terça-feira, 15 de julho de 2014

Novo Código de Processo Civil aprimora regras sobre a sustentação oral nos tribunais


Novo CPC aprimora regras sobra a sustentação oral nos tribunais 




Em face da explosão da litigiosidade, vem se tornando cada vez mais comum a utilização de julgamentos massificados mediante a adoção de padrões decisórios (fruto ou não de consensos jurisprudenciais), listas[1] nos tribunais, entre outras “técnicas” de otimização numérica de julgamento nas quais a fundamentação do julgado não é produzida como decorrência do diálogo ocorrido ao longo do processo, mas, por um imperativo de produtividade, parte-se de “temas” para tal situação,[2] anteriormente analisados com amplo debate (ou não) acerca do mesmo.

Este fenômeno convida a advocacia à mudança de seu papel, eis que, na hipótese de se contentar, como de praxe, em somente apresentar seus arrazoados escritos (petições) ao longo do processo, sem qualquer interlocução de outra espécie, correrá o enorme risco de simplesmente receber uma resposta jurisdicional “padrão” com a reprodução de decisão anteriormente prolatada por aquele juízo.

Tal situação não é nova, mas vem se agravando pelo esvaziamento cada vez maior da técnica da oralidade no curso do processo.

Sabemos que desde os grandes movimentos reformistas capitaneados por Klein no final do século XIX existe a busca de modelos orais de processo e de formação das decisões.[3] Sabemos, também, que apesar da adoção de uma matriz oral desde o CPC de 1939, tal técnica no Brasil nunca obteve aplicação adequada, por inúmeros fatores, desde o déficit de formação dos profissionais, passando pela ausência de um ambiente de debates entre os sujeitos processuais (dentro do processo) e chegando à criação de um falso mito de que a oralidade não auxiliaria na busca da formação do convencimento do juiz.

Tal pauperização da oralidade se amplia com os movimentos de informatização e com o uso, já comentado, da padronização decisória nos julgamentos, criando a falsa crença de que a busca, pelos advogados, de interlocução oral com os julgadores seria inócua.

Ocorre que não poderia haver erro maior.

Tanto do plano teórico, quanto da experiência prática de bons anos de advocacia promovendo interlocuções orais com juízes em todos os níveis, especialmente nos Tribunais, constato que a apresentação oral da linha de defesa é decisiva para que os argumentos produzidos sejam levados à sério.

No nosso sistema em que cada magistrado se vê na responsabilidade de julgar milhares de casos e no qual a leitura acurada de cada um dos autos se torna cada vez mais incomum, a oralidade pontual, ao longo do iter, promove o destaque necessário do caso ou de situação específica que se patrocina como advogado da massa anônima de feitos, sob a responsabilidade do juiz.

No âmbito dos tribunais a situação se agrava muito pois a alegação de que as conversas prévias à sessão pública e de que as sustentações orais não mudam julgamentos, pelos votos já estarem produzidos, na última hipótese, despreza o fato de que muitas vezes, pelo excesso de trabalho, são os “modelos decisórios” que forjam o julgamento de “casos aproximados” (não propriamente idênticos), ampliando a importância para o destaque oral de peculiaridades do caso, que poderão gerar a mudança de entendimento.

Somente a manifestação oral do advogado poderá viabilizar a distinção (distinguishing) entre estes casos, fazendo que os argumentos sejam levados em consideração; algo que o discurso de produtividade e padronizador impede que ocorra.

O novo Código de Processo Civil (CPC) viabilizará de modo claro a adoção dogmática do contraditório como influência e não surpresa (artigo 10) [4] e imporá, nos julgamentos, o respeito ao dever de informação pelo juízo e dos direitos de manifestação e de consideração para as partes.

Além de impedir que o magistrado surpreenda as partes com fundamentos novos (decisão de surpresa),[5] em face do referido direito de se levar em consideração os argumentos das partes (Recht auf Berücksichtigung von Äußerungen), atribui-se ao magistrado não apenas o dever de tomar conhecimento das razões apresentadas (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerá-las séria e detidamente (Erwägungspflicht).[6]

No entanto, em decorrência da utilização cada vez mais corrente dos “padrões” para otimizar julgamentos, caberá ao advogado, cada vez mais, saber atuar de modo mais técnico de forma a chamar a atenção para as peculiaridades de seu caso.

E não tenho dúvidas que isto passa necessariamente pelo aprimoramento da técnica oral de manifestação.

Ciente disso, no âmbito dos tribunais, o CPC projetado aprimora o regramento acerca da sustentação oral em seus artigos 946 e 950.[7]

Cabe aos advogados em formação ou em exercício, assim, a percepção do aumento da importância da sustentação e intelocução oral para o julgamento dos casos, pois, em face de estudos acerca da oralidade[8] e da experiência de bons anos atuando no tribunal com esta finalidade, tal intervenção, certamente, determina, com recorrência, o sucesso de uma linha de defesa.

Venho com recorrência pontuando (por aqui)[9] os dilemas brasileiros no uso dos precedentes e da jurisprudência no Brasil, e, assim, devo pontuar que no ponto aqui trabalhado temos também muito a aprender com os países do common law, pois lá a oralidade sempre foi respeitada na construção das decisões e, se caminhamos a passos largos no uso corriqueiro do direito jurisprudencial como fundamento decisório, devemos voltar ao debate sobre a oralidade a fim de viabilizar uma influência concreta dos advogados (partes) na formação das decisões, especialmente, dos tribunais.

Este é uma grande desafio para a advocacia e para seus órgãos representantivos pois, caso contrário, ficaremos cada vez mais à mercê de julgamentos que não levarão em conta os argumentos das partes para sua formação.



[1] Cf. LEAL, Saul Tourinho. Julgamentos em listas, com advogado silenciado, mostra que fracassamos. http://www.valor.com.br/legislacao/fio-da-meada/3573268/julgamentos-em-listas-com-advogado-silenciado-mostra-que-fracassamos


[2] Cf. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=publicacaoInformativoRG&pagina=BoletimdaRepercussaoGeral2013


[3] NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008.




[4] “Art. 10. Em qualquer grau de jurisdição, o órgão jurisdicional não pode decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação das partes, ainda que se trate de matéria apreciável de ofício”.


[5] THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicaçao como garantia de influência e não surpresa. RePro v. 168. 2009. Acessível em : https://www.academia.edu/4563667/Principio_do_contraditorio_como_influencia_e_nao_surpresa_-_Dierle_Nunes_e_Humberto_Theodoro_Jr


[6] GEISLER, Herbert. Die Gewährleistung rechtlichen Gehörs in den Tatsacheninstanzen: Hinweise für den erfolgreichen Zivilprozess. AnwBl 3 / 2010, p. 149-154.


[7] Art. 946. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida, ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada, que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de cinco dias. § 1º Se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, este será imediatamente suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente, em sustentação oral, na própria sessão, no prazo de quinze minutos.§ 2º Se a constatação se der em vista dos autos, deverá o juiz que a solicitou encaminhá-los ao relator, que tomará as providências previstas no caput e, em seguida, solicitará a inclusão do feito em pauta para prosseguimento do julgamento, com submissão integral da nova questão aos julgadores.

Art. 950. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente e ao recorrido, e ao membro do Ministério Público, nos casos de sua intervenção, pelo prazo improrrogável de quinze minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões nas seguintes hipóteses: I – no recurso de apelação; II – no recurso ordinário; III – no recurso especial; IV – no recurso extraordinário; V – nos embargos de divergência; VI – na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação; VII – em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal. § 1º A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas observará o disposto no § 1º do art. 994.§ 2º O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que seja o feito julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais. § 3º Caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que extingue o processo nas causas de competência originária previstas no inciso VI. § 4º É permitido ao advogado cujo escritório se situe em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão.


[8] NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático. cit.


[9] NUNES, Dierle. NOVO CPC: É preciso repensar o modo como os tribunais vêm atuando. Acessível em: http://www.conjur.com.br/2014-jun-11/dierle-nunes-preciso-repensar-modo-tribunais-atuam. NUNES, Dierle. NOVO CPC: Afastamento de precedente não pode continuar sendo regra. Acessível em: http://www.conjur.com.br/2014-jun-04/dierle-nunes-afastamento-precedente-nao-regra. NUNES, Dierle. Acórdãos deveriam ter linearidade argumentativa. Acessível em: http://www.conjur.com.br/2012-out-24/dierle-nunes-aos-tribunais-atribuida-forma-julgamento. NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Enunciados De Súmulas: Falta aos tribunais formulação robusta sobre precedentes. Acessível em: http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-robusta-precedentes


Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na UFMG e PUCMinas e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia.



Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2014, 12:17h

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