segunda-feira, 14 de julho de 2014

Supremo precisa definir cabimento de Recurso Extraordinário


Supremo precisa definir cabimento de Recurso Extraordinário



Em texto anterior, examinamos a divergência que há entre as orientações adotadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito da configuração do denominado “prequestionamento ficto”. Sugerimos, no referido texto, que se fizesse modificação no projeto de novo Código de Processo Civil, em atenção a recente variação da jurisprudência do Supremo, que, numa releitura do Enunciado 356 de sua Súmula, aproxima-se da orientação firmada pelo STJ no Enunciado da Súmula 211.

Qualquer que seja a orientação que venha a preponderar sobre o que devemos considerar por “prequestionamento ficto”, o que nos parece injustificável é a existência — e a persistência, por tanto tempo — de divergência jurisprudencial a respeito desse tema, bem como de outros assuntos relacionados à admissibilidade dos recursos extraordinário e especial.[1]

Seus fundamento são distintos (um diz respeito à questão constitucional, o outro à questão federal infraconstitucional), mas a estrutura dos recursos extraordinário e especial é muito parecida, quase idêntica. Há diferenças, é evidente, e isso ficou marcante particularmente após a Emenda Constitucional 45/2004. Mas há mais semelhanças que diferenças entre esses recursos. Sustentamos, aliás, que a divisão de competências entre o STF e o STJ não faz sentido.

Parte dos problemas relacionados à diversidade de entendimentos a respeito do cabimento dos dois recursos certamente seria resolvido, caso se admitisse recurso extraordinário contra decisão do STJ relativa à admissibilidade do Recurso Especial.

O cabimento do Recurso Extraordinário, no caso, faz todo sentido. Afinal, os fundamentos e hipóteses de cabimento do Recurso Especial encontram-se previstos na Constituição Federal (artigo 105, III). Ora, como compete ao Supremo a guarda da Constituição, cabendo-lhe julgar, mediante Recurso Extraordinário, as causas decididas em única e última instância quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição (artigo 102, III, a, da Constituição), parece claro que deve caber recurso extraordinário quando violado o artigo 105, III da Constituição Federal, mesmo que a decisão recorrida seja proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.

Essa orientação, contudo, não vem sendo admitida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Prevalece o entendimento de que apenas o Superior Tribunal de Justiça deve deliberar sobre a admissibilidade do recurso especial.[2]

Essa orientação, no entanto, pode vir a ser modificada, ao menos na 1ª Turma do Supremo. No julgamento do recurso extraordinário 798.740, a relatora, ministra Rosa Weber, manifestou-se no sentido de que ao Superior Tribunal de Justiça examinar requisitos de admissibilidade de recurso de sua competência (como é o caso do Recurso Especial), mas votaram em sentido contrario os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. Houve pedido de vista do ministro Roberto Barroso.[3]

A questão não pode ser resolvida de modo precário. Convém, no caso, afetar ao Plenário o julgamento do referido Recurso Extraordinário, evitando, com isso, que haja divergência entre as turmas que compõem o referido tribunal, a respeito do tema. Se preponderar a orientação no sentido do cabimento do Recurso Extraordinário, é imprescindível que o Supremo defina, com precisão, as hipóteses em que o recurso extraordinário poderá ser interposto. Não poderá ser aceito Recurso Extraordinário se não estiver em jogo a inteligência do texto constitucional e a questão constitucional não ostentar repercussão geral. Caso, no entanto, o STF não estabeleça os limites do cabimento do Recurso Extraordinário em tais situações, este será admissível, ao menos em tese, contra qualquer decisão final do Superior Tribunal de Justiça relacionada à admissibilidade do Recurso Especial — o que, além de não corresponder ao que dispõe a Constituição, levaria ao grave aumento de recursos extraordinários dirigidos ao Supremo.

[1] Esse estado de coisas, além de gerar insegurança jurídica, contribui para o aumento do número de recursos dirigidos aos Tribunais superiores. Afinal, diante da dúvida (fomentada pela jurisprudência) a respeito do cabimento de seu recurso, tende a parte a apresentá-lo para demonstrar que, em seu caso, o recurso é admissível.

[2] Examinamos o tema no livro O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial (1.ed., Ed.Revista dos Tribunais, 1998, n. 3.5.7, p. 229 ss.). Mais recentemente, cf. o que escrevemos em Prequestionamento e repercussão geral – e outras questões relativas aos recursos extraordinário e especial (6.ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2012, n. 2.2.4, p. 76 ss.) e emConstituição Federal comentada (3.ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2014, p. 469 ss.). 

[3] Cf. Informativo STF 750, disponível aqui


José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.



Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2014.

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