terça-feira, 1 de novembro de 2016

"Ninguém será bem sucedido na magistratura se pensar em remuneração"





30 de outubro de 2016, 9h35

Por Felipe Luchete e Thiago Crepaldi
Os irmãos Gilberto, Guilherme e Diniz Fernando Ferreira da Cruz, juízes em São Paulo, falam sobre a carreira.

A família Ferreira da Cruz é uma daquelas na qual o Direito parece estar no DNA. Com bases na cidade de Santos, litoral sul do estado de São Paulo, a família foi detentora de um recorde no Judiciário paulista: nas últimas cinco décadas, foi a única a possuir três irmãos na magistratura.

A marca só veio a ser igualada no último concurso realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (número 186), quando o novo juiz Luciano Siqueira de Pretto tomou posse, em 3 de outubro de 2016, para exercer a mesma função de seus irmãos, Pedro e Renato.

Na base de dados da Secretaria da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, é possível encontrar dezenas de casos de dois irmãos juízes, até de desembargadores, porém, pelo menos desde 1965, a família Ferreira da Cruz foi a única com três irmãos em plena atividade na magistratura.

A revista eletrônica Consultor Jurídico encontrou-se com os juízes Diniz Fernando, Gilberto e Guilherme Ferreira da Cruz para uma conversa sobre a carreira, o perfil dos candidatos à magistratura e os desafios que enfrentam.

Eles alertam: a carreira precisa de mais dedicação e vocação do que é possível enxergar através dos editais de concursos. “Juiz não trabalha por hora. Não é chegar ao fórum às 13 horas e ir embora às 18h. Não existe isso. Não tem sábado, não tem domingo, não tem noite, não tem feriado. Se precisar ficar trabalhando, tem que trabalhar”, diz Diniz Fernando.

Leia um breve perfil de cada um e, a seguir, a entrevista:

Diniz Fernando Ferreira da Cruz:
Mais velho dos três irmãos, Diniz Fernando nasceu em 1960 em Santa Cruz do Rio Pardo (SP). Quando tinha cinco anos, sua família decidiu se mudar para Santos, litoral de São Paulo, onde a família mora até hoje. Estudou na Faculdade Católica de Direito de Santos, formando-se em 1983. Foi da turma do desembargador federal Fábio Prieto, que já presidiu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS). Ingressou na magistratura estadual em 1988. Ao longo da carreira, passou por várias cidades. Foi juiz em Ourinhos, Santa Cruz do Rio Pardo, Piraju, Cerqueira César, Avaré, entre outras. Em Barretos, na terceira entrância, ficou 12 anos. Permaneceu em São José do Rio Preto por nove anos, até que, em 2014, pediu remoção e chegou a juiz de Direito substituto em segundo grau no tribunal, atuando na seção criminal desde então.

Gilberto Ferreira da Cruz:
Nascido em 1964, Gilberto Ferreira da Cruz tem 52 anos de idade e também teve toda a formação educacional e cultural em Santos, onde cursou a faculdade de Direito na Universidade Católica de Santos, que depois tornou-se a UniSantos. Colou grau em janeiro de 1987 e, logo em seguida, em setembro, foi aprovado no concurso para promotor de Justiça na cidade de São Paulo, mesmo concurso de Fernando Capez, Gianpaolo Smanio e Motauri Ciocchetti de Souza. Ficou no Ministério Público por dois anos, depois prestou novo concurso e, em 1989, tomou posse como juiz substituto em Santos, depois, titular de Guararapes e Andradina. Retornou a Santos como juiz titular da vara do júri e execuções criminais da comarca por muitos anos, e veio para a capital para a 1ª Vara Cível Central. Pediu remoção, por afinidade com a matéria criminal, para a 2ª Vara do Júri da capital, o segundo tribunal do júri da capital, em Santana, lá ficando por seis anos, até que, no ano passado pediu remoção para substituto de segundo grau, hoje atuando também na Seção Criminal.

Guilherme Ferreira da Cruz:
Caçula dos irmãos, é do ano de 1971. Fez a faculdade também na Católica de Direito de Santos, colando grau em janeiro de 1994. Durante a faculdade, por concurso, foi escrevente do tribunal de Justiça. Com 20 anos, foi escrevente chefe do tribunal de Justiça, o mais novo do estado. Em 1995, ingressou na magistratura. Foi juiz substituto de São José do Rio Preto, titular de Itaporanga, segunda entrância em Presidente Venceslau e terceira entrância em Santos, onde ficou durante oito anos, para, depois, assumir, em 2006, a 2ª Vara de Execuções Criminais de Presidente Prudente. De lá, seguiu para São Paulo, onde assumiu a 37ª Vara Cível Central. Em 2011, foi convocado para atuar em segunda instância, e trabalhou em algumas câmaras da seção de Direito Privado I, e na seção de Direito Privado II, por quatro anos. Nesse período, se removeu para a 45ª Vara Cível Central, a mais nova do Fórum João Mendes, onde hoje está operando o chamado Cartório do Futuro (UPJI).



ConJur – O que levou os senhores para o Direito e, depois, para a magistratura?
Diniz Fernando Ferreira da Cruz – Meu pai era entusiasta pela carreira da magistratura, sempre nos incentivou desde criança. Nas épocas oportunas, cada um fez vestibular e faculdade, direcionou os estudos para o concurso e abriu mão de muita coisa, até que realmente cada um de nós foi aprovado.

Guilherme Ferreira da Cruz – O lado da família do meu pai, Diniz Ferreira da Cruz, é todo voltado para o Direito. Ele e dois irmãos são formados no Largo São Francisco (Universidade de São Paulo). Isso fez com que, desde criança, nós convivêssemos com muitos juízes e desembargadores que frequentavam nossa casa, em razão de amizade longínqua com nosso pai. Um primo dele inclusive foi desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo, Dirceu Ferreira da Cruz.

Gilberto Ferreira da Cruz – Vejam, nosso pai não exerceu uma ingerência direta, não é isso.

Diniz Fernando Ferreira da Cruz – Era um incentivo.

Gilberto Ferreira da Cruz – Nosso pai era um homem que não pertencia ao tempo dele. Sempre tinha uma visão adiante. Foi poeta, literato, presidente da Academia Santista de Letras e publicou mais de uma dúzia de livros – tanto na área do Direito como poesias e crônicas. Ele contribuiu com seu exemplo de intelectualidade, pelo berço da ética e, junto com esses valores, pelas amizades sempre profícuas. Portanto, nós crescemos num ambiente em que não se falava de dinheiro nem de buscar atalhos para os caminhos da vida.

No momento em que as oportunidades de vestibular foram se aproximando, escolhemos o Direito pela vocação natural, talvez pela admiração espontânea, nunca imposta, e por conta da nossa facilidade com os livros.Quando nosso pai faleceu, a biblioteca dele foi suficiente para fazer outras quatro: uma para cada irmão e ainda permanece uma na casa da minha mãe.

ConJur – E como escolher qual carreira seguir?
Gilberto Ferreira da Cruz – Eu antes prestei concurso para o Ministério Público. Entre as carreiras jurídicas, existem aquelas que encantam os jovens num primeiro momento pelo glamour dos cargos. Depois é a vocação que define. As duas que chamam mais atenção durante a faculdade é a de juiz e a de promotor, mas depois aparece a turma interessada em ser delegado, defensor público etc.

ConJur – Hoje o concurso para a Defensoria Pública é muito concorrido.
Gilberto Ferreira da Cruz – Muito concorrido, uma carreira espetacular, que lida com as liberdades públicas, não é? Talvez, justamente o que estamos vivendo hoje dentro de um Estado Democrático de Direito, de transparência, de apuração de responsabilidade, de garantia dos direitos efetivos na Constituição desperte essa vocação para a Defensoria Pública. Isso é tudo um momento histórico. Na nossa época, as carreiras mais faladas eram as de juiz, de promotor, de procurador do estado, de delegado e a de advogado liberal. Não existia ainda a Defensoria Pública.

ConJur – Muitos bacharéis se tornaram juízes logo que concluíram a faculdade, com vinte e poucos anos. Os senhores avaliam que existe alguma idade certa, uma experiência de vida necessária para poder seguir essa carreira?
Guilherme Ferreira da Cruz – No passado, havia um limite de 25 anos que caiu ao longo do tempo, foi reduzido para 23. Depois essa idade mínima desapareceu durante um curto período, a tornar possível o ingresso na carreira com 22 anos. Com a reforma do Judiciário advinda da Emenda Constitucional 45/2004, criou-se um pré-requisito: além de se formar, mais três anos de experiência profissional (atividade jurídica). Talvez essa mudança tenha ocorrido porque o momento histórico reconheceu que não era mais adequado o ingresso na magistratura imediatamente após a conclusão do curso de Direito.

Gilberto Ferreira da Cruz –Não podemos desprestigiar os jovens, porque cabelos brancos não trazem cultura a ninguém. A cultura e o caráter são forjados pela família e desde a pré-escola. Existem muitos jovens com 23, 24 anos, que têm grande valor, grande maturidade, e o concurso existe justamente para peneirar, garimpar esses expoentes dentre uma multidão que se inscreve. Graças a Deus o Brasil é um país jovem, porque os jovens mudam, e a vida é movimento. Eu ainda sou favorável ao velho sistema.

Guilherme Ferreira da Cruz – Eu também.

Gilberto Ferreira da Cruz – Idade mínima de 23 anos, com dois anos de experiência jurídica, mesmo antes de formado. Por exemplo, quem era escrevente de cartório durante a faculdade, depois de concluído o curso e de atingir 23 anos, já tinha os requisitos preenchidos: formado, idade mínima e a experiência. Não se esquecendo que durante o concurso o tribunal faz uma aprofundada avaliação psicológica e psiquiátrica do candidato.

ConJur – E muitos ficam nessa avaliação...
Gilberto Ferreira da Cruz – Muitos ficam. Então, a questão de idade é relativa. A gente tem que pensar em capacidade e em equilíbrio.

Guilherme Ferreira da Cruz – A experiência de vida nem sempre está ligada à idade. Essa visão é um erro, do meu ponto de vista. Concordo com o meu irmão Gilberto que o melhor seria o sistema anterior, porque o atual poda muitos jovens que já estão maturados para a carreira, mas – agora – não podem fazer a prova. Eu vivenciei e sofri muito com isso. Por ter entrado muito novo, com 24 anos, constantemente era “colocado em situações” para ver como me saía.

Gilberto Ferreira da Cruz – Tornei-me promotor de Justiça com o doutor Gianpaolo Smanio, hoje procurador geral de Justiça de São Paulo, quando nós tínhamos entre 22 e 23 anos de idade. O resultado está aí: ele foi eleito para comandar o Ministério Público por ter demonstrado durante todos esses anos equilíbrio e ser sempre um exemplo, um professor, um grande amigo, um grande homem, pai de família.

Guilherme Ferreira da Cruz – Mas, se hoje é de outra forma, então que os jovens aproveitem esse necessário período de três anos para melhor se prepararem, porque a prova é árdua, a concorrência é forte e a cada ano o número de inscritos aumenta. Então, quem quer ir para esse ramo tem de estar preparado para os ônus, não é só almejar os bônus – se é que existem.

E os ônus aqui são significativos. Nós estamos falando de uma opção e de perseverança para ficar sentado numa cadeira estudando de 10 a 16 horas por dia. Quem se predispõe a fazer qualquer tipo de concurso tem que primeiro colocar o pé no chão e saber: 1) nada vai cair no seu colo; 2) o tempo vai passar de qualquer jeito, você é que escolhe onde e como vai estar depois que o tempo passar; e 3) se você tiver força de vontade, disciplina e acreditar em si, ainda que com pouco tempo disponível para o estudo, você vai alcançar o seu objetivo.

Diniz Fernando Ferreira da Cruz – É porque o concurso, além de ser muito difícil, depende exclusivamente do candidato. É um concurso muito sério, voltado ao intelectual de cada um e o candidato que se dedicar, que estudar, independentemente de ser ou não de família de juristas, de conviver no meio jurídico, se for bem na prova, vai ser aprovado.

Guilherme Ferreira da Cruz – Depende exclusivamente do indivíduo.Em alguns concursos o número de vagas disponibilizado não é preenchido. Não interessa se há 15 mil, 20 mil candidatos para 50 vagas, por exemplo. Ao final, se apenas 45 são aprovados significa que cinco vagas não serão ocupadas por falta de competência dos candidatos.

ConJur – Às vezes, as pessoas focam em um concurso pela remuneração. No caso da magistratura, os senhores consideram que é preciso ter vocação?
Gilberto Ferreira da Cruz – Pela experiência, a magistratura e o Ministério Público estão entre as carreiras jurídicas que dependem de pura vocação para que possam ser exercidas com independência, com coragem, com espírito de mudar um pouco o mundo, porque são as carreiras que estão diretamente interligadas ao exercício do poder de decisão. O Ministério Público tem o poder da ação penal, da investigação no inquérito civil, na ação civil pública. É o advogado da sociedade naquelas questões que estão diretamente interligadas com o exercício do poder da soberania do Estado; ele tem poder de ação inclusive contra os próprios agentes do Estado. É uma carreira que exige muito foco, muito equilíbrio para o seu exercício. A magistratura é poder do Estado e julga, exerce jurisdição. Essas duas carreiras devem ser motivadas por pura vocação, não é emprego.

Diniz Fernando Ferreira da Cruz – Nós não trabalhamos por hora.

Gilberto Ferreira da Cruz – Não somos uma categoria, mas um braço do Poder estatal. Ninguém será bem-sucedido na magistratura e no Ministério Público se pensa apenas em emprego e em remuneração. Tenho muitos colegas que optaram na época certa pela iniciativa privada e hoje são executivos da área jurídica, de multinacionais, que ganham três vezes o que recebe um magistrado. Então, no aspecto financeiro, a magistratura sempre está bem abaixo do patamar de um diretor jurídico de qualquer multinacional. Na magistratura nós temos que pensar no compromisso social com aqueles que dependem de nós, que esperam a nossa atuação eficaz, que é a sociedade. Derrubar processos, solucionar lides, apresentar as estatísticas, a qualidade do serviço, boas sentenças, boas decisões, é só responsabilidade.

Guilherme Ferreira da Cruz – Esse é um ponto importantíssimo, porque quem está preocupado só em ter um emprego, supondo que existe isso ou aquilo agregado à condição de juiz, de promotor, como vencimentos/salário, não deve fazer o concurso. Meu conselho é que não faça. Se fizer e for aprovado, vai ser um infeliz frustrado. Primeiro, porque não vai conseguir o que ele estava querendo, as altas remunerações. Se conseguir, terá optado pelo caminho mais fácil, ilícito. E, segundo, tem muito serviço!

ConJur – Tem gente que pode ver uma boa oportunidade de não ter chefe nem horário...
Diniz Fernando Ferreira da Cruz – Juiz não trabalha por hora, repito. Não é chegar ao fórum às 13 horas e ir embora às 18h. Não existe isso. Não tem sábado, não tem domingo, não tem noite, não tem feriado. Se precisar ficar trabalhando, tem que trabalhar. A Corregedoria Geral de Justiça exige muito do juiz, tanto na esfera administrativa como na jurisdicional. Independentemente da existência desse órgão, o volume de serviço existente em todas as varas, pelo menos aqui no estado de São Paulo, é humanamente invencível. Então, não se pode em nenhum momento só pensar em chegar ao fórum às 13h e ir embora às 18h para colocar um tênis no pé, sair fazendo academia e pronto, acabou o dia. Não, não deve existir isso. É possível até fazer isso, mas não como regra. No entanto, se essa for a regra, acredito que a pessoa vai sofrer uma consequência séria em pouco tempo, porque não vai dar conta do serviço e vai ser cobrado.

Guilherme Ferreira da Cruz – E sem pensar no mal que estará causando à população, porque por trás dos números astronômicos do Tribunal de Justiça de São Paulo existem milhares de pessoas envolvidas nos processos que aguardam solução. O juiz sem vocação trata o ser humano como estatística, como papel – ou como bytes, agora com o processo eletrônico. Por isso que a vocação é fundamental, porque o juiz tem que estar preocupado em dar a cada um o que é seu. Aqueles que vão até o Judiciário esperam que o juiz seja imparcial, justo e que goste do que ele está fazendo, porque só assim nós vamos investigar a fundo o problema para distribuir a justiça em cada um dos casos.

Diniz Fernando Ferreira da Cruz – Nesse excesso de trabalho, nessa preocupação com cada caso, com cada vida que está ali no processo, o juiz perde a sua própria vida familiar, vida social, em dedicação ao trabalho.

ConJur – E é difícil conseguir criar uma família com essa história itinerante?
Gilberto Ferreira da Cruz – Isso faz parte do pacote. Quem quer ser militar, sabe que tem que ir para a guerra, sabe que pode morar em fronteira. Quer ser juiz, qual é o pacote? Início da carreira no interior, longe dos amigos, longe da sua família, longe dos seus laços... Lá você é sozinho, é autoridade, não sabe quem é amigo. Não sabe, quando é convidado para um jantar, se o menu é você ou se você é a sobremesa. O juiz está sempre só nas suas decisões e tem que tomar muita cautela com quem se relaciona. Por isso quem não tem vocação não aguenta.

ConJur – E o trabalho do juiz também é de gestor, não é?
Diniz Fernando Ferreira da Cruz – Dependendo do lugar, ele é diretor do fórum, lida com administração de verba, contratos, viaturas, compra de material, correições extrajudiciais, visita o cartório, as delegacias, presídio, pelo menos uma vez por ano.

Guilherme Ferreira da Cruz – Manutenção do prédio...

Gilberto Ferreira da Cruz – O juiz não pode se colocar isolado em sua sala, atrás da sua mesa, somente sobre os seus processos. Precisa se preocupar com a sua pauta, o seu cartório, o comportamento dos seus funcionários...

ConJur – Como o juiz aprende isso? Na prática?
Gilberto Ferreira da Cruz – Existe um regramento interno do tribunal chamado “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça”, com todas as obrigações administrativas dos juízes. Quando você passa no concurso, você ganha um de presente e boa sorte! Afinal de contas, estamos falando de magistrados que passaram no concurso, que têm todo o potencial para resolver qualquer questão, inclusive as suas obrigações funcionais, de saber todas elas e cumpri-las com muita eficiência.

Diniz Fernando Ferreira da Cruz – Aí só vai aprender na prática.

Guilherme Ferreira da Cruz – Hoje em dia, nós temos a Escola Paulista da Magistratura. Depois que o candidato é aprovado no concurso, fica um período em São Paulo participando de cursos de iniciação funcional e também trabalhando nas varas ao lado de colegas mais experientes.

ConJur – Sobre a rotina de trabalho, os senhores consideram que há hoje muita diferença entre o primeiro e o segundo graus?
Guilherme Ferreira da Cruz – Apesar dos esforços empreendidos, o Judiciário precisa ser melhor equipado, com recursos materiais e humanos. Não adianta só cobrar, não teremos uma Justiça de primeiro mundo com um instrumental desatualizado, isto não existe. É preciso que se incremente o primeiro grau, sim, e o segundo, também. O juiz tem que ter condições de trabalho, porque se ele não tiver, não terá como vencer a demanda. Nosso Tribunal de Justiça de São Paulo é talvez o maior do mundo, então tem que ser tratado como tal.

ConJur – O processo eletrônico tem ajudado a tornar esse trabalho mais célere?
Guilherme Ferreira da Cruz – O processo eletrônico anda mais rápido, mas não é a solução para todos os problemas. É preciso que realmente todas as ferramentas estejam disponíveis e todo mundo saiba operar e retirar do programa aquilo que ele tem de melhor; e, o principal, é preciso que o programa funcione.

Gilberto Ferreira da Cruz – Seja o processo eletrônico, seja o físico, ou o que for, a questão é a seguinte: nós não estamos aqui falando em fábrica de produção. O magistrado deve ser visto como o cérebro que vai orquestrar toda essa máquina em busca de decisões justas. Então, não adianta nada apenas ter processo digital.

ConJur – Diante de toda essa rotina de atividades, dá para ser justo e célere ao mesmo tempo?
Guilherme Ferreira da Cruz – O segredo é a vocação, porque todas essas dificuldades você enfrenta com gosto.

ConJur – O juiz em início de carreira sabe onde vai terminar?

Gilberto Ferreira da Cruz – No início da carreira, o juiz assume uma comarca pequena e faz o que nós chamamos “clínica geral”.

Guilherme Ferreira da Cruz – Na época do Diniz, fazia até trabalhista.

Gilberto Ferreira da Cruz – É com o avanço da carreira que o juiz escolhe o caminho. O magistrado interessado em chegar rapidamente ao último degrau da carreira não escolhe as vagas que surgem. Outros querem seguir determinada matéria ou ir para uma cidade/região específica, então ficam esperando vaga.

Guilherme Ferreira da Cruz – É preciso lembrar que o juiz tem uma garantia constitucional que se chama inamovibilidade. Isso significa que o juiz só sai do lugar onde está se quiser. Se ele desejar sair, seja numa movimentação horizontal da carreira – que é a remoção – ou vertical – promoção – ele vai examinar as opções.

ConJur – Todo juiz atua na Execução Criminal?
Guilherme Ferreira da Cruz – Não necessariamente, mas é muito comum no início da carreira, inclusive com visitas às unidades prisionais.

Gilberto Ferreira da Cruz – Lá naquela cadeia pública da cidade dele, ele vai ter que decidir sobre a vida dos presos.

Gilberto Ferreira da Cruz – O Guilherme foi titular da Vara de Execuções Criminais de Presidente Prudente.

Guilherme Ferreira da Cruz – Em 2006, com aquela onda de atentados de dentro para fora dos presídios, o Tribunal de Justiça instalou algumas varas de execuções criminais no estado com o objetivo de dar mais agilidade a esses processos. Assumi em julho de 2006 a região de Presidente Prudente.

ConJur – Não é uma tarefa que gera medo?
Guilherme Ferreira da Cruz – Medo depende de cada um. Agora, se o concursando tem medo de ser juiz, que não preste o concurso. Eu insisto, juiz não é uma figura apenas para receber o seu holerite.

ConJur – E como os senhores vêm o chamado ativismo judicial?
Gilberto Ferreira da Cruz – Bem, eu sempre fui isento, imparcial, cumpri as normas da minha função. Não posso responder por terceiros.

Guilherme Ferreira da Cruz – O juiz não pode ser um omisso. Os problemas que as partes trazem ao Judiciário exigem uma solução e não é porque o juiz decidiu A ou B que ele pode ser qualificado ou desqualificado como ativista. Ele simplesmente está decidindo aquele problema que foi levado à sua jurisdição, mais nada.

Gilberto Ferreira da Cruz – Acredito que todos os juízes, até aqueles que são chamados de ativistas na esfera criminal, proferem as suas decisões e sentenças com base na interpretação do sistema legal em vigor. Hoje se ataca muito o juiz Sergio Moro. Com bravura e independência, ele está aplicando a Legislação Penal dentro da sua ótica. Se houver algum erro de Direito nesse exercício jurisdicional, as instâncias superiores estão aí para corrigir, por via de recurso. Quem é ativista? Quem desagrada grupos? E a que grupos eu devo agradar então?



Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.

Thiago Crepaldi é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2016, 9h35

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...