Estupro de vulnerável pode ser caracterizado ainda que não haja contato físico entre o agressor e a vítima. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que considerou legítima a denúncia contra um homem acusado de contratar, mais de uma vez, pessoas para levarem uma menina de dez anos a um motel, onde ela foi forçada a tirar a roupa, por R$ 400 mais comissão para a irmã da vítima.
No Recurso em Habeas Corpus, a defesa do acusado alegou que a denúncia é inepta, e, portanto, o réu deveria ser absolvido — até porque não há provas de sua conduta. Para o defensor, não é possível caracterizar um estupro consumado sem contato físico entre as pessoas.
Em seu voto, acompanhado pelos demais ministros da turma, o relator do processo, ministro Joel Ilan Paciornik, disse que, no caso analisado, o contato físico é irrelevante para a caracterização do delito.
Para o magistrado, a denúncia é legítima e tem fundamentação jurídica em conformidade com a doutrina atual. “A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos artigos 213 e 217-A do Código Penal, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido.”
Dignidade sexual
O relator lembrou que a dignidade sexual é passível de ser ofendida mesmo sem agressão física, como no caso da denúncia, em que uma criança foi forçada a se despir para a apreciação de terceiro. Segundo Paciornik, a denúncia descreve detalhadamente o crime, preenchendo os requisitos legais para ser aceita.
Em seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pela rejeição do pedido da defesa. O MPF considerou que o ato lascivo de observar a criança nua preenche os requisitos previstos na legislação brasileira para ser classificado como um caso de estupro, por se tratar de menor sem chances de defesa e compreensão exata do que estava ocorrendo.
O ministro Jorge Mussi, ao acompanhar o voto do relator, disse que o contexto delineado revelou “uma situação temerária de se discutir se teve contato ou não”, sendo suficiente, até o presente momento, a denúncia apresentada pelo Ministério Público.
Para o ministro Ribeiro Dantas, o conceito de estupro apresentado na denúncia (sem contato físico) é compatível com a intenção do legislador ao alterar as regras a respeito de estupro, com o objetivo de proteger o menor vulnerável. De acordo com ele, é impensável supor que a criança não sofreu abalos emocionais em decorrência do abuso.
O caso faz parte de investigação sobre uma rede de exploração de menores em Mato Grosso do Sul e envolve políticos e empresários de Campo Grande e região.
Para o advogado do réu, José Trad, a decisão deste julgamento foi contra jurisprudência pacificada do STJ, principalmente pelas 5ª e 6ª turmas. Ele destaca que a corte sempre entendeu que o estupro só é consumado com contato físico. “Os ministros se impressionaram com a denúncia”, justifica, destacando que compreende a preocupação dos ministros em tutelar a dignidade sexual dos menores de 14 anos.
Trad ressalta ainda que apesar do entendimento da corte em considerar o crime como estupro de vulnerável, os ministros fizeram ressalvas ao voto do relator, destacando a importância do tema no debate doutrinário por haver divergência. “A questão não está definitivamente fechada.”
O advogado diz estranhar o fato de seu cliente ser enquadrado no crime de estupro de vulnerável (217-A do Código Penal) por contemplação lasciva mesmo havendo o artigo 218-A, que trata de satisfação de lascívia na presença de criança ou adolescente e traz condutas mais graves do que a contemplação. “Mesmo assim, ele está sujeito a uma pena muito mais severa”, reclama.
Afirma que ainda estuda se irá apresentar recurso ao STJ ou levar a questão ao Supremo. “Não há lógica ou razoabilidade em se punir a contemplação lasciva pelo artigo 217-A e punir condutas mais graves pelo artigo 218-A”. “O precedente é perigoso”, complementa.
Na questão de mérito, onde a defesa alega falta de justa causa, José Trad destaca que há divergências entre a acusação e o depoimento prestado pela menina ao Ministério Público. “A história que a menor contou em depoimento no Ministério Público não foi bem assim. A história que ela conta dá a impressão de que esse encontro não se consumou por vontade do próprio acusado. Ela teria dito que, no motel, ele simplesmente olhou para a menina e ficou com medo ao ver que se tratava de uma menor de idade. Então ele teria mando a menina se vestir e ir embora”, finaliza.
O processo corre em segredo de Justiça. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
*Notícia alterada às 21h59 para inclusão de informações.
Revista Consultor Jurídico, 4 de agosto de 2016, 14h01
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