A controversa discussão sobre o conceito de insumos empregado no inciso II do artigo 3° das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003[1] parece estar prestes a ganhar contornos mais uniformes — ao menos na esfera judicial.
Considerado o leading case da matéria, o Recurso Especial Representativo de Controvérsia Resp 1.221.170/PR foi finalmente incluído na pauta da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça e seu julgamento está previsto para o dia 11 de fevereiro.
Embora alvo de antigo e intenso debate no meio jurídico, a discussão acerca dos limites da definição e também da utilidade desse conceito, para fins de registro de créditos das contribuições ao PIS e à COFINS, não poderia ser mais atual.
A bem da verdade, a ampla jurisprudência sobre o tema não mostrou, até o momento, indicativos mínimos de que esteja próxima de se consolidar numa direção una, deixando o contribuinte em delicada atmosfera de insegurança jurídica.
Assim, para os contribuintes interessados na definição da matéria, a inclusão do Resp 1.221.170/PR na pauta da sessão de julgamento do STJ pode ser o pretexto necessário para reacender e acalorar o debate jurídico sobre a questão.
A esse respeito, inclusive, na esfera administrativa, temos notado um crescente aprofundamento da análise do papel dos insumos na geração de créditos relativos às contribuições ao PIS e à COFINS, previstos no inciso II do artigo 3° das citadas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Já há algum tempo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) desdobrou os possíveis tratamentos fiscais aplicáveis aos insumos, basicamente, em três correntes:
a mais restritiva, que se vale da analogia ao conceito atribuído aos insumos pela legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (“IPI”)[2];
a mais ampla, que, por sua vez, utiliza o conceito atribuído às despesas necessárias para fins de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”)[3]; e,
a que vem prevalecendo nos julgados mais recentes, que dispensa os conceitos estranhos à legislação do PIS e da COFINS, concentrando-se exclusivamente na interpretação das Leis n.°s 10.637/2002 e 10.833/2003[4].
É nessa terceira corrente que, a nosso ver, está inserida a base jurídica necessária para a atuação estratégica junto aos ministros dos Tribunais Superiores.
A concentração da discussão na dicção do inciso II do artigo 3° das citadas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 mostra-se fundamental para um deslinde do Resp 1.221.170/PR mais favorável ao contribuinte.
Atualmente, a discussão sobre a inteligência do inciso II do artigo 3° das citadas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 vem paulatinamente se sofisticando, a tal ponto que a própria necessidade de definição do conceito de insumo está sendo questionada entre alguns conselheiros do CARF.
Em linhas gerais, de acordo com a nova ótica, é preciso ter em mente a intenção do legislador, ao empregar o termo “insumo”. Para tal, o intérprete deve necessariamente se valer da hermenêutica jurídica, cuja função principal é a de fornecer os instrumentos de interpretação dos enunciados jurídicos necessários à construção do real sentido da norma neles contida.
Isso significa dizer que, além do critério gramatical, a interpretação da norma contida no texto legal deve considerar também os aspectos lógico, histórico, sistemático e teleológico.
Em muitos casos, esses aspectos são extraídos, por exemplo, da própria Exposição de Motivos, ocasião na qual o legislador expõe as razões que justificariam a aprovação de determinada norma.
No caso dos créditos de PIS e COFINS, a Exposição de Motivos da MP 135/2003 (convertida na Lei 10.833/2003) pode ser utilizada como referência para entendermos quais dispêndios estariam aptos a gerar o aproveitamento de créditos, na sistemática da não cumulatividade aplicável ao PIS e à COFINS.
A esse respeito, a Exposição de Motivos da MP 135/2003 dispõe que “Por se ter adotado, em relação à não-cumulatividade, o método indireto subtrativo, o texto estabelece as situações em que o contribuinte poderá descontar, do valor da contribuição devida, créditos apurados em relação aos bens e serviços adquiridos, custos, despesas e encargos que menciona.”
Note-se que a Exposição de Motivos não considera o conceito estrito de insumo para justificar a sistemática de apuração de créditos das contribuições ao PIS e à COFINS.
Se considerarmos a justificativa posta nessa Exposição, podemos inferir que a intenção do legislador, ao inserir o termo “insumo” no inciso II do artigo 3° das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 poderia ser apenas a de instituir um qualificador para os bens e os serviços passíveis de gerar créditos.
Isto é, na sistemática não cumulativa, gerariam créditos aqueles bens e serviços que, além de necessários à manutenção da fonte produtora, fossem adquiridos com a característica de “fator de produção”, definido pela Economia como cada elemento necessário para produzir a mercadoria ou o serviço[5].
Para os defensores desta ideia, ao não mencionar especificamente os insumos, o legislador foi claro na sua intenção de não restringir os créditos a esse conceito, pretendendo apenas permitir o registro de créditos decorrentes de custos e despesas inerentes à atividade.
Se analisadas, como um todo indivisível, as hipóteses previstas no artigo 3° das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, verificamos que os custos e despesas incorridos na geração de receitas ali elencados obedecem a um critério de seleção.
Nos incisos I e II[6], o legislador inseriu todos os custos fundamentais à realização da atividade do contribuinte, elencando não apenas os produtos adquiridos para revenda (atividade comercial), como aqueles bens e serviços classificáveis como insumo tanto na fabricação do produto (atividade industrial) como na prestação de um serviço (atividade de prestação de serviços).
Contudo, considerando que as fontes produtoras possuem outros dispêndios que embora não sejam exclusivamente investidos na execução de sua atividade, são fundamentais para ela, com a finalidade de viabilizar a sistemática da não cumulatividade, o legislador incluiu nos demais incisos do citado artigo 3° despesas que, independentemente de possuírem a qualidade de insumos da atividade, poderiam gerar créditos.
Nesse sentido, além dos insumos, podem gerar créditos de PIS e COFINS também alguns gastos com: aluguéis de prédios e equipamentos utilizados nas atividades da empresa; contraprestações de operações de arrendamento mercantil; bens do ativo imobilizado ou intangível para locação a terceiros ou utilização na atividade; edificações e benfeitorias em imóveis de terceiros; energia elétrica consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica; alguns benefícios indiretos de pessoal etc.
Seguindo essa lógica, é forçoso concluir que, como os dispêndios que integram o custo da produção variam conforme a atividade, a única forma de se observar um critério isonômico de aplicação da norma e, além disso, conferir efetividade à não cumulatividade dessas contribuições, seria atribuir ao insumo conceito variável conforme o objetivo social de cada empresa.
Desse modo, a forma mais eficiente de avaliar se um bem ou serviço teria natureza de insumo passível de gerar um crédito de PIS e COFINS perpassaria, necessariamente, pela avaliação do caso concreto. Há, portanto, evidente necessidade de ser compreendida a realidade de cada empresa para determinação dos insumos geradores de crédito, conforme o seu processo produtivo[7].
Essa ideia vem ganhando força nos debates mais sofisticados entre os conselheiros do CARF[8] e, até hoje, é a que mais se aproxima de uma aplicação efetiva da sistemática da não cumulatividade.
Longe de considerar a sofisticação da discussão que vem sendo desenvolvida no CARF, para avaliar as expectativas para o julgamento do Resp 1.221.170/PR no próximo dia 11 de fevereiro, a experiência nos mostra que o seu resultado é imprevisível, na medida em que o quadro atual do posicionamento do STJ em relação ao tema, nas duas Turmas, ainda não está definido[9].
Razão pela qual, em outras palavras, essa é a ideia que deve ser desenvolvida e trabalhada junto ao Poder Judiciário, que, de acordo com os precedentes manifestados até hoje, ainda não amadureceu efetivamente o conceito dessa discussão.
Vale mencionar um caso que está atualmente em trâmite no STJ e que também se prestaria bem ao papel de leading case, o REsp 1.246.317/MG, ainda pendente de decisão final, em que se discute a natureza dos gastos com matéria-prima de limpeza e desinfecção, bem como serviços de dedetização aplicado no ambiente produtivo de uma indústria alimentícia.
Nesse caso, no voto já proferido do relator ministro Mauro Campbell Marques, um dos fundamentos do julgamento parcial favorável ao contribuinte é exatamente a ideia de “essencialidade” ao processo produtivo, que é a tônica que deve ser dada à interpretação da legislação, quando se refere a insumos que geram créditos de PIS e de COFINS.
No geral, a nova linha de interpretação conferida à sistemática de créditos de PIS e COFINS nos parece bastante razoável, na medida em que, diante da vasta e imprevisível gama de possibilidades de atividades desenvolvidas pelas empresas — e das variantes inerentes a cada negócio —, pretender determinar genérica e absolutamente o que se qualificaria como insumo, além de anti-isonômico, pode contrariar o fundamento original da edição das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Não se pode, antes de tudo, perder de vista a finalidade em si da sistemática não cumulativa de apuração dessas contribuições, qual seja: a de desonerar o contribuinte da repercussão econômica que um sistema de tributação cumulativo acarretaria no preço final do seu produto.
[1] Leis n.°s 10.637/2002 e 10.833/2003
Art. 3° (...)
II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI; (grifos nossos)
[2] Acórdão n.° 203-12.469, sessão de 17.10.2007.
[3] Acórdão n.° 3202-00226, sessão de 08.12.2010.
[4] Acórdão n.° 9303-01.740, sessão de 09.11.2011.
[5] Castañeda, José, Lecciones de Teoria Economica, 5ª reimpr., Madrid, 1982, pp.241-392.
[6] Art. 3° Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (Regulamento)
I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)
(...)
II – (já transcrito).
[7] A nosso ver, o processo produtivo do bem ou do serviço deve estar muito bem delimitado, de modo que os aplicadores da lei tenham condições de demarcar o seu início e o seu fim, para fins de creditamento de PIS e COFINS atrelados aos bens e serviços qualificáveis como insumo. Para tal, a questão probatória (documentação interna, laudos externos, por exemplo ) podem assumir papel de fundamental importância.
[8] Acórdão n.° 3302-001.168, sessão de 11.08.2011. Em especial, declaração de voto do Conselheiro Leonardo Mussi.
[9] Na 1ª Turma, o Ministro Napoleão Nunes (Resp n.° 1.020.991/RS) já proferiu voto favorável aos contribuintes, enquanto Benedito Gonçalves (AgRg no REsp 1230441/SC) e Sérgio Kukina (Resp 1.020991/RS) já se mostraram contrários. Contudo, dentre os demais membros da Turma, a Ministra Marga Tessler ainda não apreciou a matéria e, a Desembargadora Convocada Regina Helena Costa somente teve a oportunidade de apreciar a questão no Tribunal Regional Federal de Origem.
Na 2ª Turma, por sua vez, os ministros Mauro Campbell e Humberto Martins já proferiram votos favoráveis ao contribuinte, mas, com relação aos demais Herman Benjamin, Og Fernandes e Assesette Magalhães, é impossível prever. (Resp n.° 1.147.902/RS; AgRg no REsp 1125253/SC; AgRg no REsp 1335014/CE; AgRg no REsp 1429759/SC; Resp 1245773/ RS)
Vale notar que, recentemente, no julgamento do Resp n.° 1.235.979/RS, de 14.12.2014, o Relator Ministro Herman Benjamin proferiu voto desfavorável ao creditamento de despesas com combustíveis, lubrificantes e peças de reposição de veículos utilizados na entrega de mercadorias produzidas pelo contribuinte, restando vencido pelos Ministros Mauro Campbell, Humberto Martins e Cesar Asfor Rocha. O Ministro Og Fernandes não participou do julgamento.
Rafaela Canito é advogada do BMA - Barbosa Mussnich Aragão Advogados, pós graduada em Direito Tributario na UFF.
Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2015, 6h26