quinta-feira, 11 de outubro de 2012

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STF Nº. 675

Informativo STF


Brasília, 13 a 17 de agosto de 2012 - Nº 675.




Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.



SUMÁRIO

Plenário
AP 470/MG - 5
AP 470/MG - 6
AP 470/MG - 7
AP 470/MG - 8
AP 470/MG - 9
AP 470/MG - 10
AP 470/MG - 11
AP 470/MG - 12
AP 470/MG - 13
AP 470/MG - 14
AP 470/MG - 15
AP 470/MG - 16
AP 470/MG - 17
AP 470/MG - 18
AP 470/MG - 19
1ª Turma
Mudança de proclamação e intimação da defesa - 1
Mudança de proclamação e intimação da defesa - 2
Mudança de proclamação e intimação da defesa - 3
2ª Turma
MS: revisão de PAD e prazo decadencial
Clipping do DJe
Transcrições
Produção antecipada de provas e fundamentação (HC 110280/MG)
Outras Informações



PLENÁRIO



AP 470/MG - 5

O Plenário retomou julgamento de ação penal movida, pelo Ministério Público Federal, contra diversos acusados pela suposta prática de esquema a envolver crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes — v. Informativos 673 e 674. Na assentada de 15.8.2012, último dia em que proferidas as sustentações orais defensivas, deliberou-se, por maioria, que a sessão seria dividida em 2 partes: na primeira, os advogados sustentariam da tribuna; na segunda, iniciar-se-ia o voto do Min. Joaquim Barbosa, relator. Vencido o Min. Marco Aurélio, que propunha o início da tomada dos votos para o dia seguinte. O Min. Ricardo Lewandowski, revisor, não proferiu voto a respeito, em razão de não haver participado da definição do cronograma de julgamento. Findas as sustentações, passou-se à análise das questões preliminares suscitadas. Quanto à primeira delas — concernente ao desmembramento do feito em razão de suposta incompetência da Corte para julgar os réus não detentores de prerrogativa de foro perante o STF — aduziu-se, por maioria, que o tema estaria precluso, porque já discutido outrora. Vencido o Min. Marco Aurélio, que advertia não ser a competência da Corte passível de aditamento por normas processuais comuns. Afastou-se, de igual modo, a segunda preliminar — concernente ao suposto impedimento do relator para julgar a ação. Rememorou-se que a questão fora também rejeitada em momento anterior pelo Plenário. Ainda em preliminar, não se conheceu de arguição de suspeição, feita em alegações finais de defesa, em que articulado que o relator estaria a conduzir o feito de maneira parcial, com referências a artigos de imprensa e outras fontes que sustentariam a tese. Por maioria, deliberou-se que as colocações não seriam ofensivas e decidiu-se não encaminhar os autos à OAB, a título de representação. No ponto, aludiu-se ao art. 133 da CF (“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”). O Min. Cezar Peluso ressaltou que a OAB já teria tomado conhecimento das assertivas dos patronos, razão pela qual poderia requisitar os autos para averiguação, caso houvesse interesse. Vencidos o relator e o Min. Luiz Fux. O relator repisava no envio, de ofício, à OAB. O Min. Luiz Fux ponderava caber àquele órgão a análise do que proferido pelos profissionais da advocacia, pois não competiria ao Supremo aferir a conduta ética deles.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 6

Rejeitou-se, também, preliminar de inépcia da denúncia, à luz do que decidido quando do recebimento da peça acusatória. Assim, a matéria estaria preclusa. Afastou-se, ademais, preliminar de nulidade do processo por suposta violação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Argumentava-se que o Ministério Público teria deixado de incluir, na exordial, os administradores de empresa alegadamente envolvida no esquema narrado. Registrou-se que o parquet formaria sua opinio delicti de forma independente, pelo que não caberia ao Judiciário impor àquele órgão que compartilhasse do entendimento de determinado acusado, no sentido de haver outras pessoas no polo passivo da ação. Bem assim, outros envolvidos teriam sido denunciados perante a justiça comum, o que seria a hipótese dos referidos administradores. Anotou-se que eles teriam firmado acordo de delação premiada, razão pela qual fora pedido o perdão judicial de ambos. Ato contínuo, rejeitou-se preliminar de inclusão do ex-Presidente da República no polo passivo da ação. Resgatou-se o que já firmado pela Corte a respeito desse pedido. Ocorre que o autor da inicial seria a autoridade competente para oferecer acusação. Ademais, seria juridicamente impossível que o STF impusesse ao parquet a inclusão de qualquer pessoa na peça acusatória. Rejeitou-se, outrossim, preliminar de nulidade de depoimentos colhidos por juízo ordenado, em que houvera atuação de Procurador da República tido por suspeito, porque no polo passivo de ação de reparação de danos movida por pessoa jurídica à qual vinculados os réus suscitantes da preliminar. Articulou-se que o titular da presente ação seria o Procurador-Geral da República - PGR, e aquele membro do Ministério Público atuara apenas em nome e por delegação deste. Ainda assim, não atuara sozinho, mas com outro Procurador da República, também designado. Demonstrou-se que o aludido Procurador da República teria sido excluído do polo passivo da citada ação de reparação de danos. Ademais, consignou-se a preclusão da matéria, apenas ventilada em alegações finais, já que deveria ter sido levantada em recurso próprio.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 7

Repeliu-se preliminar de nulidade processual em virtude de acesso, pela imprensa, a interrogatório realizado por meio de carta de ordem. Asseverou-se que o processo não estaria sob sigilo, desde a apresentação da denúncia. Ainda que estivesse restrito sob o ângulo da publicidade, o acesso indevido de terceiro aos autos conduziria, no máximo, à responsabilização do fornecedor das informações. Afastou-se, ainda, preliminar alusiva a nulidade de perícia, por ausência de capacidade técnica específica dos peritos. Considerou-se que a questão já teria sido discutida pela Corte, quando decidido que a formação acadêmica daqueles profissionais deveria ser informada nos autos. Na oportunidade, esclarecera-se que a qualificação dos peritos oficiais estaria em consonância com os laudos contábeis e financeiros produzidos. Sublinhou-se que os suscitantes não teriam discriminado os laudos supostamente eivados de nulidade. O argumento seria genérico, portanto. Em seguida, rejeitou-se preliminar de nulidade de inquirição de testemunhas ouvidas sem nomeação de advogado ad hoc, ou com designação de apenas um defensor para os réus, cujos advogados constituídos estariam ausentes. Destacou-se que eventual impugnação ao ato alegadamente nulo deveria ter sido feita por meio de agravo, no curso da ação. Todavia, o réu interessado não o fizera. Operara-se, portanto, a preclusão. Além disso, os réus teriam sido intimados da expedição de cartas de ordem. Alguns deles, entretanto, teriam optado por não comparecer às oitivas, realizadas com os advogados presentes. Repudiou-se preliminar de cerceamento de defesa por suposta realização de audiência para oitiva de testemunhas sem o conhecimento dos réus. Discorreu-se que a matéria já teria sido apreciada pelo Pleno, quando firmado que as defesas teriam conhecimento prévio da realização da audiência, bem assim afastada a ocorrência de prejuízo. Rejeitou-se preliminar de cerceamento de defesa consistente no alegado uso, pela acusação, de documento não constante dos autos, durante oitiva de testemunha. Entendeu-se que a matéria estaria preclusa, porque o relator teria atestado a validade do feito, fundamentadamente, o que não fora objeto de agravo. Enfatizou-se, ainda, a ausência de prejuízo à defesa, pois o aludido documento teria sido previamente lido, em voz alta, na audiência.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 8

Repeliu-se preliminar de cerceamento de defesa em razão do indeferimento de oitiva de testemunhas residentes no exterior. Informou-se que a questão fora apreciada e rechaçada pelo Plenário em 2 oportunidades. Demais disso, o pedido teria perdido seu objeto em relação a uma das testemunhas, que fora inquirida. Afastou-se outra preliminar de cerceamento de defesa, esta em decorrência da suposta substituição extemporânea de testemunha pela acusação. Ademais, a aludida testemunha seria alegadamente suspeita, por ter sido processada pelos réus suscitantes. Ressurtiu-se que a questão fora já decidida pela Corte. Especificamente em relação à testemunha ter sido compromissada por ocasião de sua oitiva, observou-se que, independentemente de prestar compromisso ou não, o valor probatório de qualquer depoimento seria aferido em conjunto com as demais provas produzidas. Além disso, após ter sido entrevistada pela imprensa, a testemunha fora processada pelos réus. Assim, acolher os pleitos formulados significaria outorgar aos réus a faculdade de escolha das testemunhas a serem compromissadas, ou seja, processar uma testemunha significaria impedir que prestasse compromisso. Outrossim, não se aplicaria dever de sigilo à testemunha, em relação aos fatos inquiridos, mesmo porque o sigilo das operações bancárias alusivas ao caso teria sido afastado.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 9

Rejeitou-se preliminar de cerceamento de defesa pelo indeferimento de diligências, pedido já examinado e indeferido pelo STF. Na oportunidade, requerera-se a expedição de ofícios a instituições financeiras, com o objetivo de cotejar as rotinas delas com a da envolvida na espécie. Assim, qualquer que fosse o resultado da comparação, não se alteraria a situação dos requerentes. Ocorre que eventuais ilegalidades praticadas por dirigentes de outras instituições não tornariam lícitas condutas análogas. Em preliminar, ainda, rechaçou-se alegação de cerceamento de defesa pela não renovação dos interrogatórios ao final da instrução. Sustentava-se, outrossim, que o processo deveria ser sobrestado até que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos formulasse parecer a respeito, sob pena de nulidade da ação. Rememorou-se que o pedido já fora apreciado e indeferido em Plenário. Rebateu-se preliminar de suspensão do processo até o julgamento de demanda supostamente conexa (AP 420/MG). Sucede que a referida ação estaria, atualmente, em tramitação perante a justiça comum. Destacou-se que os suscitantes sequer seriam réus naquele feito. Além disso, a hipótese referir-se-ia ao art. 92 do CPP (“Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente”).
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 10

Acolheu-se preliminar de cerceamento de defesa pela falta de intimação de advogado constituído, para anular o processo a partir da defesa prévia, exclusive, e determinar o desmembramento do feito, com a remessa dos autos para a justiça de 1º grau, a fim de que lá prossiga a persecução penal movida contra o acusado suscitante. Arguia-se que os causídicos em cujos nomes as publicações do processo foram feitas não representariam o réu desde 2008, quando de seu interrogatório. Na oportunidade, comunicara expressamente haver constituído novo patrono, que o acompanhara no referido ato. Fora juntada procuração, seguida de defesa prévia. Entretanto, as intimações subsequentes teriam sido realizadas aos advogados desconstituídos que, em 2010, informaram a renúncia ao mandato. Consequentemente, as testemunhas arroladas na defesa prévia não foram ouvidas. Reconheceu-se a ocorrência de cerceamento de defesa, haja vista clara manifestação de vontade por parte do réu a respeito de sua defesa técnica, bem como seu direito fundamental de escolher advogado. Dessumiu-se configurado prejuízo irreparável e nulidade absoluta, inclusive porque as acusações imputadas ao réu teriam por base prova testemunhal. Assim, o acompanhamento desses depoimentos por defensor constituído seria imprescindível (CF, art. 5º, LX). Por conseguinte, declarou-se o prejuízo de outra preliminar, formulada pelo mesmo acusado, de cerceamento de defesa pela não inquirição de testemunhas arroladas na defesa prévia. Afastou-se, por fim, preliminar de inobservância à regra prevista no art. 5º da Lei 8.038/90 (“Se, com a resposta, forem apresentados novos documentos, será intimada a parte contrária para sobre eles se manifestar, no prazo de cinco dias”) pela acusação, que refutara cada uma das defesas preliminares apresentadas pelos acusados, sem restringir-se à manifestação sobre documentos novos. Reportou-se ao extenso exame de todas as manifestações das partes pelo Plenário durante todo o processo, que entendera pelo recebimento da denúncia. Não haveria que se falar, portanto, em violação ao aludido dispositivo.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 11

No mérito, o relator iniciou seu voto a partir do capítulo III da denúncia, atinente a “origens dos recursos empregados no esquema criminoso: crimes de corrupção (ativa e passiva), peculato e lavagem de dinheiro”. Destacou que, segundo narrado na peça acusatória, os fatos diriam respeito a contratos publicitários de agências vinculadas aos acusados Marcos Valério Fernandes de Souza, Cristiano de Mello Paz e Ramon Hollerbach Cardoso com a Câmara dos Deputados e com o Banco do Brasil. De acordo com o PGR, essas avenças permitiriam desvios dolosos de recursos públicos para as contas dos réus desse denominado “núcleo publicitário”. Tendo em conta a complexidade do capítulo em questão, o relator salientou que o examinaria por itens, a começar pelo concernente à “Câmara dos Deputados: contratação da agência SMP&B Comunicação - Corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e peculato” (item III.1). Essa divisão, porém, não significaria sucessão cronológica, dado que os fatos teriam ocorrido simultaneamente, entre o final do ano de 2002 até junho de 2005, quando o réu Roberto Jefferson denunciara a existência de esquema de pagamento de propina a deputados federais da base aliada do Governo Federal. Aludiu que o voto seguiria a mesma estrutura lógica do acórdão de recebimento da denúncia.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 12

Consignou o pagamento feito, por Marcos Valério, Cristiano de Mello e Ramon Hollerbach, de certa quantia a João Paulo Cunha, à época Presidente da Câmara dos Deputados, para que, nesta qualidade, autorizasse a realização de procedimento licitatório destinado à contratação de agência de publicidade, cujo desfecho implicara a admissão da SMP&B, empresa da qual os primeiros seriam sócios. Repeliu argumento, suscitado da tribuna pela defesa de João Paulo Cunha, de que o dinheiro teria sido a ele enviado por Delúbio Soares, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores - PT, para que o então Presidente da Câmara auxiliasse no pagamento de despesas de pré-campanha.Considerou indubitável que a quantia não seria do PT, nem de Delúbio Soares, mas da agência pertencente aos sócios da SMP&B, os quais teriam realizado a campanha do parlamentar à Presidência daquela Casa. Inferiu que, dos esclarecimentos dispostos nos autos, nessa época seriam intensas as relações dos sócios da agência com o citado Presidente, a reforçar que ele saberia a proveniência do numerário recebido.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 13

Assim, rechaçou a tese de que o Presidente da Câmara somente teria servido como mero intermediário de recursos enviados pelo tesoureiro do PT para candidatos do partido, pois esta seria exatamente a função de Delúbio Soares. Estimou evidenciado o dolo dos réus quanto aos crimes de corrupção ativa e passiva, em virtude da relação prévia entre o parlamentar e Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, bem como diante do atendimento dos interesses dos sócios da agência no sentido de obter contratos com órgãos federais. Sobrelevou a decisão do Presidente que permitira o início de procedimento licitatório, dado que a contratação de agência de publicidade não seria comum na Câmara dos Deputados, haja vista que teria sido a segunda licitação da história do órgão para essa finalidade. Ademais, considerou demonstrado que, ao parlamentar, caberia autorizar a contratação de terceiros prestadores de serviços, no âmbito do contrato firmado entre a Câmara e a SMP&B, a fim de garantir, desse modo, a remuneração da agência, a qual teria prestado, diretamente, percentagem ínfima do objeto contratual. Assim, reputou caracterizados os delitos de corrupção ativa (CP, art. 333) imputados a Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, e passiva, atribuído a João Paulo Cunha.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 14

Na sequência, considerou configurado o crime de lavagem de dinheiro de que acusado João Paulo Cunha. Asseverou que o modus operandi por ele utilizado para dissimular o recebimento da vantagem indevida em proveito particular consistiria em mecanismo fraudulento, à margem das normas do sistema bancário brasileiro. Afirmou que, conforme comprovado nos autos, a esposa do parlamentar pessoalmente recebera, em agência bancária, dinheiro decorrente de cheque emitido pela SMP&B, tendo como sacador/beneficiário, a própria SMP&B — a pretexto de que o valor se destinaria ao pagamento de fornecedores. Registrou, ainda, a ocorrência de dolo na ocultação da origem ilícita do dinheiro, já que o réu seria o autor de um dos crimes antecedentes (corrupção passiva). Rechaçou assertiva de que haveria, no caso, mero exaurimento do crime de corrupção, porquanto o meio empregado para receber a vantagem indevida caracterizaria crime autônomo de lavagem de dinheiro, a atingir bem jurídico diverso.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 15

No tocante à imputação de peculato, a denúncia descreveria que o contrato da SMP&B com a Câmara dos Deputados teria sido utilizado para o desvio de recursos públicos em 2 modalidades. A primeira delas derivaria de expressivo volume de subcontratações, com base em autorizações do então Presidente da Câmara dos Deputados, a reduzir a prestação efetiva de serviços por parte da empresa de publicidade em percentagem irrisória do total contratado. O relator evidenciou a materialidade do delito, ao mencionar a presença, nos autos, de 3 pronunciamentos de órgãos colegiados de auditoria no sentido do percentual de serviços executados pela empresa. Acentuou o desvio da finalidade da avença, que se destinaria à ilícita remuneração da SMP&B sobre a contratação de terceiros, com ônus para a Casa Legislativa. No ponto, aduziu que os órgãos de fiscalização teriam sinalizado a falta de pertinência das subcontratações com os serviços da SMP&B.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 16

Ressaltou que as autorizações para a subcontratação seriam de competência do então Presidente da Câmara dos Deputados, que possibilitara dezenas delas, reiterando continuamente a violação ao longo do ano de execução contratual. Além disso, ficara demonstrado nos autos que o réu participara, ativa e intensamente, da execução do contrato de publicidade da Câmara com a SMP&B, permitindo a remuneração de Marcos Valério e seus sócios, por serviços que vinham sendo criados e produzidos por terceiros, quase nunca relacionados a trabalhos de autoria da agência por eles administrada. As referidas autorizações comprovariam que o então Presidente da Câmara, como ordenador de despesa, detivera a posse desses recursos e promovera seu desvio em proveito da SMP&B. Ademais, a frequência das decisões proferidas por João Paulo Cunha revelaria o dolo de aumentar os gastos contratuais em benefício da aludida agência. Observou que a realização de dispêndio com terceiros no âmbito do contrato da SMP&B fora desproporcional ao montante de serviços realizados pela agência, que claramente não mantivera sua preponderância na execução do ajuste, o que violaria previsão expressa em cláusula de edital de concorrência. Demais, externou que, ao executar diretamente apenas percentual irrisório do objeto do contrato como um todo, a SMP&B desvirtuara, até mesmo, a modalidade “melhor técnica” da licitação, que conduzira à contratação da agência pela Câmara. Aquilatou que o dolo da prática criminosa ficaria, assim, demonstrado: a SMP&B fora contratada, sobretudo, para receber honorários. Os altos valores gastos com serviços de terceiros e com a veiculação de campanhas elaboradas pela própria Câmara, com auxílio de seus servidores, teriam produzido o enriquecimento ilícito da agência de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach. Ademais, as múltiplas irregularidades praticadas pela SMP&B no curso da execução contratual, em coautoria com João Paulo Cunha, constituiriam, portanto, o modus operandi empregado pelos réus do “núcleo publicitário” para consumar o crime de peculato, em detrimento da Câmara dos Deputados.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 17

Ato contínuo, o relator examinou outra imputação de peculato: o caso da empresa IFT. Na espécie, atribuir-se-ia o crime apenas ao então Presidente da Câmara dos Deputados, haja vista contratação direta de seu assessor, proprietário da empresa, no âmbito de ajuste publicitário firmado com a Câmara dos Deputados. Explicou que o Presidente desse órgão seria acusado de utilizar recursos públicos em proveito próprio, pelo mecanismo da subcontratação da empresa, a fim de manter o serviço de assessoria direta que lhe vinha sendo prestado. Destacou a circunstância de que o proprietário da IFT prestava serviços a João Paulo Cunha desde sua candidatura a Chefe da Casa Legislativa — entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003. Sobressaiu que essas atividades teriam sido remuneradas pela DNA Propaganda, agência também controlada por Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach. Observou que João Paulo Cunha teria autorizado, na sua gestão, a subcontratação da empresa de seu assessor, em âmbito de contrato de publicidade já existente. Findo o prazo contratual, o parlamentar renovara, por 2 vezes, a contratação da IFT, na esfera da avença da SMP&B com a Câmara. Apontou que esses fatos teriam sido confirmados no depoimento do assessor. Ressurtiu que, nos termos do que contido em laudos e auditorias técnicas, não houvera a concretização de qualquer serviço prestado à Câmara pelo dono da IFT, porque atuara como assessor pessoal de João Paulo Cunha.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 18

O relator avaliou que o parlamentar mantivera assessoria pessoal sem precisar pagar por ela, porque remunerada pela Câmara, o que caracterizaria grave violação ao princípio da impessoalidade. Ponderou que até mesmo os depoimentos das testemunhas de defesa associariam os trabalhos do dono da IFT à função de assessor de imprensa de João Paulo Cunha. Verificou, dos registros da Câmara, inexistir qualquer trabalho produzido pela IFT. Expôs que as conclusões do TCU favoráveis ao parlamentar teriam surgido após alterações promovidas na Relatoria do Procedimento de Tomada de Contas e na equipe da Secretaria de Controle Externo - SECEX. Mencionou laudo do Instituto Nacional de Criminalística, que identificara irregularidades em notas fiscais e atestos referentes aos serviços da IFT, bem como reiterada participação de determinados servidores em fases subsequentes da licitação e da contratação, o que afrontaria o princípio da segregação de funções. Por fim, concluiu ter havido dolo de desvio de recursos públicos por parte de João Paulo Cunha, em proveito próprio, nos termos do art. 312 do CP.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 19

Em síntese, o relator votou pela condenação do ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, pelo cometimento dos crimes de: a) corrupção passiva, lavagem de dinheiro, porque teria recebido vantagem indevida, por meio de mecanismo de lavagem de dinheiro, vinculada à prática de atos de ofício em benefício da SMP&B; b) peculato, 2 vezes, porque, mediante autorizações de subcontratações e pagamentos de honorários à agência SMP&B Comunicação, teria desviado recursos públicos, de que tinha a posse em razão do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, em proveito próprio e de Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz. No que tange a Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz votou pela condenação em face da prática dos crimes de corrupção ativa e peculato, porque teriam oferecido vantagem indevida a João Paulo Cunha, em virtude de atos de ofício que lhes seriam benéficos e desviado recursos públicos da Câmara dos Deputados, em proveito próprio, cientes de que a agência SMP&B fora remunerada quase exclusivamente com base em serviços prestados por terceiros, o que teria importado em desvio de finalidade da contratação, bem como de recursos públicos. Após, o julgamento foi suspenso.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13 a 16.8.2012. (AP-470)

1ª parte Audio
2ª parte Audio
3ª parte Audio
4ª parte Audio
5ª parte Audio
6ª parte Audio
7ª parte Audio
8ª parte Audio
9ª parte Audio
10ª parte Audio
11ª parte Audio
12ª parte Audio
13ª parte Audio
14ª parte Audio
15ª parte Audio
16ª parte Audio


1ª parte Vídeo
2ª parte Vídeo



PRIMEIRA TURMA




Mudança de proclamação e intimação da defesa - 1

A 1ª Turma, por maioria, deferiu habeas corpus a fim de que outro julgamento de recurso especial se perfaça com a composição completa do órgão julgador, contendo o quinto juiz para desempate, consoante previsto na sessão realizada em 27.10.2009. Na origem, o paciente fora pronunciado pela alegada prática dos crimes de homicídio e de lesão corporal grave, ao supostamente dirigir embriagado e em velocidade muito superior à permitida. Dessa sentença, sob vários fundamentos, a defesa interpusera sucessivos recursos. No STJ, órgão fracionário proclamara a ocorrência de empate na apreciação do apelo especial, em 27.10.2009, e decidira convocar Ministro de Turma diversa para proferir voto de desempate. Na mencionada sessão, consignou-se que, após a relatora se manifestar pelo conhecimento parcial do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, sendo acompanhada por outro Ministro, houvera 2 votos no sentido do não conhecimento do feito. Conforme notas taquigráficas, a relatora o provia parcialmente para cassar acórdão e sentença de pronúncia, determinando que outra fosse proferida, sanado o vício apontado. Quanto ao magistrado que a seguia, este concedia habeas corpus de ofício para que fosse suprimida da pronúncia a palavra “racha”. Em 29.10.2009, o Colegiado daquela Corte retificara o resultado da assentada anterior, para fazer constar o não conhecimento do recurso por votação majoritária. Nesse sentido, computado o voto do juiz que concedia a ordem de ofício. Na sessão de 4.12.2009, realizara-se nova retificação, para que figurasse ter a Turma, por maioria, negado provimento à parte em que conhecido o especial. A defesa arguia a ocorrência de constrangimento ante modificação ilegal, em 29.10.2009, no resultado do recurso e falta de intimação para a sessão em que alterado.
HC 108739/SC, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 14.8.2012. (HC-108739)


Mudança de proclamação e intimação da defesa - 2

Prevaleceu voto do Min. Luiz Fux. Verificou que a “retificação” da assentada resultara em reformatio in pejus, porquanto a relatora, que provia o recurso na parte conhecida, e o Ministro que concedia habeas corpus de ofício, entendiam existir excesso de linguagem na pronúncia. Explicitou que, consoante apontado pela parte, a nulidade decorreria da readaptação do que julgado, 2 dias depois, em detrimento do paciente e sem intimação de seu advogado. Sublinhou que somente poder-se-ia chegar ao mérito da impugnação, genericamente, caso ultrapassada a fase de admissibilidade do recurso. Dessa feita, embora dele não tivesse conhecido, o Ministro que acompanhava a relatora favorecia o réu. O Min. Marco Aurélio, ao subscrever essa conclusão, reputou configurado vício de procedimento, a partir do que indicara como direito natural: o do cidadão de saber o dia de julgamento. Constatou que a defesa fora surpreendida, após sair da sala da sessão segura de que seria convocado integrante para o desempate. Complementou que isso não poderia ter acontecido sem a intimação dela. Dessumiu haver insubsistência do pronunciamento da Turma de 29.10.2009. Por fim, ressaltou ser possível que os Ministros do STJ — componentes da primeira apreciação do feito, em 27.10.2009 — ainda reajustassem seus votos, tendo em conta que o julgamento não teria sido finalizado. O Min. Dias Toffoli também considerou o fato de que, originariamente, fora convocado outro Ministro e, depois, a defesa fora surpreendida. Ponderou que a relatora do STJ provera o recurso em maior extensão, para anular decisão, e o outro Ministro, para retirar aquilo por ele entendido como excesso de linguagem, ou seja, em âmbito menor. Frisou que ambos os votos teriam sido benéficos ao ora paciente. Destacou, ainda, ser bastante o assentamento de que seria convocado quinto juiz.
HC 108739/SC, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 14.8.2012. (HC-108739)


Mudança de proclamação e intimação da defesa - 3

Vencida a Min. Rosa Weber, relatora, que não conhecia da impetração e, nisto superada, denegava a ordem. Em suma, aduzia que se buscava nulidade de pronúncia, muito anterior a 2009, por excesso de linguagem. Avaliava existir verdadeira supressão de instância. Interpretava não ter ocorrido mudança de voto, mas correção de atecnia, de erro material. Inferia que, ainda se não fosse assim, uma vez que provisória a proclamação de 27.10.2009, qualquer magistrado poderia alterar seu voto. Avaliava que a verdadeira modificação de resultado seria a decorrente da proclamação de 4.12.2009. No que concerne à intimação, explanava que o processo permanecera pautado para sessão de convocação de desempatador. Além disso, rematava não vislumbrar qualquer nulidade.
HC 108739/SC, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 14.8.2012. (HC-108739)


SEGUNDA TURMA



MS: revisão de PAD e prazo decadencial

A 2ª Turma desproveu agravos regimentais de decisões do Min. Gilmar Mendes, que negara seguimento a mandados de segurança, dos quais relator, em cujas decisões entendera que os impetrantes pretenderiam declaração de nulidade de PAD que culminara com suas demissões. Na origem, tratava-se de impetrações contra ato da Presidente da República, que indeferira pedidos de revisão, sendo estes formulados sob o argumento de que o PAD fora conduzido por comissão de natureza temporária (ad hoc). Explicitou-se que a controvérsia seria sobre decadência [Lei 12.016/2009, art 23: “O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”]. Registrou-se que houvera a demissão em 1998, mas que o pleito revisional ocorrera em 2010. Concluiu-se pela inexistência de reabertura do prazo decadencial.
MS 30981 AgR/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.8.2012. (MS-30981)
MS 30982 AgR/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.8.2012. (MS-30982)

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 15.8.2012 13, 14 e 16.8.2012 1
1ª Turma 14.8.2012 6
2ª Turma 14.8.2012 111





























T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Produção antecipada de provas e fundamentação (Transcrições)

(v. Informativo 674)

HC 110280/MG*


RELATOR: Min. Gilmar Mendes

Relatório: Trata-se de habeas corpus, sem pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU), em favor de **, contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que denegou a ordem nos autos do HC 203.161/MG, Rel. Min. Jorge Mussi. Eis o teor da ementa desse julgado:

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. ART. 366 DO CPP. PROVA TESTEMUNHAL. MEDIDA CAUTELAR. CARÁTER URGENTE. FALIBILIDADE DA MEMÓRIA HUMANA. COLHEITA EM RELAÇÃO AO CORRÉU QUE COMPARECEU AOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.
1. Não obstante o enunciado n. 455 da Súmula desta Corte de Justiça disponha que a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo, a natureza urgente ensejadora da produção antecipada de provas, nos termos do citado artigo, é inerente à prova testemunhal, tendo em vista a falibilidade da memória humana, motivo pelo qual deve ser colhida o quanto antes para não comprometer um dos objetivos da persecução penal, qual seja, a busca da verdade dos fatos narrados na denúncia.
2. Não há como negar o concreto risco de perecimento da prova testemunhal tendo em vista a alta probabilidade de esquecimento dos fatos distanciados do tempo de sua prática, sendo que detalhes relevantes ao deslinde da questão poderão ser perdidos com o decurso do tempo à causa da revelia do acusado.
3. O deferimento da realização da produção antecipada de provas não traz qualquer prejuízo para a defesa, já que, além do ato ser realizado na presença de defensor nomeado para o ato, caso o acusado compareça ao processo futuramente, poderá requerer a produção das provas que entender necessárias para a comprovação da tese defensiva.
4. Na hipótese vertente, o Magistrado Singular determinou a produção antecipada das provas ao argumento de que a colheita dos elementos de informação já ia ser realizada em relação ao corréu ** - que havia comparecido aos autos e apresentado a sua defesa -, razão pela qual as oitivas das testemunhas, que seriam comuns, já poderiam ser aproveitadas para o paciente revel, assegurando, ainda, que o ato seria efetivado na presença de defensor dativo, fundamentação que se mostra idônea a justificar a antecipação da medida.
5. O temor na demora da produção de prova se justifica, ainda, pelo fato do suposto delito narrado na denúncia ter ocorrido em 2008, isto é, aproximadamente 2 (dois) anos antes de proferida a decisão que deferiu a produção antecipada de provas, correndo-se enorme risco de que detalhes relevantes do caso se perdessem na memória das testemunhas, circunstâncias que evidenciam a necessidade da medida antecipatória.
6. Ordem denegada.

Na espécie, o paciente foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 155, § 4º, IV, do CP (furto qualificado pelo concurso de agentes).
Citado por edital, o acusado não constituiu defensor nem apresentou resposta.
Considerando que o corréu, citado pessoalmente, apresentou defesa, o Juízo de origem designou audiência de instrução e julgamento, consignando que o ato, em relação ao paciente, constituiria produção antecipada de provas, nos termos do art. 366 do CPP.
A defesa, então, impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ/MG), alegando ausência de fundamentação da decisão que determinou a antecipação da prova oral, em virtude da ausência de indicação da necessária urgência para a hipótese.
A 1ª Câmara Criminal da Corte estadual denegou a ordem.
Daí a impetração de habeas corpus no STJ, cuja ordem também foi denegada, consoante se depreende da ementa transcrita.
Agora, a defesa reitera os argumentos submetidos a exame do TJ/MG e do STJ, para sustentar a ausência de fundamentação válida para a antecipação da prova oral.
Requer a concessão da ordem, a fim de que seja declarada a nulidade da prova oral indevidamente antecipada, desentranhando-se dos autos.
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela denegação da ordem.
É o relatório.

Voto: Conforme relatado, a defesa se insurge contra acórdão proferido pela 1ª Câmara Criminal do TJ/MG e mantido pelo STJ, que considerou regular a colheita antecipada da prova testemunhal.
Na espécie, o paciente foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 155, § 4º, IV, do CP (furto qualificado pelo concurso de agentes).
Citado por edital, o acusado não constituiu defensor nem apresentou resposta.
Considerando que o corréu, citado pessoalmente, apresentou defesa, o Juízo de origem designou audiência de instrução e julgamento, consignando que o ato, em relação ao paciente, constituiria produção antecipada de provas, nos termos do art. 366 do CPP.
Determinou, ainda, que, após a audiência, para o réu **, o feito deveria ser desmembrado, com a suspensão do processo e do prazo prescricional.
A defesa, então, impetrou habeas corpus no TJ/MG, que denegou a ordem.
No STJ, a Quinta Turma também denegou a ordem.
Agora, a impetrante reitera a alegação de ausência de fundamentação válida para a antecipação de provas, afirmando: a falibilidade da memória humana não constitui circunstância excepcional a justificar de forma idônea a mitigação ao exercício da autodefesa.
Assevera também: a prova produzida à revelia do réu, sem lhe permitir o exercício da autodefesa, está, desde já, incutida no magistrado, a ponto de interferir em eventual produção probatória posterior, com a presença do acusado.
Por fim, pleiteia a declaração de nulidade da prova oral indevidamente antecipada, solicitando seu desentranhamento dos autos.
O Código de Processo Penal, em seu art. 366, dispõe sobre a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional nos casos em que o acusado, citado por edital, não comparece em juízo, hipótese na qual também autoriza a produção antecipada das provas consideradas urgentes.
Sobre o tema, Renato Brasileiro de Lima tece as seguintes considerações:

Provas antecipadas são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam , previsto no art. 225 do CPP: Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.
(…) Outro exemplo de prova antecipada é aquele constante do art. 366 do CPP, em que, determinada a suspensão do processo e da prescrição em relação ao acusado que, citado por edital, não tenha comparecido nem constituído defensor, poderá ser determinada pelo juiz a produção antecipada de provas urgentes, nos termos do art. 225 do CPP. Nesse caso, para que se imponha a antecipação da prova urgente, deve a acusação justificá-la de maneira satisfatória (v.g., ofendido com idade avançada). Isso porque, na visão dos Tribunais Superiores, a inquirição de testemunha, por si só, não pode ser considerada prova urgente, e a mera referência aos limites da memória humana não é suficiente para determinar a medida excepcional. (Lima, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I, Niterói/RJ, Editora Impetus, 2011, p. 838-839).

Na espécie, o magistrado de 1º grau fundamentou o seu decisum na possibilidade de que o tempo pudesse afetar a aferição da verdade real.
No mesmo sentido, colho os seguintes excertos da decisão proferida pelo TJ/MG:

A paciente foi citada por edital e não compareceu, enquanto o corréu, citado pessoalmente, apresentou defesa, ao que o MM. Juiz designou audiência de instrução e julgamento, consignando que o ato, em relação à paciente, constituiria produção antecipada de provas.
Pois bem. O Juízo, primando pela celeridade e economia processual, agiu acertadamente.
Isso porque, se é verdade que o CPP, no art. 366, faculta ao Juiz a possibilidade de antecipar provas reputadas urgentes, antes expressa uma faculdade óbvia do que limita sua atuação.
Não descuido que, acertadamente, doutrina e jurisprudência caminham no sentido de não permitir que a produção seja indiscriminada, posto que Lei não admite isso, mas penso que a urgência deve mesmo ser aferida pelos juízos primevos, que devem fazer uma análise ampla, excedendo o mero interesse do acusado ou do MP, mas também levando em conta o interesse da sociedade e do Judiciário.
E me parece o caso, pois, se existe uma audiência marcada para um corréu, com a intimação de todas as testemunhas (que são comuns), parece-me urgente que o Judiciário aproveite a oportunidade e já colha a prova a respeito do réu revel, garantindo-lhe, obviamente, que quando comparecer tenha oportunidade de se opor à prova colhida, inclusive propondo a realização de outras provas.
Portanto, a urgência deve mesmo ser aferida pelo juízo, caso a caso, levando em consideração todos os interesses de todas as partes (incluídos aí o Judiciário, o MP, a sociedade, etc.), devendo a decisão que antecipar as provas, assim como todo ato processual que extrapola o de mero expediente, ser motivada por fundamentos idôneos, como no caso, pois o Juiz, que já iria realizar a audiência em razão de o corréu ter apresentado defesa, assim agiu em nome da celeridade, economia e eficiência processual. Aproveitou os atos praticados e, com absoluta coerência com a sistemática processual-constitucional vigente, optou, por bem, em antecipar a produção das provas em relação ao paciente revel.
E mais, o d. Defensor não comprovou prejuízo efetivo ao paciente. Aliás, ele não alega sequer eventual prejuízo.
Assim, firme no brocado pas de nullité sans grief, e por tudo mais que foi exposto, denego a ordem.

Já o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião da análise do HC n. 203.161/MG, assim se manifestou:

(...) o simples fato do Togado Singular deferir a produção de provas em razão da limitação da memória humana e o comprometimento na busca da verdade dos fatos não induz qualquer prejuízo à parte, sendo, portanto, motivação idônea e apta à determinação da medida.

E, no caso em apreço, observa-se que o Magistrado Singular determinou a produção antecipada das provas ao argumento de que a colheita dos elementos de informação já ia ser realizada em relação ao corréu ** que havia comparecido aos autos e apresentado a sua defesa -, razão pela qual as oitivas das testemunhas, que seriam comuns, já poderiam ser aproveitadas para o paciente revel, assegurando, ainda, que o ato seria efetivado na presença de defensor dativo, fundamentação que se mostra idônea a justificar a antecipação da medida.
Ademais, na hipótese vertente, o temor na demora da produção de prova se justifica, ainda, pelo fato de que o suposto delito narrado na denúncia ocorreu em 2008, isto é, aproximadamente 2 (dois) anos antes de proferida a decisão que deferiu a produção antecipada de provas, correndo-se enorme risco de que detalhes relevantes do caso se perdessem na memória das testemunhas, motivo que legitima a medida antecipatória adotada.
Sabe-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento no sentido de que a colheita antecipada das provas demanda a demonstração da real necessidade da medida (HC 108.064/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, maioria, DJe 27.2.2012; HC 109.726/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, maioria, DJe 29.11.2011, e RHC 85.311/SP, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 1º.4.2005). Nesse sentido, transcrevo a ementa do julgamento do HC 96.325/SP, rel. Min. Cármen Lúcia (1ª Turma, unânime, DJe 21.8.2009):

HABEAS CORPUS . CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. A decisão que determina a produção antecipada da prova testemunhal deve atender aos pressupostos legais exigidos pela norma processual vigente (Art. 255. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo a instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento). 2. Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que se o acusado, citado por edital, não comparece em constitui advogado, pode o juiz, suspenso o processo, determinar produção antecipada de prova testemunhal, apenas quando esta seja urgente nos termos do art. 225 do Código de Processo Penal. Precedentes. 3. Ordem concedida.

Os fundamentos adotados pelo Juízo de origem, corroborados pela Corte Estadual e pelo STJ, mostram sintonia com nossa jurisprudência. É que, no caso vertente, a antecipação da prova testemunhal configurou-se medida necessária, em razão da possibilidade concreta de perecimento (fato ocorrido em 2008).
Ademais, a produção antecipada da prova testemunhal foi realizada durante a audiência de instrução e julgamento de corréu, na presença da Defensoria Pública.
Ressalto, também, que como bem registrou o acórdão do STJ, caso o acusado compareça ao processo futuramente, poderá requerer a produção das provas que julgar necessárias para a comprovação da tese defensiva, inclusive, desde que apresente argumentos idôneos, a repetição da prova produzida em antecipação.
Destaco, assim, que os dois fundamentos adotados pelo magistrado de 1º grau - a limitação da memória humana e o comprometimento da busca da verdade real são idôneos a justificar a determinação da antecipação da prova testemunhal.
Nesse mesmo sentido, cito o HC 108.080/SP, de minha relatoria, julgado pela Segunda Turma em 10.4.2012 (DJe 14.6.2012).
Nesses termos, meu voto é no sentido de denegar a ordem.

*acórdão publicado no DJe de 17.8.2012
**nomes suprimidos pelo Informativo

OUTRAS INFORMAÇÕES
13 a 17 de agosto de 2012

Decreto nº 7.793, de 20.8.2012 - Dispõe sobre a contratação de serviços de agentes financeiros pelos órgãos e entidades do Poder Executivo. Publicado no DOU, Seção 1, p. 2, em 20.8.2012.
Decreto nº 7.792, de 17.8.2012 - Altera a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, aprovada pelo Decreto nº 7.660, de 23 de dezembro de 2011. Publicado no DOU, Seção 1, p. 2, em 20.8.2012.
Decreto nº 7.791, de 17.8.2012 - Regulamenta a compensação fiscal na apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ pela divulgação gratuita da propaganda partidária e eleitoral, de plebiscitos e referendos. Publicado no DOU, Seção 1, p. 1, em 20.8.2012.
Decreto nº 7.790, de 15.8.2012 - Dispõe sobre financiamento do Fundo de Financiamento Estudantil - FIES. Publicado no DOU de 16.8.2012. Publicado no DOU, Seção 1, p. 6, em 16.8.2012.
Decreto nº 7.789, de 15.8.2012 - Altera o Decreto nº 6.550, de 27 de agosto de 2008 que dispõe sobre a estrutura e o funcionamento do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte - CONIT. Publicado no DOU, Seção 1, p. 6, em 16.8.2012.
Decreto nº 7.788, de 15.8.2012 - Regulamenta o Fundo Nacional de Assistência Social, instituído pela Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá outras providências. Publicado no DOU, Seção 1, p. 5, em 16.8.2012.
Decreto nº 7.787, de 15.8.2012 - Altera o Decreto no 6.306, de 14 de dezembro de 2007, que regulamenta o Imposto sobre Operação de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários - IOF. Publicado no DOU, Seção 1, p. 5, em 16.8.2012.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Capitalismo e modernidade: a guerra contra a natureza


Por José Luiz Quadros de Magalhães

Qual a conexão entre paz e meio ambiente? A aparente desconexão é facilmente superada quando nos valemos da história. Percebemos, a partir de um passeio na história recente, que paz e meio ambiente estão completamente conectados, e que a preservação do meio ambiente necessita da conquista da paz, o que por sua vez só ocorrerá com a substituição radical dos valores que sustentam a relações humanas e logo as relações internacionais.
Comecemos pois a desdobrar o parágrafo anterior.



GUERRA E MEIO AMBIENTE



Podemos fazer uma ligação imediata entre paz e meio ambiente lembrando diversas passagens de conflitos armados em tempos diferentes da história, e como, gradualmente, estes conflitos levaram às devastações ambientais crescentes, desde a queima de florestas, contaminação da água dos rios (como na guerra do Paraguai), destruição de plantações, a utilização de armas de destruição em larga escala, até chegarmos à ameaça final da guerra nuclear, passando pelas guerras químicas e biológicas.

As devastações do campo e das cidades comprometem o meio ambiente. Os bombardeios em larga escala desde a segunda guerra mundial até as guerras do Iraque e Afeganistão no século XXI trouxeram, em muitos casos, prejuízos irreparáveis. Como exemplos recentes podemos citar a destruição sádica de Dresden (Alemanha 2ª guerra mundial); de Yroshima e Nagasaki (no Japão, onde pessoas ainda morriam em razão da bomba décadas depois da detonação); a destruição de Bagdá e de um acervo histórico de valor incalculável para humanidade, entre outros episódios lamentáveis.

Entretanto não é apenas esta a conexão que podemos fazer. Podemos buscar uma conexão menos aparente para o público em geral, mas de capacidade de destruição continua, pois se trata de um comprometimento da paz que sustenta todo um sistema econômico que vivemos na modernidade. O capitalismo e a necessidade da guerra para a sua sobrevivência.

Respeitando as dimensões deste texto precisamos delimitar a questão da paz, da guerra, do meio ambiente e do capitalismo aos séculos XX e XXI, ou seja, a construção da sociedade de consumo em que vivemos, que nos mergulha em valores que comprometem a vida humana no planeta, e não o planeta como muitos ressaltam.

Parece cada vez mais claro que uma sociedade global fundada em valores individualistas; egoístas; competitivos e materialistas, em uma relação de consumo e de apropriação de tudo (o que é contraditório na essência), não pode prosperar muito tempo (mesmo porque a idéia de prosperidade desta sociedade é material e quantitativa, portanto, inviável do ponto de vista ambiental e humano). Ou mudamos estes valores que hoje sustentam nossas sociedades ou acabamos.

Importante lembrar sempre, que estes valores não são naturais, são históricos. O individualismo, o egoísmo e a apropriação desenfreada são construções históricas capazes de gerar subjetividades que podem e são normalmente naturalizadas. Exemplo disto é a afirmação ainda hoje de direitos naturais, como, por exemplo, o direito de propriedade. O sentimento de propriedade ou a necessidade de apropriação são criações culturais históricas. A nossa percepção da nossa condição de seres históricos é fundamental para enfrentarmos o desafio de construirmos novas percepções do mundo, uma nova subjetividade, desafio fundamental para a preservação da humanidade.

Para compreendermos a relação entre sistema econômico e guerra precisamos relembrar alguns conceitos importantes da Teoria do Estado. Ao recordarmos estes conceitos pretendemos oferecer ao leitor elementos de análise crítica que possam permitir não apenas estabelecer a conexão lógica de um sistema moderno que se alimenta essencialmente da guerra, como também, a necessidade de construção de uma nova sociedade política, que permita a construção de relações internacionais fundadas no diálogo e na diversidade cultural.

Assim, a paz capaz de preservar o meio ambiente é um caminho a ser construído na superação do paradigma moderno.



A CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE: A ERA EUROPÉIA



Uma data simbólica nos ajuda a compreender a construção da modernidade européia: 1492.

Por que esta data? São dois os fatos históricos marcantes que inauguram a modernidade.

A era européia.

Em primeiro lugar, em 1492, Colombo chega a América. Neste momento começa o processo de expansão militar, conquista e exploração sistemática dos que os europeus passaram a chamar de recursos naturais: a natureza estava reduzida a recursos para alimentar a expansão econômica européia. Esta concepção do ser humano separado da natureza e da natureza como fonte de recursos para este ser racional (o único) nos acompanhará até hoje. Esta idéia fundamenta a acelerada e continua degradação ambiental que hoje, mesmo após todos os alertas sobre as suas conseqüências, continua em ritmo cada vez maior.

Esta invasão que se inicia na América, ocorrerá nos outros continentes nos 500 anos de hegemonia militar e cultural européia.<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->

Naquele momento, quando europeus tomavam terras de uso comum de inúmeras comunidades originárias, assistíamos ao primeiro grande genocídio humano com milhões de indígenas assassinados, culturas extintas e o início de uma devastação ambiental com precedente na mesma Europa de onde vinham os invasores (que se diziam civilizadores).

O segundo fato histórico importante no ano de 1492 foi a expulsão dos mouros (muçulmanos) e dos judeus da península ibérica. Este é o marco para o início da formação do estado moderno e do seu direito territorial uniformizador, normalizador e hegemônico.

A fundação do estado nacional e a expansão européia fundam o universalismo europeu<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> com o qual começamos a romper, lentamente e pontualmente, na contemporaneidade.

Os mitos modernos começam a ajudar a compreender as bases das sociedades de exploração de recursos e pessoas que se constroi a partir de então. Boaventura de Souza Santos<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> menciona estes mitos: o selvagem; o oriental e a natureza separada do ser humano. Como visto, destes mitos, que sustentam a exploração da riqueza das Américas pelos invasores europeus que não consideram os selvagens (os povos originários) como pessoas, a separação do homem da natureza é um dos fundamentos ideológicos do sistema que perdura até hoje: a natureza, vista como algo separado de nós racionais, serve para ser explorada pelos homens, abastecendo a sociedade humana e sua indústria de todos os recursos que estes necessitarem.

Uma característica essencial do estado moderno que deve ser levada em consideração para a compreensão do sistema é o fato deste estado se constituir a partir da afirmação do poder do Rei diante de dois poderes que ocupam espaços territoriais distintos: o império com grande dimensão territorial e o poder local dos senhores feudais. A lógica que sustenta a idéia de soberania externa (independência) e soberania interna (supremacia de poder) tem uma característica hegemônica uniformizadora que sustenta a extinção de diversos povos e diversas culturas, assim como a submissão (temporária ao que parece) de diversas outras culturas.

Para que o poder do estado nacional seja reconhecido ele necessita da uniformização de comportamentos da sua população. O estado moderno expulsa os mais diferentes<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--> e uniformiza valores e comportamentos dos menos diferentes. Assim, para que todos os grupos étnicos do nascente Estado Espanhol reconheçam a autoridade do Rei, este não pode se identificar diretamente com nenhum destes grupos.

O Estado moderno que surge na Europa se pretende hegemônico (superior) em relação ao outro (estrangeiro) e reproduz internamente a lógica hegemônica e intolerante com o diferente uma vez que há sempre a dominação de um grupo étnico sobre os demais.<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]-->

A lógica que permanece deste Estado e do Direito por ele produzido é logo hegemônica e uniformizadora, subordinando pela força e pela ideologia todos que resistirem a sua supremacia. A ordem internacional também seguiu este modelo o que aparece expresso no Tratado de Versalhes e na Carta das Nações Unidas quando esta se refere ao Conselho de Tutela. Da mesma forma o direito comunitário (que seria uma novidade do pós-guerra) também reproduz o mesmo modelo hegemônico ao impor um sistema econômico especifico fundado em um direito de propriedade uniformizador que ignora as imensas diversidades dos diversos grupos étnicos que habitam o continente europeu.

Algumas premissas:

a) O estado moderno, hegemônico e uniformizador é essencialmente violento. Este estado depende das forças armadas e da policia para sobreviver, instituições que serão desenvolvidas e profissionalizadas durante os últimos 500 anos.

b) O modelo hegemônico interno cria as bases da economia capitalista. A moeda nacional, os bancos nacionais e o aparato repressivo do estado sustentam a economia interna.

c) Este estado reproduz externamente a lógica hegemônica interna e a sua economia interna ultrapassa suas fronteiras em uma busca por recursos naturais, humanos e mercados por meio da conquista militar.

Ou seja, a economia de exploração da natureza e das pessoas dos últimos quinhentos anos se baseou na conquista e ocupação militar de todo o planeta pelos europeus. A guerra permitiu a conquista de territórios de onde foram extraídos (e ainda são) os recursos naturais que permitem toda a expansão industrial e tecnológica. Desde o ouro e da prata da América ao coltan (combinação de dois minerais utilizados na fabricação de aparelhos celulares) da África, o sistema exploratório de recursos naturais por meio da guerra continua em ação, em larga escala.







AS GUERRAS MUNDIAIS NO SÉCULO XX E A EXPANSÃO DO CAPITALISMO



A Revolução Industrial gerou uma expansão econômica sem precedentes. Esta expansão, entretanto, não proporcionou uma melhoria uniforme do nível de vida da população. Enormes diferenças sociais criaram cidades industriais inchadas e desiguais. O fruto da expansão foi apropriado por poucos, os mesmos poucos que se utilizaram da estrutura do Estado para garantir a segurança de sua riqueza acumulada e agora necessitam do aparato militar estatal para expandir seus negócios em busca de mão-de-obra barata, novos mercados e recursos naturais. As guerras mundiais foram resultados da expansão econômica do século XIX, onde as potencias econômicas competiam por espaço.

Dentro deste contexto devemos entender o nazismo e o fascismo italiano e seus similares em outros países, especialmente no Japão.

No início do século XX havia uma competição por espaço, entre as seis grandes economias nacionais do planeta (e obvio as empresas nacionais destes países). De um lado Estados Unidos, Reino Unido e França com muito espaço para exploração de recursos naturais, mão-de-obra e mercados (nas suas muitas colônias) e de outro lado potências industriais importantes (Alemanha era a segunda maior economia industrial em 1910) em busca do mesmo espaço (Alemanha, Japão e Itália).

A primeira e a segunda guerra mundial foram frutos do imperialismo do século XIX e da acomodação de áreas de influência e exploração das grandes potências industriais. Assim Alemanha, Inglaterra e Japão (representados pelos interesses de seus empresários e de sua elite política a estes ligados) buscavam os espaços que, por sua vez, Estados Unidos, Reino Unido e França já haviam tomado.<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> Este conflito entre potencias industriais capitalistas em nível global é provisoriamente resolvido com o cenário de pós-guerra, onde agora era necessária uma Europa ocidental, unida sob o domínio estadunidense, capaz de barrar a expansão do socialismo no leste europeu sob a influência soviética.

Os inimigos da segunda guerra se encontram até hoje unidos no grupo dos sete grandes. Exatamente os mesmos: Estados Unidos; Reino Unido; França; Alemanha; Itália e Japão, acrescentando o Canadá que na época era formalmente colônia britânica.



A GUERRA COMO NECESSIDADE PARA A EXPANSÃO ECONÔMICA: ONTEM E HOJE



Assim, a expansão econômica industrial capitalista da Europa necessitou, e obviamente, ainda necessita da guerra e da dominação ideológica, para sua expansão.

São vários os exemplos históricos que comprovam a hipótese levantada:

<!--[if !supportLists]-->a) <!--[endif]-->A exploração da prata; do cobre e do ouro na América para o financiamento do Império espanhol;

<!--[if !supportLists]-->b) <!--[endif]-->A formação do território dos Estados Unidos da América com a invasão das terras dos povos originários e invasão e anexação de parte do território mexicano rico em petróleo;

<!--[if !supportLists]-->c) <!--[endif]-->A exploração do ouro de Minas Gerais enviado para Portugal que ajudou a financiar a revolução industrial na Inglaterra;

<!--[if !supportLists]-->d) <!--[endif]-->A expansão territorial alemã em busca de recursos naturais negados àquele país e aos seus industriais pelo tratado de Versalhes;

<!--[if !supportLists]-->e) <!--[endif]-->A expansão territorial japonesa sobre a Coréia e China em busca de espaço e recursos naturais para sua indústria;

<!--[if !supportLists]-->f) <!--[endif]-->A invasão e repartição da África em muitos Estados artificiais para a exploração de seus enormes recursos naturais;

<!--[if !supportLists]-->g) <!--[endif]-->A invasão e repartição do Oriente Médio em diversos Estados artificiais títeres para a exploração continua dos seus recursos naturais;

<!--[if !supportLists]-->h) <!--[endif]-->Mais recentemente a invasão do Iraque em busca do petróleo que trouxe um enorme peso ambiental com a queima de reservas de óleo.

Poderíamos aqui citar páginas e páginas de relatos de fatos ocorridos nos últimos quinhentos anos de hegemonia européia, que trouxe consigo a economia capitalista e a acelerada degradação ambiental. Capitalismo, guerra, degradação ambiental na era europeia andam juntas e inseparáveis. A paz parece impossível no sistema vigente. Mesmo que os conflitos tradicionais de guerras entre estados nacionais e exércitos fardados tendam desaparecer, estes cederam lugar a outras formas de guerra: guerras civis (como na Colômbia); movimentos guerrilheiros (movimento Zapatista no México); ações terroristas (Al Qaeda); guerrilha urbana e conflitos religiosos (Iraque); guerra não convencional (Afeganistão); conflitos urbanos, tráfico de drogas, criminalidade organizada ou não organizada (nas metrópoles do mundo).

Se a mundialização do sistema capitalista sustentada por uma questionável democracia representativa liberal vai tornando desnecessária a guerra por recursos naturais entre estados nacionais, o sistema econômico global, pela engrenagem demonstrada, necessita do conflito armado para manter os recursos, conquistar novos e manter a cada vez maior massa de excluídos sob controle.



A IDEOLOGIA SUBSTITUI A GUERRA?



Como dito acima, os conflitos armados convencionais<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--> entre estados nacionais têm diminuído. Isto se explica pelo fato da expansão da democracia liberal e a globalização da economia. O fato é que, a guerra entre estados nacionais de democracia liberal e economia capitalista foi substituída por um eficiente controle ideológico fundado na legitimidade de democracias representativas liberais comprometidas pelo financiamento privado de campanha; corrupção generalizada e desinformação gerada por uma imprensa concentrada nas mãos de conglomerados econômicos. As decisões são aparentemente democráticas por que tomadas por governos eleitos que governam com maioria da opinião pública.

Luis Barrios<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--> cita dois exemplos entre vários que ilustram o que dissemos acima. O pesquisador aborda no seu artigo a exportação de riscos ambientais para os países economicamente mais frágeis e com democracias liberais representativas, enquanto os vultosos lucros permanecem nos países hegemônicos (especialmente Europa ocidental e o ocidente americano – EUA e Canadá).

O primeiro caso ocorre no Uruguai a partir de 1998. Seguindo o que vem ocorrendo no Chile, Brasil, Paraguai e Argentina, o governo eleito do Uruguai admite receber investimentos de empresas européias (no caso a ENCE espanhola e a METSÄ-BOTNIA finlandesa) para reflorestamento com fins de produção de papel. Entre os argumentos que fundamentam a propaganda, capaz de ganhar a simpatia da opinião pública sustentando assim a tomada de decisão do governo, estão os tratados de proteção de investimentos e o comércio do carbono instalado sob a proteção dos “mecanismos de desenvolvimento limpo” do protocolo de Kyoto. Estes tratados de proteção de investimento, segundo no informa Luis Barrios, têm a força de neutralizar a mobilização social que ocorre com o deslocamento de culturas tradicionais e expulsão de comunidades étnicas para naquelas terras plantar eucaliptos e pinhos. O mais absurdo é o fato destas plantações serem certificadas como bosques pelo Conselho de Manejo Florestal (Forest Stewardship Council), gerando, portanto, autorizações para continuar emitindo gases estufa nos países de origem dos donos das plantações. Em 2005 uma empresa Sueca (STORA-ENSO) iniciou a formação de seu parque florestal no Uruguai com a pretensão de comprar 90.000 hectares para plantar pinho e eucalipto e instalar uma fábrica de papel às margens de um dos principais afluentes do Rio Uruguai.

Esta prática de exportação de risco ambiental transferindo para os países considerados “subdesenvolvidos econômicos” (e para os europeus subdesenvolvidos sociais, culturais e políticos) os processos mais danosos de produção do papel não é o único exemplo:

“Os danos causados pelas explorações mineiras a céu aberto no Peru, Chile e Argentina; a instalação de indústrias químicas que lançam seus dejetos contaminadores em rios e terras ou os armazenam nas próprias fábricas; a invasão de culturas transgênicas no Brasil, Paraguai e Argentina, seguidas das correspondentes propagandas de presentes de semeadoras de segunda geração; o assédio das reservas de água doce, em particular as do lençol subterrâneo Guarani; a privatização de reservas naturais com o objetivo de criar novas espécies geradoras de patentes nanotecnológicas; a exportação de lixo tóxico de origens distintas. Enfim, uma lista interminável de decisões de risco e de perigosos empreendimentos em curso.”<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]-->



Todas estas ações são tomadas hoje por governos eleitos que se sustentam em uma opinião pública tomada pela ideologia (crença) de que a prosperidade do mercado com os investimentos estrangeiros impulsionarão a equidade social, proteção ambiental e segurança coletiva.<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--> A silenciosa aceitação da opinião pública de constantes ações tomadas por governos eleitos contra os interesses dos eleitores é tema que necessita ser pesquisado e minuciosamente analisado. Os exemplos são muitos.

Entre 1998 e 1999, 600 toneladas de sementes de algodão contaminadas, uns 4.000 kg de pesticidas e quantidades indeterminadas de uma bactéria fungicida, tudo fora de uso, foram jogadas em uma localidade próxima à cidade de Ybicuí, distante 120 Km da capital do Paraguai. Os dejetos tóxicos provinham dos Estados Unidos e pertenciam à empresa industrial química DELTA & PINE LAND Co. O caso foi relatado e documentado pelo jornalista Carlos Amorim, 2003, “As sementes da morte”. Desde novembro de 1998, o Paraguai era signatário da Convenção de Rotterdam. Além da óbvia toxidade de todo o carregamento, algumas das substâncias trazidas e jogadas nas proximidades de Ybicuí estavam explicitamente na lista de circulação controlada (PIC). O tratamento abertamente cúmplice que as autoridades paraguaias deram ao ilícito depois da primeira morte causada pelos dejetos é revelador da falta de defesa em que se encontram as populações do mundo subdesenvolvido quando se trata de enfrentar ilícitos por contaminação de poderosas transnacionais que negociam, diretamente com os governos e com particulares sem escrúpulos”.

Importante notar que o Paraguai era, nesta ocasião, mais uma recente democracia liberal representativa com meios de comunicação concentrados como ocorre em muitos outros exemplos.



CAPITALISMO E A PRIVATIZAÇÃO DA GUERRA.


A guerra hoje não é apenas uma necessidade do sistema econômico em busca de recursos naturais e de sua manutenção. A indústria armamentista se tornou um grande negócio que se alimenta da guerra. A engrenagem se tornou mais complexa uma vez que a guerra não é apenas uma necessidade para possibilitar acesso a recursos, mas mesmo que não se necessite de recursos, mesmo que estes recursos estejam militarmente ou ideologicamente assegurados, a guerra se justifica pela necessidade de venda de produtos para a guerra. É a guerra pela guerra.

Não só a indústria armamentista se alimenta da guerra, mas todo um setor de serviços privados foi criado para possibilitar a guerra. Neste momento a engrenagem se ajusta: ações militares em busca de recursos; ações militares para manutenção dos recursos conquistados; ações militares para reprimir os excluídos do sistema econômico; ações militares para gastar os produtos da indústria bélica e finalmente ações militares para empregar os serviços privados de guerra.

Os exemplos também são fartos e basta prestar atenção aos jornais diários especialmente nos conflitos constantes no continente africano.



DIREITO A PAZ, JUSTIÇA E FIM DA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL: UMA POSSIBILIDADE JURÍDICA CONSTITUCIONAL PÓS-MODERNA?

A superação da modernidade européia parece cada vez mais visível. A uniformização do direito e do comportamento que sustentam a globalização de um sistema econômico egoísta e excludente é a marca desta modernidade. Foram quinhentos anos de opressão; violência e exploração sistemática e continua da natureza. A natureza, nestes séculos, tem sido vista como dissociada da sociedade humana, servindo para abastecer, esta sociedade, de “recursos” necessários para alimentar o desejo incontrolável de consumo de bens, de produtos.

Este sistema criou subjetividades, formas de ver, viver e compreender o mundo, subjetividades estas que aprisionam o ser humano em um sistema que se alimenta no desejo por bens de consumo. A competição e o individualismo foram naturalizados.

Como romper com a ideologia hegemônica na qual boa parte da população do planeta se encontra mergulhada.

Se cada um tem um papel no processo de revolução social, aqueles que estudam a realidade social podem ajudar a desvendar, a revelar os processos escondidos pelo discurso ideológico hegemônico.

Um dos movimentos mais interessantes que têm a capacidade de romper com as bases ideológicas da modernidade (que sustenta o estado moderno do qual o capitalismo carece) é a rica experiência do estado plurinacional na Bolívia e Equador.

A idéia de Estado Plurinacional pode superar as bases uniformizadoras e intolerantes do Estado nacional, onde todos os grupos sociais devem se conformar aos valores determinados na constituição nacional em termos de direito de família, direito de propriedade e sistema econômico entre outros aspectos importantes da vida social. Como vimos anteriormente o Estado nacional nasce a partir da uniformização de valores com a intolerância religiosa.

A partir da constitucionalização e sua lenta democratização (em geral, ainda de bases liberais meramente representativas) não se poderia mais admitir a construção da identidade nacional com base em uma única religião que uniformizasse o comportamento no plano econômico (direito de propriedade) e no plano familiar (direito de família). Tornou-se necessário construir uma outra justificativa e um outro fator agregador que permitisse que os diversos grupos sociais presentes no Estado moderno pudessem se reconhecer e a partir daí reconhecer o poder do Estado como legitimo.

A Constituição irá cumprir está função. Inicialmente não democrático, o constitucionalismo irá uniformizar (junto com o direito civil) as bases valorativas desta sociedade nacional, criando um único direito de família e um único regime de propriedade que sustentaria o sistema econômico. Isto ocorreu em qualquer dos tipos constitucionais: liberal; social ou socialista.

A uniformização de valores e comportamentos, especialmente na família e na forma de propriedade exclui radicalmente grupos sociais (étnicos e culturais) distintos que, ou se enquadram ou são jogados, aos milhões, para fora desta sociedade constitucionalizada (uniformizada). O destino destes povos é a alienação, o aculturamento e a perda de raízes ou então a miséria, os presídios ou os manicômios.

A lógica do Estado nacional, agora constitucionalizado e mesmo “democratizado”, sustenta esta uniformização. A ideologia que justifica tudo isto é a existência de um suposto “pacto social” ou “contrato social”, ou qualquer outra ideia que procura identificar nas bases destas sociedades um suposto acordo uniformizador. Nas Américas seria admitir que as populações originárias tivessem aberto mão de sua história e cultura para assumir o direito de família e o direito de propriedade do invasor europeu, que continuou no poder com seus descendentes brancos a partir dos processos de independência no século XIX.

A grande revolução do Estado Plurinacional é o fato que este Estado plural, democrático participativo e dialógico pode finalmente romper com as bases teóricas e sociais do Estado nacional constitucional e democrático representativo (pouco democrático e nada representativo dos grupos não uniformizados), uniformizador de valores e logo radicalmente excludente.

O Estado plurinacional reconhece a democracia participativa como base da democracia representativa e garante a existência de formas de constituição da família e da economia segundo os valores tradicionais dos diversos grupos sociais (étnicos e culturais) existentes.

Nas palavras de Ileana Almeida sobre o processo de construção do Estado Plurinacional no Equador:

“Sin embargo, no se toma en cuenta que los grupos étnicos no luchan simplemente por parcelas de tierras cultivables, sino por un derecho histórico. Por lo mismo se defienden las tierras comunales y se trata de preservar las zonas de significado ecológico-cultural.”<!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]-->

Certamente este Estado joga por terra o projeto uniformizador do Estado moderno que sustenta a sociedade capitalista como sistema único fundado na falsa naturalização da família e da propriedade e mais tarde da economia liberal.

Nas palavras de Ileana Almeida:

“Al funcionar el Estado como representación de una nación única cumple también su papel en el plano ideológico. La privación de derechos políticos a las nacionalidades no hispanizadas lleva al desconocimiento de la existencia misma de otros pueblos y convierte al indígena en victima del racismo. La ideología de la discriminación, aunque no es oficial, de hecho está generalizada en los diferentes estratos étnicos. Esto empuja a muchos indígenas a abandonar su identidad y pasar a formar filas de la nación ecuatoriana aunque, por lo general, en su sectores más explotados.”<!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]-->

A Constituição da Bolívia, na mesma linha de criação de um Estado Plurinacional dispõe sobre a questão indígena em cerca de 80, dos 411 artigos. Pelo texto, os 36 “povos originários” (aqueles que viviam na Bolívia antes da invasão dos europeus), passam a ter participação ampla e efetiva em todos os níveis do poder estatal e na economia. Com a aprovação da nova Constituição, a Bolívia passou a ter uma cota para parlamentares oriundos dos povos indígenas, que também passarão a ter propriedade exclusiva sobre os recursos florestais e direitos sobre a terra e os recursos hídricos de suas comunidades. A Constituição estabelece a equivalência entre a justiça tradicional indígena e a justiça ordinária do país. Cada comunidade indígena poderá ter seu próprio “tribunal”, com juízes eleitos entre os moradores. As decisões destes tribunais não poderão ser revisadas pela Justiça comum.

Outro aspecto importante é o fato da descentralização das normas eleitorais. Assim os representantes dos povos indígenas poderão ser eleitos a partir das normas eleitorais de suas comunidades.

A Constituição ainda prevê a criação de um Tribunal Constitucional plurinacional, com membros eleitos pelo sistema ordinário e pelo sistema indígena.

A nova Constituição democrática transforma a organização territorial do país. O novo texto prevê a divisão em quatro níveis de autonomia: o departamental (equivalente aos Estados brasileiros), o regional, o municipal e o indígena. Pelo projeto, cada uma dessas regiões autônomas poderá promover eleições diretas de seus governantes e administrar seus recursos econômicos.

O projeto constitucional avança ainda na construção do Estado Plurinacional ao acabar com a vinculação do estado com a religião (a religião católica ainda era oficial) transformando a Bolívia em um Estado laico (o que o Brasil é desde 1891).

Outro aspecto importante é o reconhecimento de várias formas de constituição da família.

Além de importante instrumento de transformação social, garantia de direitos democráticos, sociais, econômicos plurais, e pessoais diversos, a Constituição da Bolívia é um modelo de construção de uma nova ordem política, econômica e social internacional. É o caminho para se pensar em um Estado democrático e social de direito internacional.

Citando novamente Ileana Almeida:

“En contra de lo que podría pensarse, el reconocimiento de la especificidad étnica no fracciona la unidad de las fuerzas democráticas que se alinean en contra del imperialismo. Todo lo contrario, mientras más se robustezca la conciencia nacional de los diferentes grupos, más firme será la resistencia al imperialismo bajo cualquiera de sus formas (genocidio, imposición política, religiosa o cultural) y, sobre todo, la explotación económica”.<!--[if !supportFootnotes]-->[14]<!--[endif]-->

A América Latina (melhor agora a América Plural), que nasce renovada nestas democracias dialógicas populares, se redescobre também indígena, democrática, economicamente igualitária e socialmente e culturalmente diversa, plural. Em meio à crise econômica e ambiental global, que anuncia o fim de uma época de violências, fundada no egoísmo e na competição a nossa América anuncia finalmente algo de novo, democrático e tolerante, capaz de romper com a intolerância unificadora e violenta de quinhentos anos de Estado nacional.

CONCLUSÕES


Para a compreensão da grande contribuição do Estado Plurinacional e do constitucionalismo boliviano e equatoriano para a construção de um novo paradigma democrático de Estado que supere os 500 anos de estado nacional precisamos pontuar algumas questões:

<!--[if !supportLists]-->a) <!--[endif]-->O estado moderno surge a partir da afirmação de uma esfera territorial intermediária de poder: o poder dos reis entre o poder dos impérios (multi-étnico e descentralizado) e o poder dos senhores feudais (local e fragmentado);

<!--[if !supportLists]-->b) <!--[endif]-->Para que o poder deste novo estado fosse reconhecido foi necessário construir uma nacionalidade por sobre as nacionalidades pré-existentes. Assim foi inventado o espanhol como uma identidade por sobre as identidades anteriores de castelhanos, galegos, bascos, catalães e outros, processo que se repetiu em escalas diferentes na França, Portugal, Reino Unido e vários outros estados nacionais que se formaram nos últimos quinhentos anos;

<!--[if !supportLists]-->c) <!--[endif]-->Este estado nacional uniformiza valores por meio, inicialmente, da religião. A partir daí é gradualmente construído todo um aparato burocrático que permitirá o desenvolvimento do capitalismo: o povo nacional, a moeda nacional, os bancos nacionais, os exércitos nacionais (fundamental para a expansão européia em busca de recursos para o desenvolvimento de sua economia) e a polícia (fundamental para o controle e repressão dos pobres excluídos do sistema econômico desigual);

<!--[if !supportLists]-->d) <!--[endif]-->Desde então, este modelo uniformizador vem se reproduzindo, até mesmo nas novas formas descentralizadas de estado como os estados federais, os estados regionais e o estado autonômico espanhol. Nestes estados, mesmo se reconhecendo a diversidade cultural e lingüística, a base uniformizadora do direito de propriedade (que sustenta um sistema econômico único) e o direito de família (que sustenta os valores deste sistema econômico) permanecem mais ou menos intactas, mas sólidas;

<!--[if !supportLists]-->e) <!--[endif]-->A uniformização econômica fundada na uniformização do direito de família e do direito de propriedade permanece também em novas formas jurídicas como, por exemplo, o direito comunitário europeu;

<!--[if !supportLists]-->f) <!--[endif]-->A base ideológica moderna permanece intocável, mesmo com todas as conquistas de direitos constitucionalizados: o estado permanece uniformizador, excludente, fundado sobre uma economia capitalista que necessita de “recursos naturais” para abastecer a sede de consumo alimentada pela ideologia hegemônica.

<!--[if !supportLists]-->g) <!--[endif]-->Nas Américas os estados nacionais tiveram um processo de formação diferenciado: enquanto na Europa os mais diferentes foram excluídos fisicamente (muçulmanos e judeus) e os menos diferentes foram uniformizados (os grupos étnicos internos), na América os estados formados que se tornaram independentes nos séculos XVIII e XIX, foram construídos pelos descendentes dos europeus para os homens brancos descendentes dos europeus. Os povos originários, chamados de índios pelos invasores europeus, foram radicalmente excluídos da ordem jurídica constitucional nascente, assim como os imigrantes forçados da África que tiveram suas vidas escravizadas;

<!--[if !supportLists]-->h) <!--[endif]-->Assim surgiram nas Américas, estados nacionais para 20% (este é um número simbólico uma vez que encontramos estados que até hoje a exclusão supera este número). Nos Estados Unidos a população carcerária<!--[if !supportFootnotes]-->[15]<!--[endif]--> já atinge 2.750.000 pessoas (dois milhões setecentos e cinqüenta mil pessoas) sendo que destes, 80% são negros e hispânicos. Só de homens negros são 800 mil presos e mulheres negras 75 mil presas.<!--[if !supportFootnotes]-->[16]<!--[endif]--> Este fenômeno se repete em toda a América. No Brasil só os pobres e miseráveis são presos. A maioria dos povos originários na Bolívia, Equador e Chile foram radicalmente excluídos e só agora com governos democráticos finalmente eleitos (Evo Morales na Bolívia; Rafael Correa no Equador e Michelle Bachelet no Chile) a situação começou a mudar;

<!--[if !supportLists]-->i) <!--[endif]-->A onda democrática na América Latina trouxe uma importante novidade: a previsão de um estado plurinacional, onde cada grupo étnico poderá manter o seu próprio direito de família e o seu próprio direito de propriedade, mantendo ainda tribunais para resolver as questões nestas esferas;

<!--[if !supportLists]-->j) <!--[endif]-->Esta novidade pode finalmente representar uma ruptura com 500 anos de hegemonia do paradigma do estado nacional que representa a hegemonia européia;

<!--[if !supportLists]-->k) <!--[endif]-->Este novo constitucionalismo plurinacional pode fundamentar uma nova ordem internacional democrática e logo igualitária exigindo a coragem de se romper com o universalismo europeu<!--[if !supportFootnotes]-->[17]<!--[endif]--> que gerou os direitos humanos “universais” europeus e uma ordem desigual cultural, econômica e social favorável aos estados do norte (Europa ocidental, EUA e Canadá) reproduzidos nos textos preconceituosos de suposta superioridade européia presentes no Tratado de Versalhes e com fortes resquícios na Carta das Nações Unidas (como, por exemplo, no sistema de tutela)

Um novo estado democrático plurinacional é possível assim como uma nova ordem mundial e a construção de um direito internacional (talvez mundial) democrático deve partir da superação das pretensões hegemônicas; das falsas declarações ou suposições disfarçadas de superioridade cultural. Uma nova ordem democrática radical pode fundamentar a construção de uma nova ordem mundial democrática, sustentável e pacífica o que exige a construção de espaços permanentes de diálogo em condições reais de igualdade de manifestação, de igualdade de fala na construção de consensos. Este novo constitucionalismo democrático latino-americano deve fundamentar uma nova ordem mundial democrática o que exige o reconhecimento dos novos atores das relações mundiais; de novos sujeitos de um direito internacional que, talvez, a partir daí, seja finalmente democrático e deixe de ser meramente internacional, mas efetivamente mundial.



<!--[if !supportFootnotes]-->

<!--[endif]-->
<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> - Doutor em Direito Constitucional. Professor da UFMG e PUC-MG, nos cursos de graduação e pós-graduação.
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> Quando nos referimos a Europa hegemônica hoje nos referimos ao ocidente ou a OTAN: Europa ocidental, Estados Unidos e Canadá.
<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> WALERNSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu, São Paulo : Editora Boitempo, 2008.
<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> SOUZA SANTOS, Boaventura de. A Gramática do Tempo – para uma nova cultura política, São Paulo: Editora Cortez, 2006, pp. 181-190.
<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--> Tomando como exemplo a Espanha os mais diferentes expulsos são os muçulmanos e judeus e os menos diferentes uniformizados são os diversos grupos étnicos cristãos ibéricos.
<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--> São vários os exemplos ainda hoje: castelhanos sobre bascos, catalães, galegos e andaluzes na Espanha; ingleses sobre escoceses, galeses e irlandeses no Reino Unido seguindo-se esta lógica em vários outros estados (Itália, França, etc). Alguns estados onde a hegemonia é menos clara as tensões também existem. A Bélgica, tenta solucionar, as hegemonias históricas de franceses e flamengos, com um federalismo assimétrico de grande complexidade.
<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> Obviamente não ignoramos as potências medianas que também participaram da divisão global dos recursos com força diferenciada em momentos diferentes como Portugal; Espanha; Holanda; Bélgica entre outros.

<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--> Como dito, isto não significa dizer que a violência e os conflitos armados não convencionais tenham diminuído.
<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--> BARRIOS, Luis. “O difícil diálogo entre estratificação social e a sociedade do risco” in VARELLA, Marcelo Dias (organizador) Direito, Sociedade e Riscos – a sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco, Brasília: Uniceub; Unitar, 2006.
<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--> BARRIOS, Luis. “O difícil diálogo entre estratificação social e a sociedade do risco” in VARELLA, Marcelo Dias (organizador) Direito, Sociedade e Riscos”, ob. Cit. Paginas 235-236.
<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--> Trabalhei em diversos textos de minha autoria a questão da ideologia e do encobrimento do real.
<!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]--> ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico y libertad política para los indígenas ecuatorianos. Quito : Editora Abya Yala, ,2008, p. 28.

<!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]--> ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico y libertad política para los indígenas ecuatorianos; ob.cit. p. 28.


<!--[if !supportFootnotes]-->[14]<!--[endif]--> ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico y libertad política para los indígenas ecuatorianos; p. 29.


<!--[if !supportFootnotes]-->[15]<!--[endif]--> - Em contato com o sistema penal, aí incluídos a probation e a parole, são mais de 4 milhões de pessoas, de acordo com Virgílio de Mattos.
<!--[if !supportFootnotes]-->[16]<!--[endif]--> WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto, Editora Boitempo, São Paulo, 2008.
<!--[if !supportFootnotes]-->[17]<!--[endif]--> WALLERNSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu – a retórica do poder. São Paulo: Editora Boitempo, 2007.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO (SCP) X SOCIEDADE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE)

Sociedade em conta de participação (SCP) X Sociedade Propósito Específico (SPE)
  • Jane Resina Fernandes de Oliveira
O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 991 a 996 do Código Civil Brasileiro, trata da constituição e operacionalização da SCP (Sociedade em Conta de Participação),a qual é definida em síntese como uma sociedade não personificada, ou seja, ela é instrumentalizada através de um contrato particular entre os sócios, onde estarão previstas todas as regras/condições estabelecidas livremente, sendo que não requer o registro junto aos órgãos do comércio ou no Registro Civil das pessoas jurídicas.
Essa modalidade de sociedade normalmente é utilizada para a realização de um empreendimento ou negócio específico, onde os sócios podem ser classificados como: ostensivo ou oculto. O sócio ostensivo é aquele que atua e exerce todos os negócios da sociedade em seu próprio nome, assumindo, consequentemente, todas as obrigações e responsabilidades sociais, comerciais e jurídicas, as quais, não vinculam o sócio oculto, posto que este último não assume perante terceiros, qualquer responsabilidade quanto ao objeto social definido no contrato de constituição da SCP
Na SCP a atividade definida como objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais sócios (ocultos) dos resultados correspondentes. Os sócios ocultos somente se responsabilizam perante o sócio ostensivo, na forma definida pelas partes no contrato social que é particular, o qual, não se limita às empresas, podendo ser constituída por qualquer pessoa física ou jurídica.
A constituição da sociedade independe de qualquer formalidade, como dito acima, pois trata-se de contrato social particular firmado entre os interessados, o qual produz efeitos somente entre os sócios; uma vez que, perante terceiros, a responsabilidade é integral do sócio ostensivo, podendo no entanto, o sócio oculto ou participante, como também é conhecido, fiscalizar a gestão dos negócios sociais.
A contribuição do sócio oculto ou participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, com valor definido em contrato, que será designado como objeto da conta de participação e será utilizado para a finalidade estabelecida no contrato para determinado negócio. Exemplificando: A empresa “A”, precisa de capital para construir um empreendimento que será colocado a venda, para tanto encontra dois investidores, “B” e “C”, que serão os sócios ocultos, os quais fornecerão os recursos financeiros necessários para que a empresa “A”, cumpra o objeto da sociedade que será constituída para determinado fim: construir e vender imóveis. No contrato da SCP serão estabelecidas as regras, prestação de contas, retorno do investimento, responsabilidades das partes entre si entre outras. Sendo que, os investidores “B” e “C”, não terão qualquer responsabilidade perante terceiros, sendo estas exclusivamente do sócio ostensivo que executará o negócio. A responsabilidade dos sócios ocultos serão aquelas definidas em contrato da SCP e serão exclusivamente perante o sócio ostensivo e não perante terceiros.
A sociedade poderá ser constituída com prazo determinado ou indeterminado; para a efetivação de um ou mais negócios.
Esse tipo societário é muito utilizado por exemplo, para que investidores possam injetar dinheiro em uma empresa que pretende lançar um novo produto; em incorporadoras imobiliárias, aquisição de matéria prima para atendimento a um contrato específico do sócios ostensivo, construção de prédios, condomínios entre outras, uma vez que, no próprio contrato de constituição será estabelecido as diretrizes societárias, como a forma de utilização do capital da sociedade em conta de participação, a restituição desse capital, as atribuições e responsabilidades das partes, a dissolução, prazo de duração entre outras.
As regras estabelecidas para a sociedade simples são aplicadas subsidiariamente a esse tipo societário, e a sua liquidação rege-se pelas normas processuais relativas à prestação de contas.
SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE)
A SPE (Sociedade Propósito Específico) surgiu juntamente com a Lei de Parceria Pública Privada (Lei n. 11.079/2004), com o objetivo de unir forças entre os setores público e privado, para a realização de um contrato de parceria, concedido após licitação. É organizada sob um dos tipos societários personificáveis existentes na ordem jurídica, como exemplo: sociedade limitada, sociedade anônima aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado (§ 2º do art. 9º da Lei de PPP) entre outras.
A SPE, como o próprio nome diz, tem um fim específico, tem prazo determinado, podendo ter como membros, empresas particulares e a Administração Pública, sendo vedado a esta última, ser titular da maioria do capital votante (§ 4º do art. 9º da Lei de PPP), salvo sua eventual aquisição por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento.
A SPE, além de ser muito utilizada em PPP(Parcerias Público Privadas), de acordo com o parágrafo único do art. 981 NCC, também poderá ser criada sem a participação do Estado, para a realização de um ou mais negócios determinados, citando como exemplo, a constituição de uma SPE para a construção e exploração de uma estrada, para o fim de construção e venda de imóveis em condomínios, loteamentos entre outros empreendimentos de grande vulto.
Esse tipo de empresa possui as regras estabelecidas na legislação, conforme o tipo societário escolhido para a sua constituição, mas normalmente são constituídas empresas limitadas, ou seja, as regras que regem o relacionamento entre os sócios, entre a sociedade e seus sócios, entre a sociedade e terceiros, as responsabilidades dos controladores e dos administradores, serão as estabelecidas nas várias modalidades associativas previstas no direito brasileiro para as empresas com finalidade lucrativa.
Enquanto a Sociedade em conta de participação é uma sociedade não personificada, as regras são particulares e definidas entre as partes, respondendo perante terceiros somente o sócio ostensivo; a Sociedade de Propósito Específico é personificada, depende do registro nos órgãos do comércio, e as suas regras são estabelecidas no contrato social registrado, e todos os sócios respondem igualmente pelas obrigações sociais, nesse sentido, cabe ao empreendedor a escolha do modelo societário que melhor se adequará para o atingir as metas traçadas.
 
* Autora é advogada. Sócia fundadora do escritório Resina & Marcon Advogados Associados. Mestre UnB – Universidade de Brasília, MBA em Gestão Empresarial/FGV-RJ. Especialização em Direito Empresarial UCDB/MS. Palestrante, com livros e artigos publicados nas áreas de Direito Societário e Eletrônico. www.resinamarcon.com.br. http://janeresina.wordpress.comhttp://twitter.com/JaneResina

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...