quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O Direito e três tipos de amor: o que isso tem a ver com subjetivismo?




Por Lenio Luiz Streck


Em tempos de excesso de informações, sempre é difícil alcançar a atenção dos leitores de um site jurídico. Notícia cobre notícia. Para ganhar a atenção necessária para uma discussão aprofundada, talvez tenhamos que usar um truque, como na anedota sobre as reuniões do antigo partido comunista da URSS: O clube de uma cidade do interior anunciou uma palestra sobre o tema: "O Povo e o Partido estão unidos". Não apareceu ninguém. Uma semana mais tarde foi anunciada a conferência "3 tipos de Amor". O salão superlotou. “— Existem três tipos de amor”, começou o orador. “— O primeiro tipo é o amor patológico. Isto é ruim, e sobre este tema nem vale a pena falar. O segundo tipo é o amor normal. Este, todos conhecem e portanto, também não vamos nos alongar neste assunto. Resta ainda o terceiro — o mais elevado tipo de amor — o amor do povo pelo partido. E é sobre isto que vamos discorrer mais detalhadamente”.[1] Como na anedota, poderia dizer que temos três tipos de amor e o mais elevado tipo é o da relação direito-moral e os problemas decorrentes do protagonismo judicial. “E é sobre isso que vou falar com mais detalhes”, poderia dizer.

Com efeito. Quando leio um texto ou uma declaração ou um voto do ministro Luís Roberto Barroso (não me acostumo com a retirada do Luís) fico com a convicção de que os franceses pós-revolução estavam certos em proibir os juízes de interpretar. Também fico pensando como os positivistas exclusivos estão corretos ao separarem direito e moral, embora considere problemático o modo como o positivismo lida com a aplicação. De todo modo, são coisas que vêm à mente de todos os juristas quando se deparam com o ativismo judicial praticado e exacerbado no Brasil. É evidente que não sou um exegeta. Também não sou um positivista pós-hartiano, embora respeite profundamente o modo como um autor como Joseph Raz coloca a questão da autoridade do direito (reivindicação de autoridade). Essas questões já foram discutidas por mim aqui e aqui na ConJur. Neste espaço, venho denunciando os prejuízos causados pelo protagonismo judicial (ou do realismo à brasileira). O ex-ministro Eros Grau fez um duro texto no jornal O Globo — Juízes que fazem suas próprias leis — acerca dessa matéria.

Por que estou voltando a esse assunto? Com certeza, não é por implicância. É por um dever cívico-epistêmico. Juízes têm responsabilidade política, não no sentido vulgar, mas no sentido de accountability. Juízes devem julgar por princípio e não por moral ou política ou por análise econômica. Não é a sua função. É o Direito que deve filtrar a subjetividade, a moral, os desejos políticos e as idiossincrasias dos juízes e membros do MP. E não o contrário. Se a moral (o subjetivismo lato sensu ou o particularismo subjetivista, como bem diz Lorenz Puntel) pode corrigir o direito, então já não te (re)mos direito. Teremos uma coisa que já não é ela mesma, mas outra bem diferente: a substituição das leis e da CF pela convicção pessoal do magistrado.

Essa questão fica bem clara quando lemos a recente declaração do ministro Barroso publicada pelo portal Jota: mesmo produzindo desgastes, “a gente tem que empurrar a história e fazer aquilo que acha certo”. Já aqui eu pediria vista dos autos, para perguntar: Por qual razão o país tem de depender daquilo que o ministro acha, pessoalmente, certo? Também o ministro repetiu a sua tese de que o STF é a vanguarda iluminista (sic): “Além de o Brasil estar vivendo este momento relativamente convulsionado, o próprio Supremo vive um momento complexo, não pela decisão da semana passada [que manteve Renan Calheiros na presidência do Senado], mas o STF tem um papel importante no Brasil, que é um pouco de fazer avançar alguns determinados processos sociais, eu diria até fazer avançar com algumas doses de iluminismo em domínios onde ele ainda não chegou. E é difícil”. (Grifei).

Disse, ainda: “Não importa se as pessoas não gostam do aumento da subjetividade na atuação do Poder judiciário. Ela é inevitável. Há uma nova realidade que expande esse papel do Judiciário.” (grifo meu)

Como assim — “o STF empurrar a história”? Como assim “STF — vanguarda iluminista”? Como assim — “a subjetividade é inevitável”? Do que está falando o ministro? Não deve ser de uma decisão judicial em uma demo-cracia. Ora, a subjetividade é inevitável porque não somos alfaces. Mas isso é obvio. Não creio que alguém acredite que o juiz seja neutro. Os franceses já sabiam disso e justamente por isso proibiram os juízes de interpretar.

Esse é o nó do Direito. O que fazer com os juízos morais? O que fazer com a subjetividade? De minha parte, de tudo que tenho já escrito sobre isso, basta que acreditemos em alguns filósofos que até são mais radicais do que eu quando falam do subjetivismo. Afinal, livre convencimento e subjetivismo são irmãos gêmeos. Por exemplo, o francês J.F. Mattéi, com seu La barbarie intérieure, explica, melhor do que eu, o problema do solipsismo e do subjetivismo. Sim, porque, no fundo, o que sustenta as teses da expressiva maioria dos juristas é, ainda, a filosofia da consciência. Basta ver como ainda se defende o livre convencimento. Afinal, o livre convencimento é o quê, senão o suprassumo do subjetivismo? O solipsismo bajula o nosso narcisismo. Onde Barroso diz “a subjetividade é inevitável”, basta substituir por “decido conforme penso, decido conforme minha consciência, etc”. Isso faz com que a consciência individual filtre o Direito. Logo, o Direito já não é Direito.

O problema principal que envolve a aplicação do Direito no Brasil reside na/nessa tirania do subjetivismo. A ditadura do sujeito da modernidade nos diz que é no interior do homem (no subjetivismo) que reside o perigo (Gadamer, Bloch, Arend, Horkheimer, Adorno, Mattéi, Puntel, Stein e tantos outros). Para esses filósofos, o subjetivismo é despótico. Nesse sentido, vale lembrar Eduardo Luft,[2] que é contundente ao denunciar as aporias de uma pretensa facilidade de se transpor da filosofia da consciência para a intersubjetividade, como se pudesse conciliar “o melhor dos dois mundos”. E arremata: Ainda somos reféns das figurações idealistas, sendo a transição da teoria da consciência para a Filosofia da Linguagem apenas o ruflar das asas da mesma mosca, na mesma garrafa.

Há, finalmente, ainda outra advertência que se impõe: o subjetivismo no Direito age desse modo autoritário (uma espécie de certeza-de-si-do-pensamento-pensante) porque está escorado em uma institucionalidade, falando de um determinado lugar (o lugar da fala, em que quem possui o skeptron pode falar, em uma alegoria com o que se passa na Ilíada ou com a posse da concha, no livro The Lord of Flies). Uma vez inserido em uma cotidianidade — para além desse lugar e sem os atributos desse poder de fala — o sujeito se perde no entremeio de outras institucionalidades.

Afinal, se tudo é subjetivismo ou se “decido conforme penso o que seja certo”, por qual razão, fora do tribunal, não é dito que um ônibus é uma bicicleta? Portanto, minha alusão, aqui, é fundamentalmente ao solipsismo judicial. Ele é assim porque não sofre, da doutrina e da sociedade, os necessários constrangimentos epistêmicos. Entretanto, no cotidiano, não age desse modo. Nem pode. Caso contrário, entraria em choque com a primeira pessoa que encontrasse na rua, que não o reconhecesse ou não reconhecesse na sua autoridade (a sua posse do Skeptron fora da institucionalidade). De um modo mais simples, pode-se dizer que, se nos autos do processo (e no fórum ou no Supremo Tribunal) o juiz troca o significado dos significantes, todavia no seu cotidiano não pode agir do mesmo modo. Por exemplo, na discussão com o açougueiro acerca do que é uma picanha, o juiz não pode trocar o “nome das coisas”. Nem “decidir” que a maminha é uma picanha. Isso só vale no fórum. E nisso reside o busílis da questão. Pensemos, com esta metáfora, a relação da Constituição e seu sentido...

Por consequência, o solipsismo judicial (jurídico-interpretativo) só acontece em uma dada institucionalidade, em que existe uma baixa democracia. Procurando ser mais claro ainda: Gadamer diz que, se queres compreender um texto — e texto são eventos, fenômenos — deves deixar que o texto te diga algo. Isto quer dizer que não devemos ignorar esse grau mínimo de objetividade. É o que chamo de mínimo “que é”. Nesse sentido, a realidade constrange. A estrutura, a intersubjetividade, a tradição, enfim, essa linguagem pública constrange a todos nós cotidianamente para evitar que saiamos por aí fazendo coisas solipsistas. Não se pode trocar o nome das coisas. Não se pode “assujeitar” as coisas. O solipsismo judicial se coloca na contramão desses constrangimentos cotidianos, do mundo vivido. No Direito, em face do lugar da fala e da autoridade do juiz, ele pensa que pode — e, ao fim e ao cabo, assim o faz — assujeitar os sentidos dos textos e dos fatos. Observe-se o grau “da coisa”: por vezes, nem a Constituição constrange o aplicador (juiz ou tribunal). Por isso o lema hermenêutico: deixemos que os textos nos digam algo. Deixemos que a Constituição dê o seu recado. Ela é linguagem pública. Que deveria constranger epistemicamente o seu destinatário, o juiz.

Sigo, para dizer — voltando ao ponto central da coluna — que o interessante é que onde impera o subjetivismo, não há coerência. No caso do ministro, é fácil demonstrar isso. Ao mesmo tempo em que ele diz tudo isso que reproduzi acima e decide a questão do aborto (veja-se de novo a crítica de Eros Grau acima referida e o que escrevemos na semana passada), para negar medida cautelar contra a PEC 55 o ministro Barroso diz:

“O Congresso Nacional, funcionando como poder constituinte reformador, é a instância própria para os debates públicos acerca das escolhas políticas a serem feitas pelo Estado e pela sociedade brasileira, e que envolvam mudanças do texto constitucional. Salvo hipóteses extremas, não deve o Judiciário coibir a discussão de qualquer matéria de interesse nacional”.(grifei)

Ora, em uma democracia, é a lei que trata de escolhas políticas e não o Judiciário. Vejamos. No caso do senador Ivo Cassol, o ministro disse que seguia a Constituição: "Acho que a condenação criminal, pelo menos acima de um determinado grau de gravidade do delito, deveria ter essa consequência automática. Mas a Constituição diz o contrário. O dia que a Constituição for o que os intérpretes quiserem independentemente do texto, nós vamos cair numa situação muito perigosa" (aqui). Na época, elogiei e disse: Bingo, ministro! Só que, dias depois, ele mesmo decidiu que, diante de uma decisão da Câmara que não cassara o deputado Donadon, o STF tinha que cassar o parlamentar, contra exatamente aquilo que ele mesmo havia dito dias antes. Na ocasião, Rodrigo Haidar chamou o caso de jabuticaba jurídica.

Qual dos dois ministros devemos seguir? Esse é o problema. Temos vários judiciários. Cada juiz acaba sendo “um judiciário”. Não temos um STF. São onze supremos. E sabem por que isso é um problema? Simples: se o magistrado decide a partir de si mesmo, haverá o dia em que a letra da lei é tudo... e haverá o dia em que a letra da lei é... nada. Isso não nos deve surpreender, porque subjetivismo é assim mesmo. Nada nos protege contra o subjetivismo. Nossa tendência é responder moralmente. Só que um juiz deve suspender seus desejos, suas opiniões, sua subjetividade. Em uma frase: subjetivismo é pensar que nada vindo de fora (de si) pode impor limites ao intérprete. Ora, a lei e a Constituição (mais a doutrina e a jurisprudência) são essas coisas “de fora”. Em face disso, pergunto: quando os juristas irão perceber que, quando vamos ao Judiciário, buscamos uma resposta daquilo que está do lado de fora do juiz e não do que está dentro? Mariflor Rivero, no livro Diálogo y Alteridad, pergunta: como podemos dar conta de um significado se este foi produzido subjetivamente e está mediado pela subjetividade do intérprete?

Penso que não há mais muito a dizer. Com todas as vênias cabíveis à espécie, tenho o dever cívico-acadêmico-epistêmico de apontar as contradições dos discursos jurídicos, presentes fortemente nos tribunais superiores e nas instâncias judiciárias do país. No caso, o ministro Luís Roberto Barroso representa, simbolicamente, o imaginário jurídico brasileiro predominante (inclusive a doutrina incentiva isso, nas salas de aula, nos livros, etc). Falta muita coisa ainda para a nossa doutrina chegar ao patamar crítico que detecte isso que hoje está destruindo o direito. Quando mais precisamos do direito, ele já não está.

Bom, como diz no início da coluna, existem três tipos de... O leitor pode ajudar. Colunas complexas não dão plateia. E o clube fica vazio. Por isso o título foi chamativo. Se o leitor chegou até aqui, alvíssaras!


[1] Não resisto em fazer também uma anedota: A metáfora não tem nenhuma relação com o comunismo. Não tem nada a ver com “partido é bom”, “partido é ruim”. Também não tem nada a ver com sexo. Nem com amor. É só uma metáfora para explicar que por vezes... Bom, digo isso porque sempre aparecem interpretações... Tempos difíceis.


[2] Luft, Eduardo. Duas questões pendentes no Idealismo Alemão. In: Nythamar de Oliveira;Draiton Gonzaga de Souza. (Org.). Hermenêutica e Filosofia Primeira. Ijuí: Unijuí, 2006. pp. 69-75.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2016, 8h00

NJ Especial: Execução trabalhista recorre a ferramentas tecnológicas para garantir efetividade da Justiça






Entre as decisões que reconhecem direitos aos trabalhadores e o recebimento efetivo dos créditos pelos que buscam a Justiça, muita pedra rola sob a ponte no rio tormentoso das execuções trabalhistas, onde pode acontecer de tudo um pouco.
Por um lado, recursos infindáveis, fraudes à execução, tentativas de ocultação de recursos, resistência injustificada ao cumprimento das obrigações. De outro, contra-ofensivas da Justiça do Trabalho, como bloqueios de contas-correntes pelo sistema BacenJud; penhora on line de recursos e veículos; busca eletrônica de imóveis; inscrição dos nomes dos devedores no SPC, Serasa e no Banco Nacional dos Devedores Trabalhistas, entre outras medidas judiciais que buscam a efetividade da Justiça. Órgãos como o CNJ e o CSJT implementam iniciativas diversas nessa seara, como a Semana Nacional de Execução Trabalhista, que concentra esforços nesse período para proporcionar o pagamento dos créditos salariais, de natureza alimentar, a quem deles tanto precisa, para a própria sobrevivência.
Nesta NJ Especial, vamos explorar os caminhos percorridos pelos processos em fase de execução, sobretudo, os recursos modernos usados pela JT para garantir a plena execução e, enfim, colocar um ponto final, real e definitivo, ao processo.
As fases do jogo processualNa primeira etapa do processo trabalhista, a chamada "fase de conhecimento", são levadas ao conhecimento do juiz as questões controvertidas a serem julgadas. É nessa etapa que são ouvidas as testemunhas e coletadas as provas que irão embasar a decisão. Ela termina quando o juiz profere a sentença. Ou, se houver recurso, com o julgamento do último recurso.
Já a "fase de execução" destina-se a satisfazer materialmente o crédito daquele que teve o seu direito reconhecido na primeira fase. Aqui não se discute mais quem tem razão, apenas se determina o cumprimento do que foi considerado devido pela Justiça. Quando o devedor não cumpre espontaneamente a obrigação ou quando um acordo celebrado entre as partes é descumprido, dá-se início à cobrança forçada. Tudo para dar efetividade ao que foi reconhecido judicialmente.
E é aí que, muitas vezes, os problemas começam. A execução constitui um indesejável "gargalo" na Justiça do Trabalho que, ainda assim, possui a menor taxa de congestionamento entre os tribunais. Atualmente, existem mais de 2,8 milhões de processos em execução no Brasil. Na JT de Minas Gerais, onde mais de 200 mil processos dão entrada anualmente (só em 2015 foram 272.459 mil novos processos), sendo mais de 95% destes solucionados no mesmo ano, existem hoje mais de 110 mil processos em execução e mais de 85 mil em arquivo provisório.
Os motivos para tamanha inadimplência são inúmeros, podendo, inclusive, ser considerados um problema social. É o famoso "jeitinho brasileiro" que muitas vezes entra em cena. As artimanhas para sonegar direitos trabalhistas são diversas e das mais criativas: "laranjas", "testas de ferro", offshores, sócios ocultos, "pejotização" forjada (quando o empregado presta serviços por meio de uma pessoa jurídica criada para tanto), lides simuladas (quando o patrão orienta o empregado dispensado a ajuizar reclamação com a finalidade de celebrar acordos desvantajosos para ele), dentre tantas outras.
Há, inclusive, empresas que se preparam para não responder por obrigações futuras, até mesmo se valendo de mecanismos previstos na legislação. Outras, adotam estratégias quando percebem que cairão nas garras da Justiça. Muita água pode rolar até que se chegue efetivamente na execução, o que garante tempo para que o devedor movimente o seu patrimônio para tentar escapar da obrigação que lhe foi imposta pela Justiça.
Esse intuito de fraude acaba dificultando a localização de bens e prejudica o principal objetivo do Judiciário, que é fazer justiça. Somado a esse contexto, há também aqueles devedores que não conseguem honrar seus compromissos por motivos alheios à sua vontade. Desconhecimento da legislação, falha de planejamento do negócio, má gestão, conjuntura econômica... São inúmeras, enfim, a razões que levam muitas empresas a não honrarem suas dívidas trabalhistas reconhecidas judicialmente.
Em cada caso, o Poder Judiciário vai decifrando quem age de má-fé e quem atua de boa-fé, concedendo-lhes o tratamento adequado. A interposição de recursos para discutir cálculos ou medidas adotadas pelo juízo na execução, recursos esses às vezes meramente protelatórios, também podem acabar adiando o desfecho final do processo.
"Cultura do inadimplemento"Em artigo datado de 1999, mas ainda aplicável aos dias atuais, a respeito de lides simuladas, o hoje Ministro do Tribunal Superior do Trabalho José Roberto Freire Pimenta avalia que o alto número de reclamações trabalhistas no Brasil é simples efeito e não verdadeira causa do problema. O magistrado se refere ao baixo índice de cumprimento espontâneo do direito material trabalhista, o que faz com que o trabalhador se conforme com a lesão ou busque o Judiciário trabalhista.
Segundo o Ministro, existe uma "cultura do inadimplemento" no Brasil. Quanto às lides simuladas, ele lamenta que a Justiça do Trabalho, já tão assoberbada por litígios verdadeiros, ainda seja obrigada a dar andamento a um grande número de processos absolutamente desnecessários. "A Justiça Laboral não é, na verdade, cúmplice ou responsável por essa situação e sim uma de suas principais vítimas", destaca.
Contra-ofensivas da JT: a execução high techDiante desse cenário, a Justiça do Trabalho está sempre buscando formas de viabilizar e agilizar as execuções trabalhistas.
Em 15 de julho deste ano, foi aprovado pela Comissão de Gestão Estratégica do Tribunal o projeto Efetividade na Execução, que tem por objetivo envolver diretamente os oficiais de justiça na utilização das ferramentas para garantir a execução. Uma comissão ficou responsável por detalhar a proposta e acompanhar sua implementação.
Outras iniciativas do TRT de Minas para garantir o andamento na fase de execução foram: a criação do Núcleo de Pesquisa Patrimonial em 2011, agora com o nome de Central de Pesquisa Patrimonial; a instituição do e-Guia, para obter guias de pagamento pela internet; a qualificação de servidores para utilizar o sistema Sistema de Investigação de Movimentação Bancária (Simba), que se destaca pela eficiência em rastrear valores; entre outros. Com magistrados e servidores especialmente qualificados, a Central de Pesquisa Patrimonial tem alcançado resultado positivo em 90% dos casos que atende.
O TRT mineiro já cumpriu 89% da meta 5 do CNJ, que consiste em garantir que o número de execuções solucionadas seja maior que o de ações encaminhadas para essa fase de tramitação. O desempenho do Tribunal na busca desse objetivo é acompanhado mensalmente pela Vice-Corregedoria, que cobra esforços de todas as varas e gabinetes de desembargadores.
Ferramentas de pesquisa patrimonial: a tecnologia a serviço de um Judiciário mais ágil e eficienteVejamos abaixo algumas das ferramentas de pesquisa patrimonial utilizadas para auxiliar o trâmite das execuções.
Bacenjud - Esse sistema permite ao magistrado determinar o bloqueio de valores nas contas correntes do executado até o limite determinado, desde que haja numerário suficiente para tanto no primeiro dia útil subsequente ao protocolo realizado.
Muito utilizado pelos juízes trabalhistas, esse sistema tem apresentado um ponto falho, na visão do juiz Marcos Vinícius Barroso, integrante da Comissão Nacional da Efetividade da Execução Trabalhista. Em entrevista concedida à TV do TRT de Santa Catarina, o magistrado alerta para o fato de que esse sistema, por ser muito conhecido, tem sido burlado por alguns devedores: se o dinheiro entra na conta na parte da manhã, é logo sacado até o final do dia. Assim, nesses casos, quando ocorre a varredura, não há mais dinheiro na conta. O juiz explica que a varredura ocorre apenas uma vez por dia.
Por sua vez, o Renajud possibilita a pesquisa da propriedade de veículo em nome do executado, de modo que o juiz possa tomar as medidas para que o bem sirva como garantia da execução. (Veja aqui o Manual do Renajud).
De acordo com o juiz Marcos Vinícius, é uma forma de decretar uma restrição ao veículo, sem ter acesso a ele. Muitas pessoas continuam com seus veículos, sem entregá-los em proveito da execução. O magistrado lembra que, conforme o Novo Código de Processo Civil, só existe penhora quando há entrega do bem. Ele avalia que a medida veio para melhorar a situação do Renajud.
Já o Infojud, permite o acesso do magistrado ao cadastro de contribuintes na base de dados da Receita Federal, além de declarações de imposto de renda e de imposto territorial rural. O Programa da Receita Federal gera a DOI (Declaração de Operações Imobiliárias).
Neste caso, a principal dificuldade apontada pelo juiz Marcos Vinícius quanto a imposto de renda refere-se ao fato de que a declaração vem do próprio devedor, que é o único responsável pelas informações enviadas à Receita Federal. Mesmo considerando que a declaração falsa de bens configura crime (Lei nº 8.137/90), o fato é que muitas pessoas omitem a suas movimentações e seus bens ativos na declaração de imposto de renda, observa o magistrado.
Ferramentas mais eficientes - Na entrevista, o magistrado aponta já existirem hoje fermentas mais eficientes. Como exemplo, aponta os relatórios de inteligência financeira do COAF que, segundo ele, comporta todas as movimentações tidas como suspeitas ou comunicações obrigatórias. O juiz se refere ainda ao Portal da Indisponibilidade, que é um convênio da Associação de Registradores de São Paulo com o Conselho Nacional da Justiça, com abrangência nacional. Ele explicou que se trata de uma degravação eletrônica de indisponibilidade de bens, rápida e eficiente.
Apontado pelo juiz como a "cereja do bolo", o SIMBA (Sistema de Movimentação Bancária) foi desenvolvido pelo Ministério Público Federal e permite não apenas a quebra do sigilo bancário de empresas e sócios, efetivos ou ocultos, mediante autorização judicial, como organiza os dados relacionados às operações realizadas pelos investigados, apontando o fluxo monetário, os creditantes, os depositantes, o perfil e a constância das movimentações, entre outros dados financeiros que ficam disponíveis às autoridades solicitantes na forma de consultas e relatórios parametrizados.
O Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o TRT-MG e o Ministério Público Federal disponibiliza a tecnologia do Sistema SIMBA e tem por objetivo dar maior celeridade à análise dos procedimentos investigativos que envolvam o afastamento de sigilo bancário dos investigados. Trata-se de um conjunto de processos, módulos e normas para tráfego de dados bancários entre instituições financeiras e órgãos governamentais. O projeto é uma evolução do modelo adotado pela Assessoria de Pesquisa e Análise - ASSPA, que é uma unidade vinculada ao gabinete do Procurador-Geral da República do Ministério Público Federal. Veja aqui mais informações.
Segundo explica o juiz Marcos Vinícius Barroso, o SIMBA analisa todas as informações bancárias dos devedores, gerando cinco relatórios, cada um com a sua função, com clara demonstração das movimentações levadas a efeito. Basta ao juiz que quiser utilizar o sistema requerer ao seu gestor regional o cadastramento.
Questionado sobre a quebra do sigilo bancário do devedor, o magistrado afirma que não se aplica ao Poder Judiciário, nos termos do artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei Complementar nº 105/2001. Cabe ao juiz fundamentar sua decisão de quebra de sigilo.
Um exemplo em que o SIMBA ajudou a solucionar o processo foi citado pelo julgador: Um devedor que morava em um prédio com valor de condomínio elevado, mas não tinha nada em seu nome. A ordem de bloqueio pelo Renajud não detectou qualquer veículo. Já o SIMBA demonstrou, pelas faturas do cartão de crédito, que o executado havia feito um pagamento de um serviço para um veículo em uma concessionária. O juízo oficiou a empresa, que respondeu apresentando os dados do veículo, serviço realizado e endereço. Por meio de Oficial de Justiça foi realizada a apreensão do veículo, sendo o débito quitado após a alienação.
De acordo com o juiz Marcos Vinícius, o SIMBA já foi utilizado em mais de 1200 processos na Justiça do Trabalho e a tendência é aumentar diante do resultado positivo que oferece.
Outra importante ferramenta, o CCS (Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional) é um sistema informatizado que permite indicar onde os clientes de instituições financeiras mantêm contas de depósitos à vista, depósitos de poupança, depósitos a prazo e outros bens, direitos e valores, diretamente ou por intermédio de seus representantes legais e procuradores.
O principal objetivo do CCS é auxiliar nas investigações financeiras conduzidas pelas autoridades competentes, mediante requisição de informações pelo Poder Judiciário (ofício eletrônico), ou por outras autoridades, quando devidamente legitimadas.
O Cadastro não contém dados de valor, de movimentação financeira ou de saldos de contas/aplicações e visa dar cumprimento ao art. 3º da Lei nº 10.701/2003, que incluiu dispositivo na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998, art. 10-A), determinando que o Banco Central "manterá registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores".
Já o Infoseg (Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública e Justiça), organizada pelo Ministério da Justiça, congrega informações, em âmbito nacional, de dados de indivíduos criminalmente identificados, de armas de fogo, de veículos, de condutores, de empresas nas bases da Receita Federal do Brasil.
E, como esses, muitos outros sistemas de pesquisa patrimonial têm sido utilizados pela Justiça, entre eles: ASSEC do Brasil; CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados); CENSEC (Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados); CNE (Cadastro Nacional de Empresas); CNIB e ARISP (Central de indisponibilidade) e cadastros da Junta Comercial de cada estado.
Convênio com DETRAN-MG agiliza leilão de veículosUm convênio firmado entre o TRT da 3ª Região e o Detran/MG permite o leilão dos veículos apreendidos administrativamente e gravados com impedimento judicial pela Justiça do Trabalho de Minas, após um prazo de 90 dias da apreensão, nos termos estipulados no artigo 328 do Código de Trânsito Brasileiro.
Além disso, possibilita à Justiça do Trabalho mineira o acesso à base de dados do Cadastro de Veículos do Detran/MG, sistema RIJUD, para a obtenção de informações sobre o veículo e também para efetivação do registro do gravame no sistema on line.
Convênio com a CEMIG ajuda a localizar devedores trabalhistasO convênio firmado entre TRT-MG e CEMIG, em 26/09/16, possibilita o acesso de juízes e servidores credenciados ao banco de dados da concessionária, que abrange mais de 8 milhões de consumidores, contendo dados como nome, endereço, números de CPF e CNPJ, número de parceiro de negócio e instalação. O objetivo é claro: localizar devedores de verbas trabalhistas, previdenciárias e fiscais decorrentes de condenações judiciais ou de acordos judiciais não cumpridos.
Na avaliação do presidente do TRT-MG, desembargador Júlio Bernardo do Carmo, o convênio é de suma importância para o Tribunal, pois facilitará a localização dos devedores trabalhistas que não mantêm seus endereços atualizados nos processos, como determina a lei, de forma a viabilizar que sejam executados: "Esse convênio com a Cemig, a quem agradeço, sensibilizado, pela parceria de longa data, vai facilitar muito a localização do executado, pois coloca à disposição do Tribunal o banco de dados de todos aqueles que pagam conta de luz à empresa. Trata-se de uma ferramenta que, a exemplo do Bacenjud (pesquisa e bloqueio de dinheiro em contas bancárias), Renajud (localização de veículos) e Infojud (informações da Receita Federal), vai nos ajudar a melhorar os índices de efetividade da execução trabalhista."
Protesto da decisão judicial e inclusão em cadastro de inadimplentesO Novo CPC prevê a possibilidade do protesto de decisão judicial perante os Tabelionatos de Protestos (artigo 517) e de inclusão do nome do executado no cadastro de inadimplentes (artigo 782).
De acordo com o CNJ, a ferramenta conhecida como Serasajud "serve para facilitar a tramitação dos ofícios entre os tribunais e a Serasa Experian, através da troca eletrônica de dados, utilizando a certificação digital para mais segurança. Não havendo mais solicitações enviadas em papel, apenas eletrônicas".
Enfim, são muitas as ferramentas tecnológicas com que a moderna Justiça se arma para, enfim, entregar aos vencedores das demandas o que lhes é devido.
Os bons resultados do TRT-MG na VI Semana de Execução TrabalhistaA participação do TRT de Minas, em setembro deste ano, da VI Semana Nacional da Execução Trabalhista, trouxe excelentes resultados e superou as expectativas para centenas de jurisdicionados que conseguiram receber os seus créditos trabalhistas. Promovida pelo Conselho Nacional da Justiça Trabalhista (CSJT) em todo o Brasil, o mutirão buscou reduzir o estoque de processos em fase de execução. A campanha adotou o slogan "A justiça só é efetiva quando realizada por inteiro".
De acordo com dados da Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, durante a 6ª Semana Nacional da Execução Trabalhista, foram realizadas 32.546 audiências, atendendo a 94.684 pessoas. Foram arrecadados R$ 799.444.906,13, sendo 62,9% decorrentes dos 12.203 acordos homologados; R$66.274.329,78 de 1.312 leilões e R$ 230.035.612,18 de 27.715 bloqueios efetivados no BacenJud.
O TRT de Minas foi o terceiro Regional que mais arrecadou em todo o país: foram, ao todo, R$ 89.436.480,10, valores esses que foram repassados diretamente às partes vencedoras das demandas trabalhistas. Desse total, R$ 52.191.879,30 são resultado dos 1.860 acordos celebrados, somente em processos na fase de execução. Além disso, os acordos também propiciaram o recolhimento de R$4.040.497,78 de Contribuição Previdenciária e R$566.877,49 de Imposto de Renda. Já o leilão Nacional, arrecadou R$8.008.160,20 só em Minas.
Outro dado relevante do balanço nacional é que foram recolhidos aos cofres públicos, nos acordos, mais de R$ 24 milhões a título de recolhimentos de INSS e IR. E mais: foi entregue simbolicamente na abertura da 6ª semana, o alvará de levantamento da 3ª fase do processo de execução contra a empresa de aviação falida Vasp: mais de 1,9 mil trabalhadores de todo o país receberam suas indenizações, que somadas chegaram a R$ 70 milhões.
Acesse o relatório completo e os resultados por TRT.
Magistrados da JT-MG defendem a plena utilização das ferramentas tecnológicas nas execuçõesBacenjud, Renajud, desconsideração da personalidade jurídica da empresa e expedição de mandado para fins de protesto judicial pelo Cartório Distribuidor de Protestos de Belo Horizonte. Envio ao Núcleo de Pesquisa Patrimonial para registro do valor da execução nos autos de processo piloto, onde é feita a pesquisa patrimonial das pessoas físicas e jurídicas que fazem parte do polo passivo da execução, inclusive com a utilização dos sistemas denominados CCS e DOI. Todas essas medidas foram aprovadas pela 2ª Turma do TRT de Minas, ao julgar um agravo de petição (Proc. Nº 01452-2010-011-03-00-6), e dão uma ideia do quanto as ferramentas eletrônicas de pesquisa patrimonial têm ajudado a impulsionar o processo de execução.
No mesmo caso, foi determinada a reunião das execuções contra o mesmo devedor em um processo piloto. De acordo com o juiz convocado Vicente de Paula Júnior, que atuou como relator, a intenção é evitar a repetição de atos, com objetivos semelhantes, o que significa economia de energia e de trabalho. Assim, observada a efetividade de determinada medida, as demais execuções seguem o mesmo caminho.
O magistrado somente não acatou, no caso, a utilização do SIMBA (Sistema de Movimentação Bancária), por se encontrar esta ainda em fase de implantação na Justiça do Trabalho da 3ª Região.
Todo esse quadro retrata o esforço concentrado para tentar garantir a satisfação do direito reconhecido na decisão judicial no menor espaço de tempo e da forma mais adequada e completa possível. Afinal, é esse o objetivo do Juiz do Trabalho, conforme defende o juiz convocado Cléber Lúcio de Almeida. Ao atuar como relator na 7ª Turma do TRT-MG, o magistrado assim expôs seu entendimento a respeito da importância do Juiz do Trabalho na satisfação do crédito trabalhista:
"Não é demais acrescentar que conferir tutela jurisdicional a um direito não se resume ao reconhecimento formal de sua existência; a jurisdição, por sua vez, não é apenas a declaração do direito, mas sua declaração e atuação concreta. A tutela será efetiva quando o direito assegurado pela ordem jurídica e reconhecido na decisão judicial for plenamente satisfeito. Sendo assim, o direito reconhecido na decisão judicial deve ser satisfeito no menor espaço de tempo e da forma mais adequada e completa possível.
Cumpre lembrar que o processo do trabalho serve à dignidade humana e ao ordenamento jurídico e não às partes ou ao juiz, impondo-se a este a firme atuação no sentido da satisfação do crédito reconhecido em uma decisão judicial." (Processo 00099-2007-134-03-00-3 AP - 7ª Turma).


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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

NJ Especial: TJP nº 13 do TRT-MG considera devidas horas extras por tempo de espera para início de jornada se condução é fornecida por empregador











Em Sessão Ordinária realizada no dia 08 de setembro de 2016, o Tribunal Pleno do TRT de Minas, com base no artigo 896, parágrafo 4º, da CLT, e 3º da Resolução GP 9/2015 do Tribunal, conheceu de Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ), determinando, por maioria simples de votos, a edição da Tese Jurídica Prevalecente nº 13, que ficou com a seguinte redação: "TEMPO DE ESPERA. TRANSPORTE FORNECIDO PELO EMPREGADOR. INCIDENTE UNIF. JURISPRUDENCIA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE OUTRO MEIO DE CONDUÇÃO. TEMPO À DISPOSIÇÃO. HORAS EXTRAORDINÁRIAS DEVIDAS. Constitui tempo à disposição o período em que o empregado, após desembarcar da condução concedida pelo empregador, aguarda o início da jornada e/ou o de espera pelo embarque, ao final do trabalho, desde que não seja possível a utilização de outro meio de transporte compatível com o horário de trabalho. Nessa hipótese, é devido o pagamento das respectivas horas extraordinárias, observados os limites impostos pelo § 1º do art. 58 da CLT e pela súmula n. 366 do TST.".

Histórico do IUJ



O Ministro Relator da 6ª Turma do TST, Aloysio Corrêa da Veiga, ao examinar o recurso de revista interposto em face de acórdão do TRT mineiro (RO 1116-25.2014.5.03.0072), publicado após a vigência da Lei n. 13.015, de 21 de julho de 2014, constatou a existência de decisões divergentes no âmbito do TRT-MG e, com base nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 896 da CLT, determinou ao Tribunal mineiro a uniformização da jurisprudência sobre o tema: "Horas extraordinárias. Tempo à disposição. Tempo de espera pelo transporte fornecido pelo empregador".

Na sequência, o 1º Vice-Presidente Judicial, Ricardo Antônio Mohallem, determinou a suspensão do andamento dos processos com idêntica discussão até o julgamento do incidente.

Após a distribuição ao desembargador Sércio da Silva Peçanha, para que atuasse como relator do incidente de uniformização de jurisprudência (IUJ), os autos foram remetidos à Comissão de Uniformização de Jurisprudência para emissão de parecer. O Ministério Público do Trabalho também emitiu o parecer, opinando pela uniformização Jurisprudência, com a adoção do verbete sugerido pela Comissão de Jurisprudência, em relação a 3ª corrente.

A empresa FCA FIAT CHRYSLER AUTOMÓVEIS BRASIL LTDA, ao argumento de que detém situação fática análoga ao tema discutido, requereu sua participação no processo como "amicus curiae" ("Amigo da Corte"), o que foi indeferido pelo relator. O objeto do IUJ - Correntes



Ao analisar a questão posta para a Unificação de Jurisprudência, a Comissão de Jurisprudência do TRT-MG concluiu que o cerne da controvérsia estava em definir se constitui (ou não) tempo à disposição do empregador: (I) o período em que o empregado aguarda nas dependências da empresa o início da jornada de trabalho, logo após chegar ao local de trabalho em transporte fornecido pelo empregador, e, também, (II) o período em que o trabalhador, ao final da jornada diária, espera a condução disponibilizada pela empresa para retornar à residência.

Após minucioso trabalho de pesquisa, a Comissão de Jurisprudência elaborou quadro com as correntes existentes no Tribunal mineiro sobre o tema, que podem ser resumidas:

1ª Corrente: O período transcorrido entre a chegada antecipada da condução fornecida pelo empregador e o início da jornada de trabalho ou o da espera pelo transporte, ao término do expediente, constituem tempo à disposição da empresa, nos termos do caput do art. 4º da CLT.

2ª Corrente: O período transcorrido entre a chegada antecipada da condução fornecida pelo empregador e o início da jornada de trabalho ou o da espera pelo transporte, ao término do expediente, não constituem tempo à disposição, nos termos do caput do art. 4º da CLT.

3ª Corrente: O tempo de espera no local de embarque ou desembarque do transporte fornecido pelo empregador somente pode ser considerado como à disposição (art. 4º da CLT) nas hipóteses em que o trabalhador não possa se utilizar de outro meio de transporte, tal como ocorre em relação às horas itinerantes.

4ª Corrente: Entende-se como tempo à disposição do empregador (art. 4º da CLT) apenas o período antecedente à jornada, no qual o empregado já se encontra nas dependências da empresa, em razão da chegada antecipada da condução fornecida por esta.

A Comissão sugeriu, então, diferentes redações para verbetes, contemplando os entendimentos expressados nas quatro correntes. Entendimento do relator



Para o relator, a redação que mais estaria de acordo com a jurisprudência majoritária no TRT-MG, poderia ser construída por meio da junção de mais de uma das redações de verbete sugeridas pela Comissão. E, em sua análise, ele dividiu a situação em dois períodos: a) O período em que o empregado aguarda nas dependências da empresa o início da jornada laboral, logo após chegar ao local de trabalho em transporte fornecido pelo empregador.



Segundo o relator, em decorrência da aplicação da Súmula nº 366 do TST, é possível concluir que o tempo entre a chegada do empregado ao estabelecimento do empregador, por qualquer meio, e o início da jornada, é tido como tempo à disposição do empregador e, como tal, deve ser remunerado como extra. Ele ressaltou que, inclusive, há uma confluência entre a primeira, terceira e quarta correntes nesse sentido, sendo esta também a posição dominante no TST e também no TRT-MG, conforme todo o levantamento feito pela Comissão de Jurisprudência. E isso, esclareceu, independentemente, se o empregado tem ou não a possibilidade de se deslocar por outro meio.

Nessas situações de chegada antecipada -, o fato gerador do direito ao recebimento, como extra, do tempo em que o empregado aguarda o início da jornada é, unicamente, a utilização do transporte fornecido pelo empregador, explicou o relator. Ou seja, não importa se o empregado possui outra opção para o deslocamento (transporte público), o que importa é que ele faz uso do transporte fornecido pelo empregador.

Nesse quadro, na visão do desembargador, pelo menos no que se refere ao tempo de espera que antecede a jornada de trabalho do empregado, deveria ser firmada a jurisprudência no seguinte sentido: "O tempo despendido pelo empregado, após o desembarque em transporte fornecido pelo empregador, antes do início da jornada, constitui tempo a disposição e deve ser remunerado como horas extras, na forma do entendimento contido na Súmula 366 do TST e observado o disposto no art. 58, § 1º, da CLT". b) Período em que o trabalhador, ao final da jornada diária, espera a condução disponibilizada pela empresa para retornar à residência.



Conforme ponderou o desembargador relator, é comum que, ao término da jornada de trabalho, o empregado tenha que esperar pelo transporte fornecido pelo empregador. Mas, nesse caso, o direito do empregado de receber tal período de espera como extra, por ser tempo à disposição do empregado, gera mais polêmica. Isso porque o cidadão comum ao se deslocar nos diversos municípios também estão sujeitos a longos períodos de espera pelo transporte público. E, ao examinar a jurisprudência apresentada sobre o assunto, o julgador observou que a comparação ao empregado comum que necessita do transporte público para se deslocar é o principal fundamento utilizado pelas correntes que não consideram este período como tempo à disposição do empregador. "Realmente, não há como desprezar esta questão na análise da matéria, sob pena de onerar o empregador em situações que não destoam daquela vivida pela maioria dos empregados em seus deslocamentos", destacou o relator.

Para ele, no entanto, é preciso diferenciar a situação em que o empregado dispõe de outro meio de locomoção, podendo fazer uso do transporte público regular, compatível com o término da jornada de trabalho, daquela vivida por muitos empregados que são obrigados a utilizar o meio de transporte fornecido pelo empregador, por não terem a opção do transporte público, ou de sua compatibilidade com a jornada de trabalho. Em situações como estas, frisou o relator, o empregado fica a mercê do empregador, aguardando o momento de saída do transporte fornecido, sem qualquer outra opção. E, diante da impossibilidade do empregado optar pela utilização de transporte público regular (situação assemelhada definida na Súmula nº 90 do TST ao tratar das horas in itinere), o empregador, nesse caso, deve remunerar o tempo de espera como extraordinário, desde que ultrapassado o limite previsto no art. 58, § 1º, da CLT. Assim entendeu o relator, registrando que este também é o entendimento que prevalece no TST e no âmbito do TRT-MG, conforme notou dos julgados transcritos no acórdão.

Destacando a necessidade de compatibilizar as correntes existentes, com a edição de verbete que retrate o posicionamento majoritário do TRT mineiro sobre o tema, o relator decidiu acolher, em parte, o parecer da Comissão de Jurisprudência, com base no art. 896, §§3º e 4º da CLT, e propôs a edição de Súmula de Jurisprudência Uniforme com a seguinte redação:

"HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TEMPO À DISPOSIÇÃO. TEMPO DE ESPERA. TRANSPORTE FORNECIDO PELO EMPREGADOR. I - O tempo de espera para o labor, antes do início da jornada e após o desembarque em transporte fornecido pelo empregador, constitui tempo à disposição do empregador e deve ser remunerado como horas extras, na forma do entendimento contido na Súmula nº 366 do TST e observado o disposto no art. 58 da CLT. II - O tempo de espera, após a jornada de trabalho, para o embarque em transporte fornecido pelo empregador, não é considerado como tempo à disposição do empregador, salvo a hipótese do empregado não poder se utilizar de transporte público regular e em horário compatível com o término da jornada, para deslocar-se do trabalho para casa, quando então referido tempo deverá ser remunerado como horas extras, observado o disposto no art. 58, § 1º, da CLT". Entendimento do Tribunal Pleno



No entanto, o Pleno do TRT-MG, por maioria simples de votos, acolhendo os fundamentos expostos no parecer da Comissão de Jurisprudência, adotou o entendimento contido na terceira corrente jurisprudencial apontada pela Comissão de Jurisprudência e decidiu unificar a jurisprudência, com edição de verbete, com a seguinte redação:

"TEMPO DE ESPERA. TRANSPORTE FORNECIDO PELO EMPREGADOR. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE OUTRO MEIO DE CONDUÇÃO. TEMPO À DISPOSIÇÃO. HORAS EXTRAORDINÁRIAS DEVIDAS. Constitui tempo à disposição o período em que o empregado, após desembarcar da condução concedida pelo empregador, aguarda o início da jornada e/ou o de espera pelo embarque ao final do trabalho, desde que não seja possível a utilização de outro meio de transporte compatível com a jornada de trabalho. Nessa hipótese, é devido o pagamento das respectivas horas extraordinárias, observados os limites impostos pelo § 1º do art. 58 da CLT e pela Súmula n. 366 do TST".

Assim, tendo em vista a regra de que quando a decisão for tomada pela maioria absoluta dos membros do Tribunal Pleno, o verbete transforma-se em súmula do Tribunal Regional da 3ª Região e quando a decisão for tomada pela maioria simples, o verbete torna-se tese jurídica prevalecente, no caso, determinou-se a edição de tese jurídica prevalecente de nº 13, com redação acima. IUJ-1116-25.2014.5.03.0072


Confira Notícias Jurídicas anteriores sobre o tema:


13/05/2013 06:03h - Turma concede horas extras a empregado que ficava esperando transporte da empresa para retorno do trabalho

27/11/2015 06:00h - Espera de ônibus da empresa no fim de expediente não caracteriza tempo à disposição do empregador

03/05/2011 06:01h - Tempo de espera de transporte da empresa ou de início de jornada deve ser remunerado como extra


Clique aqui e confira o acórdão que deu origem ao IUJ

Clique aqui e confira o acórdão que firmou a TJP nº 13

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Fonte: TRT3

Atendente de farmácia que aplicava medicamento injetável receberá adicional de insalubridade




O fato de as farmácias não se incluírem na lei como local de ambiente insalubre torna-se irrelevante quando a loja se propõe a prestar aos clientes o serviço de aplicação de medicamentos injetáveis. Nesse caso, se a empresa passa a explorar o atendimento e assistência à saúde, enquadra-se como estabelecimento destinado aos cuidados da saúde humana, previsto no Anexo 14 da NR-15.
Com esse entendimento, a 1ª Turma do TRT de Minas, acompanhando voto do desembargador Emerson José Alves Lage, reformou decisão de 1º grau e deu provimento ao recurso apresentado por um atendente de farmácia para reconhecer o seu direito ao adicional de insalubridade. No caso, além de vender medicamentos na farmácia, o trabalhador também aplicava medicamentos injetáveis em clientes da empresa, de maneira habitual e intermitente.
Desse modo, de acordo com a prova técnica, o trabalhador se expunha ao contato com clientes ou pessoas potencialmente portadoras de microorganismos e parasitas infecciosos que compareciam à farmácia para receber a aplicação de medicamentos injetáveis. Essa condição, conforme laudo pericial, é classificada na lei como sendo insalubre e de grau médio, tendo em vista a presença dos agentes biológicos normatizados (Anexo 14 da NR 15).
Como explicou o relator, se o vendedor da farmácia, entre outras atribuições, se dedica a aplicar medicamentos injetáveis aos clientes, doentes ou não, é inegável que sofre risco de contaminação, pela via cutânea, até pelo simples contato com o paciente, ou sanguínea, decorrente de uma perfuração causada por objetos utilizados na execução da tarefa. E, como explicou o julgador, a avaliação da insalubridade é quantitativa, tornando irrelevante a quantidade de vezes em que o trabalhador aplicava injeções nos clientes da farmácia. Assim, a farmácia assumiu as características de local destinado aos cuidados com a saúde humana e, conforme evidenciado pela prova, o contato do trabalhador não foi meramente provável, mas sim permanente.
Por essas razões, o julgador deu provimento para acrescer à condenação o adicional de insalubridade em grau médio, de 20% sobre o salário mínimo, por todo o período contratual, sendo devidos os reflexos em RSR, aviso prévio, férias com 1/3, 13º salário e FGTS com multa de 40%.

PJe: Processo nº 0010350-16.2015.5.03.0098. Acórdão em: 03/10/2016
Para acessar a decisão, digite o número do processo em:


Fonte: TRT3

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

NJ Especial: TJP nº 13 do TRT-MG considera devidas horas extras por tempo de espera para início de jornada se condução é fornecida por empregador

 



Em Sessão Ordinária realizada no dia 08 de setembro de 2016, o Tribunal Pleno do TRT de Minas, com base no artigo 896, parágrafo 4º, da CLT, e 3º da Resolução GP 9/2015 do Tribunal, conheceu de Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ), determinando, por maioria simples de votos, a edição da Tese Jurídica Prevalecente nº 13, que ficou com a seguinte redação:
"TEMPO DE ESPERA. TRANSPORTE FORNECIDO PELO EMPREGADOR. INCIDENTE UNIF. JURISPRUDENCIA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE OUTRO MEIO DE CONDUÇÃO. TEMPO À DISPOSIÇÃO. HORAS EXTRAORDINÁRIAS DEVIDAS. Constitui tempo à disposição o período em que o empregado, após desembarcar da condução concedida pelo empregador, aguarda o início da jornada e/ou o de espera pelo embarque, ao final do trabalho, desde que não seja possível a utilização de outro meio de transporte compatível com o horário de trabalho. Nessa hipótese, é devido o pagamento das respectivas horas extraordinárias, observados os limites impostos pelo § 1º do art. 58 da CLT e pela súmula n. 366 do TST.". Histórico do IUJO Ministro Relator da 6ª Turma do TST, Aloysio Corrêa da Veiga, ao examinar o recurso de revista interposto em face de acórdão do TRT mineiro (RO 1116-25.2014.5.03.0072), publicado após a vigência da Lei n. 13.015, de 21 de julho de 2014, constatou a existência de decisões divergentes no âmbito do TRT-MG e, com base nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 896 da CLT, determinou ao Tribunal mineiro a uniformização da jurisprudência sobre o tema: "Horas extraordinárias. Tempo à disposição. Tempo de espera pelo transporte fornecido pelo empregador".
Na sequência, o 1º Vice-Presidente Judicial, Ricardo Antônio Mohallem, determinou a suspensão do andamento dos processos com idêntica discussão até o julgamento do incidente.
Após a distribuição ao desembargador Sércio da Silva Peçanha, para que atuasse como relator do incidente de uniformização de jurisprudência (IUJ), os autos foram remetidos à Comissão de Uniformização de Jurisprudência para emissão de parecer. O Ministério Público do Trabalho também emitiu o parecer, opinando pela uniformização Jurisprudência, com a adoção do verbete sugerido pela Comissão de Jurisprudência, em relação a 3ª corrente.
A empresa FCA FIAT CHRYSLER AUTOMÓVEIS BRASIL LTDA, ao argumento de que detém situação fática análoga ao tema discutido, requereu sua participação no processo como "amicus curiae" ("Amigo da Corte"), o que foi indeferido pelo relator.
O objeto do IUJ - CorrentesAo analisar a questão posta para a Unificação de Jurisprudência, a Comissão de Jurisprudência do TRT-MG concluiu que o cerne da controvérsia estava em definir se constitui (ou não) tempo à disposição do empregador: (I) o período em que o empregado aguarda nas dependências da empresa o início da jornada de trabalho, logo após chegar ao local de trabalho em transporte fornecido pelo empregador, e, também, (II) o período em que o trabalhador, ao final da jornada diária, espera a condução disponibilizada pela empresa para retornar à residência.
Após minucioso trabalho de pesquisa, a Comissão de Jurisprudência elaborou quadro com as correntes existentes no Tribunal mineiro sobre o tema, que podem ser resumidas:
1ª Corrente: O período transcorrido entre a chegada antecipada da condução fornecida pelo empregador e o início da jornada de trabalho ou o da espera pelo transporte, ao término do expediente, constituem tempo à disposição da empresa, nos termos do caput do art. 4º da CLT.
2ª Corrente: O período transcorrido entre a chegada antecipada da condução fornecida pelo empregador e o início da jornada de trabalho ou o da espera pelo transporte, ao término do expediente, não constituem tempo à disposição, nos termos do caput do art. 4º da CLT.
3ª Corrente: O tempo de espera no local de embarque ou desembarque do transporte fornecido pelo empregador somente pode ser considerado como à disposição (art. 4º da CLT) nas hipóteses em que o trabalhador não possa se utilizar de outro meio de transporte, tal como ocorre em relação às horas itinerantes.
4ª Corrente: Entende-se como tempo à disposição do empregador (art. 4º da CLT) apenas o período antecedente à jornada, no qual o empregado já se encontra nas dependências da empresa, em razão da chegada antecipada da condução fornecida por esta.
A Comissão sugeriu, então, diferentes redações para verbetes, contemplando os entendimentos expressados nas quatro correntes.
Entendimento do relatorPara o relator, a redação que mais estaria de acordo com a jurisprudência majoritária no TRT-MG, poderia ser construída por meio da junção de mais de uma das redações de verbete sugeridas pela Comissão. E, em sua análise, ele dividiu a situação em dois períodos:
a) O período em que o empregado aguarda nas dependências da empresa o início da jornada laboral, logo após chegar ao local de trabalho em transporte fornecido pelo empregador. Segundo o relator, em decorrência da aplicação da Súmula nº 366 do TST, é possível concluir que o tempo entre a chegada do empregado ao estabelecimento do empregador, por qualquer meio, e o início da jornada, é tido como tempo à disposição do empregador e, como tal, deve ser remunerado como extra. Ele ressaltou que, inclusive, há uma confluência entre a primeira, terceira e quarta correntes nesse sentido, sendo esta também a posição dominante no TST e também no TRT-MG, conforme todo o levantamento feito pela Comissão de Jurisprudência. E isso, esclareceu, independentemente, se o empregado tem ou não a possibilidade de se deslocar por outro meio.
Nessas situações de chegada antecipada -, o fato gerador do direito ao recebimento, como extra, do tempo em que o empregado aguarda o início da jornada é, unicamente, a utilização do transporte fornecido pelo empregador, explicou o relator. Ou seja, não importa se o empregado possui outra opção para o deslocamento (transporte público), o que importa é que ele faz uso do transporte fornecido pelo empregador.
Nesse quadro, na visão do desembargador, pelo menos no que se refere ao tempo de espera que antecede a jornada de trabalho do empregado, deveria ser firmada a jurisprudência no seguinte sentido: "O tempo despendido pelo empregado, após o desembarque em transporte fornecido pelo empregador, antes do início da jornada, constitui tempo a disposição e deve ser remunerado como horas extras, na forma do entendimento contido na Súmula 366 do TST e observado o disposto no art. 58, § 1º, da CLT".
b) Período em que o trabalhador, ao final da jornada diária, espera a condução disponibilizada pela empresa para retornar à residência. Conforme ponderou o desembargador relator, é comum que, ao término da jornada de trabalho, o empregado tenha que esperar pelo transporte fornecido pelo empregador. Mas, nesse caso, o direito do empregado de receber tal período de espera como extra, por ser tempo à disposição do empregado, gera mais polêmica. Isso porque o cidadão comum ao se deslocar nos diversos municípios também estão sujeitos a longos períodos de espera pelo transporte público. E, ao examinar a jurisprudência apresentada sobre o assunto, o julgador observou que a comparação ao empregado comum que necessita do transporte público para se deslocar é o principal fundamento utilizado pelas correntes que não consideram este período como tempo à disposição do empregador. "Realmente, não há como desprezar esta questão na análise da matéria, sob pena de onerar o empregador em situações que não destoam daquela vivida pela maioria dos empregados em seus deslocamentos", destacou o relator.
Para ele, no entanto, é preciso diferenciar a situação em que o empregado dispõe de outro meio de locomoção, podendo fazer uso do transporte público regular, compatível com o término da jornada de trabalho, daquela vivida por muitos empregados que são obrigados a utilizar o meio de transporte fornecido pelo empregador, por não terem a opção do transporte público, ou de sua compatibilidade com a jornada de trabalho. Em situações como estas, frisou o relator, o empregado fica a mercê do empregador, aguardando o momento de saída do transporte fornecido, sem qualquer outra opção. E, diante da impossibilidade do empregado optar pela utilização de transporte público regular (situação assemelhada definida na Súmula nº 90 do TST ao tratar das horas in itinere), o empregador, nesse caso, deve remunerar o tempo de espera como extraordinário, desde que ultrapassado o limite previsto no art. 58, § 1º, da CLT. Assim entendeu o relator, registrando que este também é o entendimento que prevalece no TST e no âmbito do TRT-MG, conforme notou dos julgados transcritos no acórdão.
Destacando a necessidade de compatibilizar as correntes existentes, com a edição de verbete que retrate o posicionamento majoritário do TRT mineiro sobre o tema, o relator decidiu acolher, em parte, o parecer da Comissão de Jurisprudência, com base no art. 896, §§3º e 4º da CLT, e propôs a edição de Súmula de Jurisprudência Uniforme com a seguinte redação:
"HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TEMPO À DISPOSIÇÃO. TEMPO DE ESPERA. TRANSPORTE FORNECIDO PELO EMPREGADOR. I - O tempo de espera para o labor, antes do início da jornada e após o desembarque em transporte fornecido pelo empregador, constitui tempo à disposição do empregador e deve ser remunerado como horas extras, na forma do entendimento contido na Súmula nº 366 do TST e observado o disposto no art. 58 da CLT. II - O tempo de espera, após a jornada de trabalho, para o embarque em transporte fornecido pelo empregador, não é considerado como tempo à disposição do empregador, salvo a hipótese do empregado não poder se utilizar de transporte público regular e em horário compatível com o término da jornada, para deslocar-se do trabalho para casa, quando então referido tempo deverá ser remunerado como horas extras, observado o disposto no art. 58, § 1º, da CLT".
Entendimento do Tribunal PlenoNo entanto, o Pleno do TRT-MG, por maioria simples de votos, acolhendo os fundamentos expostos no parecer da Comissão de Jurisprudência, adotou o entendimento contido na terceira corrente jurisprudencial apontada pela Comissão de Jurisprudência e decidiu unificar a jurisprudência, com edição de verbete, com a seguinte redação:
"TEMPO DE ESPERA. TRANSPORTE FORNECIDO PELO EMPREGADOR. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE OUTRO MEIO DE CONDUÇÃO. TEMPO À DISPOSIÇÃO. HORAS EXTRAORDINÁRIAS DEVIDAS. Constitui tempo à disposição o período em que o empregado, após desembarcar da condução concedida pelo empregador, aguarda o início da jornada e/ou o de espera pelo embarque ao final do trabalho, desde que não seja possível a utilização de outro meio de transporte compatível com a jornada de trabalho. Nessa hipótese, é devido o pagamento das respectivas horas extraordinárias, observados os limites impostos pelo § 1º do art. 58 da CLT e pela Súmula n. 366 do TST".
Assim, tendo em vista a regra de que quando a decisão for tomada pela maioria absoluta dos membros do Tribunal Pleno, o verbete transforma-se em súmula do Tribunal Regional da 3ª Região e quando a decisão for tomada pela maioria simples, o verbete torna-se tese jurídica prevalecente, no caso, determinou-se a edição de tese jurídica prevalecente de nº 13, com redação acima.
IUJ-1116-25.2014.5.03.0072
Confira Notícias Jurídicas anteriores sobre o tema:
13/05/2013 06:03h - Turma concede horas extras a empregado que ficava esperando transporte da empresa para retorno do trabalho

27/11/2015 06:00h - Espera de ônibus da empresa no fim de expediente não caracteriza tempo à disposição do empregador

03/05/2011 06:01h - Tempo de espera de transporte da empresa ou de início de jornada deve ser remunerado como extra


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Ação trabalhista pode ser ajuizada no foro próximo à residência do trabalhador se essa for a única possibilidade de acesso ao Judiciário


Embora não haja previsão expressa, não há impedimento para o ajuizamento da ação trabalhista no local de residência do trabalhador, principalmente quando se constata que essa é a única possibilidade de acesso concreto ao Judiciário.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do TRT de Minas deu provimento ao recurso apresentado pela representante legal do espólio do trabalhador para reconhecer que o juízo do local da residência deste tem competência para julgar a ação trabalhista. Acompanhando o voto do juiz convocado Danilo Siqueira de Castro Faria, os julgadores modificaram a decisão de 1º grau que havia acolhido a alegação de incompetência em razão do lugar feita pela empresa e determinado a remessa dos autos à Vara de Lucas do Rio Verde/MT.
"A interpretação de um texto legal não pode ensejar, ainda que indiretamente, a violação de um dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Dessa forma, as regras de competência territorial não podem ser interpretadas de forma isolada, mas, devem ser interpretadas à luz do princípio constitucional que garante o livre e pleno acesso à justiça. Nessa seara, não é razoável impor ao empregado, no caso, a representante legal do espólio, parte hipossuficiente da relação laboral, o ônus de suportar as inúmeras e notórias despesas decorrentes da interposição de uma ação judicial em outra localidade (Lucas do Rio Verde-MT) que não aquela do seu domicílio (Lavras/MG)", registrou o relator.
Ponderou o magistrado que, no caso, acolher a alegação de incompetência importaria negar ao trabalhador a garantia constitucional de acesso ao Judiciário. Ele acrescentou que, contrariamente ao trabalhador, a empresa tem possibilidade de arcar com as despesas decorrentes de uma ação ajuizada em localidade distante da sua filial.
"Dessa forma, observada a interpretação sistemática do conjunto de leis vigentes em nosso ordenamento jurídico, é possível inferir que o real objetivo do legislador, ao redigir a norma disposta no artigo 651 da CLT, era facilitar o acesso à Justiça, facultando ao empregado ajuizar a ação no foro da celebração do contrato ou no da prestação do serviço, sobretudo, porque, quando do advento da CLT, a esmagadora maioria dos trabalhadores prestava serviço na mesma localidade em que residia", frisou o julgador, concluindo que o legislador celetista facultou a competência para o julgamento da lide ao juiz da localidade onde o empregado prestou serviços, objetivando a proteção do trabalhador e impedindo o ajuizamento de lides trabalhistas em local distante do domicílio do hipossuficiente.
Por essas razões, deu provimento ao recurso para declarar a competência da Vara do Trabalho de Lavras/MG para conhecer e julgar a ação, determinando o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito.

PJe: Processo nº 0011073-03.2016.5.03.0065. Acórdão em: 25/10/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam
        

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

PEC 241 tenta apenas executar a estrutura jurídica prevista na LRF





Por Vera Lúcia Chemim


A atual polêmica em torno da futura aprovação ou não da PEC 241, que pretende limitar o teto dos gastos públicos, envolve diferentes aspectos que valem a pena ser expostos e minimamente analisados no contexto do presente artigo.

Tais aspectos dizem respeito, em primeiro lugar, ao caráter macroeconômico do tema, mais precisamente às questões sensíveis inseridas nos objetivos de política econômica governamental: a promoção do crescimento econômico e da distribuição de renda, pari passu com a preocupação de estabilizar, isto é, equilibrar os fundamentos da economia, quais sejam: o combate à inflação e ao desemprego, sem prejudicar sobremaneira as relações comerciais do país com o resto do mundo, assim como a adoção de estratégias fiscais e monetárias adequadas à atual conjuntura econômica brasileira.

Em segundo lugar, e não menos importante, há que se remeter à natureza jurídico-política da PEC, quanto à sua legalidade constitucional e ao seu significado político institucional no longo prazo.

Essas questões levam inevitavelmente ao debate sobre a independência e harmonia entre os poderes públicos, à problemática da obrigatoriedade de se atender à Lei Orçamentária Anual, que, por sua vez, conduz imediatamente ao contexto da Lei de Responsabilidade Fiscal e ao infinito trade-off entre a satisfação dos direitos sociais constitucionais e ao objetivo de equilíbrio fiscal e financeiro da União e, por consequência, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, visto que vivemos em uma república federativa.

Trata-se de um tema complexo, razão pela qual o debate no presente artigo pretende apenas provocar a reflexão acadêmica.

A limitação dos gastos públicos por meio de uma emenda constitucional visa restabelecer o frágil equilíbrio do orçamento público (LOA), tendo em vista a significativa presença de um déficit fiscal, ou seja: G – T: a receita corrente é menor do que a despesa corrente, daí aquela expressão algébrica, em que G representa os gastos públicos, e T, a receita pública, isto é, a arrecadação em forma de tributos, os quais representam a sua quase totalidade (cerca de 90% da receita corrente do Estado).

Constatado o déficit público referente aos exercícios anteriores recentes, bem como aos futuros, é necessário estabelecer metas para neutralizá-lo, especialmente no curto prazo, com o fim de viabilizar a operacionalização de políticas públicas por meio de investimentos diretos da União, dando ênfase às políticas de caráter afirmativo, como a execução de gastos voltados para a educação, saúde, segurança e transportes coletivos.

Para tal, os recursos do Estado precisam ser devidamente saneados.

Do ponto de vista da política monetária, há algumas opções de financiamento desse déficit, tais como a própria emissão de moeda ou a venda de títulos da dívida pública, além da manipulação da taxa Selic (Serviço de Liquidação e Custódia de Títulos da Dívida Pública) — a taxa de juros que serve de referência ao mercado monetário e financeiro.

É, contudo, de notório saber que a primeira alternativa é inviável num contexto inflacionário, até porque, historicamente, o país já tem uma dolorosa experiência nesse sentido, principalmente a dos anos 1980, em que se viveu uma inflação inercial que conseguiu abater todas as teorias econômicas neoliberais, desafiando os economistas do mundo inteiro, quando se constatou ao mesmo tempo, o desemprego dos fatores de produção, levando à chamada “estagflação”: estagnação do PIB num cenário de inflação galopante, em que todas as políticas convencionais adotadas fracassaram sucessivamente, cujos exemplos podem ser aqui lembrados: Plano Verão, Bresser, Cruzado I e II, Collor I e II... até chegar finalmente ao Plano Real, o qual adotou estratégias inéditas de início (o equilíbrio dos preços relativos da economia), para posteriormente repetir as antigas políticas monetárias, fiscais e cambiais clássicas para efetivar o seu sucesso de forma definitiva sobre aquela inflação.

Quanto à segunda alternativa, embora se caracterize como um tradicional instrumento de política monetária, é preciso ter prudência na atual conjuntura econômica, para não agravar ainda mais a situação das contas públicas, por meio de um excesso de pagamento de juros e serviço da dívida pública, decorrente da venda de tais títulos, os quais só fazem aumentar ainda mais a dívida pública total do Estado[1] (interna e externa).

Por último, resta a administração da Selic, pelo Banco Central, como uma forma relativamente eficiente no combate à inflação de natureza clássica, isto é, de demanda, embora se tenha restrições quanto a essa questão no atual contexto, visto que o mercado está constatando o mesmo fenômeno dos anos 1980: uma estagflação com natureza e razões diferentes daquela.

No atual momento brasileiro, o que está em evidência é uma crise obviamente fiscal (como a dos anos 1980), cuja origem decorre de uma grave crise político-institucional, com reflexos diretos sobre o comportamento da sociedade civil.

Nesse sentido, a falta de confiança dos agentes econômicos nos poderes públicos, especialmente no Poder Executivo e no Legislativo como um todo, levou a uma diminuição da oferta, a qual provocou proporcionalmente um aumento de preços que prejudicou a demanda, desembocando inevitavelmente na inflação com desemprego.

Portanto, nos anos 1980, a origem da crise fiscal era exclusivamente econômica, proveniente dos empréstimos externos pari passu com a crise do petróleo de 1973 e 1979, que provocou o aumento internacional de preços e de juros, levando à grave crise brasileira, a despeito da existência de dois fatores causais de natureza endógena, conforme Roberto Campos observara de forma perfeitamente correta: a péssima administração e o superado modelo de substituição de importações.

Hoje, a crise política institucional provocou a crise econômica.

Quanto à política fiscal propriamente dita, há dois possíveis caminhos: o aumento da receita pública por meio do aumento das alíquotas dos tributos ou até mesmo a criação de um tributo[2], como a CPMF, além de empréstimos compulsórios que fazem parte da nossa história passada e presente.

Levando-se em consideração a alta e crônica porcentagem da tributação em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) do país, a qual varia entre 32 e 36%, já tendo chegado a 38%, onerando significativamente os agentes econômicos (empresas e consumidores) e se caracterizando, portanto, como um dos fatores inibidores do crescimento econômico e da própria distribuição de renda, tal alternativa precisa e deve ser a ultima ratio para o governo federal.

Resta assim a estratégia igualmente dolorosa, principalmente para os investimentos privados, se nos lembrarmos de John Maynardes Keynes, de limitação dos gastos públicos, objeto de debate polêmico no Congresso Nacional e nos bastidores do Poder Judiciário.

No entanto, o remédio tem que ser aplicado proporcionalmente à gravidade da doença do paciente. De menos, o paciente continua doente, aumentando os seus riscos; demais, o remédio mata o doente, conforme bem observado no passado por Luís Carlos Bresser Pereira.

Quando se fala em limitar gastos públicos, é preciso focar nos gastos de consumo da máquina estatal, isto é, nos gastos relacionados à manutenção do funcionamento dos três Poderes, tanto na instância federal, quanto nas instâncias estaduais e municipais, o que leva imediatamente aos gastos referentes às despesas correntes de consumo, como por exemplo diárias de viagem, material de expediente, de limpeza, pagamento de prestação de serviços de terceiros, compras públicas em geral, excluindo o pagamento de juros e de serviços da dívida pública, pois a PEC foca as despesas primárias.

Se partirmos do pressuposto de que os investimentos públicos devem ser preservados, até por uma razão óbvia de que eles constituem o fundamento da intervenção do Estado na economia, os gastos de consumo devem inevitavelmente ser afetados de alguma forma, para se obter uma significativa racionalidade na sua gestão.

O que não se pode conceber é a redução de gastos correntes (de consumo) voltados especialmente às políticas sociais, tais como as transferências de renda para pessoas físicas que necessitam de suporte governamental, como as bolsas de estudo, Bolsa Família, assistência à saúde e à educação etc.

Os percentuais referentes às transferências da União para os estados e municípios, no que diz respeito à educação e saúde, estão previstos na Constituição Federal de 1988, não podendo, pois, serem desatendidos pelo governo federal.

Os investimentos dessa natureza devem ser priorizados, tanto pela União como pelos estados e municípios, pois constituem uma das principais formas de distribuição racional de renda: o acesso à saúde e à educação, para que se tenha um retorno a médio e longo prazo desses investimentos, inicialmente para as pessoas beneficiadas de forma individual e, por consequência, para o país, uma vez que um povo sadio e educado é garantia de uma mão de obra qualificada para que se obtenha o seu crescimento econômico pari passu com uma sociedade desenvolvida sob o ponto de vista social e político.

No curto prazo, os investimentos privados ainda sofrerão com a política fiscal restritiva. Porém, não mais do que já estavam prejudicados com as ações governamentais anteriores, uma vez que a confiança dos agentes econômicos (internos e externos) tem aumentado paulatinamente, criando um novo clima de otimismo que será determinante para a retomada do crescimento econômico e para o emprego dos fatores de produção.

Finalmente, no que se refere ao objetivo imediato de estabilidade econômica, mais especificamente o combate à inflação e ao desemprego, há que se estabelecer prioridades no atendimento das políticas públicas assumindo de forma quase que permanente o eterno conflito (trade off) entre os diversos interesses.

Nessa direção, cabe ao Poder Legislativo a tarefa de filtrar tais interesses e escolher os mais relevantes no contexto da presente crise, para que o Poder Executivo tenha condições de executá-los.

Portanto, a PEC 241 se caracteriza atualmente como um instrumento capaz de sanear as contas públicas no curto e médio prazo, possibilitando a retomada da economia brasileira para o caminho correto, para que se possa criar condições de aumentar o PIB e, por conseguinte, o emprego e a renda no longo prazo.

Por outro lado, a PEC 241 representa apenas o ponto de partida para a estabilidade econômica. Os objetivos de longo prazo, como o crescimento econômico e a distribuição de renda, só serão otimizados com o incremento de várias reformas, como a da Previdência e a política, além de outras que vêm sendo tentadas desde os anos 1960, sem sucesso, pois falta o principal ingrediente: o apoio político dos poderes Legislativo e Executivo, bem como o da participação efetiva da sociedade brasileira.

A segunda questão proposta por esse artigo é a natureza jurídico-política da PEC, isto é, as implicações legais e constitucionais que a acompanham e o seu papel político-institucional no longo prazo.

Do ponto de vista jurídico, a PEC, enquanto meio processual constitucional para se modificar um ou mais dispositivos constitucionais, é perfeitamente legal, atendendo às exigências elencadas no artigo 60 da Constituição Federal de 1988 para ser aprovada no Congresso Nacional.

Quanto ao mérito, a PEC estabelece padrões rígidos para o teto dos gastos públicos para os próximos anos, remetendo inevitavelmente para a disciplina já exaustivamente difundida pela criação da Lei de Responsabilidade Fiscal no governo FHC, com o mesmo fim, agora ratificado pela atual crise fiscal e pelo clamor do governo Temer para a importância da conscientização de se apoiar essa proposta.

É preciso destacar que a atual preocupação com o limite de gastos públicos não é uma inovação técnica do governo Temer, e sim uma tentativa de fazer valer a teoria contida na Lei de Responsabilidade Fiscal, que não foi respeitada em anos recentes.

Isso equivale a afirmar, por meio de Heraldo da Costa Reis e José Teixeira Machado Jr., em seu livro A Lei 4.320 comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que a LRF[3], além de já ter regulado os próprios artigos da Lei 4.320, inovou quanto à ótica técnico-contábil e política, ao reforçar juridicamente a exigência de prestação de contas entre os entes federativos e seus respectivos órgãos (federalismo fiscal), bem como evidenciar de forma clara e precisa os gastos em consonância com a receita pública de forma ampla, ou seja, abrangendo a administração pública direta e indireta (Princípio da Transparência e da Universalidade).

Princípios orçamentários tradicionais, tais como o da unidade e o da universalidade, são objeto de estudo das finanças públicas, embora nunca tenham sido levados a sério na prática da administração pública brasileira.

Da mesma forma, os dispositivos constitucionais constantes no artigo 165 da Carta Magna de 1988 parecem ter sido, até agora, relegados a segundo plano, especialmente do ponto de vista daqueles princípios, com o agravante de que os parágrafos 4º e 5º do referido artigo os traduzem.

A Lei de Responsabilidade Fiscal os contempla em vários de seus artigos, tais como o 1º, 2º e 3, que tratam das “Disposições Preliminares”, assim como o artigo 4º inserido no Capítulo II “Do Planejamento”, seção II “Da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, além do artigo 9º, da seção IV “Da Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas”, com ênfase no parágrafo 3º e os artigos 15 e 16, do Capítulo IV “Da Despesa Pública”, seção I “Da Geração de Despesa”.

Todos eles dispõem as questões sensíveis discutidas atualmente em função da possível aprovação da PEC: a obrigatoriedade e conveniência da vinculação das Leis Orçamentárias Anuais (LOA’s) com os Planos Plurianuais (PP) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e em consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), no atendimento ao Princípio do Federalismo Fiscal, o qual diz respeito à interligação entre os Poderes e à intraligação em cada um deles, visando a compatibilidade entre receita e despesa pública, bem como o atingimento de metas fiscais, incluindo os riscos que lhe são inerentes, de modo a abranger toda a administração pública.

Em suma, a PEC 241 nada mais faz do que tentar executar a estrutura jurídica prevista na LRF, não ultrapassando os limites impostos pela Constituição Federal de 1988, especialmente as cláusulas pétreas, como o respeito ao princípio federativo e da separação de Poderes, contemplados no parágrafo 4º, incisos I e III, do artigo 60.

Ademais, é oportuna e relevante a observação de que os artigos a serem incorporados à ADCT constantes na PEC traduzem ipsis litteris os dispositivos constitucionais da Carta Magna.

Pode-se assinalar um fato novo que representa a principal medida a ser operacionalizada pela PEC: os gastos dos três Poderes estarão atrelados nos próximos 20 anos ao índice de inflação, caracterizando um mero reajuste (nominal), tendo-se estabelecido determinadas situações e alguns limites em percentuais para a justificação de um provável aumento real, embora criem também regras-sanções para os Poderes nas três instâncias que os ultrapassarem em cada exercício.

Isso remete novamente ao que poderá acontecer no curto prazo e especialmente no médio e longo prazo, no que diz respeito ao maior ou menor alcance das iniciativas de cada Poder quanto aos seus objetivos institucionais.

O que se questiona no interior de cada um daqueles Poderes é até que ponto as limitações financeiras impostas pelo governo federal, ou seja, pelo Poder Executivo, poderão caracterizar uma intervenção imperativa no âmbito dos demais Poderes.

O principal argumento direciona à ameaça, inicialmente potencial, de desequilíbrio das relações entre os poderes públicos, podendo ao longo do tempo estimado pela PEC ser efetiva, prejudicando a independência daqueles Poderes e desembocando num ativismo do Executivo.

No entanto, a restrição orçamentária é comum aos três Poderes, o que induz a se pensar que as dificuldades a serem enfrentadas serão isonômicas. Além disso, a PEC pode ser modificada no décimo ano, caso a situação venha a se normalizar ou pelo menos a ser amenizada do ponto de vista orçamentário.

Finalmente, a estratégia a ser operacionalizada por meio da PEC não pode ser taxada de política de direita, conservadora ou coisa que o valha. Até porque tais termos se encontram superados pelo tempo, desde que o Muro de Berlim foi destruído e não há mais razão para se manter o duelo entre os “ismos”: capitalismo, socialismo, comunismo..., pois a realidade acabou comprovando a fragilidade dessas ideologias, no sentido de que as políticas públicas serão inevitavelmente direcionadas para a prática de ações governamentais, ora de caráter estritamente econômico, se a conjuntura do país assim o exigir, ora em situação normal, de natureza voltada predominantemente às políticas sociais afirmativas, como o meio mais eficaz para uma justa e racional repartição de renda. É neste último contexto que se reforça a necessidade de se concretizar os direitos e garantias constitucionais previstos no artigo 5º pari passu com a incrementação dos direitos sociais dispostos nos artigos 6º ao 11º da Carta Magna



[1] Entenda-se como Estado o conjunto dos entes federativos, isto é, a União, estados-membros, Distrito Federal e municípios.
[2] Não esquecer que o conceito de tributos inclui os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria e as demais contribuições sociais e econômicas, além dos empréstimos compulsórios.
[3] Lei de Responsabilidade Fiscal.


Vera Lúcia Chemim é advogada constitucionalista.

Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2016, 7h07

"A criminalidade não é mais individual, é organizada, transnacional e globalizada"





Por Marcos de Vasconcellos


O Código Penal precisa mudar para permitir a punição penal de pessoas jurídicas, diz o juiz federal Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Para ele, o CP, editado em 1941, é de uma época em que o crime não se organizava, e por isso há o grande foco nos "criminosos individuais", que roubam, furtam ou matam. Mas o problema do Brasil de hoje é o crime organizado, acredita.

Para enfrentar essa realidade, Veloso defende, além de mudanças na lei, sua aplicação efetiva. "Na parte geral do Código Penal, que mecanismos temos para investigar uma empresa? E, constatando que a empresa está servindo para a prática de crimes, como puni-la criminalmente? No Brasil, é impossível", reclama o juiz, em entrevista à revista Consultor Jurídico.

Ele acredita que o sistema brasileiro, que diz ser garantista, é "perfeito", mas criou distorções. Ao dar ao réu todas as possibilidades de defesa antes da condenação, analisa, os pobres vão presos rapidamente e os ricos recorrem até a prescrição.

"Quem se beneficia desse entendimento é um número reduzidíssimo, e nesse total estão justamente os poderosos, quem tem dinheiro para bancar os grandes escritórios de advocacia", argumenta.

Leia a entrevista:

ConJur – O senhor acha que tem um novo Direito Penal em vigor no Brasil atualmente?
Roberto Veloso – Não. Mas nós precisamos de um novo Direito Penal. O nosso é de 1941, naquela época nós tínhamos outra realidade sociológica. Tínhamos uma população eminentemente rural. E esse Direito Penal tradicional tem um alicerce, que é punir as questões individuais, que visa punir o homicida, o latrocida, quem rouba, quem pratica lesão corporal.

ConJur – Crimes "de rua".
Roberto Veloso – É. Os crimes de rua, mas uma criminalidade que eu diria individual, não organizada. Em 1984 nós tivemos uma reforma do Código, mas quem estuda Direito Penal diz que a reforma de 84 foi apenas para se ajustar a uma nova teoria, chamada Teoria Finalista. Precisamos de um novo Direito Penal porque a criminalidade atual não é mais individual. É organizada, transnacional e globalizada. Na parte geral do Código Penal, que mecanismos temos para investigar uma empresa? E, constatando que a empresa está servindo para a prática de crimes, como puni-la criminalmente? No Brasil, é impossível. A Constituição só permite punir penalmente a empresa nos crimes ambientais. Uma grande construtora pode estar sendo usada para a prática de crimes, mas ela não sofrerá nada criminalmente.

ConJur – Mas a permissão à punição penal da pessoa jurídica não puniria também seus empregados ou sócios que não participaram da questão criminal?
Roberto Veloso – Pois é, mas já existem legislações mais avançadas que permitem a punição criminal da pessoa jurídica. Por exemplo, a da França. No Brasil, só pode punir a pessoa física. Nosso Direito Penal precisa evoluir nesse sentido. Só que para isso é preciso um novo Direito Penal, porque o nosso considera que o crime é ação humana típica ilícita e culpável. Ora, se ele parte do pressuposto que o crime é uma ação humana, como punir a pessoa jurídica? Essa não é uma opinião original minha, mas do Claus Roxin, que é um dos maiores expoentes vivos do Direito Penal.

ConJur – Essa punição dos sócios, por exemplo, não serviria como uma punição à empresa?
Roberto Veloso – Não, a empresa continua. Ela tem uma personalidade jurídica diferente, só é punida indiretamente.

ConJur – Por que a empresa deveria ser punida? Por que não punir os sócios?
Roberto Veloso – Como é que eu tenho uma empresa que serve para lavagem de dinheiro, puno o sócio, mas ela continua livre para agir? É uma discussão importante no Direito Penal. Precisamos de instrumentos. Às vezes até se questiona a “lava jato”, porque a operação estaria inovando. Na verdade, não são inovações da “lava jato”, são da própria legislação brasileira. A delação premiada mesmo é algo muito recente na vida jurídica do Brasil. Foram mudanças promovidas pelo Legislativo, e não pelo Judiciário.

ConJur – Então não há ativismo entre os juízes brasileiros?
Roberto Veloso – No penal, não. Há um dispositivo na Constituição que diz que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia combinação legal. Então estamos amarrados constitucionalmente no Direito Penal Criminal sancionador à lei. Não podemos fazer uma inovação jurisprudencial para criar crimes ou aumentar penas, temos que ficar restritos à lei. Muitos processos poderiam ser resolvidos com negociação, com acordo. Ou seja, o Ministério Público poder fazer um acordo com o acusado e o acordo ser homologado pelo juiz, e, a partir daquele momento, o processo não existir mais. É uma experiência extremamente exitosa nos Estados Unidos.

ConJur – Por que isso seria bom para o Estado? Só para encerrar o número de processos?
Roberto Veloso – Para encerrar o número de processos, e também para que a população tenha um sentimento maior de resolutibilidade do processo penal. A população tem uma descrença muito grande na Justiça, porque a Justiça é ineficiente, não dá vazão. As pessoas cometem crimes e depois não são punidas.

ConJur – O senhor é a favor do cumprimento de pena sem trânsito em julgado?
Roberto Veloso – Sou a favor. A Constituição fala que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Só que esse dispositivo precisa ser interpretado. A interpretação do ministro Teori foi correta. Os fatos estão transitados em julgado depois da decisão de segundo grau, porque se nós fomos ver a Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça, ela diz: “Não cabe recurso especial para reexame de provas”. Por quê? Porque as provas já estão transitadas em julgado, e se as provas já estão transitadas em julgado não há mais presunção de inocência. Quem tem condições para contratar bons escritórios de advocacia vai cumprir a pena daqui a dez anos. Além dos recursos do Código de Processo Penal, que já são muitos, ainda temos os recursos previstos nos regimentos internos dos tribunais. Então, onde é que nós vamos chegar? Então, uma norma constitucional, que a princípio era para ser garantista, passa a permitir abusos. E esse abuso gera na população um sentimento de impunidade, um sentimento de que vale a pena delinquir.

ConJur – Mas a necessidade não seria de se mudar a Constituição, e não reinterepretar uma regra clara?
Roberto Veloso – Sim, mas o Supremo Tribunal Federal permitiu o casamento homossexual a partir de uma interpretação.

ConJur – Não seria papel do Legislativo fazer isso?
Roberto Veloso – Se o Legislativo não age, o Judiciário ocupa o lugar, é assim. Mas isso não é um privilégio brasileiro. Veja que o aborto nos Estados Unidos: é permitido por uma decisão da Suprema Corte, e não por uma lei ou por uma reforma constitucional. Não é um privilégio brasileiro esse tipo de interpretação. Há necessidade dessa interpretação, porque tudo o que leva a uma conclusão absurda precisa ser coibido.

ConJur – O Brasil ostenta uma das maiores populações carcerárias do mundo, e não é segredo para ninguém que o país prende muito mal. Se temos essa realidade, por que reinterpretar um texto para facilitar prisões?
Roberto Veloso – Vou dar um exemplo do prender mal: até 2006, nós tínhamos no Brasil a Lei do Tráfico de Entorpecentes, que é de 1976. Ela previa o seguinte: pena mínima para tráfico de três anos, pena máxima 15 anos. Mas a posse para consumo era de um a três anos. Veio a Lei 11.343, em 2006, e a pena para o tráfico ficou de cinco a quinze. Agravou a pena do tráfico, e para a posse, para o consumo, disse que não cabia mais prisão, agora eram penas restritivas de direito. O que aconteceu? As cadeias estão cheias de usuários que não deveriam estar lá. Pessoas que são pegas com pouca quantidade de droga, que poderiam ser aparentemente para consumo próprio, mas que a polícia enquadra no tráfico, porque o policial diz: “Se eu enquadrar na posse para consumo, vou ter que soltar. Prefiro pegar o sujeito que está com a posse para consumo e botar como traficante”.

ConJur – Isso também vem da sensação de impunidade?
Roberto Veloso – Isso. Por isso se diz que “prende mal”. Sou professor e sempre gosto de fazer uma pesquisa informal com os meus alunos. Pergunto quem já foi assaltado e a maioria levanta o braço. Aí faço a segunda pergunta: “Qual pessoa aqui assaltou vocês que está presa?”, e ninguém levanta o braço. Se tenho em uma sala de aula 50 alunos, 30 dizem que foram assaltados e nenhuma daquelas pessoas que os assaltaram está presa. Ao mesmo tempo nós temos uma das maiores populações carcerárias do mundo.

ConJur – Mas a sensação de impunidade não significa impunidade.
Roberto Veloso – Realmente existe a impunidade. A criminalidade é alta. Se fizer uma pesquisa, das pessoas que estão presas nas penitenciárias, 90% ou mais não passaram do segundo grau, muitas não passaram do primeiro grau. Quando se fala no cumprimento da pena após o julgamento em segundo grau de jurisdição, talvez não atinja 1% das pessoas que estão presas. Quem se beneficia desse entendimento é um número reduzidíssimo, e nesse total estão justamente os poderosos, quem tem dinheiro para bancar os grandes escritórios de advocacia.

ConJur – Qual a conclusão que o senhor tira disso?
Roberto Veloso – Quem está preso lá na comarca é o criminoso individual. Não o organizado. Esse se beneficia da norma. O criminoso individual não tem direito nem ao segundo grau. Deveria ter, mas isso não é a falha do sistema recursal, é a falha de não existir uma Defensoria Pública. Se nada funciona, como é que teremos uma boa defensoria pública? O sistema perfeito é o brasileiro, que permite a pessoa utilizar de todos os recursos para iniciar o cumprimento da pena, excelente. O que é que esse sistema perfeito, ideal, está fazendo? Qual é o resultado prático dessa adoção? Uma distorção, a de que a Justiça só é para o pobre. E isso é uma distorção que não como superar, então não há Justiça.

ConJur – Juízes e procuradores da República costumam reclamar da prescrição.
Roberto Veloso – O sistema brasileiro de prescrição tem duas penas, a pena em abstrato e a pena em concreto. A prescrição corre em abstrato. Vou dar o exemplo do crime de peculato. A população vê o peculato como uma corrupção, a pena mínima são dois anos e a máxima, 12. São dez anos de diferença. Até a decisão de primeiro grau, a prescrição corre com a pena máxima em abstrato (12 anos). Quando o juiz vai aplicar a pena, para conseguir subir do mínimo, é preciso que haja agravantes. Mas, como a pena mínima é muito pequena para peculato, bom, existindo muitas circunstâncias agravantes o juiz vai condenar a quatro anos, isto é só um caso. Muitas das vezes a pena vai fixada no mínimo, dois anos.

ConJur – E aí a prescrição passa a correr com a pena em concreto.
Roberto Veloso – Aí é que está o pulo do gato. Se eu passo a ter uma pena em concreto a partir da sentença de primeiro grau e sou advogado, o que é que eu vou fazer? Postergar esse início do cumprimento da pena com recursos a fim de que o prazo que conte a partir de agora e que a pena aplicada para o meu cliente prescreva. Se formos olhar as decisões condenatórias do Supremo Tribunal Federal, quantas o Supremo não condenou pessoas de foro privilegiado e teve que decretar a prescrição imediatamente, na mesma hora? Então, o cerne da construção perfeita a que me referi antes está todo furado, permitindo esse tipo de procedimento que não vou dizer que seja ilegal.

ConJur – São mecanismos legais.
Roberto Veloso – Exato. Mas são procedimentos de moral duvidosa. Se eu disser isso para um advogado, ele vai dizer para mim: “Não, doutor, mas o senhor está querendo cercear o direito de recorrer do meu cliente?" Só que o direito de recorrer está gerando essa distorção. Se o inquérito passa dez anos na polícia, o crime já prescreveu, já não adianta mais. Aí vem aquela história de o juiz dar uma pena elevada para não prescrever. Aí é errado.

ConJur – Uma discussão moral sobre o que é legal.
Roberto Veloso – Exatamente, e aí está errado. Tem que julgar de acordo com o que está nos autos, mas para o juiz isso é frustrante. Ele tem um trabalho imenso de ter ouvido testemunhas, interrogado o réu, expedido carta precatória, o processo está com três, quatro volumes e está prescrito. É esse tipo de distorção que precisa ser regularizada, daí a necessidade desse cumprimento da pena após o julgamento de segundo grau. Não quer dizer que a pessoa não vá ter condições de recorrer. Não haverá injustiças, porque ainda há o Habeas Corpus, as medidas cautelares, recurso extraordinário etc.

ConJur – Aumentar a pena, tipificar novos crimes ou transformá-los em hediondos ajuda a diminuir a criminalidade?
Roberto Veloso – Sempre dou o exemplo do álcool ao volante. O que faz a pessoa beber e não dirigir? É a pena que está fixada na lei ou é a fiscalização? A fiscalização. Se andarmos pelo Brasil, onde não há fiscalização, a lei é inócua. O Conselho Nacional de Justiça fez uma pesquisa e descobriu que apenas 8% dos homicídios do Brasil são levados a julgamento. É quase nada. Nós temos 500 mil presos, e somente 8% dos homicídios são julgados. Dados do Ministério da Saúde mostram que 40 mil pessoas são assassinadas no Brasil por ano, aproximadamente. Em três anos, são 120 mil pessoas assassinadas no Brasil. A Guerra do Iraque durou dez anos e 100 mil pessoas morreram. É aquela história da impunidade, ela está presente porque é reconhecida pelo próprio CNJ e envolve o crime individual mais grave, que é aquele que tira a vida das pessoas.

ConJur – A imprensa influencia o juiz?
Roberto Veloso – Não deveria. Pode ser que existam exceções, mas em regra não deveria influenciar, porque o juiz é contramajoritário, não deve se guiar pela opinião pública. A opinião pública muitas vezes age errado. Até se diz que a opinião pública condenou Jesus e absolveu Barrabás.

ConJur – O Judiciário tem preenchido vazios do Legislativo?
Roberto Veloso – Sim, ele tem sido chamado pela população. E a esse chamamento o Judiciário tem dado respostas. Por exemplo, à fidelidade partidária, foi uma resposta judicial a um apelo da sociedade. A sociedade apelou para isso e o Judiciário atendeu. Existem determinados reclames da sociedade que o Judiciário também tem atendido, mas em regra o Judiciário não deve. É quase um dogma para um juiz, que ele não se influencie pela opinião pública se ela está dissociada do processo.

ConJur – O senhor é a favor das dez medidas que estão propostas pela MP?
Roberto Veloso – Nós debatemos isso lá na Câmara. Existem as dez medidas como foram propostas pelo Ministério Público, como uma petição de princípios. Ela tem um apoio da Ajufe. Agora, um projeto de lei precisa de adequações. Nem tudo que está num projeto de lei a Ajufe defende.

ConJur – As provas obtidas de forma ilícita, desde que de boa fé, são uma possibilidade para o nosso Judiciário?
Roberto Veloso – Não entraria nessa questão material. Mas existem questões processuais que devem ser mais bem resolvidas. Por exemplo, as investigações promovidas pelo Ministério Público. Pelo projeto de lei, o MP instaura o procedimento investigatório e ele mesmo arquiva. Nós, juízes, entendemos que essa investigação deve ser arquivada no Judiciário, porque nenhum poder pode ser absoluto. O juiz é controlado pelo MP, que pode recorrer de todas as minhas decisões, se quiser. Se o MP passa a ser um poder sem controle, passa a ser um poder absoluto.

ConJur – O que o senhor acha do teste de integridade?
Roberto Veloso – O Brasil não está preparado para isso, objetivamente. Não temos pessoal para isso. Se já se investiga pouco no Brasil, como eu vou despender pessoal para ficar fazendo teste de integridade? Tenho minhas dúvidas se esse teste de integridade não serviria apenas para perseguições dentro das repartições públicas, e não algo efetivamente para se descobrir alguma coisa. A minha experiência é que a nossa estrutura não está preparada para isso. Existem outros mecanismos mais importantes.

ConJur – O momento é ruim para discutirmos uma lei de abuso de autoridade?
Roberto Veloso – O momento precisa ser mais bem discutido. Existem determinados dispositivos que podem levar a esse tipo de interpretação. Há um dispositivo que diz: “O juiz não pode levar para dentro do processo um diálogo travado entre o investigado e quem tem prerrogativa de foro”. Vou dar um exemplo bem dramático: um traficante de drogas conversa com um deputado federal. A polícia está com uma interceptação telefônica sobre o traficante de drogas, mas o traficante ligou para o deputado. Se aprovado o projeto, essa conversa não pode ir para dentro do processo. Isso não é possível. Tenho que levar para dentro do processo se entendo que a partir daquele momento o deputado está envolvido no caso. Pela atual legislação eu envio para o Supremo, mas não que eu não possa deixar dentro do processo.

ConJur – A prerrogativa de foro é um problema?
Roberto Veloso – Sim. Temos 22 mil pessoas com foro privilegiado no Brasil. Se pegarmos os países desenvolvidos do Ocidente, o foro privilegiado é usado restritivamente. Poderia haver foro privilegiado para os 11 ministros do Supremo, para o presidente da Câmara, para o presidente do Senado, para o presidente da República, para o vice-presidente da República. Passou dos limites, e esse foro privilegiado tem gerado uma situação muito incômoda para o Supremo, porque lá tramitam 302 inquéritos e cento e poucas ações penais em curso. O Supremo, quando foi julgar o mensalão gastou no julgamento 60 sessões. O tribunal parou durante um ano e meio. Quem deveria fazer a guarda da Constituição, e os seus ministros são vocacionados para isso, passa a discutir caso penal.

ConJur – A “lava jato” tem influenciado os juízes?
Roberto Veloso – Os juízes são bem cônscios das suas funções, pelo menos na Justiça Federal. Sei que todos os juízes federais têm a mesma disposição que Sérgio Moro tem. Evidente existem outros tantos fatores que influenciam, e é claro que eu não posso negar que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem dado apoio à operação “lava jato”, tanto é que deixou Moro exclusivo para essa operação. São medidas importantes, que influenciaram positivamente o sucesso da operação.

ConJur – O senhor não vê exageros na condução das investigações e dos processos? Há muitas reclamações sobre as prisões para delatar.
Roberto Veloso – Não existiu nenhuma prisão para delatar. Todas as prisões foram decretadas porque havia requisitos para se decretar e pelo menos um dos fundamentos. Tanto que se nós olharmos o conjunto das decisões de Sérgio Moro, 96% delas foram confirmadas pelas cortes superiores. É um dado que faz cair por terra esse tipo de argumento, porque se fossem decisões sem fundamentação, se fossem prisões apenas para delatar, como se acusa, essas decisões não teriam sido confirmadas.



Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2016, 8h00

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