quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Mãe consegue incluir nome de solteira na certidão das filhas sem retirar o de casada


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a averbação do registro civil de duas menores para fazer constar em sua certidão de nascimento a alteração do nome da mãe, que voltou a usar o nome de solteira após a separação judicial. No entanto, ressaltou que o nome de casada deve permanecer no registro. 

Na ação original de retificação de registro civil, o objetivo da mãe era alterar a certidão das filhas para que constasse apenas seu nome de solteira. O pedido foi negado em primeiro e segundo graus sob o fundamento de que a mudança só seria possível em caso de erro capaz de gerar conflito, insegurança ou burla ao princípio da veracidade. 

Contudo, para o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) não impede a mudança. O artigo 57 da lei admite a alteração de nome civil, desde que se faça por meio de exceção e de forma motivada, com a devida apreciação judicial.

Verdade real

“É justificável e plausível a modificação do patronímico materno na certidão de nascimento de suas filhas, situação que prima pela contemporaneidade da vida, dinâmica por natureza”, afirmou o relator. Ele ressaltou que a função do patronímico é identificar o núcleo familiar da pessoa e deve retratar a verdade real, fim do registro público, que objetiva espelhar da melhor forma a linhagem individual.

Segundo Villas Bôas Cueva, com o fim do casamento e a modificação do nome da mãe, sem nenhum prejuízo a terceiros, não há motivo para impedir a atualização do registro de nascimento dos filhos. A alteração facilita, inclusive, as relações sociais e jurídicas, pois não seria razoável impor a alguém a necessidade de outro documento público – no caso, a certidão de casamento dos pais – para provar a filiação constante de sua certidão de nascimento. 

Todavia, o relator ressalvou que, em razão do princípio da segurança jurídica e da necessidade de preservação dos atos jurídicos até então praticados, o nome de casada não deve ser suprimido dos assentamentos, procedendo-se, tão somente, à averbação da alteração requerida após o divórcio.

Leia a íntegra do voto do relator.

Fonte: STJ

Bancário que atropelou ciclistas em Porto Alegre não terá recurso analisado pelo STJ



O ministro Rogerio Schietti Cruz rejeitou pedido do bancário Ricardo José Neis para que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisasse seu recurso especial contra a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul que o mandou a júri popular por tentativa de homicídio de 11 ciclistas.

O réu é acusado de avançar propositadamente o carro que dirigia, em 25 de fevereiro de 2011, sobre um grupo de ciclistas que trafegava pela rua José do Patrocínio, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no julgamento da apelação, decidiu que Neis deve responder por 11 tentativas de homicídio perante o tribunal do júri, competente para julgar crimes dolosos contra a vida.

A defesa interpôs recurso especial para o STJ alegando que seu cliente não deve ir a júri popular, pois não teve intenção de matar. A decisão do TJRS, segundo a defesa, ofenderia os artigos 23, incisos I e II, 24 e 121 do Código Penal. O recurso não foi admitido na origem, o que levou a defesa a entrar com agravo para tentar convencer o STJ a analisar o caso.

O ministro Schietti, porém, entendeu que o recurso especial apresentado pelo réu é intempestivo, já que foi protocolado antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração julgados no TJRS, e não houve a indispensável ratificação posterior.

Acesso à Justiça

A defesa acusava de ilegal a decisão da corte estadual que não admitiu seu recurso, afirmando que o Supremo Tribunal Federal permite o recebimento de recurso especial na pendência de julgamento de embargos declaratórios. Para ela, tal decisão afrontou a garantia de amplo acesso à Justiça e o princípio da razoabilidade.

Schietti explicou que, nos termos do artigo 26 da Lei 8.038/90, é de 15 dias o prazo para interposição do recurso especial. O acórdão de apelação foi publicado em 4 de abril de 2013, mas o Ministério Público estadual entrou com embargos de declaração.

O recurso especial, no caso, foi protocolado em 19 de abril, anteriormente à publicação do acórdão proferido nos embargos declaratórios, que ocorreu em 29 de maio daquele ano. Incide na questão, segundo o ministro, a Súmula 418 do STJ, que dispõe que “é inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.O ministro Schietti informou que um recurso do Ministério Público estadual sobre o caso será julgado brevemente pelo STJ.
Fonte: STJ

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Não há justificativa legal para que se criem barreiras ao humor






“...a importância, para o homem e a sociedade, de que se garanta plena liberdade à natureza humana para se expandir em inumeráveis e conflitantes direções”[i]

J.S. Mill

Ano passado, em um debate sobre liberdade de expressão, para o qual fui honrosamente convidado, em determinado momento perguntaram-me se havia de existir limites para o humor. Efetivamente se questões religiosas, étnicas, bem como opções sexuais seriam os limites intransponíveis para o exercício do riso, a ponto de qualquer assunto desse chamado núcleo duro constituir uma ilegalidade.

Recentemente dois episódios colocaram o assunto novamente em destaque. O primeiro evento foi o atentado ao jornal francês Charlie Hebdo, que havia publicado em suas páginas caricaturas de Maomé; e o segundo, acontecido em terras nacionais, trata-se da veiculação, pelo grupo de humor — interessantíssimo, e conhecido de todos — Porta dos Fundos, de sátira das passagens bíblicas relacionadas ao nascimento e crucificação de Cristo.

Se adotarmos o conceito de que o humor é qualquer mensagem cuja intenção é a de provocar o riso ou um sorriso, entenderemos que através de filmes, do teatro, da música, da literatura, dos jornais, das revistas, dos programas radiofônicos, da internet e da televisão faz-se humor.

Segundo registros, o humor foi estudado pela primeira vez na Antiguidade, talvez com Aristóteles. Cícero também é fonte do vocabulário romano de humor[ii]. Não há como esquecermos dos chamados bobos da corte, que, entre os séculos XIV e XVI, tinham como objetivo fazer rir reis e rainhas da monarquia. Pelo humor, os “bobos” estavam até autorizados a criticar o comportamento da monarquia. Mais recentemente, pelo século XVI e XVII, o dramaturgo Willian Shakespeare produziu inúmeras obras que tinha o humor como forma de expor suas observações.

Percebe-se, portanto, que o humor sempre fez parte do caminho da humanidade.

Shakespeare talvez seja um bom exemplo para partirmos para a análise dos limites do humor, tendo em vista que suas obras, ainda que na roupagem do humor, tinham como finalidade muito mais do que provocar o riso. As obras do referido dramaturgo impunham uma reflexão dos conflitos da humanidade, das crises de amor, de comportamento e de preconceitos sociais.

Lendo as obras de Shakespeare, ou mesmo estudando as funções do bobo da corte, é que podemos entender melhor a finalidade do humor, admitindo que o riso talvez não seja a principal finalidade da obra, mas sim apenas um brinde, um algo a mais, em que o tema central sejam a verossimilhança dos fatos retratados, a permitirem uma reflexão, uma crítica.

"Humorismo não é apenas uma forma de fazer rir. Isto pode ser chamado de comicidade ou qualquer outro termo equivalente. O humor é uma visão crítica do mundo e o riso, efeito colateral pela descoberta inesperada da verdade que ele revela", asseverou o então ministro Carlos Ayres Brito no julgamento da ADI 4.451.

O humor, além de evidentemente ser marcado pela descontração, vale-se do exagero, da hipérbole, do óbvio, do absurdo como premissa para qualquer análise a respeito da possibilidade de se impor limites a esse tipo de comunicação.

Nos anos 80, no auge do grupo Os Trapalhões, a troça que mais se fazia era a de brincar com a etnia do personagem Mussum, com a característica do personagem negro e que gostava de tomar um “mé”. Também Zacarias era um personagem central da graça, em razão de suas características físicas, como também fora Didi, um personagem que encarnava o nordestino por vezes inocente e outras tantas perspicaz, tal qual em Macunaíma. Todos que assistiam ao programa tinham como premissa para as suas interpretações, mesmo que inconscientes, que se tratava de graça, de humor, cujas palavras expressadas pelos personagens não podiam ser interpretadas literalmente.

Em tempos mais presentes, podemos citar a frase de Danilo Gentili postada na internet, em que, diante da possibilidade de o bairro de Higienópolis receber uma estação de metrô e dos moradores desse antigo e tradicional local terem se manifestado contrariamente à linha metroviária, o humorista assim escreveu: "entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz", em clara referência ao campo de concentração nazista e por conta de o bairro concentrar inúmeros descendentes de judeus.

Em nenhuma dessas passagens percebe-se a vilania da ofensa como propósito da graça. Este é ponto central para, a nosso ver, afastar o policiamento que se faz a respeito do humor, buscando-se defender que determinados assuntos não podem ser objeto dessa forma de manifestação do pensamento.

Lembrando do que falamos no primeiro artigo desta coluna, o legislador constituinte deixou bastante claro a impossibilidade de intervenção estatal no exercício da manifestação de pensamento (artigo 5º, inciso IX e artigo 220, parágrafo 1º da CF). E nesse sentido não há justificativa legal para que se criem barreiras ao humor, mesmo para os assuntos duros como etnia, sexualidade, política e religião.

Daí porque acertada a decisão da justiça paulista que determinou o arquivamento do procedimento instaurado contra o grupo Porta dos Fundos, que satirizava o nascimento e crucificação de Cristo. Como também temos de lamentar a agressão ao jornal francês, por conta das charges de Maomé estampadas em seu periódico, pois elas, de bom ou mau gosto, representam uma forma de exercício da palavra, uma manifestação da democracia.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.451, assim se manifestou a respeito do humor:

“O humor presta serviço à Democracia. Com seu modo elegante ou um tanto agressivo, fino ou mais explícito, direto ou por ironia, ele consegue escancarar os conflitos sociais, políticos e culturais de uma forma não violenta, mas reflexiva. E reflexiva da melhor maneira, através do sorriso.”

Nesse sentido, Bobbio[iii] e Alexis de Tocqueville[iv] há muito sustentam que a democracia pressupõe o exercício do juízo crítico pelos cidadãos, de modo que privar a sociedade de separar a hipérbole da realidade é negar ao país uma maior democratização.

Há uma confusão estabelecida para se defender a condenação do mau humor como se ato ilícito fosse, muito possivelmente por conta de uma interpretação canhestra dos que defendem o politicamente correto. Na passagem do humorista Danilo Gentili, acima citada, em que faz alusão a Auschwitz, como nas caricaturas de Maomé feitas pelo jornal francês, ou ainda a brincadeira feita pelo Porta dos Fundos, podemos condenar o mau gosto, a desnecessidade dessa abordagem ou a forma dessa abordagem, mas em hipótese alguma concordamos que se trata, por si só, de violação às normas jurídicas. Como faço questão de sustentar, mau gosto não é ilícito.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça analisou demanda que discutia a prática de humor e assim se manifestou:

“...a respeito do ‘nível’ do humor praticado pelo periódico – apontado como ‘chulo’ – não é tema a ser debatido pelo Judiciário, uma vez que não cabe a este órgão estender-se em análises críticas sobre o talento dos humoristas envolvidos; (...) Não cabe ao STJ, portanto, dizer se o humor é ‘inteligente’ ou ‘popular’. Tal classificação é, de per si, odiosa, porquanto discrimina a atividade humorística não com base nela mesma, mas em função do público que a consome, levando a crer que todos os produtos culturais destinados à parcela menos culta da população são, necessariamente, pejorativos, vulgares, abjetos, se analisados por pessoas de formação intelectual ‘superior’ – e, só por isso, já dariam ensejo à compensação moral quando envolvessem uma dessas pessoas...”[v]

Não se quer dizer, contudo, que o humor é uma excludente de ilicitude, de modo a permitir que o uso da palavra na forma de humor não possa resvalar numa ilegalidade. Dependendo das circunstâncias, poderá haver ofensa ou qualquer outra violação a direitos. Mas toda interpretação nas questões que envolvem o humor devem ser por demais elásticas, na medida em que é da essência da "caricatura, da sátira e da farsa operarem mediante deformações hiperbólicas da realidade, residindo nesse exagero ou distanciamento dramático em relação ao real, que pode ser tanto dos eventos históricos-sociais, como das pessoas ou das coisas o fator específico da identidade dessas formas de criação artística e da sua comicidade mesma, cujas manifestações, neste caso, constituem o elemento alegórico de uma crítica severa, mas justa, inspirada por motivo de grande valor social" (Cesar Peluso, ADI 4.451).

A elasticidade para a interpretação do humor deve levar em consideração as pessoas, os fatos e as circunstâncias objeto da graça. Da mesma forma que para uma crítica jornalística em que os atores da vida pública devem tolerar mais as notícias, o mesmo deve acontecer para o humor.

Nos tempos atuais há, sem dúvida alguma, uma suscetibilidade exagerada, em que uma crítica ou uma sátira mais cáustica provocam toda sorte de intolerância, como a que motivou o deputado Marco Feliciano a representar o site Porta dos Fundos por conta da esquete intitulada Especial de Natal, bem como contribuiu — além evidentemente de um radicalismo religioso —, para o atentado ao jornal francês Charlie Hebdo.

É fácil defender a liberdade de expressão, a Democracia, quando temos de apenas concordar com o direito que entendemos como certo. Na medida em que somos objeto dessa liberdade, agimos como tiranos contra a nossa própria conquista. Como escreveu o articulista da Folha de S. Paulo, Contardo Caligaris, "a liberdade do vizinho (sobretudo se ele for muito diferente de mim) é sempre a melhor garantia da minha própria liberdade."



[i] Mill, John Stuart. A liberdade: Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000


[ii] Conf. Bremmer, Jan e Roodengurg, Herman. Uma história cultural do humor. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000, p. p. 17


[iii] Bobbio, Norberto. O futuro da democracia;


[iv] Tocqueville, Alexis de. La Democracia en América


[v] RESP 736.015


Alexandre Fidalgo é advogado e sócio do escritório Espallargas Gonzalez Sampaio Fidalgo Advogados.



Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2015, 8h23

O passado ilumina o futuro – eis o novo CPC! Sanciona, presidenta!








E o Novo CPC finalmente foi para o Planalto para ser sancionado...
Vejam todos que, de pronto, deixamos de lado qualquer discussão sobre se devemos chamar a primeira mandatária da nação de presidente ou presidenta. E resolvemos chamá-la como ela gosta. Portanto, esperamos que Sua Excelência olhe com carinho este pleito de dois juristas que representa — sem medo de errar — o anseio de centenas de milhares de advogados, professores e, também, de boa parcela da magistratura de nosso país. Além das partes que litigam cotidianamente. Queremos apresentar para a senhora presidenta alguns pontos que devem ser preservados no novo Código de Processo Civil.



Comecemos com um parágrafo e alguns incisos. Esses nomes “parágrafo” e “inciso” parecem designar coisa sem importância, mas, aqui, no caso, eles representam o cerne de um artigo que trata desse anseio e da preocupação da comunidade jurídica do país.

Pois bem. Esse parágrafo e esses incisos tratam da necessidade de que os juízes e tribunais fundamentem aquilo que eles estão decidindo. Presidenta: Acredite. Muitas vezes o cidadão entra em juízo e sai de lá totalmente surpreendido. Por quê? Porque o que ele alegou nem foi levado em conta. Ou foi simplesmente deixado de lado. Diz-se por aí que, por vezes, o cidadão corre sozinho e chega em segundo. Também há o conhecido folclore de quede urna, barriga de mulher e de cabeça de juiz nunca se sabe o que vai sair. Ledo engano, porque as pesquisas boca de urna já nos dizem antes quem vai ganhar; o ultrassom já resolveu de há muito o sexo do bebê. Então, senhora presidenta, por que temos que ser surpreendidos pelo que sai da cabeça do juiz?

Pois, senhora presidenta, esse é o grande mote do novo CPC: previsibilidade.As partes e os advogados — e isso inclui o governo, maior litigante do país — não devem mais ser surpreendidos com o que o Judiciário decide ou vai decidir. Por isso o Parlamento resolveu colocar vários procedimentos no novo Código para impedir que os juízes decidam como querem. Ninguém quer um juiz autômato. Mas também não queremos um juiz que seja o contrário disso.

Daí que os artigos 10 e 489 — que apenas deixam mais claro o que está na Constituição (artigo 5º, inciso LV e artigo 93, inciso IX) — que vão para a Sua mesa para receber sanção ou veto, são dispositivos que cuidam disso. Há outros também, por exemplo, um — o 926 — , que exige que a jurisprudência do país seja estável, íntegra e coerente – que são um imenso avanço nisso que falamos acima: previsibilidade e garantia de as partes não serem surpreendidas.

Inclusive pedimos sua especial atenção para o artigo 10, sobre o qual já falamos inúmeras vezes e nem merece aqui maiores digressões, até mesmo porque defender-se hoje que o contraditório não seja uma garantia de influência e não surpresa representaria uma profunda ignorância do direito constitucional e processual mundial dos últimos 30 anos (ao menos). Acho que mesmo aqui no Brasil ninguém teria tamanha ousadia de criticar o referido artigo 10 e revelar tamanha limitação cognitiva. É uma unanimidade entre quem pensa! De todo modo, gostaríamos que Vossa Excelência ficasse alerta em relação a esse artigo.

Desculpe-nos a insistência, mas defender-se o contrário — por exemplo, um veto ao artigo 10 — seria manter o quadro de leitura superficial do contraditório que se desconsidera o que é dito no processo, com surpresas constantes na fundamentação: sentença kinder ovo, com surpresinha...

Na sequência, fixemo-nos no 489 que trata das garantias do jurisdicionado para que tenha uma sentença justa e bem fundamentada. Vejamos:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

Presidenta: o Parlamento aqui esteve iluminado, pois garante que uma decisão (sentença, acórdão) que não tenha alguns requisitos, não vai valer, porque é nula. Simples assim.

O primeiro deles é:

I – [a sentença não estará fundamentada] se [ela] se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

Veja, presidenta: o que o Parlamento está pedindo é que o juiz deve sempre explicar a relação de causa e efeito entre um argumento que estiver usando e a causa em jogo. Isto é para evitar que o juiz diga: conforme o artigo tal, decido assim. Ele necessitará dizer qual é a relação dos alhos com os bugalhos da causa.

II – [a sentença não estará fundamentada se] empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

Sanciona, presidenta! Esse pequeno inciso garante que o juiz ou tribunal não use conceitos “ônibus”, nos quais caibam dezenas de sentidos; por exemplo, ele não poderá proibir a caça com base no principio da dignidade da pessoa humana (como já aconteceu, presidenta); ele terá que sempre explicar em que sentido está usando a expressão.

III – [a sentença não estará fundamentada se] invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

Senhora presidenta: muito justo que o Parlamento tenha dito isso. Afinal, não dá para usar os motivos da ilegalidade de um tributo, válidos em um processo, em outro processo que nem trata desse tipo de imposto. Por falar em impostos e tributos, a Senhora sabe do que estamos tratando, pois não?

IV – [a sentença não estará fundamentada se] não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

Este, senhora presidenta, talvez seja o mais importante para evitar as surpresas e aquela coisa de “de cabeça de juiz...”. A senhora mesmo não se pergunta, as vezes, algo como “de onde o tribunal tirou essa ideia? Isso nem foi alegado...!”. Pois é, presidenta.

Não queremos nos exibir, mas na Alemanha isso é assim já há muito tempo (Para citar apenas um país porque inúmeros outros também seguem este pressuposto há tempos). Até o nosso Supremo Tribunal tem decisões referindo-se a essa garantia. Falamos do dever do juiz de levar em consideração os argumentos relevantes das partes[1], que atribui ao magistrado não apenas o dever de tomar conhecimento das razões apresentadas[2], como também o de considerá-las séria e detidamente[3]em seu artigo 489, parágrafo 1º, inciso IV, do NCPC.[4] Há muito a doutrina percebeu que o contraditório não pode mais ser analisado tão somente como mera garantia formal de bilateralidade da audiência, mas sim como uma possibilidade de influência[5] sobre o desenvolvimento do processo e sobre a formação de decisões racionais, com inexistentes ou reduzidas possibilidades de surpresa.

Sem querer chatear e tomar mais o seu precioso tempo, senhora presidenta,mas tal concepção significa que não se pode mais acreditar que o contraditório se circunscreva ao dizer e contradizer formal entre as partes, sem que isso gere uma efetiva ressonância (contribuição) para a fundamentação do provimento, ou seja, afastando a ideia de que a participação das partes no processo possa ser meramente fictícia, ou apenas aparente, e mesmo desnecessária no plano substancial.

Para fechar: no sistema alemão, o princípio, nos termos do artigo 103, parágrafo 1º, da Grundgezets (Lei Fundamental alemã) inclui não só o direito de se expressar, mas também o direito a que essas declarações sejam devidamente levadas em consideração. Julgados do Tribunal Constitucional Federal (por exemplo, BVerfGE 70, 288 NJW 1987, 485) localizam esse dever como decorrência do contraditório (Anspruch auf rechtliches Gehör), apontando que ele assegura às partes o direito de ver seus argumentos considerados. É isso. Portanto, achamos que conseguimos nos explicar e agora podemos pedir: Sanciona, presidenta!

Já o inciso V diz que [a sentença não estará fundamentada] se [ela] se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Excelência: este é um velho pleito. Todos os alunos do primeiro ano de faculdade ouvem de seu professor: “- A sentença não é um silogismo; não basta fazer dedução; isso é do século XIX”. Pois bem. Agora, com o NCPC, temos a chance de garantir que isso que dissemos aos alunos é verdade, isto é, que uma sentença ou acordão não pode se limitar a dizer “julgo conforme a sumula tal”, sem explicar as razões que ligam o enunciado ao caso concreto em jogo. Pode acreditar, presidenta: vale a pena sancionar!

VI - Por último, [a sentença não estará fundamentada] se [ela] deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Por que é de fundamental importância esse inciso? Para garantir que exatamente o precedente que uma parte está usando, seja utilizado pelo Juiz; e se ele não serve para decidir aquela causa, o juiz terá que dizer porquê. Com isto, senhora presidenta, vai diminuir consideravelmente o número de recursos no país.

Sempre é bom saber que, quando disputamos uma corrida entre dois, no máximo que vai acontecer é chegar em segundo; nunca em terceiro. Por que a senhora acha que o Brasil é campeão de uma coisa chamada “embargos de declaração”? Simples: porque as partes precisam saber aquilo que agora os juízes estarão obrigados a dizer na decisão.

O Brasil ganhará. E muito. Sanciona, presidenta!



[1] Recht auf Berücksichtigung von Äußerungen.


[2] Kenntnisnahmepflicht


[3] Erwägungspflicht


[4] cf. THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Novo Código de Processo Civil: Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2015. Tb Streck, L.L. Verdade e Consenso, SP, Saraiva, parte final.


[5] Einwirkungsmöglichkeit . BAUR, Fritz. Der Anspruch auf rechliches Gehör. Archiv für Civilistiche Praxis, Tubingen, J.C.B. Mohr, n. 153, p. 403, 1954.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.



Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2015, 8h52

Horas de sobreaviso e participação em cursos treinet's dão direito a horas extras






A Justiça do Trabalho mineira tem recebido grande número de ações que noticiam casos de trabalhadores que permanecem à disposição do empregador, aguardando ordens para cumprimento de atividades ou executando tarefas à distância. Os avanços da tecnologia são os principais responsáveis pelo surgimento dessa nova modalidade de prestação de serviços, uma vez que o empregado é frequentemente submetido a controle patronal por meio de instrumentos telemáticos ou informatizados. Um exemplo que ilustra bem essa realidade é o caso analisado pelo juiz Mauro Elvas Falcão Carneiro, em sua atuação na Vara do Trabalho de Lavras. Na visão do magistrado, o reclamante conseguiu comprovar que fazia jus às horas de sobreaviso, por ter permanecido à disposição do empregador em regime de plantão, bem como às horas extras decorrentes da participação em cursos "Treinet", destinados à qualificação profissional, realizados à distância e fora do horário de trabalho.

O primeiro pedido do bancário foi de condenação do banco reclamado ao pagamento de horas de sobreaviso, porque, de acordo com o seu relato, ao menos uma vez por mês, era obrigado a ficar com as chaves do banco, sendo responsável por solucionar quaisquer situações imprevisíveis, como o disparo de alarme, segurança e acionamento da polícia. Afirmou, ainda, que essas situações limitavam sua liberdade nos finais de semana, quando não podia ausentar-se de sua residência, pois tinha de ficar disponível através do aparelho celular para o caso de eventuais imprevistos. O juiz sentenciante salientou que os depoimentos das testemunhas confirmaram esse fato e revelaram que o reclamante era o único empregado lotado nos postos de atendimento de Ijaci e Cana Verde, sendo, portanto, o único responsável pela solução dos imprevistos.

O conjunto probatório demonstrou que, além da obrigação de comparecer ao posto de atendimento no caso de acionamento do alarme, o empregado em plantão era proibido de se ausentar do município. Portanto, o caso do processo é mais abrangente do que o simples uso, por si só, de celular fornecido pela empresa, enquadrando-se no entendimento consolidado no inciso II da Súmula 428 do TST, segundo o qual considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso Nesse contexto, o julgador entendeu que ficou demonstrada a existência de escalas de sobreaviso, das quais participou o reclamante em um final de semana por mês, quando ficou à disposição do banco. Em consequência, condenou o reclamado ao pagamento do valor a ser apurado correspondente às horas de sobreaviso, na proporção de 48 horas ao mês ou fração laborada e respectivos reflexos.

Quanto ao pedido de horas extras pela participação em cursos virtuais, o juiz apurou que, por imposição do empregador, o reclamante tinha que participar, fora do horário de trabalho, dos cursos denominados Treinet's, alcançando um elevado número de horas extras mensais, que não foram devidamente quitadas. Conforme observou o magistrado, esse fato foi comprovado pelos depoimentos das testemunhas e pelos documentos juntados ao processo pelo próprio empregador. O conjunto probatório demonstrou também a impossibilidade de conciliar os cursos com o horário de trabalho, em razão do acúmulo de serviços, já que o posto de atendimento no qual o reclamante prestava atendimento possuía mais de 1200 clientes e apenas um empregado, como declarou a testemunha do próprio banco. Na avaliação do juiz sentenciante, a "participação do empregado em cursos, ainda mais quando ofertados pelo próprio empregador, busca o aperfeiçoamento profissional e o aprimoramento no desempenho das tarefas, a serem desenvolvidas em prol do próprio empregador" .

Nesse contexto, o julgador entendeu que a participação do bancário nos cursos Treinet's representa tempo à disposição do empregador e, por isso, devem ser remunerados como horas extras, pois foram realizados fora do horário de trabalho. Com base nesse posicionamento, o magistrado condenou o banco ao pagamento de 04 horas extras para cada curso Treinet comprovado, com devidos reflexos. O TRT mineiro confirmou a sentença nesses aspectos.

Fonte: TRT3

Princípio da especificidade prevalece sobre territorialidade em decisão da SDC sobre representação sindical



A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho julgou, na sessão de segunda-feira (23), conflito de representação entre dois sindicatos - um de âmbito estadual e mais específico em relação à atividade profissional, e outro de âmbito municipal e mais abrangente quanto à atividade. A decisão foi a de que o critério da especificidade prevalece em detrimento ao da territorialidade.

A questão refere-se à representatividade sindical dos empregados do Consórcio Encalso S.A. Paulista, que trabalham na execução de obras e serviços de duplicação da Rodovia dos Tamoios. Também chamada de SP -099, a rodovia liga as cidades da Região do Vale do Paraíba ao litoral norte do Estado de São Paulo, passando pelos municípios de São José dos Campos, Paraibuna, Jambeiro e Caraguatatuba.

O consórcio ajuizou dissídio coletivo de greve contra o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção do Mobiliário e Montagem Industrial de São José dos Campos e Litoral Norte (Sintricom), e requereu a integração ao processo do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada - Infraestrutura e Afins do Estado de São Paulo (Sinfervi), que, segundo alegou, seria o legítimo representante de seus empregados. Segundo o consórcio, o Sintricom incitou ilegitimamente uma paralisação geral de todas as frentes de trabalho, em outubro de 2012, para reivindicar, entre outros benefícios, reajustes salariais. Após audiências com participação dos dois sindicatos, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) declarou a legitimidade do Sinfervi para representar os trabalhadores da empresa e homologou acordo.

Foi contra essa decisão que o Sintricom recorreu ao TST, sustentando que a rodovia está dentro dos seus limites territoriais e que, em face do princípio da unicidade sindical, a base territorial do opoente não pode abranger os municípios em que a categoria já se encontra representada.

SDC

A relatora do recurso, ministra Dora Maria da Costa, resumiu a controvérsia: de um lado, o Sinfervi, específico da categoria, representa os trabalhadores da indústria de construção de estradas, pavimentação e obras de terraplenagem em geral, de âmbito estadual. O Sintricom, por sua vez, é mais eclético, e representa trabalhadores nas indústrias da construção e do mobiliário, mas tem abrangência intermunicipal em São José dos Campos, Paraibuna e Caraguatatuba, municípios nos quais a obra é realizada.

A ministra destacou que o artigo 571 da CLT admite o desmembramento de sindicato para a formação de entidade sindical mais específica, desde que a nova entidade ofereça possibilidade de vida associativa regular e de ação sindical eficiente. "Os sindicatos que abrangem mais de um município podem ser desmembrados em sindicatos de âmbito exclusivamente municipal, de acordo com a estrutura adotada no Brasil, ou se tornarem mais específicos com relação à atividade econômica, fazendo valer o princípio da especificidade", explicou.

A jurisprudência da SDC, como observa a relatora, firmou-se no sentido de que, havendo conflito de representação entre dois sindicatos, deve prevalecer o princípio da especificidade, ainda que o sindicato principal tenha base territorial mais reduzida, sendo necessário o paralelismo entre o segmento econômico e a categoria profissional representada. "As entidades sindicais que representam categorias específicas podem exercer sua representatividade atendendo com maior presteza aos interesses de seus representados", justificou.

Para Dora Maria da Costa, a categoria representada pelo Sinfervi apresenta, inclusive pela sua denominação, nítida correspondência com a atividade econômica do Consórcio Encalso S.A. Paulista. Dessa forma, concluiu correta a decisão regional, ao declarar que essa entidade é a legítima representante dos empregados do consórcio. Por unanimidade, a SDC negou provimento ao recurso ordinário em dissídio coletivo de greve e econômico do Sintricom.

(Lourdes Tavares/CF. Foto: Aldo Dias)


Fonte: TST

Terceira Turma manda indenizar Barrichello por uso indevido de imagem


O ex-piloto de Fórmula 1 Rubens Barrichello deve ser indenizado pelo uso indevido de seu nome e de sua imagem em campanha publicitária produzida pela Full Jazz Comunicação e Propaganda para a Varig Logística S/A. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

A campanha foi lançada em 2004. Os anúncios não traziam o nome completo do piloto, mas apresentavam uma criança de macacão vermelho – mesma cor da Ferrari, equipe em que Barrichello atuava na época – em um carro de brinquedo também vermelho, com a frase: "Rubinho, dá pra ser mais Velog?"

Velog era o serviço de entrega de malotes da Varig Logística, que teve a falência decretada em 2012. Barrichello processou a agência de propaganda e sua cliente, acusando-as de fazer alusão jocosa à sua carreira esportiva, de forma a ridicularizá-lo, e de usar indevidamente sua imagem.

Notoriedade

No entanto, para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o uso do apelido do piloto não configurou ofensa aos seus direitos de personalidade nem gerou a obrigação de indenizar, por se tratar de pessoa de grande notoriedade.

O piloto recorreu ao STJ sustentando, entre outros pontos, que o fato de ser uma personalidade pública não autoriza empresas privadas a usar seu nome e imagem em campanha publicitária sem contrapartida financeira.

Alegou ainda que a publicidade não autorizada configura violação do direito de personalidade quando apresenta características capazes de identificar a pessoa, mesmo que não haja menção expressa a seu nome.

Segundo o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o caso julgado amolda-se perfeitamente ao enunciado 278 da IV Jornada de Direito Civil, que interpreta o artigo 18 do Código Civil. Diz esse enunciado: “A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade.”

Fins lucrativos

Para o ministro, não há dúvida de que a publicidade foi veiculada com fins lucrativos e, mesmo sem mencionar o nome completo do piloto, levou o consumidor a prontamente identificá-lo pelo seu apelido, amplamente conhecido do público em geral, em um contexto que indicava com clareza a sua atividade esportiva.

Citando vários precedentes, Sanseverino reiterou que os danos morais por violação do direito de imagem decorrem exatamente do próprio uso indevido da imagem, não havendo necessidade de demonstração de outros prejuízos, conforme entendimento uniforme do STJ.

Acompanhando de forma unânime o voto do relator, o colegiado determinou que o tribunal paulista prosseguisse no julgamento da apelação e fixasse o valor da indenização devida por danos extrapatrimoniais.

Leia a íntegra do voto do relator.

Fonte: STJ

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