Por Lenio Luiz Streck
Em tempos de excesso de informações, sempre é difícil alcançar a atenção dos leitores de um site jurídico. Notícia cobre notícia. Para ganhar a atenção necessária para uma discussão aprofundada, talvez tenhamos que usar um truque, como na anedota sobre as reuniões do antigo partido comunista da URSS: O clube de uma cidade do interior anunciou uma palestra sobre o tema: "O Povo e o Partido estão unidos". Não apareceu ninguém. Uma semana mais tarde foi anunciada a conferência "3 tipos de Amor". O salão superlotou. “— Existem três tipos de amor”, começou o orador. “— O primeiro tipo é o amor patológico. Isto é ruim, e sobre este tema nem vale a pena falar. O segundo tipo é o amor normal. Este, todos conhecem e portanto, também não vamos nos alongar neste assunto. Resta ainda o terceiro — o mais elevado tipo de amor — o amor do povo pelo partido. E é sobre isto que vamos discorrer mais detalhadamente”.[1] Como na anedota, poderia dizer que temos três tipos de amor e o mais elevado tipo é o da relação direito-moral e os problemas decorrentes do protagonismo judicial. “E é sobre isso que vou falar com mais detalhes”, poderia dizer.Com efeito. Quando leio um texto ou uma declaração ou um voto do ministro Luís Roberto Barroso (não me acostumo com a retirada do Luís) fico com a convicção de que os franceses pós-revolução estavam certos em proibir os juízes de interpretar. Também fico pensando como os positivistas exclusivos estão corretos ao separarem direito e moral, embora considere problemático o modo como o positivismo lida com a aplicação. De todo modo, são coisas que vêm à mente de todos os juristas quando se deparam com o ativismo judicial praticado e exacerbado no Brasil. É evidente que não sou um exegeta. Também não sou um positivista pós-hartiano, embora respeite profundamente o modo como um autor como Joseph Raz coloca a questão da autoridade do direito (reivindicação de autoridade). Essas questões já foram discutidas por mim aqui e aqui na ConJur. Neste espaço, venho denunciando os prejuízos causados pelo protagonismo judicial (ou do realismo à brasileira). O ex-ministro Eros Grau fez um duro texto no jornal O Globo — Juízes que fazem suas próprias leis — acerca dessa matéria.
Por que estou voltando a esse assunto? Com certeza, não é por implicância. É por um dever cívico-epistêmico. Juízes têm responsabilidade política, não no sentido vulgar, mas no sentido de accountability. Juízes devem julgar por princípio e não por moral ou política ou por análise econômica. Não é a sua função. É o Direito que deve filtrar a subjetividade, a moral, os desejos políticos e as idiossincrasias dos juízes e membros do MP. E não o contrário. Se a moral (o subjetivismo lato sensu ou o particularismo subjetivista, como bem diz Lorenz Puntel) pode corrigir o direito, então já não te (re)mos direito. Teremos uma coisa que já não é ela mesma, mas outra bem diferente: a substituição das leis e da CF pela convicção pessoal do magistrado.
Essa questão fica bem clara quando lemos a recente declaração do ministro Barroso publicada pelo portal Jota: mesmo produzindo desgastes, “a gente tem que empurrar a história e fazer aquilo que acha certo”. Já aqui eu pediria vista dos autos, para perguntar: Por qual razão o país tem de depender daquilo que o ministro acha, pessoalmente, certo? Também o ministro repetiu a sua tese de que o STF é a vanguarda iluminista (sic): “Além de o Brasil estar vivendo este momento relativamente convulsionado, o próprio Supremo vive um momento complexo, não pela decisão da semana passada [que manteve Renan Calheiros na presidência do Senado], mas o STF tem um papel importante no Brasil, que é um pouco de fazer avançar alguns determinados processos sociais, eu diria até fazer avançar com algumas doses de iluminismo em domínios onde ele ainda não chegou. E é difícil”. (Grifei).
Disse, ainda: “Não importa se as pessoas não gostam do aumento da subjetividade na atuação do Poder judiciário. Ela é inevitável. Há uma nova realidade que expande esse papel do Judiciário.” (grifo meu)
Como assim — “o STF empurrar a história”? Como assim “STF — vanguarda iluminista”? Como assim — “a subjetividade é inevitável”? Do que está falando o ministro? Não deve ser de uma decisão judicial em uma demo-cracia. Ora, a subjetividade é inevitável porque não somos alfaces. Mas isso é obvio. Não creio que alguém acredite que o juiz seja neutro. Os franceses já sabiam disso e justamente por isso proibiram os juízes de interpretar.
Esse é o nó do Direito. O que fazer com os juízos morais? O que fazer com a subjetividade? De minha parte, de tudo que tenho já escrito sobre isso, basta que acreditemos em alguns filósofos que até são mais radicais do que eu quando falam do subjetivismo. Afinal, livre convencimento e subjetivismo são irmãos gêmeos. Por exemplo, o francês J.F. Mattéi, com seu La barbarie intérieure, explica, melhor do que eu, o problema do solipsismo e do subjetivismo. Sim, porque, no fundo, o que sustenta as teses da expressiva maioria dos juristas é, ainda, a filosofia da consciência. Basta ver como ainda se defende o livre convencimento. Afinal, o livre convencimento é o quê, senão o suprassumo do subjetivismo? O solipsismo bajula o nosso narcisismo. Onde Barroso diz “a subjetividade é inevitável”, basta substituir por “decido conforme penso, decido conforme minha consciência, etc”. Isso faz com que a consciência individual filtre o Direito. Logo, o Direito já não é Direito.
O problema principal que envolve a aplicação do Direito no Brasil reside na/nessa tirania do subjetivismo. A ditadura do sujeito da modernidade nos diz que é no interior do homem (no subjetivismo) que reside o perigo (Gadamer, Bloch, Arend, Horkheimer, Adorno, Mattéi, Puntel, Stein e tantos outros). Para esses filósofos, o subjetivismo é despótico. Nesse sentido, vale lembrar Eduardo Luft,[2] que é contundente ao denunciar as aporias de uma pretensa facilidade de se transpor da filosofia da consciência para a intersubjetividade, como se pudesse conciliar “o melhor dos dois mundos”. E arremata: Ainda somos reféns das figurações idealistas, sendo a transição da teoria da consciência para a Filosofia da Linguagem apenas o ruflar das asas da mesma mosca, na mesma garrafa.
Há, finalmente, ainda outra advertência que se impõe: o subjetivismo no Direito age desse modo autoritário (uma espécie de certeza-de-si-do-pensamento-pensante) porque está escorado em uma institucionalidade, falando de um determinado lugar (o lugar da fala, em que quem possui o skeptron pode falar, em uma alegoria com o que se passa na Ilíada ou com a posse da concha, no livro The Lord of Flies). Uma vez inserido em uma cotidianidade — para além desse lugar e sem os atributos desse poder de fala — o sujeito se perde no entremeio de outras institucionalidades.
Afinal, se tudo é subjetivismo ou se “decido conforme penso o que seja certo”, por qual razão, fora do tribunal, não é dito que um ônibus é uma bicicleta? Portanto, minha alusão, aqui, é fundamentalmente ao solipsismo judicial. Ele é assim porque não sofre, da doutrina e da sociedade, os necessários constrangimentos epistêmicos. Entretanto, no cotidiano, não age desse modo. Nem pode. Caso contrário, entraria em choque com a primeira pessoa que encontrasse na rua, que não o reconhecesse ou não reconhecesse na sua autoridade (a sua posse do Skeptron fora da institucionalidade). De um modo mais simples, pode-se dizer que, se nos autos do processo (e no fórum ou no Supremo Tribunal) o juiz troca o significado dos significantes, todavia no seu cotidiano não pode agir do mesmo modo. Por exemplo, na discussão com o açougueiro acerca do que é uma picanha, o juiz não pode trocar o “nome das coisas”. Nem “decidir” que a maminha é uma picanha. Isso só vale no fórum. E nisso reside o busílis da questão. Pensemos, com esta metáfora, a relação da Constituição e seu sentido...
Por consequência, o solipsismo judicial (jurídico-interpretativo) só acontece em uma dada institucionalidade, em que existe uma baixa democracia. Procurando ser mais claro ainda: Gadamer diz que, se queres compreender um texto — e texto são eventos, fenômenos — deves deixar que o texto te diga algo. Isto quer dizer que não devemos ignorar esse grau mínimo de objetividade. É o que chamo de mínimo “que é”. Nesse sentido, a realidade constrange. A estrutura, a intersubjetividade, a tradição, enfim, essa linguagem pública constrange a todos nós cotidianamente para evitar que saiamos por aí fazendo coisas solipsistas. Não se pode trocar o nome das coisas. Não se pode “assujeitar” as coisas. O solipsismo judicial se coloca na contramão desses constrangimentos cotidianos, do mundo vivido. No Direito, em face do lugar da fala e da autoridade do juiz, ele pensa que pode — e, ao fim e ao cabo, assim o faz — assujeitar os sentidos dos textos e dos fatos. Observe-se o grau “da coisa”: por vezes, nem a Constituição constrange o aplicador (juiz ou tribunal). Por isso o lema hermenêutico: deixemos que os textos nos digam algo. Deixemos que a Constituição dê o seu recado. Ela é linguagem pública. Que deveria constranger epistemicamente o seu destinatário, o juiz.
Sigo, para dizer — voltando ao ponto central da coluna — que o interessante é que onde impera o subjetivismo, não há coerência. No caso do ministro, é fácil demonstrar isso. Ao mesmo tempo em que ele diz tudo isso que reproduzi acima e decide a questão do aborto (veja-se de novo a crítica de Eros Grau acima referida e o que escrevemos na semana passada), para negar medida cautelar contra a PEC 55 o ministro Barroso diz:
“O Congresso Nacional, funcionando como poder constituinte reformador, é a instância própria para os debates públicos acerca das escolhas políticas a serem feitas pelo Estado e pela sociedade brasileira, e que envolvam mudanças do texto constitucional. Salvo hipóteses extremas, não deve o Judiciário coibir a discussão de qualquer matéria de interesse nacional”.(grifei)
Ora, em uma democracia, é a lei que trata de escolhas políticas e não o Judiciário. Vejamos. No caso do senador Ivo Cassol, o ministro disse que seguia a Constituição: "Acho que a condenação criminal, pelo menos acima de um determinado grau de gravidade do delito, deveria ter essa consequência automática. Mas a Constituição diz o contrário. O dia que a Constituição for o que os intérpretes quiserem independentemente do texto, nós vamos cair numa situação muito perigosa" (aqui). Na época, elogiei e disse: Bingo, ministro! Só que, dias depois, ele mesmo decidiu que, diante de uma decisão da Câmara que não cassara o deputado Donadon, o STF tinha que cassar o parlamentar, contra exatamente aquilo que ele mesmo havia dito dias antes. Na ocasião, Rodrigo Haidar chamou o caso de jabuticaba jurídica.
Qual dos dois ministros devemos seguir? Esse é o problema. Temos vários judiciários. Cada juiz acaba sendo “um judiciário”. Não temos um STF. São onze supremos. E sabem por que isso é um problema? Simples: se o magistrado decide a partir de si mesmo, haverá o dia em que a letra da lei é tudo... e haverá o dia em que a letra da lei é... nada. Isso não nos deve surpreender, porque subjetivismo é assim mesmo. Nada nos protege contra o subjetivismo. Nossa tendência é responder moralmente. Só que um juiz deve suspender seus desejos, suas opiniões, sua subjetividade. Em uma frase: subjetivismo é pensar que nada vindo de fora (de si) pode impor limites ao intérprete. Ora, a lei e a Constituição (mais a doutrina e a jurisprudência) são essas coisas “de fora”. Em face disso, pergunto: quando os juristas irão perceber que, quando vamos ao Judiciário, buscamos uma resposta daquilo que está do lado de fora do juiz e não do que está dentro? Mariflor Rivero, no livro Diálogo y Alteridad, pergunta: como podemos dar conta de um significado se este foi produzido subjetivamente e está mediado pela subjetividade do intérprete?
Penso que não há mais muito a dizer. Com todas as vênias cabíveis à espécie, tenho o dever cívico-acadêmico-epistêmico de apontar as contradições dos discursos jurídicos, presentes fortemente nos tribunais superiores e nas instâncias judiciárias do país. No caso, o ministro Luís Roberto Barroso representa, simbolicamente, o imaginário jurídico brasileiro predominante (inclusive a doutrina incentiva isso, nas salas de aula, nos livros, etc). Falta muita coisa ainda para a nossa doutrina chegar ao patamar crítico que detecte isso que hoje está destruindo o direito. Quando mais precisamos do direito, ele já não está.
Bom, como diz no início da coluna, existem três tipos de... O leitor pode ajudar. Colunas complexas não dão plateia. E o clube fica vazio. Por isso o título foi chamativo. Se o leitor chegou até aqui, alvíssaras!
[1] Não resisto em fazer também uma anedota: A metáfora não tem nenhuma relação com o comunismo. Não tem nada a ver com “partido é bom”, “partido é ruim”. Também não tem nada a ver com sexo. Nem com amor. É só uma metáfora para explicar que por vezes... Bom, digo isso porque sempre aparecem interpretações... Tempos difíceis.
[2] Luft, Eduardo. Duas questões pendentes no Idealismo Alemão. In: Nythamar de Oliveira;Draiton Gonzaga de Souza. (Org.). Hermenêutica e Filosofia Primeira. Ijuí: Unijuí, 2006. pp. 69-75.
Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.
Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2016, 8h00
Por
 um lado, recursos infindáveis, fraudes à execução, tentativas de 
ocultação de recursos, resistência injustificada ao cumprimento das 
obrigações. De outro, contra-ofensivas da Justiça do Trabalho, como 
bloqueios de contas-correntes pelo sistema BacenJud; penhora on line de
 recursos e veículos; busca eletrônica de imóveis; inscrição dos nomes 
dos devedores no SPC, Serasa e no Banco Nacional dos Devedores 
Trabalhistas, entre outras medidas judiciais que buscam a efetividade da
 Justiça. Órgãos como o CNJ e o CSJT implementam iniciativas diversas 
nessa seara, como a Semana Nacional de Execução Trabalhista, que 
concentra esforços nesse período para proporcionar o pagamento dos 
créditos salariais, de natureza alimentar, a quem deles tanto precisa, 
para a própria sobrevivência. 
Já
 a "fase de execução" destina-se a satisfazer materialmente o crédito 
daquele que teve o seu direito reconhecido na primeira fase. Aqui não se
 discute mais quem tem razão, apenas se determina o cumprimento do que 
foi considerado devido pela Justiça. Quando o devedor não cumpre 
espontaneamente a obrigação ou quando um acordo celebrado entre as 
partes é descumprido, dá-se início à cobrança forçada. Tudo para dar 
efetividade ao que foi reconhecido judicialmente. 
É
 o famoso "jeitinho brasileiro" que muitas vezes entra em cena. As 
artimanhas para sonegar direitos trabalhistas são diversas e das mais 
criativas: "laranjas", "testas de ferro", offshores, sócios 
ocultos, "pejotização" forjada (quando o empregado presta serviços por 
meio de uma pessoa jurídica criada para tanto), lides simuladas (quando o
 patrão orienta o empregado dispensado a ajuizar reclamação com a 
finalidade de celebrar acordos desvantajosos para ele), dentre tantas 
outras. 
Esse
 intuito de fraude acaba dificultando a localização de bens e prejudica o
 principal objetivo do Judiciário, que é fazer justiça. Somado a esse 
contexto, há também aqueles devedores que não conseguem honrar seus 
compromissos por motivos alheios à sua vontade. Desconhecimento da 
legislação, falha de planejamento do negócio, má gestão, conjuntura 
econômica... São inúmeras, enfim, a razões que levam muitas empresas a 
não honrarem suas dívidas trabalhistas reconhecidas judicialmente. 

Em 
 Mesmo considerando que a declaração falsa de bens configura crime (Lei 
nº 8.137/90), o fato é que muitas pessoas omitem a suas movimentações e 
seus bens ativos na declaração de imposto de renda, observa o 
magistrado. 
O
 projeto é uma evolução do modelo adotado pela Assessoria de Pesquisa e 
Análise - ASSPA, que é uma unidade vinculada ao gabinete do 
Procurador-Geral da República do Ministério Público Federal. 
O
 principal objetivo do CCS é auxiliar nas investigações financeiras 
conduzidas pelas autoridades competentes, mediante requisição de 
informações pelo Poder Judiciário (ofício eletrônico), ou por outras 
autoridades, quando devidamente legitimadas. 




O Código Penal precisa mudar para permitir a punição penal de pessoas jurídicas, diz o juiz federal Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Para ele, o CP, editado em 1941, é de uma época em que o crime não se organizava, e por isso há o grande foco nos "criminosos individuais", que roubam, furtam ou matam. Mas o problema do Brasil de hoje é o crime organizado, acredita.