecedor (lojista, instituições
financeiras, profissionais liberais etc) pode ser encontrado no artigo 42, do
CDC, o qual prescreve que na “cobrança de débitos, o consumidor inadimplente
não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de
constrangimento ou ameaça”.
O artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor também prescreve
que é crime, punível com detenção (prisão) de três meses a um ano e multa,
utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico
ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro
procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou
interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.
Seguem alguns exemplos:
I) Ameaçar o devedor de que vai denunciá-lo a amigos; de
contar para o marido ou a exposta etc (ameaçar que vai acioná-lo judicialmente
ou negativá-lo não existe nenhum impedimento;
II) Coagir o devedor a praticar um ato contra sua
vontade (ex. Coagir o consumidor a deixar um cheque caução ou assinar uma
promissória, sob pena de não poder internar ou sair do hospital);
III)Expor o consumidor inadimplente a riscos a sua saúde
ou integridade física, bem como de seus familiares, e/ou lhes causarem dor
(aspecto moral). (ex. Ameaça e corte de água ou energia elétrica, caso o
pagamento não seja realizado);
IV) Utilizar-se de afirmações falsas, incorretas e
enganosas (leia-se como sinônimos). (ex. Cobrador da empresa que liga para o
consumidor inadimplente e alega que é oficial de justiça ou advogado. outro ex.
Repassar ao devedor um valor de dívida bem superior ao real, a fim de obter uma
negociação melhor);
V) Expor o consumidor o ridículo. (ex.: o credor tem o
direito de inserir no banco de dados informações negativas do devedor, mas não
poderá deixar a exposição um cheque devolvido sem fundos, no sentido de expor às
pessoas que aquele cidadão é mau pagador. Outro ex.: enviar ao devedor um
envelope contendo na parte de fora a expressão (em letras garrafais) “cobrança”;
VI) Jamais ligar para o emprego do devedor e deixar recados
com terceiros. (não existe nenhum impedimento do credor entrar em contato
com o devedor no seu emprego, desde que a comunicação (ou cobrança) seja com o
próprio devedor).
É importante esclarecer que o fornecedor tem todo direito de
cobrar o consumidor inadimplente, entretanto, deverá fazê-lo com critério, sem
violar os direitos do consumidor, pois ao violar esses direitos estará sujeito
às penas impostas pelo próprio CDC, assim como poderá responder por danos
materiais ou morais.
O fornecedor que se utilizar de métodos idôneos de cobrança
nada mais faz do que exercer regularmente seu direito como credor, mas, se ao
contrário i) ameaçar o consumidor devedor, ii) o expor a ridículo, iii) o
coagir, iv) o expor a perigo ou v) se utilizar de afirmações falsas estará
incidindo na prática abusiva prevista no artigo 42 do CDC.
Como implicações ou conseqüências dessa prática abusiva, o
fornecedor poderá ser condenado a uma pena de detenção (prisão) de três meses a
um ano e multa. Não pára por aí. O consumidor poderá ingressar com uma ação
judicial, onde, uma vez demonstrada a existência de danos materiais ou morais, o
fornecedor poderá ser condenado a pagar uma indenização. (7)
O consumidor prejudicado pode e deve buscar seus direitos, ou
seja, i) poderá contratar um advogado, outorgando-lhes poderes para ingressar
com uma ação na Justiça Comum ou no Juizado Especial Cível, exigindo que o
fornecedor se abstenha de cometer tais práticas abusivas, bem como seja
condenado ao pagamento de uma indenização, seja por danos materiais ou morais;
ii) poderá ingressar com a mesma ação, sem a assistência de advogado (se o valor
for inferior a 20 salários mínimos), bastando apenas procurar o setor de
atermação do Juizado Especial; iii) poderá procurar o PROCON da sua cidade e
pedir providências administrativas; e, por fim, iv) poderá acionar o Ministério
Público (Promotor de Justiça) solicitando-lhe providências na esfera
criminal.
Podemos concluir que a cobrança de dívida é um direito do
fornecedor como credor, entretanto, este deverá se utilizar de critérios que
apontamos como idôneos, sob pena de violar os direitos do consumidor. Violados
tais direitos, o fornecedor fica sujeito às implicações do Código de Defesa do
Consumidor, como a condenação a uma pena de prisão, bem como a uma pena
pecuniária (em dinheiro) por danos morais e materiais.
1 - Miragem, Bruno Curso de direito do consumidor – 2. ed.
rev., atual. e ampl.- ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010,
pg. 28.
2 - É importante salientar que o Código de Defesa do Consumidor
brasileiro nasceu de uma ordem constitucional por força de uma ordem
constitucional [art. 5º, inciso XXXII, art. 170, inciso V, da Constituição
Federal e artigo 48, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias].
3 - Código de Defesa do Consumidor.
4 -É curioso notar que o consumidor é vulnerável em diversos
aspectos. Sobre o tema o professor Bruno Miragem discorre que
[a] doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo diversas
espécies de vulnerabilidade. Entre nós, é conhecida a lição de Cláudia Lima
Marques que distinguiu a vulnerabilidade em três grandes espécies:
vulnerabilidade técnica; vulnerabilidade jurídica; e vulnerabilidade fática. E
recentemente, identifica a autora gaúcha uma quarta espécie de vulnerabilidade,
a vulnerabilidade informacional.
A vulnerabilidade técnica do consumidor se dá em face da
hipostese na qual o consumidor não possui conhecimentos especializados sobre o
produto ou serviço que adquire ou utiliza em determinada relação de consumo.
[...]. O que determina a vulnerabilidade, neste caso, é a falta
do conhecimentos específicos pelo consumidor [...].
[...].
A vulnerabilidade jurídica, a nosso ver, se dá na hipótese da
falta de conhecimento, pelo consumidor, dos direitos deveres inerentes à relação
de consumdo que estabelece, assim como a ausência da compreensão sobre as
consequências jurídicas dos contratos que celebra.
[...].
A vulnerabilidade fática é espécie ampla, que abrange,
genericamente, diversas situações concretas de reconhecimento da debilidade do
consumidor. A mais comum, neste caso, é a vulnerabilidade econômica do
consumidor em relação ao fonecedor. No caso, a fraqueza do consumidor situa-se
justamente na falta dos mesmos meios ou do mesmo porte econômico do
consumidor.[...].
5 - Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos
provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados
perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos
produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas
contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva,
métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que
as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com
vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica
aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com
a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério
do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiências;
IX - (Vetado);
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em
geral.
6 - Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços,
dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de
11.6.1994)
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites
quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata
medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os
usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia,
qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor,
tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e
autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas
anteriores entre as partes;
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato
praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou
serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes
ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
IX - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua
obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério;
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços,
diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento,
ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada
pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
X - (Vetado).
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
(Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
XI - Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999,
transformado em inciso XIII, quando da converão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua
obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo
critério.(Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal
ou contratualmente estabelecido. (Incluído pela Lei nº 9.870, de 23.11.1999)
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos
ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às
amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.
7 - 93170593 - APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COBRANÇA
VEXATÓRIA DE DÍVIDA. ABUSO DE DIREITO. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
CRITÉRIOS. MANUTENÇÃO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DATA DO ARBITRAMENTO DA
INDENIZAÇÃO. A cobrança vexatória de dívida, com a exposição do devedor em
situação constrangedora em seu local de trabalho, é fato bastante para
caracterizar dano moral. Hipótese em que a prova dos autos revela que a parte
autora restou submetida a cobrança de forma vexatória por preposto da parte
requerida. Abuso no exercício do direito. Art. 187 do CC. Dano moral verificado.
Valor da condenação (R$ 5.500,00) mantido, eis que fixado de acordo com as
peculiaridades do caso concreto, além de observados os princípios da
proporcionalidade e razoabilidade e a natureza jurídica da condenação. Em se
tratando a espécie de reparação por danos morais, o termo inicial para fluência
dos juros se dá a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a contar
do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação, no caso, a data da
sentença. Apelo parcialmente provido. Unânime. (TJRS; AC
618175-03.2011.8.21.7000; Caxias do Sul; Nona Câmara Cível; Rel. Des. Tasso
Caubi Soares Delabary; Julg. 29/02/2012; DJERS 05/03/2012)
48411130 - JUIZADO ESPECIAL. CONSUMIDOR. COBRANÇA DE DÍVIDA NO
LOCAL DE TRABALHO DE FORMA VEXATÓRIA. VIOLAÇÃO A ATRIBUTO DA PERSONALIDADE. DANO
MORAL CONFIGURADO. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA
PROPORCIONALIDADE. RECURSO DO AUTOR DESERTO. PREPARO IRREGULAR (PAR. ÚNICO ART.
54). PRESSUPOSTO OBJETIVO DE ADMISSIBILIDADE. NEGADO SEGUIMENTO NO JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE. PRECLUSÃO. CONHECIDO O RECURSO DO RÉU E NÃO PROVIDO. 1. A
relação entre as partes é consumerista. O recorrente presta serviço de cobrança,
logo tem responsabilidade objetiva por qualquer dano causado ao consumidor,
conforme disposto no artigo 14 do CDC. 2. O art. 42 da Lei n. 8.078/90
estabelece que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será
exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento.
Restou incontroverso que o credor por si, ou através de terceiros, efetuou
inúmeras ligações telefônicas para o local de trabalho do devedor, por isso, é
evidente a violação da dignidade do consumidor, se o fornecedor o expõe à
situação vexatória. 3. Na fixação da indenização por danos morais, deve-se
atentar para os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, observados os
fins pedagógicos e compensatórios da indenização. Não se mostram excessivos os
r$1.000,00 (mil reais) arbitrados, considerada a capacidade econômica do
responsável civil. 4. A parte que desejar recorrer deverá recolher o valor do
preparo na forma do parágrafo único do art. 54 da Lei n. 9.099/95, ou seja, as
custas pela tramitação em primeiro grau, além do porte de remessa e retorno dos
autos da segunda instância. Não há embasamento legal, para considerar satisfeita
a exigência legal, o pagamento das custas iniciais pela parte adversa, que
também recorreu, e a pretexto que bastaria o recolhimento do porte de remessa e
retorno dos autos. Tal entendimento malfere não só o princípio da isonomia
processual, como implicaria em locupletamento ilegítimo. Negado seguimento ao
recurso no juízo de admissibilidade e preclusa a decisão, descabe qualquer juízo
de valor sobre a irresignação. 5. Recurso do banco HSBC conhecido e não provido.
(TJDF; Rec 2009.01.1.167033-5; Ac. 566.732; Segunda Turma Recursal dos Juizados
Especiais do Distrito Federal; Rel. Juiz Luis Gustavo B. de Oliveira; DJDFTE
29/02/2012; Pág. 271)
95341266 - Dano moral Cobrança vexatória de dívida diante do
estabelecimento da autora pessoa jurídica Lesão à idoneidade da empresa autora
que se presume. Dano moral configurado Indenização fixada com moderação, em face
da peculiaridade dos fatos Recurso, em parte, provido e prejudicado o adesivo.
(TJSP; APL 9081569-26.2007.8.26.0000; Ac. 5674220; Botucatu; Vigésima Câmara de
Direito Privado; Rel. Des. Cunha Garcia; Julg. 30/01/2012; DJESP 29/02/2012)
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