terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Dworkin contra o pragmatismo de Posner na decisão judicial





A problemática em torno da relação entre Direito e moral é antiga nas discussões de Teoria do Direito, estando presente desde os dilemas de Antígona, perpassa pelo debate moderno entre juspositivistas e jusnaturalistas até autores contemporâneos. Discussão famosa a respeito do assunto foi travada entre Herbert Hart e Ronald Dworkin. Enquanto Dworkin defendia uma conexão necessária entre Direito e Moral[1], Hart sustentava que, embora existam diferentes conexões contingentes, não há conexões necessárias entre o conteúdo do Direito e o da Moral[2].

Essa polêmica alcançou a teoria da decisão judicial, principalmente quando se começou a indagar se a teoria moral é útil aos magistrados no processo decisório e em que medida ela deve servir de parâmetro para pautar suas decisões.

Para dar conta dessa problemática, primeiramente há que se indagar: mas afinal, o que seria a teoria moral? Em breves palavras, a teoria moral se revela no discurso presente em práticas culturais que buscam dizer como as pessoas devem se comportar, ou seja, o discurso teórico que procura captar a correção do nosso agir no que diz respeito às nossas obrigações sociais. Essa teoria trata sobre questões como: “será sempre errado mentir ou descumprir uma promessa?”; “Será moral o infanticídio?”; “A discriminação sexual é correta?”, etc.

Sobre o tema da viabilidade de se adentrar em debates morais e de utilizar argumentos e raciocínios morais na decisão judicial complexa, recentemente, na condição de orientador, tive a satisfação de presidir a banca de defesa da dissertação de mestrado do acadêmico Bruno Farage, no âmbito do Programa de Pós-graduação em Direito da UERJ, intitulada “O pragmatismo antiteórico de Richard A. Posner e as respostas da teoria moral para a decisão judicial”.

Em seu trabalho, Farage resgatou a discussão travada entre Richard Posner, que defende uma “abordagem judicial pragmática”, isenta da utilização da teoria moral no processo decisório e os(jus)filósofos morais, argumentando acerca da importância da teoria moral e do raciocínio moral nas decisões judiciais difíceis, corrente capitaneada por Ronald Dworkin e reforçada por Charles Fried[3], Anthony Kronman[4], John T. Noonan Jr.[5] e Martha C. Nussbaum[6]

Seguirei, então, com a dissertação mencionada, para apresentar ao leitor os principais pontos desse debate e a forte crítica de Dworkin à pretendida assepsia moral do pragmatismo de Posner.

O ceticismo moral
Conforme bem destacado no texto de Bruno Farage, a abordagem “posneriana” se diz prática, instrumental, “voltada para frente”, ativista, cética, antidogmática e experimental. Essa perspectiva se intitula fruto de um pragmatismo cotidiano, que valoriza a visão prática das ações e que dá peso crucial às melhores consequências e ao uso da razoabilidade e racionalidade, ao invés de se importar com debates teóricos que possam levar a uma posição consensual ou “verdade moral”[7]. Sem embargo, a abordagem pragmática recorre constantemente à intuição para captar as “necessidades da época” - elevando a opinião pública a um patamar de destaque como guia para a decisão judicial -, assim como à orientação científica (empírica) dos juízes para suprir as lacunas inerentes aos casos difíceis que emergem no Direito.

Todavia, ela é hostil à ideia de utilizar a teoria moral ou qualquer outra teoria considerada “abstrata” para a orientação do processo de tomada de decisão judicial, o que por vezes justifica o rótulo de “antiteoria”.

Além da rejeição à teoria moral, a proposta “posneriana” também tem repulsa pelo “moralismo acadêmico”, o qual, segundo ele, representa a ética aplicada formulada por professores acadêmicos e muitas das vezes utilizada em forma de argumentos morais no processo de tomada de decisão judicial na seara constitucional. Posner acredita que os chamados moralistas acadêmicos buscam impor uma moral uniforme, encontrando-se essa questão explícita na discussão de casos constitucionais. Entretanto, tal ambição seria impossível de se concretizar. Como não há acordo no debate moral, o consenso é impossível neste campo.

A teoria moral seria apenas uma camuflagem, pois, na prática, essa concepção perece diante das intuições dos juízes nos casos concretos. Na leitura pragmática, os juízes são guiados por um “choque de intuições” ou da “oposição do interesse próprio” e, muitas vezes, principalmente em hard cases, a intuição e a crença que prevalecem sobre a teoria moral têm caráter político, ainda que não partidarista.

Daí os magistrados não precisarem tomar partido em questões morais: as questões morais podem ser suprimidas ou reformuladas como questões de interpretação, de competência institucional, de prática política, de separação de poderes ou de stare decisis, etc. Nesse sentido, o raciocínio moral deveria ser substituído pelo raciocínio em sua forma pura (toutcourt).

Para Farage, a antiteoria pragmatista tem sustentáculo em um posicionamento particular em relação à moral denominado de ceticismo moral pragmático. Esse posicionamento não crê na existência de um realismo moral, sendo a moral tão somente um fenômeno local e variável, não se poderia falar em moral universal. O pragmatismo posneriano também acredita em uma forma particular de relativismo moral, rejeitando a possibilidade do seu progresso. Consequentemente, essa posição descredencia a capacidade da moral em resolver conflitos, sejam eles morais ou jurídicos.

A oposição de Dworkin
Essa visão de que as decisões judiciais devem ser pragmáticas, evitando a teoria moral, é enfaticamente combatida por Dworkin. A começar pela crença de que a moral está intrinsecamente ligada ao Direito, crendo a concepção dworkiniana na existência de princípios morais que compõem o Direito como prova dessa conexão necessária. Para Dworkin deve haver, no mínimo, uma fundamentação moral aparente que sustente a afirmação da existência de deveres jurídicos.

Ele considera o fato de que os direitos na sua dimensão jurídica devem ser entendidos como uma espécie de direitos morais, sendo essa tese um elemento crucial em sua Teoria do Direito. As constituições, igualmente, necessitam ser corretamente interpretadas como instâncias que impõem limites morais a quaisquer leis que possam ser validamente criadas. Para tanto, é preciso que a moral tenha um fundamento objetivo, o qual sirva de parâmetro para a correção (ou não) da decisão judicial.

Na leitura de Dworkin, algumas instituições são de fato injustas e algumas ações são realmente erradas, independentemente de existir uma grande quantidade de pessoas que acredite no contrário. Essa ideia se sustenta em seu posicionamento em relação à moral denominado de Independência metafísica do valor[8], significando que qualquer princípio moral, por mais que esteja completamente inserido em nossa cultura, língua e prática, pode ser falso. De outro lado, por mais que o princípio seja completamente rejeitado socialmente, pode ser verdadeiro.Os juízos de valor podem ser verdadeiros e a verdade independe da correspondência com entidades morais especiais. Como as verdades morais são próprias do campo da argumentação, não dependem de instâncias metafísicas, daí a “independência metafísica do valor”[9].

Segundo sua proposta, raciocinar em termos jurídicos significa aplicar a problemas jurídicos específicos uma ampla rede de princípios de natureza jurídica ou de moralidade política. Na prática, seria impossível refletir sobre a resposta correta referente a questões de direito a menos que se tenha refletido profundamente ou se esteja disposto analisar um vasto e abrangente sistema teórico de princípios complexos.

Conforme a abordagem teórica dworkiniana, uma alegação de direito é equivalente à afirmação de que um ou outro princípio oferece uma melhor justificação de algum aspecto da prática jurídica. Melhor no sentido interpretativo, isto é, porque tal princípio se ajusta de forma mais adequada e coerente à prática jurídica, colocando esta sob uma “luz mais favorável”.

Em seu ponto de vista, essa abordagem constitui descrição fidedigna do raciocínio jurídico e de como podemos discutir adequadamente algumas afirmações sobre o que é o Direito. O raciocínio jurídico, por sua vez, pressupõe um vasto campo de justificação, aí incluídos princípios bastante abstratos de moralidade política. Não é possível responder questões jurídicas profundas e controversas sem “mergulhar” no âmbito da teoria.

Nesse sentido, Dworkin entende que, ao se esconder em parâmetros ditos econômicos/racionais e parecer equilibrada, sensata e norte-americana, a abordagem prática de Posner oculta que a abordagem teórica é inevitável mesmo parecendo abstrata[10].

A própria “antiteoria” de Posner é, ela mesma, uma teoria moral. Para Dworkin resta claro que a antiteoria pragmatista é um juízo moral de natureza teórica e global, pois o fato de se questionar se algum tipo de afirmação moral oferece “base sólida” para outra já constitui, em si, uma questão moral.

Ainda, ao tratar dos hard cases, Dworkin propõe que, se os juízes tiverem de lidar com questões morais, seria um erro de categoria – como dizer a alguém com problemas com álgebra que tente usar um abridor de latas – dizer-lhes que resolvam essas questões através da história, da economia ou de qualquer outra técnica não moral, como sugere Posner.

Além de expor as incoerências e contradições da antiteoria pragmatista com os argumentos dos filósofos morais, Farage demonstra como a abordagem antiteórica é incompatível com a conjuntura justeórica ocidental contemporânea. Ao retirar de sua matriz teórica a força da leitura moral do Direito, Posner contribui para o relativismo decisório, escondendo-o em fórmulas ditas científicas na análise dos casos concretos.

No contexto brasileiro, isso se torna especialmente dramático, tendo em vista o fenômeno cada vez mais comum de decisões proferidas sem fundamentação teórica consistente. Pior, tais decisões, em regra, são justificadas por um apanhado de argumentos que fazem um arrazoado pseudo-pragmático, não raro violando expressamente o texto legal. 

De minha parte, penso que, por não levar a sério a decisão judicial e o fundo hermenêutico sempre nela presente, Posner ignora algo essencial: o juiz não sai do mundo para compreender o caso e, sem o pano de fundo existencial que demarca sua posição no mundo, não há perguntas. E a pergunta, como ensina Gadamer, é sempre o ponto determinante da resposta que se busca. É a partir dela [pergunta] que o intérprete/cientista opera. Daí não é possível saltar fora da linguagem e do contexto moral antes de formular os questionamentos de cada caso. O juiz posneriano, quando pergunta, desde antes já estabeleceu parâmetros morais ainda que não perceba.

Assim, ignorar a teoria moral é, antes de tudo, fugir do enfrentamento fundamental para se evitar relativismos decisórios. Ademais, não se pode esquecer que a atual proposta antiteórica de Posner foi formulada após a sua Teoria Econômica no Direito ter sofrido importantes críticas, apontando-se, por exemplo, a inconsistência de adoções simplistas do conceito de eficiência. Desse modo, parece-me que o pragmatismo posneriano é uma tentativa de fugir do necessário debate de teorias do Direito e moral depois do razoável fracasso da sua reflexão teórica anterior. 



[1] Vide, p. ex. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 568 p.
[2] HART, H.L.A. O conceito de direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. 348 p.
[3]FRIED, Charles. Philosophy Matters. Harvard Law Review, Cambridge, v. 111, n. 7, p.1739- 1750, maio 1998.
[4]KRONMAN, Anthony Townsend. The Value of Moral Philosophy. Harvard Law Review, Cambridge, v. 1751, p.1751 -1767, 1 jan. 1998.
[5]NOONAN JUNIOR, John T.. Posner's Problematics. Harvard Law Review, Cambridge, v. 111, n. 7, p.1768-1775, maio 1998.
[6]NUSSBAUM, Martha C.. Still Worthy of Praise. Harvard Law Review, Cambridge, v. 111, n. 7, p.1776-1795, maio 1998.
[7]POSNER, Richard. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 299 p.
[8]DWORKIN, Ronald. Justiça para ouriços. Coimbra: Almedina, 2012, p. 33-97.
[9]FARAGE, Bruno da Costa Felipe. O pragmatismo antiteórico de Richard A. Posner e as respostas da teoria moral para a decisão judicial. Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ, 2015, p. 65.
[10]DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 116.

Marco Aurélio Marrafon é presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).



Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2015, 16h14

Princípio da dignidade humana não justifica usucapião de bens públicos



DIREITO CIVIL ATUAL



Segundo o artigo 102 do Código Civil; o artigo 191, parágrafo único, e o artigo 183, parágrafo 3º, ambos da Constituição da República; bem como, segundo a Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal, os bens públicos em geral jamais serão objeto de usucapião, nem móveis, nem imóveis, sejam de uso comum do povo, de uso especial ou dominicais.

Há quem defenda, apesar disso, a ideia de que os imóveis públicos vagos, principalmente as terras devolutas, seriam passíveis de usucapião com base no princípio da função social da propriedade e no princípio da dignidade humana. A proibição do parágrafo único do artigo 191 da Constituição estaria a contrariar princípios por ela mesma erigidos. Se o Estado se mostra inerte diante da ocupação de algum de seus imóveis, não haveria razão para não se admitir o usucapião.

Os que admitem essa possibilidade invocam a função social da propriedade, que também os imóveis públicos deveriam cumprir, e a dignidade humana do usucapiente de imóvel público. Uma proibição de caráter patrimonial não poderia se sobrepor à dignidade que há de ser garantida a todo cidadão, por força já do artigo 1º da própria Constituição, quanto mais tratando-se de imóvel público.

Os que propugnam pela tese tradicional, apontam para o fato de que não se pode invocar um princípio, numa interpretação parcial e unilateral, para se invalidar proibição expressa do texto constitucional. Além disso, o fato de o imóvel ser público torna-o imune ao usucapião, pela simples razão de que um indivíduo não poderia se apropriar de propriedade de todos e rigorosamente sua também. Ademais, à Administração Pública não podem ser exigidos o mesmo zelo e, principalmente, a mesma eficiência no dever de vigiar seus milhares de imóveis, mormente as terras devolutas, que às pessoas de Direito Privado. Mais ainda, admitir usucapião de terras devolutas seria fraudar a reforma agrária, a que se destinam, atentando-se, aqui também, contra os princípios da função social da propriedade e da dignidade humana, em última instância.

Por ora, vem prevalecendo a tese tradicional, não admitido, pois, o usucapião de bens públicos, sejam móveis ou imóveis.

Sobre esse tema, no fim do ano passado, noticiou-se no mundo jurídico que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia, em decisão histórica (Apelação Cível 1.0194.10.011238-3/001 – comarca de Coronel Fabriciano), admitido o usucapião de imóvel público. Muita gente comemorou, como uma vitória da dignidade humana sobre o patrimônio. A este respeito, gostaria de tecer alguns poucos comentários:

1. Em primeiro lugar, o TJ-MG não admitiu o usucapião de imóvel público, pura e simplesmente. Tratava-se de imóvel do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG), em que várias famílias de ex-funcionários se assentaram, formando-se um vilarejo no local, com igreja, asfalto, luz e tudo o mais. Ademais, a doação do terreno pelo DER ao município, para fins de urbanização, já fora autorizada por lei. Segundo o acórdão,


O que acontece neste caso, é que os moradores (ex-funcionários do DER/MG), pouco a pouco foram edificando suas casas no local do acampamento. Com o tempo, as famílias foram crescendo, criando-se vínculo com a propriedade e desde então se passaram aproximadamente 30 anos. Hoje, uma pequena vila, dotada de infraestrutura como: asfalto, energia elétrica, mina e uma pequena igreja. Esta área ocupada pelos moradores, corresponde aproximadamente a 26% do imóvel. O restante encontra-se livre. Assim, aquele que por mais de trinta anos, como no presente caso, tem como seu o imóvel, tratando-o ou cultivando-o, tornando-o útil, não pode ser compelido a desocupá-lo à instância de quem o abandonou. Na espécie, os réus demonstraram a aquisição da posse do imóvel há mais de trinta anos, sem qualquer oposição do DER. Destarte, demonstrado está que os réus, ora apelados, não detinham apenas a mera detenção do bem, mas verdadeiramente sua posse, como se donos fossem. Ademais, cumpre ressaltar que malgrado os bens públicos não sejam passíveis de aquisição por usucapião (art. 183, § 3º, da CF; art. 102, do Código Civil) o imóvel usucapiendo não está incluído em área de domínio público, tanto que, conforme corretamente decidiu o d. Magistrado a quo: ‘Importa salientar que, no caso concreto dos autos, a viabilidade de se declarar a prescrição aquisitiva se encontra ainda mais evidente, porque já existe uma lei em vigor autorizando expressamente o DER a doar os imóveis em comento ao Município de Antônio Dias, justamente para que este lhes dê uma destinação social, promovendo o assentamento das famílias que estão no local, conforme se verifica às fls. 264/266’.

Fica mito claro, pois, que não se tratava de um imóvel público qualquer, como festejado. Aliás, o acórdão é muito claro ao afirmar não ser possível o usucapião de bens públicos.

2. Em segundo lugar, admitir o usucapião de imóveis públicos com esteio no princípio da dignidade humana, é analisar o problema por uma ótica unilateral. Sem dúvida, todo usucapiente possui dignidade, como, aliás, qualquer um de nós, até os mais crápulas. Por outro lado, os imóveis públicos desocupados têm destinação, seja específica, para atender a eventuais necessidades da Administração Pública, seja genérica, reservando-se, precipuamente, ao planejamento urbano ou à reforma agrária. Em ambos os casos, a destinação também terá como escopo primordial a promoção da dignidade humana. Assim, a se aceitar o usucapião de imóveis públicos, contrariando frontalmente a Constituição e o Código Civil, com fundamento na dignidade do usucapiente, estar-se-á olvidando a dignidade dos destinatários da reforma agrária, do planejamento urbano e dos eventuais beneficiários da utilização que eventualmente a Administração Pública venha a conferir ao imóvel.

3. Em terceiro lugar, muitos grileiros hão de se aproveitar da situação. Segundo noticia Luiz Nassif,:


Para se ter uma ideia do que se trata e não sei como ele conseguiu, mas recentemente foi divulgada a notícia de que o pai do Aécio Neves, finado ex-deputado federal Aécio Cunha, teria adquirido as terras da sua fazenda em Montezuma através de ‘usucapião’ de terras públicas do Estado de Minas Gerais (o que a Constituição proíbe).

É nessas horas que entendo um velho ditado da minha querida e falecida avó mineira, que dizia: ‘Na sombra de cachorro, galinha bebe água!’

Na desculpa do uso social da terra e com o apelo de atender aos mais necessitados, muitas raposas felpudas poderão passar por essa brecha e além de tomarem água, vão pôr as galinhas no bucho. (Disponível em: http://jornalggn.com.br/noticia/polemica-sentenca-em-minas-reconhece-usucapiao-de-bem-publico. Acesso em: 7 de fevereiro de 2015)

De fato, sem os cães (Constituição e Judiciário) a vigiar, as galinhas (patrimônio público/povo em geral) estarão, como nunca, à mercê das raposas. É isso que queremos?

4. Nessa mesma esteira, caberia um comentário mais político que jurídico; talvez um desabafo. Num país em que bem comum é bem nenhum, em que o patrimônio público é achacado cotidianamente por aqueles que deveriam zelar por ele, em que “se mete a mão” sem o menor pudor nos bens que deveriam servir ao público, num país assim, defender o usucapião de bens públicos, é muito natural e muito triste, data maxima venia.

De todo modo, é bom que se avalie cada situação individualmente. Talvez, tenha sido feliz a decisão, no caso do acórdão em comento, dadas as suas várias peculiaridades. Mas isso não significa que se possa defender, sem mais aquela e frontalmente contra legem, o usucapião de bens públicos, numa visão unilateral e perigosa do princípio da dignidade humana.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF e UFC).


César Fiuza é advogado e professor na Universidade Federal de Minas Gerais, na PUC-MG e na Universidade FUMEC.



Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2015, 8h00

Trabalhadora será indenizada porque empregadora publicou aviso de abandono de emprego em jornal durante auxílio-doença




Uma empresária de Santa Catarina foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar indenização por danos morais de R$ 5 mil por publicar, em jornal, notificação de abandono de emprego de uma auxiliar de serviços gerais antes que ela tivesse alta previdenciária. A demissão por justa causa foi revertida em dispensa imotivada, e a empregada receberá também as verbas rescisórias.

O anúncio do abandono de emprego foi publicado três vezes em jornal de circulação local em datas diversas. A empregada estava afastada do trabalho, recebendo auxílio-doença, devido a lesão nos ombros, e permaneceu de licença até 25/2/2011. No entanto, em 2/2, a empregadora encaminhou notificação convocando-a para retornar ao trabalho.

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) entendeu que a rescisão contratual durante este período é nula, pois o contrato de trabalho estava suspenso. Assim, não se poderia considerar que houve abandono de emprego durante o período de afastamento por saúde da auxiliar. Para o Regional, a antijuridicidade do ato da empregadora estava em tornar público um fato desabonador da conduta da empregada que não ocorreu.

O TRT-SC salientou que a empresária não esgotou outras formas de notificação, pois poderia ter mandado correspondência com aviso de recebimento. De acordo com o Regional, o ato foi ilícito porque objetivou, unicamente, caracterizar o abandono de emprego sem que este tenha de fato ocorrido.

No recurso ao Tribunal Superior do Trabalho, a empregadora – proprietária de 26 imóveis destinados a locação para turistas – alegou que não podia ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais, pois a empregada faltou ao trabalho por mais de 30 dias. Sustentou que a decisão contrariou a Súmula 32 do TST, que trata do abandono de emprego.

Ao julgar o caso, a Sexta Turma do TST não conheceu do recurso de revista, entendendo que os julgados apresentados para confronto de jurisprudência eram inespecíficos, por tratarem da ausência do empregado ao serviço por período igual ou superior a 30 dias, não abordando situação em que o empregador convocou o empregado a retornar ao trabalho quando ainda estava percebendo o benefício previdenciário. O relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, destacou ainda que não podia considerar contrariada a Súmula 32, pois ficou delimitado nos autos que a empregada foi impedida de retornar ao trabalho.

(Lourdes Tavares/CF)


Fonte: TST

Crianças menores de seis anos não podem ser matriculadas no ensino fundamental


A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que admitiu o acesso de crianças menores de seis anos de idade ao ensino fundamental em Pernambuco.

A decisão que admitiu a matrícula de menores de seis anos, mediante comprovação de capacidade intelectual por meio de avaliação psicopedagógica, foi tomada em julgamento de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal contra os critérios fixados nas Resoluções 1 e 6 do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Os dispositivos estabelecem que, para ingressar na primeira série do ensino fundamental, a criança deverá contar com seis anos de idade completos até o dia 31 de março do ano a ser cursado.

Sentença favorável

O juiz determinou a suspensão das resoluções e autorizou a matrícula de menores de seis anos em todas as instituições de ensino fundamental do país. A União recorreu ao TRF5, que manteve a sentença, mas limitou sua eficácia ao estado de Pernambuco.

As duas partes recorreram ao STJ. A União sustentou, entre outros pontos, que a fixação da idade mínima para ingresso no ensino fundamental é atribuição do CNE, que a adoção da idade cronológica como critério é totalmente legítima e que as resoluções foram expedidas após a realização de estudos e audiências públicas.

O Ministério Público sustentou que a sentença deveria ter validade em todo o território nacional, e não apenas em Pernambuco.

Legalidade

Em seu voto, o ministro Sérgio Kukina, relator dos recursos, ressaltou que o artigo 32 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB) é claro ao afirmar que o ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na escola pública, inicia-se aos seis anos de idade.

Para o relator, a simples leitura do dispositivo mostra que não há ilegalidade nas resoluções do CNE que impedem o acesso de crianças abaixo desse limite ao ensino fundamental.

“A insofismável circunstância de que a criança, após a data de corte (31 de março), pudesse completar seis anos ainda ao longo do ano letivo não indica desarmonia ou afronta ao aludido artigo 32, até porque o artigo 29 da mesma LDB, de forma coerente, estabelece que o ciclo etário alusivo ao antecedente ensino infantil abarca crianças de ‘até seis anos de idade’, evitando indesejado hiato etário que pudesse acarretar prejuízo aos infantes”, afirmou o ministro em seu voto.

De acordo com Sérgio Kukina, o critério cronológico não foi definido aleatoriamente, já que foi precedido de diversas audiências públicas e sugestões de especialistas. Para ele, o critério não é ilegal nem abusivo.

Além disso, enfatizou o ministro, o Poder Judiciário não poderia acolher o pedido do Ministério Público porque estaria invadindo a competência do Poder Executivo na tarefa de definir diretrizes educacionais no âmbito do ensino fundamental.Com a decisão, ficou prejudicado o recurso do Ministério Público, que pretendia ampliar o alcance da sentença.
Fonte: STJ

I Jornada de Direito Comercial acontece nesta semana em Brasília



O Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF) realizará nos próximos dias 26 e 27 (quinta e sexta-feira) a II Jornada de Direito Comercial. O evento acontecerá no auditório do CJF, em Brasília, a partir das 9h30, com apoio da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

O objetivo da jornada é analisar tópicos relevantes do direito comercial e adaptá-los às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais. Para o diretor do CEJ, ministro Humberto Martins, a Jornada de Direito Comercial é importante para a comunidade jurídica por diversas razões.

“Em primeiro lugar, por ser um evento em que temas relevantes ao direito mercantil são debatidos pelas maiores autoridades no assunto, e, depois, pela exposição dos seus enunciados, que consubstanciam o entendimento dos expoentes do direito comercial sobre os assuntos que foram debatidos”, disse.

De acordo com o Martins, o formato do evento é pensado para dar ainda mais credibilidade aos enunciados.

“Durante dois dias, os mais eminentes juristas, advogados e operadores do direito se reúnem e debatem temas previamente escolhidos no âmbito das comissões de trabalho e depois se reúnem em plenária para aprovar o entendimento sobre os vários assuntos discutidos, que se cristalizam em seus enunciados. A partir daí, tais enunciados, mesmo sem força de lei, passam a orientar o posicionamento dos juristas brasileiros nos campos acadêmico e judicial”, explicou o diretor do CEJ.

A expectativa do ministro é que, nesta segunda edição, os enunciados aprovados durante o evento apontem sugestões para os principais problemas enfrentados pelos estudiosos do direito comercial brasileiro.

“O comércio, a indústria, os serviços são todos essenciais ao desenvolvimento do Brasil. Todavia, as normas que regem tais atividades não tinham foro adequado à discussão dos temas que lhes são caros. Essa lacuna foi preenchida com a realização da primeira Jornada de Direito Comercial, em outubro de 2012, e, agora, com a realização desta segunda jornada”, declarou.

Coordenação científica

O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ruy Rosado de Aguiar Jr. será novamente o coordenador científico do encontro, trazendo também a experiência da coordenação das edições anteriores das Jornadas de Direito Civil.

Segundo ele, essas jornadas estão entre os eventos jurídicos mais importantes de âmbito nacional e reúnem juristas com exercício em todas as áreas – magistério, magistratura, advocacia, Ministério Público e Defensoria –, vindos de todas as regiões do país.

“Algumas instituições foram especialmente convidadas, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Banco Central, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Além disso, houve expressivo interesse dos comercialistas, que apresentaram proposições de excelente nível e engrandecerão a jornada com sua participação pessoal”, contou Ruy Rosado.

O coordenador científico espera ainda que as comissões temáticas aprovem enunciados que sirvam à interpretação da lei e, assim, colaborem para o aperfeiçoamento do direito. “Os enunciados das Jornadas de Direito Civil e da I Jornada de Direito Comercial são citados pelos tribunais. Expressam o entendimento de um selecionado grupo de profissionais do direito, com diversificada experiência, que auxilia no trabalho do foro e na pesquisa”, afirmou o ministro.

Comissões e especialistas

Na abertura da jornada, serão apresentados e delimitados os temas das quatro comissões de trabalho – integradas por professores e especialistas convidados, por representantes de instituições e por autores de proposições tempestivamente encaminhadas ao CEJ e aceitas para discussão pela comissão científica. Esses grupos são responsáveis pela discussão e aprovação dos enunciados a serem debatidos na reunião plenária do evento para aprovação final.

As comissões tratarão dos seguintes temas: crise da empresa: falência e recuperação; empresa e estabelecimento; direito societário; e obrigações empresariais, contratos e títulos de crédito. Elas serão coordenadas pelos seguintes professores especialistas em direito comercial: Paulo Penalva Santos, Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Ana Frazão e Fábio Ulhoa Coelho.

“É graças à competência e à dedicação desses professores que podemos assegurar o êxito do evento, que conta ainda com a colaboração exemplar das secretarias do Centro de Estudos Judiciários e da Enfam”, afirmou Ruy Rosado.

O encontro é voltado a ministros de tribunais superiores, magistrados federais, estaduais e trabalhistas, bem como a professores, especialistas e representantes de entidades relacionadas ao tema, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Procuradoria-Geral da República e da Ordem dos Advogados do Brasil.

Já as atividades das comissões serão destinadas exclusivamente a professores, especialistas convidados, indicados institucionais e aqueles que tiveram as proposições de enunciados admitidas para discussão durante o evento, conforme orientação do regimento da jornada.

Com informações do CJF

Fonte: STJ

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Saiba Mais fala sobre venda casada



A venda casada, prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, é o tema do quadro “Saiba Mais”, do canal do Supremo Tribunal Federal (STF) no YouTube, desta semana. Em entrevista produzida pela TV Justiça, a advogada Noeli Andrade Moreira, especializada em Direito do Consumidor, fala quais as punições para quem adota essa prática.

Ela também esclarece se configuram venda casada: obrigar a contratação de seguro de automóvel em empresas vinculadas a concessionária; a venda de computadores juntamente com o sistema operacional e outros softwares acessórios; a consumação mínima em bares e boates; e a assinatura básica na telefonia.

Veja o vídeo abaixo ou em www.youtube.com/stf.
Fonte: TST

Juiz anula justa causa ao constatar que a falta cometida pela empregada era prática rotineira tolerada pelo empregador




O juiz Pedro Paulo Ferreira, em atuação na 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, afastou a dispensa por justa causa aplicada à telefonista de um grande jornal mineiro, motivada pelo fato de ela solicitar aos seus colegas de trabalho que registrassem sua jornada. É que o julgador constatou que esse procedimento era prática habitual entre os empregados, sempre tolerada pela empregadora. Assim, para ele, a aplicação da pena máxima à trabalhadora foi discriminatória, representando ofensa ao princípio da isonomia.

Conforme declarou uma testemunha, a prática dos empregados de registrarem as jornadas dos colegas de trabalho era difundida na empresa. Ela disse, inclusive, que registrava o horário de entrada para a reclamante cerca de 2 vezes na semana (porque ela atrasava 10/15 minutos) e que também já tinha registrado o período do seu intervalo. Acrescentou que até o coordenador adotava essa conduta e que jamais um empregado foi punido por isso.

Ora, apesar de irregular, o procedimento foi tolerado pela reclamada que optou por punir tão somente a reclamante e a testemunha, destacou o magistrado. Assim, para o juiz, ficou claro que o poder disciplinar foi usado de forma discriminatória (não isonômica), ficando caracterizado o abuso de direito (art. 187, CC/02), o que compromete a validade da pena aplicada. Nesse contexto, declarou a nulidade da justa causa e considerou a dispensa imotivada, condenando a reclamada a pagar à reclamante as parcelas trabalhistas decorrentes.

A empresa jornalística interpôs recurso ordinário, que se encontra em trâmite no TRT de Minas.

Fonte: TRT3

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