quarta-feira, 4 de julho de 2012

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - Nº. 671

Informativo STF

Brasília, 18 a 22 de junho de 2012 - Nº 671.


Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.



SUMÁRIO


Plenário
Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 4
Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 5
Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 6
Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 7
Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 8
Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 9
Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 10
Concurso público e remoção
Investigação criminal promovida pelo Ministério Público e aditamento da denúncia - 4
Repercussão Geral
FGTS e honorários advocatícios
“GDACT” e extensão a inativos - 1
“GDACT” e extensão a inativos - 2
“GDACT” e extensão a inativos - 3
“GDACT” e extensão a inativos - 4
Ministério Público e investigação criminal - 1
Ministério Público e investigação criminal - 2
Ministério Público e investigação criminal - 3
Ministério Público e investigação criminal - 4
Ministério Público e investigação criminal - 5
Ministério Público e investigação criminal - 6
Ministério Público e investigação criminal - 7
Ministério Público e investigação criminal - 8
Ministério Público e investigação criminal - 9
Ministério Público e investigação criminal - 10
Ministério Público e investigação criminal - 11
Ministério Público e investigação criminal - 12
Ministério Público e investigação criminal - 13
Ministério Público e investigação criminal - 14
Ministério Público e investigação criminal - 15
Ministério Público e investigação criminal - 16
1ª Turma
Injúria qualificada e proporcionalidade da pena
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
Réu - 70 anos completados após a condenação - Pretendida redução da prescrição - Impossibilidade (HC 87573/RJ)
Inovações Legislativas
Outras Informações



PLENÁRIO



Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 4

O Plenário retomou julgamento conjunto de recursos extraordinários em que se discute a constitucionalidade do § 1º do art. 30 da Lei 7.730/89 [“Art. 30. No período-base de 1989, a pessoa jurídica deverá efetuar a correção monetária das demonstrações financeiras de modo a refletir os efeitos da desvalorização da moeda observada anteriormente à vigência desta Lei. § 1º Na correção monetária de que trata este artigo a pessoa jurídica deverá utilizar a OTN de NCz$ 6,92 (seis cruzados novos e noventa e dois centavos)”] e do art. 30 da Lei 7.799/89 (“Art. 30. Para efeito de conversão em número de BTN, os saldos das contas sujeitas à correção monetária, existente em 31 de janeiro de 1989, serão atualizados monetariamente, tomando-se por base o valor da OTN de NCz$ 6,62”) — v. Informativos 426 e 427. O Min. Cezar Peluso, em voto-vista, acompanhou o Min. Marco Aurélio, relator, e deu provimento ao recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade dos referidos dispositivos, no que foi seguido pela Min. Rosa Weber. Assentou que o índice aplicável deveria refletir a variação do IPC de 70,28%, com a regência da matéria a cargo da legislação anterior. Refutou o argumento de que se valera o Tribunal a quo, segundo o qual a constitucionalidade do índice deveria ser reconhecida em razão da “falta de índice” que solução diversa acarretaria. Aduziu que não se poderia declinar da aferição da compatibilidade da norma com a Constituição, o que se daria essencialmente no plano da validade, diante de eventuais dificuldades práticas decorrentes desse juízo. Entendeu que a questão deveria ser apreciada pelo Supremo, pois as normas objurgadas guardariam aptidão para afrontar, diretamente, a Constituição, uma vez que os próprios preceitos legais, que versassem sobre correção monetária, seriam passíveis de ter a constitucionalidade estimada, na medida em que poderiam implicar, por si mesmos, distorção da noção constitucional de renda e degeneração da base de cálculo do imposto.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-208526) Audio
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-256304)


Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 5

Aludiu que a circunstância de a correção monetária dirigir-se à modificação de valores nominais teria inegáveis consequências na determinação da materialidade e na fixação da base de cálculo do tributo, e, deste modo, atingiria a aferição da capacidade contributiva dos agentes econômicos. Esse ponto de vista seria corroborado pela percepção de que a norma pretensamente visaria à correção de balanços, mas também teria inegáveis finalidades fiscal-arrecadatórias. Não se conceberia ofensa indireta por lei que modificaria, escancaradamente, a base de cálculo e a materialidade de um imposto. Exigir-se-ia, na hipótese, juízo de constitucionalidade da própria norma, isto é, confrontação direta do texto legal com a Constituição. Não haveria nenhuma mediação normativa, uma vez que a decisão atacada feriria de modo direto a Constituição. Inviável, pois, falar-se em ofensa indireta ou reflexa, o recurso deveria ser admitido pela letra a do inciso III do art. 102 da CF. Observou que seria outro equívoco pensar que a decretação da inconstitucionalidade de índice implicaria atuação do Tribunal como legislador positivo. A atividade jurisdicional poderia exaurir-se no simples reconhecimento da inconstitucionalidade das leis. Ao afastar-lhes a incidência, deixar-se-ia a disciplina da correção monetária aos “índices oficiais” da época. Destarte, atuar-se-ia nos estreitos limites do mister reservado ao legislador negativo. Além disso, como o índice adotado pela legislação em comento colidiria com a Constituição, nada impediria que se rejeitasse esse padrão adulterado e se declarasse a validade de outro índice oficial que, de maneira correta, expressasse em valores reais os elementos do patrimônio e a base imponível do Imposto de Renda - IR. Feitas essas considerações, indagou se o índice, da forma como determinado pelas leis, feriria a Constituição. Para tanto, necessário investigar se o núcleo semântico “renda” teria sido desrespeitado pelas ordens expressas no art. 30, § 1º, da Lei 7.730/89 e no art. 30 da Lei 7.799/89, ao determinarem correção monetária de balanços em níveis inferiores à efetiva perda de valor da moeda.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-256304)


Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 6

Afirmou que os sentidos licitamente atribuíveis à expressão “renda” seriam limitados, de sorte a não transpor aquilo que se denominaria “conteúdo semântico mínimo”. Avaliou que a construção da noção jurídica completa de renda não se esgotaria na previsão geral da Constituição, que exigiria normas inferiores que se aproximassem, em grau crescente de concreção, dos fatos jurídicos tributários. Entretanto, a Constituição demarcaria rigidamente os contornos do tributo, de modo que as normas infraconstitucionais, em especial as leis complementar (CTN) e ordinária, não poderiam afastar-se da compreensão constitucional do termo “renda”. Como a noção substancial de “renda” estaria na Constituição, desnecessário reportar-se a conceitos veiculados por diplomas normativos de hierarquia inferior, pois de outra forma se estaria a interpretar a Constituição à luz de normas subalternas. Deste modo, deveria ser extraído da Constituição o substrato da noção de “renda”, que gozaria de proteção e guarda do STF, a quem incumbiria preservar o núcleo semântico-jurídico primordial da parcela de realidade fática econômica representada pelo aludido vocábulo e extirpar do ordenamento e do campo de competência da União tudo quanto não pudesse, sob nenhum critério racional, ser concebido como renda, sem implicar atuação do Judiciário como legislador positivo. Sublinhou que se estaria, novamente, diante de situações em que impenderia declarar a inconstitucionalidade de lei em razão do extravasamento dos marcos encravados no texto constitucional. Por outro lado, a repartição das competências tributárias estaria traçada de forma nítida no texto constitucional, de maneira que não se poderia confundir nem aproximar as diversas materialidades definidoras de competências, como se entre elas não houvesse consideráveis dessemelhanças. Assim, não seria lícito tomar por renda — que tem conformação conceitual mínima — nenhum pressuposto de fato que desencadeasse outras competências, tal como “receita”, “faturamento”, “lucro”, “patrimônio”, nem pressuposto de fato que não desencadeasse competência alguma como, por exemplo, meros ingressos ou simples trânsito de valores. Portanto, seria preciso averiguar se a disposição concreta da correção monetária em níveis inferiores à efetiva desvalorização da moeda ultrapassaria os limites a que se deveria adstringir. Caso se procedesse a essa análise, o Supremo deveria reconhecer que o descompasso entre os valores real e nominal causado pela correção monetária em níveis inferiores aos da efetiva desvalorização da moeda agrediria a previsão constitucional de “renda”, por permitir a tributação daquilo que, a rigor, renda não seria, mas, sim, patrimônio.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-256304)


Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 7

Ressaltou que não se negaria haver majoração de tributo incidente sobre a renda. Contudo, seria questionável a maneira velada e distorcida pela qual isso se dera, no caso vertente, por meio de correção insuficiente dos valores. Não se teria procedido a aumento transparente de base de cálculo ou de alíquota cuja alteração poderia ser muito mais facilmente detectada, e eventualmente repudiada, pela sociedade. Ao contrário, almejado ao mesmo resultado, mas de forma tortuosa e proditória — a deturpação do instituto da correção monetária das demonstrações financeiras. Corrigir os balanços empresariais monetariamente teria por função minorar os impactos negativos decorrentes da inflação, que conduziria à formação de lucros fictícios e à inevitável imposição de tributo sobre valores diversos da renda real. No caso, o Plano Verão, a par de determinar a extinção da correção monetária das demonstrações financeiras, estabeleceria retroativamente, por meio do art. 30 da Lei 7.730/89, a OTN como indexador de atualização monetária, em valor fixo de NCz$ 6,92, feita sobre bases irreais, divorciadas da real inflação do período, em nítida afronta às garantias constitucionais invocadas.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-256304)


Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 8

Advertiu que determinar qual padrão a ser utilizado consubstanciaria problema a resolver-se não só à luz do estatuto constitucional do IR, mas também da disciplina anterior da matéria, dada pelo Decreto-Lei 2.341/87, cujo art. 2º expressaria o objetivo da correção monetária das demonstrações financeiras (“A correção monetária das demonstrações financeiras tem por objetivo expressar, em valores reais, os elementos patrimoniais e a base de cálculo do Imposto de Renda de cada período-base”). Diante da inconstitucionalidade da norma pretensamente revogadora, constante na Lei 7.730/89, dever-se-ia reconhecer que o mecanismo previsto no decreto-lei não fora extirpado do ordenamento jurídico pela Lei 7.730/89. Deveria continuar em vigência até que norma superveniente — válida — o derrogasse. Idêntico raciocínio aplicar-se-ia, por vícios semelhantes, à também maculada Lei 7.799/89. Consignou que a inflação efetiva teria alcançado 70,28% no período, o equivalente a uma OTN de NCz$ 10,50. Assim, inegável que esta inflação real não se refletiria na correção determinada pela OTN fixada em NCz$ 6,92. Cumprir-se-ia, para evitar non liquet, determinar qual o índice oficial vigente à época, e sua correspondente expressão numérica. Portanto, além da declaração de inconstitucionalidade do índice viciado, pelos expurgos que promovera, remanesceria problema de ordem prática a ser resolvido: a determinação, em concreto, do índice oficial vigente, necessariamente, reflexo da inflação oficial do período, da inflação real.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-256304)


Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 9

Tendo em vista a coincidência entre a inflação acumulada no trimestre, apontada por 3 dos mais reconhecidos e acatados índices de sua mensuração (IPC do IBGE; IPC e IGP, ambos da FGV), reputou evidente que a variação de 70,28% no período de início de dezembro a meados de janeiro seria a única que conduziria à real majoração de preços do interregno. Isso porque seu cálculo, trimestralizado, levaria a variação praticamente idêntica à indicada por outras métricas de inflação: o IPC e o IGP da FGV. Asseverou que a correção monetária não poderia ser confundida com benefício fiscal, pois representaria atualização, imprescindível em cenário de inflação, que se aplicaria a valores nominais para fins de que se atrelassem à efetiva variação do poder aquisitivo da moeda. Ponderou, sob a ótica tributária, se os patamares e métodos previstos pela legislação conviveriam, harmoniosamente, com os ditames constitucionais tributários, uma vez que a insuficiência (ou, a fortiori, a inexistência) de correção monetária, em contexto altamente inflacionário, geraria, pela própria função e natureza do instituto, descompasso insustentável entre valores nominais e reais, a subverter o sistema constitucional tributário, no que toca a tributação da renda.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-256304)


Plano Verão: IRPJ e correção monetária de balanço - 10

Consideradas todas as ponderações anteriores, seria forçosa a conclusão de que, sob cenário de inflação elevada, a previsão de índice de correção abaixo da inflação acarretaria imposição tributária sobre algo que, definitivamente, não seria renda, o que teria ocorrido: a fixação de índice inidôneo (em NCz$ 6,92), aquém da desvalorização efetiva da moeda, gerara graves distorções (tributação de lucros inexistentes), alterara a natureza específica do tributo (que passara a incidir sobre o patrimônio), a desrespeitar a divisão de competências do texto magno. Como a exação teria recaído sobre índice de riqueza diverso daqueles que integrariam o rol das competências tributárias expressamente distribuídas pela Constituição, haveria defeito no desenho da exação, sob o prisma da legalidade, pois, para incidir sobre o patrimônio das empresas, deveria ter obedecido à técnica da competência residual da União — que requer lei complementar, conforme o art. 154, I, da CF. Vislumbrou, outrossim, desrespeito à capacidade contributiva da empresa, haja vista que as fronteiras da noção geral de renda teriam sido ultrapassadas. Tornar-se-ia evidente que vedar à empresa o direito de deduzir, em montante adequado, despesas referentes à correção monetária, equivaleria a obrigá-la a recolher imposto sobre algo que não seria renda, o único índice presuntivo de riqueza que o IR poderia alcançar. Evidenciou, ademais, ofensa ao princípio da igualdade, em virtude da aplicação do IPC a pessoas jurídicas envolvidas em operações de incorporação, fusão ou cisão, prevista no art. 31 da Lei 7.799/89, sem que o critério de discrimen (ter participado das mencionadas operações) fosse justificável. Além das referidas inconstitucionalidades perpetradas pelas leis em análise, teriam sido violados, ainda, os princípios da anterioridade e da irretroatividade. Ferir-se-ia o disposto do art. 150, III, b, da CF, porque a majoração do tributo, consistente na coarctação da possibilidade de reconhecimento de correção monetária adequada, teria sido implementada para que valesse no próprio exercício. Demais disso, ignorarar-se-ia a garantia da irretroatividade, prevista no art. 150, III, a, da CF, na medida em que as disposições legais teriam se voltado a colher fatos pretéritos, ainda que sob o falso pretexto de “refletir os efeitos da desvalorização da moeda observada anteriormente à vigência desta Lei” (Lei 7.730/89, art. 30). Quanto ao RE 256304/RS, o Min. Cezar Peluso assentou aplicação do índice conforme o pedido do recurso interposto que, no caso, seria menor que o IPC de 70,28%, no que foi seguido pela Min. Rosa Weber. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012. (RE-256304)


Concurso público e remoção

O Plenário denegou mandado de segurança impetrado em favor de candidatos aprovados em concurso público para o provimento de cargos efetivos da estrutura do Poder Judiciário do Estado da Paraíba e para formação de cadastro de reserva. No caso, o certame fora organizado de forma regionalizada com vagas disponibilizadas em 8 regiões, cada qual formada por determinado grupo de comarcas, de modo que os candidatos somente concorreriam às vagas disponíveis na região selecionada quando da inscrição no concurso público. Em razão disso, associação de analistas e técnicos judiciários formulara pedido de providências perante o CNJ, com o fito de determinar ao tribunal de justiça o oferecimento dos cargos vagos e a vagar primeiramente à remoção de servidores já integrantes dos seus quadros para, posteriormente, permitir aos remanescentes o preenchimento mediante a investidura de candidatos aprovados no concurso. O CNJ determinara, então, a precedência da remoção no preenchimento dos cargos públicos vagos. Contra essa decisão, fora impetrado o presente writ. Registrou-se, inicialmente, que na situação dos autos, ter-se-ia legislação anterior, na qual prevista que, na ascensão de servidores para determinadas comarcas, dever-se-ia observar primeiro a remoção. Ocorre que, posteriormente, nova lei teria sido editada, em que estabelecido critério distinto, sem a necessidade dessa exigência. Dessumiu-se que a sistemática de movimentação de servidor, de acordo com a lei estadual de regência, seria a da precedência de remoção para, depois, promover-se a investidura. Asseverou-se que candidato de cadastro de reserva não teria direito líquido e certo, mas apenas expectativa de direito. Por outro lado, esclareceu-se que o CNJ teria sido extremamente comedido ao manter candidatos concursados já empossados. Não se vislumbrou nenhum error in procedendo nem error in judicando do CNJ, o qual teria adotado solução justa com roupagem jurídica. Destacou-se que, no início da carreira, os récem-empossados deveriam ser lotados em comarcas mais longínquas. Por fim, rejeitou-se alegação de nulidade por ausência de citação de litisconsortes.
MS 29350/PB, rel. Min. Luiz Fux, 20.6.2012. (MS-29350) Audio


Investigação criminal promovida pelo Ministério Público e aditamento da denúncia - 4

O Plenário retomou julgamento de habeas corpus em que pretendido o trancamento de ação penal movida contra acusado da suposta prática do crime de homicídio, e a invalidação da decisão que decretara sua prisão preventiva. Sustenta-se a inexistência de base legal para a prisão, bem como a impossibilidade de se admitir investigação promovida pelo Ministério Público, que viera a servir de base ao aditamento à denúncia, a partir do qual o paciente fora envolvido na ação penal — v. Informativo 471. Preliminarmente e por maioria, indeferiu-se pleito de renovação do julgamento, vencido o Min. Marco Aurélio, relator. No mérito, o Min. Cezar Peluso, em voto-vista, indeferiu a ordem, por questões factuais. Repisou os fundamentos do seu voto proferido no RE 593727/MG, cujo julgamento se dera nesta mesma sessão. Aduziu que, no curso da ação penal, com fulcro em depoimento constante da peça policial, o parquet iniciara procedimento de investigação, o qual incluíra oitivas testemunhais. Muitas destas provas, depois, teriam sido tomadas pela autoridade policial do inquérito — em escutas telefônicas requeridas e deferidas pelo juízo —, ao passo que outras teriam sido trazidas aos autos apenas pelo Ministério Público. Neste contexto, salientou que o aditamento da denúncia não teria se sustentado exclusivamente em fatos coligidos pelo órgão acusador. Assim, encerrada a instrução, aventou que, se houvesse pronúncia, caberia ao júri, ou ao magistrado, verificar o que eventualmente seria inaproveitável em termos de convencimento, tendo em conta a estreita via deste writ. Após, deliberou-se suspender o julgamento.
HC 84548/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 21.6.2012. (HC-84548) Audio




REPERCUSSÃO GERAL


FGTS e honorários advocatícios

Ao aplicar o mesmo entendimento firmado na ADI 2736/DF (DJe de 29.3.2011), o Plenário deu provimento a recurso extraordinário para que pudessem ser cobrados honorários advocatícios nos processos entre o FGTS e os titulares de contas vinculadas. Na espécie, o tribunal a quo julgara constitucional o art. 29-C da Lei 8.036/90 (“Nas ações entre o FGTS e os titulares de contas vinculadas, bem como naquelas em que figurem os respectivos representantes ou substitutos processuais, não haverá condenação em honorários advocatícios”). Explicitou-se que, naquele precedente, o STF declarara a inconstitucionalidade do art. 9° da MP 2.164-41/2001 na parte em que acrescentava o preceito adversado na aludida lei.
RE 581160/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.6.2012. (RE-581160) Audio


“GDACT” e extensão a inativos - 1

O Plenário deu provimento a recurso extraordinário interposto de acórdão que entendera ser devida Gratificação de Desempenho de Atividade de Ciência e Tecnologia - GDACT a servidores inativos e pensionistas em seu grau máximo. No contexto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE alegava que, em virtude da natureza pro labore faciendo, ao recorrido caberia apenas percentual fixado legalmente para os inativos. Inicialmente, conheceu-se do recurso. Aduziu-se que a jurisprudência desta Corte seria no sentido de que a análise da natureza de uma gratificação — se vantagem pessoal ou geral — demandaria exame de legislação infraconstitucional. Asseverou-se que, no entanto, a decisão impugnada assentara a inconstitucionalidade do art. 60-A da MP 2.229-43/2001, sob o argumento de ofensa ao princípio da paridade, previsto no art. 40, § 4º, na redação primitiva Constituição vigente, a atrair, desse modo, a jurisdição do Supremo (“Art. 60-A. A partir de 1º de dezembro de 2003, as gratificações a que se referem os arts. 8º, 13 e 19 desta Medida Provisória aplicam-se às aposentadorias e às pensões concedidas ou instituídas até 29 de junho de 2000, no valor correspondente a trinta por cento do percentual máximo aplicado ao padrão da classe em que o servidor que lhes deu origem estivesse posicionado. § 1º A hipótese prevista no caput aplica-se igualmente às aposentadorias e pensões concedidas ou instituídas antes que o servidor que lhes deu origem completasse sessenta meses de percepção das gratificações. § 2º As gratificações referidas no caput aplicam-se às aposentadorias e pensões concedidas ou instituídas após 29 de junho de 2000 e serão calculadas conforme o disposto no inciso II do art. 59 desta Medida Provisória, desde que transcorridos pelo menos sessenta meses de percepção das gratificações”). Ante a peculiaridade de a decisão recorrida ter textualmente declarado a inconstitucionalidade da redução do benefício, o Min. Cezar Peluso conheceu do recurso. O Min. Celso de Mello ressaltou, de igual maneira, a particularidade da espécie.
RE 572884/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.6.2012. (RE-572884) Audio


“GDACT” e extensão a inativos - 2

No mérito, registrou-se que a GDACT fora instituída pelo art. 19 da MP 2.048-26/2000. Além disso, a medida provisória estabeleceria percentuais limítrofes de atribuição e quais seus beneficiários no art. 20, bem assim disporia quanto a aposentadoria e pensões no art. 54. Ato contínuo, reportou-se ao art. 56, IV (“Art. 56. Enquanto não forem regulamentadas e até 31 de dezembro de 2000, as Gratificações referidas no art. 54 desta Medida Provisória corresponderão aos seguintes percentuais incidentes sobre o vencimento básico de cada servidor: ... IV - Gratificação de Desempenho de Atividade de Ciência e Tecnologia, doze vírgula vinte e cinco por cento, cinco vírgula cinco por cento e dois vírgula cinco por cento, para os cargos de níveis superior, intermediário e auxiliar, respectivamente”). Apontou-se que sobreviera regulamentação por meio do Decreto 3.762/2001. Assim, percebeu-se que, antes do advento desta (5.3.2001), a GDACT, apesar de originalmente concebida como gratificação pro labore faciendo, teria caráter geral e, por esse motivo, seria extensiva aos inativos.
RE 572884/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.6.2012. (RE-572884)


“GDACT” e extensão a inativos - 3

Em seguida, esclareceu-se que a MP 2.048-26/2000 fora reeditada 17 vezes até chegar à MP 2.229-43/2001. Assinalou-se que esta, por sua vez, fora modificada pela Lei 10.769/2003, que elevaria o percentual da GDACT ao limite de 50% no tocante aos cargos de nível superior, intermediário e auxiliar. Observou-se inalterada a natureza de gratificação paga tendo em conta efetivo exercício do cargo, modificada apenas sua composição, que, a partir de 1º de dezembro de 2003, passaria a ter duas parcelas: uma decorrente de avaliação individual e outra, de avaliação institucional. Noutras palavras, regulou-se o modo de sua concessão, tornando-a variável. Anotou-se cumprir distingui-la da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa - GDATA, apreciada pelo Supremo, porquanto, após o Decreto 3.762/2001, não haveria mais na GDACT percentual mínimo assegurado ao servidor pelo só fato de estar em atividade. Reputou-se que, haja vista a natureza pro labore faciendo, não se mostraria devida extensão automática do benefício aos inativos com fundamento no princípio da paridade, a que aludia o art. 40, § 4º, da CF. Registrou-se que a Lei 10.769/2003 acrescentara o art. 60-A à MP 2.229-43/2001. Compreendeu-se que este dispositivo mandaria aplicar às aposentadorias e pensões valor correspondente a 30% do percentual máximo incidente sobre o padrão da classe em que o servidor estivesse posicionado, a partir das datas que especificaria.
RE 572884/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.6.2012. (RE-572884)


“GDACT” e extensão a inativos - 4

Afastou-se entendimento do acórdão recorrido de que o artigo em comento acarretaria redução indevida da gratificação percebida pelos aposentados e pensionistas. Frisou-se que, a partir da edição do Decreto 3.762/2001, teria deixado de existir direito à percepção integral do benefício por eles. Sublinhou-se diferença essencial relativamente a outros casos examinados no STF sobre o tema, porque nestes não teria havido realmente regulamentação. Por fim, reconheceu-se a constitucionalidade do art. 60-A da MP 2.229-43/2001, incluído pela Lei 10.769/2003, considerando, destarte, legítima a sua aplicação às situações que explicita. O Min. Luiz Fux complementou que o Supremo, anteriormente à regulamentação, entenderia ser esse benefício maneira de burlar extensão aos inativos. Salientou que aferir se a avaliação de produtividade estaria, ou não, sendo realizada na prática seria matéria fática não passível de aferição em recurso extraordinário. O Min. Gilmar Mendes acentuou a existência, no concernente ao GDACT, de regramento próprio para os inativos.
RE 572884/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.6.2012. (RE-572884)


Ministério Público e investigação criminal - 1

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público. O acórdão impugnado dispusera que, na fase de recebimento da denúncia, prevaleceria a máxima in dubio pro societate, oportunidade em que se possibilitaria ao titular da ação penal ampliar o conjunto probatório. Sustenta o recorrente que a investigação realizada pelo parquet ultrapassaria suas atribuições funcionais constitucionalmente previstas, as quais seriam exclusivas da polícia judiciária. Preliminarmente, o Colegiado, por maioria, indeferiu pedido de adiamento formulado pelo recorrente, a fim de que fosse colhido o parecer do Ministério Público Federal. Aludiu-se que, tendo em vista que o PGR realizaria sustentação oral, a manifestação seria desnecessária, consoante o que outrora a Corte já teria decidido até mesmo em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Vencido o Min. Marco Aurélio, que reputava indispensável que o processo estivesse devidamente aparelhado com o parecer formal daquele órgão, visto que o caso seria julgado sob o instituto da repercussão geral.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727) Audio


Ministério Público e investigação criminal - 2

Em seguida, o Supremo, por votação majoritária, resolveu questão de ordem — suscitada pelo PGR — com o fito de assentar a legitimidade do Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, ora recorrido, para proferir sustentação oral. O Min. Cezar Peluso, relator, anotou que o Plenário já teria reconhecido que o parquet estadual disporia de legitimação para atuar diretamente nesta Corte nas causas por ele promovidas originariamente. Elucidou que o PGR poderia desempenhar, no Supremo, 2 papéis simultâneos: a) o de fiscal da lei; ou b) o de parte. Assim, quando o MPU, em qualquer dos seus ramos, figurasse como parte do feito, só ao PGR seria dado oficiar perante o STF, porque ele quem encarnaria os interesses confiados pela lei ou pela Constituição a este órgão. Explicou que, nos demais casos, esse parquet exerceria, evidentemente, a função de fiscal da lei. Nesta última condição, a sua manifestação não poderia preexcluir a das partes, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. Destarte, sugeriu que a Lei Complementar federal 75/93 somente incidisse no âmbito do MPU, sob pena de cassar-se a autonomia dos Ministérios Públicos estaduais, que estariam na dependência, para promover e defender interesse em juízo, da aprovação do Ministério Público Federal.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 3

No ponto, o Min. Celso de Mello aduziu que a Constituição teria distinguido a Lei Orgânica do MPU (LC 75/93) — típica lei federal —, da Lei Orgânica Nacional (Lei 8.625/93), que se aplicaria, em matéria de regras gerais e diretrizes, a todos os Ministérios Públicos estaduais. Ademais, sublinhou que a Resolução 469/2011 do STF determinaria a intimação pessoal do Ministério Público do estado-membro nos processos em que este fosse parte. Salientou que não haveria relação de subordinação jurídico-institucional que submetesse o Ministério Público estadual à chefia do MPU. Acresceu que a Constituição teria definido o PGR como chefe do MPU e que, não raras vezes, seriam possíveis situações processuais nas quais se estabelecessem posições antagônicas entre esses 2 órgãos. Além disso, a privação do titular do parquet estadual para figurar na causa e expor as razões de sua tese consubstanciaria exclusão de um dos sujeitos da relação processual.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 4

O Min. Ricardo Lewandowski lembrou a possibilidade de existência de conflito federativo, resolvido pelo Pleno, entre Ministério Público Federal e local. O Min. Marco Aurélio discorreu que o processo em si não seria corrida de revezamento. Explicitou que, acaso se transportasse a óptica alusiva à concentração para hipótese da Defensoria Pública, como para a seara dos profissionais da advocacia, estar-se-ia a julgar ação penal com roupagem de recurso extraordinário. O Min. Gilmar Mendes sobrelevou que a tese a ser firmada por esta Corte denotaria constructo que a própria práxis demonstrara necessário, uma vez que existiriam órgãos autônomos os quais traduziriam pretensões realmente independentes, de modo que poderia ocorrer eventual cúmulo de argumentos. Relatou que em diversos momentos o MPF, pela voz do PGR, teria se manifestado contrariamente ao recurso aviado pelo Ministério Público estadual. A Min. Cármen Lúcia, em face da Resolução 469/2011, bem assim diante do fato de o Procurador-Geral de Justiça constar em todo o curso do processo como recorrido, acompanhou a orientação majoritária, todavia, ressalvou seu ponto de vista. Vencido o Min. Dias Toffoli, ao entender que a organicidade imporia que apenas um representante atuasse no Supremo Tribunal, ora como parte, ora como fiscal da lei. Se assim não fosse, deveria haver mais 27 assentos neste Tribunal. Versava que somente o PGR poderia aprovar os pareceres oferecidos nas causas em trâmite no STF.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 5

No mérito, o relator deu provimento ao recurso, para decretar a nulidade, ab initio, do processo em que figura como réu o ora recorrente. Primeiramente, mencionou a existência, em diversos sistemas conhecidos, de alguma forma preliminar de apuração de responsabilidade, com função preservadora e preparatória. A primeira delas consistiria em preservar a inocência contra acusações infundadas e o organismo judiciário contra o custo e a inutilidade em que estas redundariam, a propiciar sólida base e elementos para a propositura e exercício da ação penal. A segunda, por sua vez, relacionar-se-ia com o decurso inexorável do tempo, a partir do qual os vestígios do delito tenderiam a desaparecer, a exigir mecanismo que acautelasse meios de prova, às vezes inadiáveis ou intransponíveis, para que fossem ao conhecimento do juiz e ao bojo de eventual ação penal. Destacou os efeitos negativos em detrimento de quem responderia a acusação formal, na qual em jogo a liberdade, a justificar a indispensabilidade de juízo rigoroso e fundamentado de controle de legitimidade desse exercício. Ressalvou a possibilidade de dispensa de inquérito policial, quando já se dispusesse, por ato ou procedimento diverso, de elementos suficientes ao ajuizamento fundado de ação penal (CPP, art. 12).
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 6

Realizou escorço histórico acerca da evolução dos sistemas de persecução penal prévia no direito brasileiro. Observou que, hodiernamente, o instrumento legal da formação da culpa, em sentido amplo — entendida como etapa preliminar destinada à apuração do fato supostamente ilícito e típico, bem como de sua autoria —, encontrar-se-ia no inquérito policial. Lembrou o art. 4º do CPP, a impor que a apuração das infrações penais e de sua autoria seria atribuição da polícia judiciária. Considerou que essa expressão seria usada com 2 significados jurídicos distintos, ora na acepção de atividade, ora na designação do organismo estatal competente para a desempenhar. Assim, entendida como atividade, a polícia consubstanciar-se-ia nas práticas desenvolvidas no curso do inquérito policial. Nesse sentido, a investigação e a preservação dos meios de prova seriam tarefas de polícia judiciária. Quanto ao organismo competente para exercer essa atividade, reportou-se ao art. 144, § 1º, I, II, IV, e § 4º, da CF. No ponto, concluiu competirem, às polícias federal e civil, as atribuições de prevenir e apurar infrações penais, exceto militares, e exercer as funções de polícia judiciária. Afirmou que a polícia consistiria em órgão da Administração direta, voltado à segurança pública. Quando atuasse como integrante da justiça penal, seria polícia judiciária. Incumbir-lhe-ia a feitura dos inquéritos policiais, dentre outros deveres. Quando realizasse inquérito policial, a polícia exerceria função judiciária, porque, se organicamente entroncar-se-ia na máquina administrativa, funcionalmente ligar-se-ia ao aparelho judiciário. Caberia, portanto, à autoridade policial, civil ou federal, a condução do inquérito policial.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 7

No tocante à questão substancial da competência para apuração preliminar de infrações penais pelo órgão ministerial, invocou necessária a delimitação constitucional de função, competência e procedimento. Assim, a primeira indagação diria respeito à pertinência subjetiva da função, compreendida como programa constitucional do conjunto de atividades atribuídas a determinado órgão, da qual decorreria a competência, conjunto de poderes outorgados para o desempenho da função. Após, cumpriria analisar o procedimento juridicamente regulado, em que convertida em atos a função e a competência. Em outras palavras, impenderia examinar, primeiramente, se seria mister do Ministério Público apurar infrações penais, daí decorrendo, ou não, a competência para fazê-lo, e, só então, perquirir acerca da existência de procedimento juridicamente regulado para que a instituição transformasse em atos a função e a competência, eventualmente outorgadas pela Constituição.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 8

Consignou que o Ministério Público e suas funções estariam discriminados nos artigos 127, I, e 129, ambos da CF. Declarou não existir, na Constituição, norma a permitir que a instituição realizasse investigação e instrução criminal preliminar de ação penal. Reputou que interpretação dos incisos I e IX, ambos do art. 129 da CF, permitiria inferir a atribuição, ao parquet, de certas funções, no sentido de autorização de exercício do poder para proteção dos cidadãos. Especificamente, em relação ao inciso I, cuidar-se-ia de legitimidade para promoção de ação penal de iniciativa pública, sem referência à função de conduzir inquérito. Salientou que a Constituição relativizara o monopólio no tocante à legitimação para mover ação penal de iniciativa pública (CF, art. 5º, LIX). Ademais, frisou que, quando a Constituição pretendera atribuir função investigativa ao Ministério Público, fizera-o em termos expressos (CF, art. 129, III). Por sua vez, o inciso VIII da mesma norma indicaria que a Constituição diferenciaria, das outras fases da persecução penal, a correspondente ao escopo do inquérito policial, cuja condução não fora incluída entre as funções deferidas ao Ministério Público. Exigira-lhe, antes, que, quando devesse, requisitasse, a outro órgão, diligências investigatórias e instauração de inquérito, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 9

Assentou que a Constituição não teria imposto igual zelo ao outorgar a função de promover inquérito civil, pois distinguira, entre 2 órgãos — polícia judiciária e Ministério Público — as funções respectivas de apurar infrações penais e de acusar em juízo, diversamente do que estabelecido em relação ao inquérito civil. Ocorrera presunção de grave, mas necessária e regulamentada, restrição que a persecutio criminis representaria aos direitos fundamentais. A partir dessa dissociação decorreria a separação de funções, além da necessidade de fundamentação jurídica, sequer demandada à instauração de inquérito civil (CF, art. 129, III). Além disso, a Constituição delegara ao Ministério Público o relevante controle externo da atividade policial, a demonstrar que as investigações preliminares de delitos postulariam fiscalização heterônoma (CF, art. 129, VII). Concluiu que extrair, do texto constitucional, a competência ministerial para apuração prévia de crimes, seria fraudar as normas citadas. No tocante ao art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º, reconheceu que a Constituição estabeleceria, de modo expresso, que a função e a competência para apuração de infrações penais seria somente das polícias, sem partilhá-las com o Ministério Público, cujas atribuições, posto conexas, seriam distintas. Sublinhou que essa distinção teria vistas à estrita observância da lei e à consequente proteção dos cidadãos. Por essa razão, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93) e a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/93) não poderiam, sem incorrer em inconstitucionalidade, ter atribuído também ao parquet funções e competências reservadas às instituições policiais. A LC 75/93, em seus artigos 7º e 8º, apenas reafirmaria as dicções constitucionais. A previsão legal neles descrita serviria apenas como instrumento operacional para o exercício das atribuições do Ministério Público, nos procedimentos de sua competência. O mesmo afirmou em relação à Lei 8.625/93, em seu art. 26.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 10

Assinalou a importância das preocupações sobre eventual necessidade, ditada por exigências da disforme realidade brasileira, de mudança do regime adotado pela Constituição, em particular sobre situações extremas, como a de supostos ilícitos praticados por policiais, a cujo respeito se questionaria se a autoridade policial teria isenção suficiente para sua apuração rigorosa. Registrou que o sistema jurídico constitucional entregaria ao Ministério Público o conspícuo dever de controle externo da atividade da polícia, mediante exercício de todos os poderes indispensáveis ao formal escrutínio da regularidade das investigações policiais. Acresceu haver projetos de lei em tramitação que teriam por objetivo propor regras gerais para a investigação criminal. Reportou-se ao art. 4º, parágrafo único, do CPP, o qual admitiria que autoridades administrativas estranhas à organização policial recebessem, da lei, competência para exercício da função de polícia judiciária. Dentre essas exceções estaria, por exemplo, o caso das comissões parlamentares de inquérito, investidas de poderes investigatórios próprios das autoridades judiciais, inclusive os de polícia judiciária (CF, art. 58, § 3º). Entretanto, advertiu que o Código de Processo Penal, anterior à CF/88, não poderia legitimar atribuição de poderes repudiada por ela. Ao revés, dever-se-ia reconstruir a interpretação do velho arcabouço processual penal, declarando-lhe as incompatibilidades com o ordenamento constitucional superveniente. Aludiu que a formação da culpa, como procedimento preparatório à instauração de ação penal, dar-se-ia, primordialmente, no inquérito conduzido pela polícia (CPP, art. 4º, caput). A regra não seria, porém, absoluta. A respeito, citou o inquérito policial militar, o inquérito administrativo stricto sensu, o inquérito civil, o inquérito parlamentar e a modalidade de formação de culpa nos crimes contra a propriedade imaterial.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 11

Analisou que, na órbita da Administração Pública, os processos administrativos poderiam ensejar ações penais de natureza condenatória, desde que revelassem, em razão do fenômeno jurídico da múltipla incidência normativa, elementos suficientes à acusação penal formal. Além disso, em relação a crimes contra a ordem tributária, a ordem econômica ou o sistema financeiro nacional, normalmente procedimento administrativo funcionaria como legítimo instrumento cujo resultado seria capaz de instruir e fundamentar instauração de ação penal. De igual modo, em ações penais dirigidas a apurar cometimento de crimes funcionais, os dados de processos administrativos figurariam, geralmente, como suporte bastante à denúncia, substituindo o inquérito policial (CPP, art. 513). Também em casos de crime contra o meio ambiente, procedimentos realizados por órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente poderiam servir de base à propositura de ação penal, assim como o poderiam procedimentos administrativos levados a cabo por órgãos do Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor, quanto a delitos contra relações de consumo. Certificou que o fato histórico subjacente à tipificação de ilícito administrativo configuraria, boa parte das vezes, ilícito penal. A autoridade que, no exercício da função de apuração de ilícito administrativo, tomasse conhecimento da possível prática de crime de ação pública, à luz dos elementos colhidos em procedimento regular, deveria comunicá-lo à autoridade competente, sob as penas da lei. Da mesma forma, o inquérito parlamentar poderia servir de base à acusação criminal. Nos crimes contra a propriedade imaterial, de igual maneira, a formação judicial do corpo de delito configuraria forma preliminar do processo penal.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 12

Elucidou que, além da licitude do uso suficiente de elementos probatórios produzidos em outras instâncias administrativas, poderia também haver dispensa da investigação em inquérito, nos termos do art. 12 do CPP. Neste passo, tornou patente que a teórica aproveitabilidade jurídica das provas coligadas em procedimentos alternativos — a resultar prescindível a abertura de inquérito policial — não decorreria da aparente incidência do art. 4º, parágrafo único, do CPP. Sucederia que, exceto a CPI, nenhuma dessas outras autoridades não policiais estaria investida de função e competência constitucional, mas meramente administrativa. Não seriam hipóteses de atribuição de competência de polícia judiciária por norma infraconstitucional, à revelia da Constituição, mas de previsão constitucional e legal doutras competências, de cujo exercício poderiam resultar também dados teóricos que, nos termos do ordenamento processual penal, dispensariam, por inutilidade, procedimento específico de polícia judiciária. Ressurtiu que, dada a singular natureza da responsabilidade penal, esse fator deveria repercutir no perfil do instrumento metodológico de sua apuração, ou seja, da persecutio criminis, considerada em todas as suas fases. Uma das consequências desse aspecto estaria em que só se conceberia propositura lícita de ação penal com base exclusiva em elementos reunidos em outras formas de apuração preliminar, que não o inquérito policial, se existentes indícios que, inculcando materialidade e autoria, caracterizassem justa causa para instauração do processo. Ocorre que a tutela constitucional dos direitos e garantias individuais não permitiria sujeitar ninguém aos constrangimentos inerentes à pendência do processo criminal, sem suporte probatório mínimo.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 13

Além disso, conquanto a serventia teórica das provas colhidas alhures não proviesse da incidência do art. 4º, parágrafo único, do CPP, exigir-se-ia lei que disciplinasse os respectivos procedimentos administrativos, para que seus resultados se tornassem aproveitáveis no âmbito criminal e dispensassem abertura de inquérito policial. A respeito, referenciou-se aos artigos 1º e 5º, II, LIV e LV, ambos da CF. Dessumiu que a conversão da competência em atos dar-se-ia sempre em procedimento juridicamente regulado, ou seja, o exercício das funções públicas estaria sujeito a um iter procedimental juridicamente adequado à garantia dos direitos fundamentais e à defesa dos princípios básicos do Estado de direito democrático. Assim, se houvesse a suposta competência do Ministério Público para apurar a prática de infrações penais, ela só poderia ser exercida nos termos da lei, à vista do devido processo legal e da competência privativa da União para legislar em matéria processual (CF, art. 22, I). Daí, seriam írritas as tentativas de regulamentação da matéria por via de resoluções. Ademais, estatuiu que o membro do Ministério Público, na condição de parte acusadora, nem sempre poderia conduzir com objetividade e isenção suficientes a primeira fase da persecutio criminis. Acabaria, nesse papel, por causar prejuízos ao acusado e à defesa.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 14

Decretou que a investigação direta pelo Ministério Público, no quadro constitucional vigente, não encontraria apoio legal e produziria consectários insuportáveis dentro do sistema governado pelos princípios elementares do devido processo legal: a) não haveria prazo para diligências nem para sua conclusão; b) não se disciplinariam os limites de seu objeto; c) não se submeteria a controle judicial, porque carente de existência jurídica; d) não se assujeitaria à publicidade geral dos atos administrativos, da qual o sigilo seria exceção, ainda assim sempre motivado e fundado em disposição legal; e) não preveria e não garantiria o exercício do direito de defesa, sequer a providência de ser ouvida a vítima; f) não se subjugaria a controle judicial dos atos de arquivamento e de desarquivamento, a criar situação de permanente insegurança para pessoas consideradas suspeitas ou investigadas; g) não conteria regras para produção das provas, nem para aferição de sua consequente validez; h) não proviria sobre o registro e numeração dos autos, tampouco sobre seu destino, quando a investigação já não interessasse ao Ministério Público. Esclareceu que haveria atos instrutórios que, próprios da fase preliminar em processo penal, seriam irrepetíveis e, nessa qualidade, dotados de efeito jurídico processual absoluto. Seriam praticados, na hipótese, à margem da lei.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 15

A respeito da possibilidade de o Ministério Público poder oferecer denúncia direta, sem instauração prévia de investigação policial, explicitou que isso não implicaria possibilidade de investigação direta pelo órgão, diante de expressa reserva constitucional de competência, outorgada às polícias (CF, art. 144), que deveriam exercê-la mediante instrumento legalmente regulamentado. Quanto à crítica de que, no modelo adotado, o titular da ação penal estaria na posição de mero espectador das investigações, realçou que o inquérito não seria apenas base para acusação legítima. Consistiria, também, em suporte para arquivamento do procedimento investigatório, nas hipóteses de insuficiência probatória, inexistência de fato, indefinição da autoria, fato atípico, causa de exclusão da antijuridicidade e de extinção da punibilidade. Seria, desse modo, instrumento de defesa e de tutela de direitos fundamentais, na medida em que, em muitos casos, a decisão judicial de arquivamento faria coisa julgada material. O parquet não seria, bem assim, espectador passivo das investigações, em que lhe competiriam as importantes tarefas descritas no art. 129, VII e VIII, da CF.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)


Ministério Público e investigação criminal - 16

Concedeu, porém, que, à luz da ordem jurídica, o Ministério Público poderia realizar, diretamente, atividades de investigação da prática de delitos, para preparação de eventual ação penal, em hipóteses excepcionais e taxativas, desde que observadas certas condições e cautelas tendentes a preservar os direitos e garantias assegurados na cláusula do devido processo legal. Essa excepcionalidade, entretanto, exigiria predefinição de limites estreitos e claros. Assim, o órgão poderia fazê-lo observadas as seguintes condições: a) mediante procedimento regulado, por analogia, pelas normas concernentes ao inquérito policial; b) por consequência, o procedimento deveria ser, de regra, público e sempre supervisionado pelo Judiciário; c) deveria ter por objeto fatos teoricamente criminosos, praticados por membros ou servidores da própria instituição, por autoridades ou agentes policiais, ou por outrem se, a respeito, a autoridade policial cientificada não houvesse instaurado inquérito. No caso em apreço, todavia, não coexistiriam esses requisitos. O Ministério Público não teria se limitado a receber documentos bastantes à instauração da ação penal, mas iniciado procedimento investigatório específico e, com apoio nos elementos coligidos, formalizado denúncia. Por fim, após o voto do Min. Ricardo Lewandowski, nesse mesmo sentido, deliberou-se suspender o julgamento.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)

1ª parte Vídeo
2ª parte Vídeo



PRIMEIRA TURMA



Injúria qualificada e proporcionalidade da pena

A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se alega a desproporcionalidade da pena prevista em abstrato quanto ao tipo qualificado de injúria, na redação dada pela Lei 10.741/2003 (“Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: ... § 3º. Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa”). O Min. Luiz Fux, relator, denegou a ordem, no que foi acompanhado pela Min. Rosa Weber. Destacou que o tipo qualificado de injúria teria como escopo a proteção do princípio da dignidade da pessoa humana como postulado essencial da ordem constitucional, ao qual estaria vinculado o Estado no dever de respeito à proteção do indivíduo. Observou que o legislador teria atentado para a necessidade de se assegurar prevalência desses princípios. Asseverou que o impetrante pretenderia o trancamento da ação penal ao sustentar a inconstitucionalidade do art. 140, § 3º, do CP, questão não enfrentada em recurso especial no STJ. O Min. Marco Aurélio suscitou questão de ordem no sentido de que a matéria fosse submetida ao Plenário, diante da arguição de inconstitucionalidade do preceito. Para ele, o habeas prescindiria de prequestionamento do tema constitucional. Salientou que, ainda que a matéria não estivesse veiculada nas razões do especial, aquela Corte poderia conceder a ordem de ofício. Pontuou não desconhecer que o Pleno estaria assoberbado de processos a serem julgados. Entretanto, entendeu que o articulado conflito do art. 140, § 3º, do CP com a Constituição somente poderia ser examinado pelo Colegiado maior. Por fim, aduziu que, vencido quanto à aludida remessa, indeferia o writ por não aventar inconstitucionalidade. O relator e a Min. Rosa Weber resolveram a questão de ordem para que o julgamento prosseguisse na Turma. O primeiro ressaltou que o deslocamento somente deveria ocorrer no caso de se vislumbrar inconstitucionalidade de norma, consoante interpretação do art. 97 da CF. Complementou que, para conjurar lei do cenário jurídico, impenderia levar ao órgão próprio (CPC, art. 480). No entanto, para se afirmar a sua constitucionalidade, despicienda a afetação ao Plenário, em virtude da presunção de constitucionalidade. Ademais, demonstrou preocupação em se assentar a necessidade de envio ao Pleno de todo habeas no qual postulada essa pretensão. Após, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.
HC 109676/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 19.6.2012. (HC-109676)


Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 20.6.2012 21.6.2012 42
1ª Turma 19.6.2012 — 134
2ª Turma — — —

R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJe de 18 a 22 de junho de 2012

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 606.003-RS
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
COMPETÊNCIA – JUSTIÇA DO TRABALHO VERSUS JUSTIÇA COMUM – CONTROVÉRSIA RESULTANTE DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca do alcance do artigo 114 da Constituição Federal nos casos de definição da competência para o julgamento de processos envolvendo relação jurídica de representante e representada comerciais.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 657.989-RS
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
SALÁRIO-FAMÍLIA – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 – DIREITO ADQUIRIDO – AFASTAMENTO NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da existência de direito adquirido à percepção de salário-família ante a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 20/98.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 664.575-AM
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: Recurso representativo da controvérsia. Prazo para ajuizamento de representações fundadas em doações para campanhas eleitorais acima do limite legal. Aplicação do prazo de decadência de 180 (cento e oitenta) dias com fundamento no art. 32 da Lei 9.504/1997. Necessidade de se preservar a licitude do processo eleitoral por meio da fiscalização efetiva das contas de campanha. Repercussão geral reconhecida.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 660.970-RJ
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMPOSTO A INCIDIR SOBRE OPERAÇÕES DE SECRETARIADO POR RÁDIO-CHAMADA (ATIVIDADE DE PAGING). IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS OU IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISS. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 661.941-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: ADMINISTRATIVO. ESCRIVÃO DE PAZ. CONCURSO DE REMOÇÃO PARA REGISTRO DE IMÓVEIS OU TABELIONATO DE NOTAS. IMPOSSIBILIDADE. CLASSES DISTINTAS. LEI 14.083/2007 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. NECESSIDADE DE EXAME DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL LOCAL. QUESTÃO RESTRITA AO INTERESSE DAS PARTES. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisões Publicadas: 5

C L I P P I N G D O D J
18 a 22 de junho de 2012


MS N. 25.747-SC
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Mandado de segurança. 2. Conselho Nacional de Justiça. 3. Procedimento de Controle Administrativo n. 35/2005. 4. Acórdão do CNJ que julgou procedente o PCA para desconstituir a decisão administrativa do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que realizou votação de atos de remoção voluntária de magistrados por meio de escrutínio secreto. 5. Alegação de que a decisão impugnada fundamentou-se na Resolução n. 6/2005 do CNJ, inaplicável à espécie, inexistindo obrigação legal de votação aberta e fundamentação expressa e pública no caso. 7. Improcedência das alegações da impetração. 7. Necessidade de motivação expressa, pública e fundamentada das decisões administrativas dos tribunais. 8. Regra geral, que também vincula a votação de atos de remoção de magistrados, por força da aplicação imediata do art. 93, X, da Constituição. 9. Precedentes. 10. Mandado de segurança denegado.
*noticiado no Informativo 666


HC N. 107.157-RS
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. As medidas de segurança se submetem ao regime ordinariamente normado da prescrição penal. Prescrição a ser calculada com base na pena máxima cominada ao tipo penal debitado ao agente (no caso da prescrição da pretensão punitiva) ou com base na duração máxima da medida de segurança, trinta anos (no caso da prescrição da pretensão executória). Prazos prescricionais, esses, aos quais se aplicam, por lógico, os termos iniciais e marcos interruptivos e suspensivos dispostos no Código Penal.
2. Não se pode falar em transcurso do prazo prescricional durante o período de cumprimento da medida de segurança. Prazo, a toda evidência, interrompido com o início da submissão do paciente ao “tratamento” psiquiátrico forense (inciso V do art. 117 do Código Penal).
3. No julgamento do HC 97.621, da relatoria do ministro Cezar Peluso, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu cabível a adoção da desinternação progressiva de que trata a Lei 10.261/2001. Mesmo equacionamento jurídico dado pela Primeira Turma, ao julgar o HC 98.360, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, e, mais recentemente, o RHC 100.383, da relatoria do ministro Luiz Fux.
4. No caso, o paciente está submetido ao controle penal estatal desde 1981 (data da internação no Instituto Psiquiátrico Forense) e se acha “lotado em unidade aberta, desde 1988”. Pelo que não se pode desqualificar a ponderação do Juízo mais próximo à realidade da causa.
5. Ordem parcialmente concedida para assegurar ao paciente a desinternação progressiva, determinada pelo Juízo das Execuções Penais.

REF. EM MED. CAUT. EM ADI N. 4.705-DF
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL. COBRANÇA NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS PELO ESTADO DE DESTINO. EXTENSÃO ÀS REMESSAS PARA CONSUMIDORES FINAIS. COMÉRCIO ELETRÔNICO. “GUERRA FISCAL”. DENSA PROBABILIDADE DE VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL.
LEI 9.582/2011 DO ESTADO DA PARAÍBA.
MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA.
1. A Constituição define que o estado de origem será o sujeito ativo do ICMS nas operações interestaduais aos consumidores finais que não forem contribuintes desse imposto, mas a legislação atacada subverte essa ordem (art. 155, § 2º, II, b da Constituição).
2. Os entes federados não podem utilizar sua competência legislativa privativa ou concorrente para retaliar outros entes federados, sob o pretexto de corrigir desequilíbrio econômico, pois tais tensões devem ser resolvidas no foro legítimo, que é o Congresso Nacional (arts. 150, V e 152 da Constituição).
3. Compete ao Senado definir as alíquotas do tributo incidente sobre as operações interestaduais.
4. A tolerância à guerra fiscal tende a consolidar quadros de difícil reversão.
*noticiado no Informativo 655

RE N. 586.482-RS
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. COFINS/PIS. VENDAS INADIMPLIDAS. ASPECTO TEMPORAL DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA. REGIME DE COMPETÊNCIA. EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO COM AS HIPÓTESES DE CANCELAMENTO DA VENDA.
1. O Sistema Tributário Nacional fixou o regime de competência como regra geral para a apuração dos resultados da empresa, e não o regime de caixa. (art. 177 da Lei nº 6.404/76).
2. Quanto ao aspecto temporal da hipótese de incidência da COFINS e da contribuição para o PIS, portanto, temos que o fato gerador da obrigação ocorre com o aperfeiçoamento do contrato de compra e venda (entrega do produto), e não com o recebimento do preço acordado. O resultado da venda, na esteira da jurisprudência da Corte, apurado segundo o regime legal de competência, constitui o faturamento da pessoa jurídica, compondo o aspecto material da hipótese de incidência da contribuição ao PIS e da COFINS, consistindo situação hábil ao nascimento da obrigação tributária. O inadimplemento é evento posterior que não compõe o critério material da hipótese de incidência das referidas contribuições.
3. No âmbito legislativo, não há disposição permitindo a exclusão das chamadas vendas inadimplidas da base de cálculo das contribuições em questão. As situações posteriores ao nascimento da obrigação tributária, que se constituem como excludentes do crédito tributário, contempladas na legislação do PIS e da COFINS, ocorrem apenas quando fato superveniente venha a anular o fato gerador do tributo, nunca quando o fato gerador subsista perfeito e acabado, como ocorre com as vendas inadimplidas.
4. Nas hipóteses de cancelamento da venda, a própria lei exclui da tributação valores que, por não constituírem efetivos ingressos de novas receitas para a pessoa jurídica, não são dotados de capacidade contributiva.
5. As vendas canceladas não podem ser equiparadas às vendas inadimplidas porque, diferentemente dos casos de cancelamento de vendas, em que o negócio jurídico é desfeito, extinguindo-se, assim, as obrigações do credor e do devedor, as vendas inadimplidas - a despeito de poderem resultar no cancelamento das vendas e na consequente devolução da mercadoria -, enquanto não sejam efetivamente canceladas, importam em crédito para o vendedor oponível ao comprador.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
*noticiado no Informativo 649

AG. REG. NO RMS N. 26.806-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental em recurso em mandado de segurança. Anistia. Falecimento do impetrante no curso do processo. Inviabilidade de habilitação de herdeiros. Extinção decretada. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
1. A decisão ora atacada reflete a pacífica jurisprudência desta Corte a respeito do tema, conforme a qual, é de cunho personalíssimo o direito em disputa em ação de mandado de segurança.
2. Não há que se falar, portanto, em habilitação de herdeiros em caso de óbito do impetrante, devendo seus sucessores socorrer-se das vias ordinárias na busca de seus direitos. Precedentes.
3. Agravo regimental não provido.
*noticiado no Informativo 667

AG. REG. NO INQ. N. 2.913-MT
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: INQUÉRITO. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PARLAMENTAR. NOMEAÇÃO DE FUNCIONÁRIO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES INCOMPATÍVEIS COM O CARGO EM COMISSÃO OCUPADO. POSSIBILIDADE, EM TESE, DE CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE PECULATO DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO DE OFÍCIO, SEM OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. DOUTRINA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O sistema processual penal acusatório, mormente na fase pré-processual, reclama deva ser o juiz apenas um “magistrado de garantias”, mercê da inércia que se exige do Judiciário enquanto ainda não formada a opinio delicti do Ministério Público.
2. A doutrina do tema é uníssona no sentido de que, verbis: “Um processo penal justo (ou seja, um due process of law processual penal), instrumento garantístico que é, deve promover a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, como forma de respeito à condição humana do sujeito passivo, e este mandado de otimização é não só o fator que dá unidade aos princípios hierarquicamente inferiores do microssistema (contraditório, isonomia, imparcialidade, inércia), como também informa e vincula a interpretação das regras infraconstitucionais.” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Inquérito Policial, Democracia e Constituição: Modificando Paradigmas. Revista eletrônica de direito processual, v. 3, p. 125-136, 2009).
3. Deveras, mesmo nos inquéritos relativos a autoridades com foro por prerrogativa de função, é do Ministério Público o mister de conduzir o procedimento preliminar, de modo a formar adequadamente o seu convencimento a respeito da autoria e materialidade do delito, atuando o Judiciário apenas quando provocado e limitando-se a coibir ilegalidades manifestas.
4. In casu: (i) inquérito destinado a apurar a conduta de parlamentar, supostamente delituosa, foi arquivado de ofício pelo i. Relator, sem prévia audiência do Ministério Público; (ii) não se afigura atípica, em tese, a conduta de Deputado Federal que nomeia funcionário para cargo em comissão de natureza absolutamente distinta das funções efetivamente exercidas, havendo juízo de possibilidade da configuração do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal).
5. O trancamento do inquérito policial deve ser reservado apenas para situações excepcionalíssimas, nas quais não seja possível, sequer em tese, vislumbrar a ocorrência de delito a partir dos fatos investigados. Precedentes (RHC 96713, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 07/12/2010; HC 103725, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 14/12/2010; HC 106314, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 21/06/2011; RHC 100961, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010).
6. Agravo Regimental conhecido e provido.
*noticiado no Informativo 656

AG. REG. NO ARE N. 668.708-SC
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Militar. Ex-combatente. Dependentes. Assistência médico-hospitalar gratuita. Organizações militares de saúde. Possibilidade. Precedentes.
1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que é direito dos dependentes de ex-combatentes a assistência médico-hospitalar gratuita nas organizações militares de saúde.
2. Agravo regimental não provido.

AG. REG. NO RE N. 538.000-AL
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. REVISÃO GERAL ANUAL. VANTAGEM PECUNIÁRIA INDIVIDUAL. REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA. ART. 323 DO RISTF C.C. ART. 102, III, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. LEI Nº 10.698/03. OFENSA INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DO JUDICIÁRIO CONCEDER AUMENTO REMUNERATÓRIO SOB FUNDAMENTO DE ISONOMIA. SÚMULA N. 339 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF).
2. Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da CF).
3. A controvérsia sub judice – natureza do pagamento da vantagem no valor fixo de R$ 59,87 (cinquenta e nove reais e oitenta e sete centavos), estatuída pela Lei 10.698/03, se revisão geral ou vantagem pecuniária individual – é de índole infraconstitucional, por isso que a eventual ofensa à Constituição opera-se de forma indireta, circunstância que inviabiliza a admissão do extraordinário. (Precedentes: RE n. 638.428-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJe de 20.10.11; AI n. 807.066-AgR, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe de 25.11.10; ARE n. 659.792, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 03.11.11; RE n. 655.374, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 11.10.11; ARE n. 655.274, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 13.09.11; RE n. 655.742, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 06.09.11; ARE n. 649.212, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 649.212, entre outros.)
4. Ao Poder Judiciário é vedado conceder aumento a servidores públicos ou a militares com fundamento no princípio da isonomia, uma vez que não possui atribuição legislativa. Súmula n. 339 do STF, verbis: “não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”.
5. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. VANTAGEM PECUNIÁRIA INDIVIDUAL. LEI 10.698/03. INOCORRÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 37, X, DA CF/88. I. Diferentemente do que entende a parte autora, a Lei 10.698/03 não instituiu uma revisão geral anual, de forma a obedecer aos parâmetros previstos no art. 37, X da CF/88. Tanto assim o é que a vantagem pecuniária nela estabelecida não servirá de base de cálculo para qualquer outra parcela, conforme disposto no parágrafo único, do art. 1º da citada Lei. II. A revisão geral ocorreu por determinação da Lei 10.697/03, a qual previu o reajuste no percentual de 1% para todos os servidores públicos federais. III. Apelação improvida.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.

HC N. 110.152-MS
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. IMPUTAÇÃO DO DELITO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. 1. CONTROVÉRSIA SOBRE O CABIMENTO DE HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA IMPETRADO CONTRA ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE TRANSITOU EM JULGADO PELA NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. ATO COATOR EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. IMPETRAÇÃO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PELA QUAL SE PRETENDIA A REDUÇÃO DA PENA BASE FIXADA NA CONDENAÇÃO DO PACIENTE, INVIÁVEL EM HABEAS CORPUS.
1. Este Supremo Tribunal assentou não ser possível o conhecimento de habeas corpus quando não interposto o recurso cabível para provocar o reexame da matéria objeto da impetração. Precedentes.
2. Não se presta o habeas corpus para realizar novo juízo de reprovabilidade, ponderando, em concreto, qual seria a pena adequada ao fato pelo qual condenado o Paciente. Precedentes.
3. Ordem denegada.
*noticiado no Informativo 665

Acórdãos Publicados: 382

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Réu - 70 anos completados após a condenação - Pretendida redução da prescrição – Impossibilidade (Transcrições)

HC 87573/RJ*

RELATOR: Min. Celso de Mello

E M E N T A: “HABEAS CORPUS”. RÉU QUE SOMENTE COMPLETOU 70 (SETENTA) ANOS DE IDADE APÓS A CONDENAÇÃO PENAL, EMBORA ANTES DO RESPECTIVO TRÂNSITO EM JULGADO. INAPLICABILIDADE, EM TAL SITUAÇÃO, DA CAUSA DE REDUÇÃO, PELA METADE, DO LAPSO PRESCRICIONAL (CP, ART. 115). DATA DA PROLAÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO COMO LIMITE TEMPORAL INULTRAPASSÁVEL. INOCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL AO “STATUS LIBERTATIS” DO PACIENTE. DOUTRINA. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, EM ATO SINGULAR, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA. COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA QUE FOI DELEGADA, EM SEDE REGIMENTAL, PELA SUPREMA CORTE (RISTF, ART. 192, “CAPUT”, NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009). PEDIDO DE “HABEAS CORPUS” INDEFERIDO.
- A incidência da causa de redução, pela metade, do lapso prescricional, tratando-se de réu septuagenário, somente se viabiliza quando o acusado houver completado 70 (setenta) anos de idade até a data da prolação do decreto penal condenatório, que se qualifica, para efeito de aplicabilidade da regra inscrita no art. 115 do Código Penal, como limite temporal inultrapassável, sendo irrelevante, em conseqüência, que o agente venha a satisfazer tal requisito etário após a condenação criminal, embora antes do respectivo trânsito em julgado.

DECISÃO: Registro, preliminarmente, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 30, de 29 de maio de 2009, delegou expressa competência ao Relator da causa, para, em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de “habeas corpus”, “ainda que de ofício”, desde que a matéria versada no “writ” em questão constitua “objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal” (RISTF, art. 192, “caput”, na redação dada pela ER nº 30/2009).
Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de celeridade e de racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, § 1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557) que autoriza o Relator da causa a decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema já definido em “jurisprudência dominante” no Supremo Tribunal Federal.
Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
A legitimidade jurídica desse entendimento decorre da circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais, dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, justificando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175 - RTJ 173/948), valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que este Tribunal, em decisões colegiadas (HC 96.821/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - HC 104.241-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), reafirmou a possibilidade processual do julgamento monocrático do próprio mérito da ação de “habeas corpus”, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 192 do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental nº 30/2009.
Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa, impõe-se reconhecer que a controvérsia ora em exame ajusta-se à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, o que possibilita seja proferida decisão monocrática sobre o litígio em questão.
A impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 156):

“PENAL. PRESCRIÇÃO. ART. 115, DO CP. NÃO INCIDÊNCIA. IDADE DE 70 (SETENTA) ANOS. OCORRÊNCIA APÓS A PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA.
É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a idade de 70 (setenta) anos deve ser verificada quando da prolação da sentença, ou do acórdão condenatório nas ações penais originárias dos Tribunais.
Ordem DENEGADA.”
(HC 34.635/RJ, Rel. Min. PAULO MEDINA - grifei)

A parte ora impetrante postula a declaração de extinção da punibilidade do paciente, sustentando a ocorrência de prescrição penal em face da “possibilidade de redução do prazo prescricional” (fls. 121) prevista no art. 115 do CP, em razão de mencionado paciente haver completado 70 (setenta) anos antes do trânsito em julgado da condenação penal que lhe foi imposta.
O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. WAGNER GONÇALVES, opinou pelo indeferimento do pedido de “habeas corpus”, em parecer cuja ementa bem resume a sua douta manifestação (fls. 166):

“PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. APLICAÇÃO DO ART. 115, DO CP. RÉU QUE COMPLETA 70 ANOS EM DATA POSTERIOR AO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO.
1. O paciente, cujo acórdão condenatório foi publicado em 04.05.2000, só alcançou o requisito dos setenta anos em 07.01.2002, quando pendentes de julgamento apenas recursos sem efeitos suspensivos, que sequer chegaram a ser conhecidos.
2. Ausente o elemento etário na data da publicação do decreto condenatório (sentença ou acórdão) a ser executado, não cabe falar em benefício da prescrição pela metade para o paciente - nos termos do art. 115 do CP. Precedentes do Stf.
3. Parecer pela denegação da ordem.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a examinar a pretensão ora deduzida na presente sede processual. E, ao fazê-lo, entendo não assistir razão à parte ora impetrante.
A análise dos autos evidencia que o E. Superior Tribunal de Justiça denegou a ordem de “habeas corpus” impetrada em favor do ora paciente, por entender, de modo correto, que este somente teria direito à redução da prescrição penal, pela metade (CP, art. 115), se, à época da condenação penal, já houvesse atendido o requisito etário (70 anos, na espécie).
No caso, o acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, consubstanciador de condenação imposta em sede penal originária, foi publicado em 04/05/2000, data em que o ora paciente tinha sessenta e oito (68) anos de idade (fls. 17), vindo a completar setenta (70) anos somente em 07/01/2002.
Não se desconhece que este Supremo Tribunal Federal, em anterior pronunciamento, havia decidido que se revelava juridicamente possível o reconhecimento da extinção da punibilidade do agente, pela prescrição penal, mediante aplicação da redução estabelecida no art. 115 do CP, considerada, para tanto, a idade de 70 (setenta) anos na data do último julgamento, seja em grau de recursos ordinários, seja em âmbito de recursos excepcionais (Ext 591/República Italiana, Rel. Min. MARCO AURÉLIO).
Ocorre, no entanto, que o exame do contexto delineado nos presentes autos revela que o acórdão ora impugnado, emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, ajusta-se à orientação que, presentemente, prevalece nesta Suprema Corte em torno da compreensão do art. 115 do CP, cabendo relembrar, por necessário, os inúmeros precedentes que, firmados por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, consagraram diretriz cujos termos desautorizam a pretensão deduzida nesta sede processual (HC 98.418/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE - HC 107.498/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO):

“‘HABEAS CORPUS’. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. AGENTE MAIOR DE 70 (SETENTA) ANOS NA DATA DA APELAÇÃO. HIPÓTESE QUE NÃO PREENCHE A FINALIDADE DO ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DENEGADA.
1. Na data da publicação da sentença condenatória, o paciente ainda não contava 70 (setenta) anos de idade. Situação que não autoriza a aplicação da causa de redução do prazo prescricional de que trata o art. 115 do Código Penal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que tal redução não opera quando, no julgamento de apelação, o Tribunal confirma a condenação (HC 84.909, da relatoria do ministro Gilmar Mendes; HC 86.320, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; HC 71.711, da relatoria do ministro Carlos Velloso; e HC 96.968, da minha relatoria).
2. Ordem indeferida.”
(HC 106.385/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO - grifei)

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. AGENTE MAIOR DE 70 (SETENTA) ANOS. ESTATUTO DO IDOSO. REDUÇÃO DE METADE NO PRAZO PRESCRICIONAL. MARCO TEMPORAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA.
I - A idade de 60 (sessenta) anos, prevista no art. 1º do Estatuto do Idoso, somente serve de parâmetro para os direitos e obrigações estabelecidos pela Lei 10.741/2003. Não há que se falar em revogação tácita do art. 115 do Código Penal, que estabelece a redução dos prazos de prescrição quando o criminoso possui mais de 70 (setenta) anos de idade na data da sentença condenatória.
II - A redução do prazo prescricional é aplicada, analogicamente, quando a idade avançada é verificada na data em que proferida decisão colegiada condenatória de agente que possui foro especial por prerrogativa de função, quando há reforma da sentença absolutória ou, ainda, quando a reforma é apenas parcial da sentença condenatória em sede de recurso.
III - Não cabe aplicar o benefício do art. 115 do Código Penal quando o agente conta com mais de 70 (setenta) anos na data do acórdão que se limita a confirmar a sentença condenatória.
IV - Hipótese dos autos em que o agente apenas completou a idade necessária à redução do prazo prescricional quando estava pendente de julgamento agravo de instrumento interposto de decisão que inadmitiu recurso extraordinário.
V - Ordem denegada.”
(HC 86.320/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)

“‘HABEAS CORPUS’. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. ALEGAÇÃO DE SER O AGENTE MAIOR DE 70 (SETENTA) ANOS NA DATA DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DENEGADA.
1. A prescrição da pretensão punitiva, na modalidade intercorrente ou superveniente, é aquela que ‘ocorre depois do trânsito em julgado para a acusação ou do improvimento do seu recurso, tomando-se por base a pena fixada na sentença penal condenatória’ (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte geral. Volume 1. 11. ed. Ímpetus: Niterói, RJ, 2009, p. 738). Essa lição espelha o que diz o § 1º do art. 110 do Código Penal: ‘A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada’.
2. No caso, na data da publicação da sentença penal condenatória, o paciente contava 69 (sessenta e nove) anos de idade. Pelo que não há como aplicar a causa de redução do prazo prescricional da senilidade a que se refere o art. 115 do Código Penal. Até porque a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que tal redução não opera quando, no julgamento de apelação, o Tribunal confirma a condenação (HC 86.320, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; HC 71.711, da relatoria do ministro Carlos Velloso; e AI 394.065-AgR-ED-ED, da minha relatoria).
3. Ordem indeferida, ante a não ocorrência da prescrição superveniente.”
(HC 96.968/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO - grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA CRIMINAL. ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (...). ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO IMPROCEDENTE.
.....................................................................................
A regra da redução pela metade para a contagem do lapso prescricional, prevista no art. 115 do Código Penal, somente é aplicada se o agente tiver 70 anos na data da sentença condenatória.
Agravo regimental a que se nega provimento.”
(AI 791.656-AgR/SC, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - grifei)

“DIREITO PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MATÉRIA PENAL AO STJ. TEMAS DISTINTOS DO ‘WRIT’. ESTATUTO DO IDOSO. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. INADMISSIBILIDADE.
.....................................................................................
5. A circunstância do critério cronológico adotado pelo Estatuto do Idoso ser de 60 (sessenta) anos de idade não alterou a regra excepcional da redução dos prazos de prescrição da pretensão punitiva quando se tratar de pessoa maior de 70 (setenta) anos de idade na data da sentença condenatória.
.....................................................................................
7. ‘Habeas corpus’ não conhecido.”
(HC 88.083/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE - grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL NO ‘HABEAS CORPUS’. CONSTITUCIONAL. (...). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA: AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
.....................................................................................
2. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que o benefício da redução dos prazos da prescrição não é aplicável aos casos em que o agente completa setenta anos de idade depois da publicação da sentença penal condenatória e dos acórdãos que mantiveram essa decisão. Precedentes.
3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.”
(HC 94.067-AgR/RO, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - grifei)

“‘Habeas Corpus’. 2. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. 3. O lapso prescricional somente se reduz à metade se o agente tiver setenta anos na data da sentença condenatória (art. 115, CP). (...). 5. Precedentes. 6. Ordem denegada.”
(HC 84.909/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)

Essa orientação - não custa enfatizar - tem o prestigioso beneplácito do magistério da doutrina (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Tratado Jurisprudencial e Doutrinário”, vol. I/1.272-1.273, 2011, RT; PAULO QUEIROZ, “Direito Penal - Parte Geral”, p. 423, 4ª ed., 2008, Lumen Juris; ANDRÉ ESTEFAM, “Direito Penal”, vol. 01/464, item n. 5, 2010, Saraiva, v.g.), valendo referir, no ponto, a lição de ANDRÉ GUILHERME TAVARES DE FREITAS (“Manual de Direito Penal - Parte Geral”, p. 624, 2009, Lumen Juris):

“A segunda hipótese de redução de prazo prescricional prevista nesse dispositivo é quando o agente criminoso possuir, na data da sentença, idade superior aos 70 (setenta) anos. Entendemos que a expressão ‘sentença’ mencionada neste dispositivo dever ser entendida como a primeira decisão de mérito condenatória proferida no processo.
Assim, v.g., caso o agente seja absolvido em primeira instância e condenado em grau de recurso, vindo a completar 70 (setenta) anos após a sentença absolutória, poderá ser beneficiado com a redução de prazo, pois, na ocasião do acórdão condenatório, tinha 70 (setenta) anos ou mais de idade.
Agora, no caso em que o agente é condenado em primeiro grau, ocasião em que não tinha ainda 70 (setenta) anos de idade e, em grau de recurso, sua condenação é mantida, oportunidade em que já completara os 70 (setenta) anos de idade, entendemos que, nesta hipótese, não se aplica a redução de prazo prescricional.
Apesar da divergência doutrinária a respeito, entendemos que o Estatuto do Idoso – Lei 10.741/03, ao dispor em seu art. 1º que idoso é aquele que tem idade igual ou superior aos 60 (sessenta) anos, não derrogou o art. 115 do CP, para o fim de viabilizar a redução do prazo prescricional para aquele que tenha 70 (setenta) anos ou mais de idade no momento da sentença condenatória.” (grifei)

Sendo assim, e em face das razões expostas, indefiro o pedido de “habeas corpus”, tornando sem efeito, em conseqüência, a medida cautelar anteriormente concedida na presente sede processual.
Comunique-se o teor da presente decisão mediante encaminhamento da respectiva cópia ao MM. Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da comarca do Rio de Janeiro/RJ (CES: 2004/08764-9).
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 17 de abril de 2012.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJe de 25.4.2012



INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
18 a 22 de junho de 2012

BOLSA FAMÍLIA - Alteração - Benefício
Decreto nº 7.758, de 15.6.2012 - Altera o Decreto nº 5.209, de 17.9.2004, que regulamenta a Lei nº 10.836, de 9.1.2004, que cria o Programa Bolsa Família. Publicado no DOU, Seção 1, p. 1, em 18.6.2012.

ADVOGADO DA UNIÃO - Criação - Cargo
Lei nº 12.671, de 19.6.2012 - Cria cargos de Advogado da União. Publicada no DOU, Seção 1, p. 1, em 20.6.2012.

OUTRAS INFORMAÇÕES
18 a 22 de junho de 2012

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)

PRAZO PROCESSUAL - Suspensão - Secretaria - Horário de funcionamento - Expediente forense
Portaria nº 223, de 14.6.2012 - Comunicar que, durante o período de 2 a 31.7.2012, os prazos processuais ficarão suspensos e o expediente na Secretaria do Tribunal será das 13 às 18 horas. Publicada no DJe/STF nº 118, p. 183, em 18.6.2012.

ESTATUTO DA MAGISTRATURA - Lei Complementar - Composição - Ministro
Portaria nº 207, de 19.6.2012 - Institui Comissão de Ministros para atualização da Lei Complementar referente ao Estatuto da Magistratura. Publicada no DOU, Seção 2, p. 60, em 21.6.2012.

O Informativo STF volta a circular em agosto de 2012.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

STJ DEFINE EM QUAIS SITUAÇÕES O DANO MORAL PODE SER PRESUMIDO

STJ DEFINE EM QUAIS SITUAÇÕES O DANO MORAL PODE SER PRESUMIDO

Diz a doutrina - e confirma a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que a responsabilização civil exige a existência do dano. O dever de indenizar existe na medida da extensão do dano, que deve ser certo (possível, real, aferível). Mas até que ponto a jurisprudência afasta esse requisito de certeza e admite a possibilidade de reparação do dano meramente presumido?
O dano moral é aquele que afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. Doutrinadores têm defendido que o prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos). Pela dimensão do fato, é impossível deixar de imaginar em determinados casos que o prejuízo aconteceu - por exemplo, quando se perde um filho.
No entanto, a jurisprudência não tem mais considerado este um caráter absoluto. Em 2008, ao decidir sobre a responsabilidade do estado por suposto dano moral a uma pessoa denunciada por um crime e posteriormente inocentada, a Primeira Turma entendeu que, para que "se viabilize pedido de reparação, é necessário que o dano moral seja comprovado mediante demonstração cabal de que a instauração do procedimento se deu de forma injusta, despropositada, e de má-fé" (REsp 969.097).
Em outro caso, julgado em 2003, a Terceira Turma entendeu que, para que se viabilize pedido de reparação fundado na abertura de inquérito policial, é necessário que o dano moral seja comprovado.
A prova, de acordo com o relator, ministro Castro Filho, surgiria da "demonstração cabal de que a instauração do procedimento, posteriormente arquivado, se deu de forma injusta e despropositada, refletindo na vida pessoal do autor, acarretando-lhe, além dos aborrecimentos naturais, dano concreto, seja em face de suas relações profissionais e sociais, seja em face de suas relações familiares" (REsp 494.867).
Cadastro de inadimplentes
No caso do dano in re ipsa, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio fato já configura o dano. Uma das hipóteses é o dano provocado pela inserção de nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes.
Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), Cadastro de Inadimplência (Cadin) e Serasa, por exemplo, são bancos de dados que armazenam informações sobre dívidas vencidas e não pagas, além de registros como protesto de título, ações judiciais e cheques sem fundos. Os cadastros dificultam a concessão do crédito, já que, por não terem realizado o pagamento de dívidas, as pessoas recebem tratamento mais cuidadoso das instituições financeiras.
Uma pessoa que tem seu nome sujo, ou seja, inserido nesses cadastros, terá restrições financeiras. Os nomes podem ficar inscritos nos cadastros por um período máximo de cinco anos, desde que a pessoa não deixe de pagar outras dívidas no período.
No STJ, é consolidado o entendimento de que "a própria inclusão ou manutenção equivocada configura o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos" (Ag 1.379.761).
Esse foi também o entendimento da Terceira Turma, em 2008, ao julgar um recurso especial envolvendo a Companhia Ultragaz S/A e uma microempresa (REsp 1.059.663). No julgamento, ficou decidido que a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes caracteriza o dano moral como presumido e, dessa forma, dispensa a comprovação mesmo que a prejudicada seja pessoa jurídica.
Responsabilidade bancária
Quando a inclusão indevida é feita por consequência de um serviço deficiente prestado por uma instituição bancária, a responsabilidade pelos danos morais é do próprio banco, que causa desconforto e abalo psíquico ao cliente.
O entendimento foi da Terceira Turma, ao julgar um recurso especial envolvendo um correntista do Unibanco. Ele quitou todos os débitos pendentes antes de encerrar sua conta e, mesmo assim, teve seu nome incluído nos cadastros de proteção ao crédito, causando uma série de constrangimentos (REsp 786.239).
A responsabilidade também é atribuída ao banco quando talões de cheques são extraviados e, posteriormente, utilizados por terceiros e devolvidos, culminando na inclusão do nome do correntista cadastro de inadimplentes (Ag 1.295.732 e REsp 1.087.487). O fato também caracteriza defeito na prestação do serviço, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O dano, no entanto, não gera dever de indenizar quando a vítima do erro que já possuir registros anteriores, e legítimos, em cadastro de inadimplentes. Neste caso, diz a Súmula 385 do STJ que a pessoa não pode se sentir ofendida pela nova inscrição, ainda que equivocada.
Atraso de voo
Outro tipo de dano moral presumido é aquele que decorre de atrasos de voos, o chamado overbooking. A responsabilidade é do causador, pelo desconforto, aflição e transtornos causados ao passageiro que arcou com o pagamentos daquele serviço, prestado de forma defeituosa.
Em 2009, ao analisar um caso de atraso de voo internacional, a Quarta Turma reafirmou o entendimento de que "o dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova, sendo que a responsabilidade de seu causador opera-se in re ipsa" (REsp 299.532).
O transportador responde pelo atraso de voo internacional, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor como pela Convenção de Varsóvia, que unifica as regras sobre o transporte aéreo internacional e enuncia: "responde o transportador pelo dano proveniente do atraso, no transporte aéreo de viajantes, bagagens ou mercadorias".
Desta forma, "o dano existe e deve ser reparado. O descumprimento dos horários, por horas a fio, significa serviço prestado de modo imperfeito que enseja reparação", finalizou o relator, o então desembargador convocado Honildo Amaral.
A tese de que a responsabilidade pelo dano presumido é da empresa de aviação foi utilizada, em 2011, pela Terceira Turma, no julgamento um agravo de instrumento que envolvia a empresa TAM. Neste caso, houve overbooking e atraso no embarque do passageiro em voo internacional.
O ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, enfatizou que "o dano moral decorre da demora ou dos transtornos suportados pelo passageiro e da negligência da empresa, pelo que não viola a lei o julgado que defere a indenização para a cobertura de tais danos" (Ag 1.410.645).
Diploma sem reconhecimento
Alunos que concluíram o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Pelotas, e não puderam exercer a profissão por falta de diploma reconhecido pelo Ministério da Educação, tiveram o dano moral presumido reconhecido pelo STJ (REsp 631.204).
Na ocasião, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que, por não ter a instituição de ensino alertado os alunos sobre o risco de não receberem o registro de diploma na conclusão do curso, justificava-se a presunção do dano, levando em conta os danos psicológicos causados. Para a Terceira Turma, a demora na concessão do diploma expõe ao ridículo o "pseudo-profissional", que conclui o curso mas se vê impedido de exercer qualquer atividade a ele correlata.
O STJ negou, entretanto, a concessão do pedido de indenização por danos materiais. O fato de não estarem todos os autores empregados não poderia ser tido como consequência da demora na entrega do diploma. A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou, em seu voto, que, ao contrário do dano moral, o dano material não pode ser presumido. Como não havia relatos de que eles teriam sofrido perdas reais com o atraso do diploma, a comprovação dos prejuízos materiais não foi feita.
Equívoco administrativo
Em 2003, a Primeira Turma julgou um recurso especial envolvendo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Sul (DAER/RS) e entendeu que danos morais provocados por equívocos em atos administrativos podem ser presumidos.
Na ocasião, por erro de registro do órgão, um homem teve de pagar uma multa indevida. A multa de trânsito indevidamente cobrada foi considerada pela Terceira Turma, no caso, como indenizável por danos morais e o órgão foi condenado ao pagamento de dez vezes esse valor. A decisão significava um precedente para "que os atos administrativos sejam realizados com perfeição, compreendendo a efetiva execução do que é almejado" (REsp 608.918).
Para o relator, ministro José Delgado, "o cidadão não pode ser compelido a suportar as consequências da má organização, abuso e falta de eficiência daqueles que devem, com toda boa vontade, solicitude e cortesia, atender ao público".
De acordo com a decisão, o dano moral presumido foi comprovado pela cobrança de algo que já havia sido superado, colocando o licenciamento do automóvel sob condição do novo pagamento da multa. "É dever da Administração Pública primar pelo atendimento ágil e eficiente de modo a não deixar prejudicados os interesses da sociedade", concluiu.
Credibilidade desviada
A inclusão indevida e equivocada de nomes de médicos em guia orientador de plano de saúde gerou, no STJ, o dever de indenizar por ser dano presumido. Foi esse o posicionamento da Quarta Turma ao negar recurso especial interposto pela Assistência Médica Internacional (Amil) e Gestão em Saúde, em 2011.
O livro serve de guia para os usuários do plano de saúde e trouxe o nome dos médicos sem que eles fossem ao menos procurados pelo representante das seguradoras para negociações a respeito de credenciamento junto àquelas empresas. Os profissionais só ficaram sabendo que os nomes estavam no documento quando passaram a receber ligações de pacientes interessados no serviço pelo convênio.
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, "a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos caracteriza o dano, sendo dispensável a demonstração do prejuízo material ou moral" (REsp 1.020.936).
No julgamento, o ministro Salomão advertiu que a seguradora não deve desviar credibilidade dos profissionais para o plano de saúde, incluindo indevidamente seus nomes no guia destinado aos pacientes. Esse ato, "constitui dano presumido à imagem, gerador de direito à indenização, salientando-se, aliás, inexistir necessidade de comprovação de qualquer prejuízo", acrescentou.
REsp 786239,Ag 1295732,REsp 1087487,REsp 299532,Ag 1410645,REsp 631204,REsp 608918 e REsp 1020936
Fonte: STJ

sábado, 30 de junho de 2012

INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO JURÍDICA: O QUE FAZER COM NOSSO CÉREBRO?

Interpretação e decisão jurídica: o que fazer com nosso cérebro?

Atahualpa Fernandez
Artigo publicado na Revista Âmbito Jurídico

Dentro das teorias jurídicas da interpretação e tomada de decisão que nos rodeiam, só há duas opções: ou adotas os ideais dominantes acerca da racionalidade do discurso jurídico e te passas o dia controlando tua atitude e revisando tuas percepções...ou te passas ao lado escuro, abrindo as portas da cova para deixar que saiam os fantasmas da irracionalidade ou as bestas do decisionismo.
Por excepcional que seja o cérebro humano, é uma consequência clara, um produto, da evolução por seleção natural, com todas as limitações que isso implica. E o mundo em que vivemos é uma consequência do “constructo” que faz o cérebro, isto é, das idéias que constrói através de mecanismos neuronais que se ativam com a realidade sensorial e a cultura em que se vive, processo este que está dirigido pelos códigos genéticos de funcionamento herdados nessa mesma evolução biológica.
Com estas duas premissas se alcança a conclusão inequívoca de que tudo quanto percebe ou concebe o ser humano o faz através do trabalho de seu próprio cérebro. Consequente com isso, cabe pouca dúvida de que o direito e a experiência jurídica, qualquer concepção ou interpretação, teoria ou discurso jurídico, mesmo sendo uma conduta única e diferente a que desenvolvem todos os demais seres vivos não humanos que habitam a terra, é uma atividade cerebral como qualquer outra atividade ou experiência intelectual humana, seja esta a criação de uma obra literária, uma experiência ou concepção religiosa, uma bela escultura ou um excelso juízo moral. Tudo tem seu assento último e definitivo no cérebro e seu funcionamento.
Os dados que aporta a neurociência, seguramente os mais revolucionários acerca do que conhecemos hoje sobre a natureza humana, parece confirmar hoje tal asserto. De fato, a neurociência parte de uma premissa básica e iniludível: que tudo quanto existe no mundo humano, objetivo ou subjetivo, é concebido através do cérebro, órgão por meio do qual se sente, pensa e executa a conduta. Esta afirmação surpreende já a muito pouca gente porque todo mundo sabe e tem por certo que sem cérebro não se sente nem se pensa e nem se realiza conduta alguma. Mas ainda assim, poucos sabem, são conscientes, que os códigos de funcionamento que tem o cérebro são os responsáveis últimos de nossa concepção acerca de tudo o que nos rodeia, incluídos os demais e nós mesmos. Pouca dúvida alberga já a idéia da unidade do ser humano, isto é, o fato de que a atividade mental é um estado funcional do cérebro, de que tudo o que passa na mente se deve a (ou ao menos depende da) atividade do cérebro: um “continuum” mente-cérebro que implica precisamente que não há uma separação radical entre o mental e o neural, cérebro e mente ou cérebro e espírito (Llinás e Churchland, 2006).
A neurociência tende a explicar, aproveitando todo conhecimento transversal possível (outras disciplinas), o funcionamento do cérebro e o produto desse funcionamento que são os processos mentais. Aproxima-nos à compreensão de como se construíram e que circuitos neuronais estão envolvidos e participam na elaboração do mundo subjetivo humano, seus processos de raciocínio, interpretação, sentimento, criatividade e conhecimento, e, também, as decisões, os juízos e o pensamento ético, moral e jurídico. E embora seja certo que a neurociência atual ainda dista muito de explicar todos esses fenômenos e que nos falta um largo caminho por percorrer, não menos correta é a constatação de que, passo a passo, o avanço imparável da pesquisa neurocientífica parece trazer consigo a derribo de velhas idéias, como as que se utilizaram antes ao construir um mundo prenhado de ignorância e especulações.
Pois bem, se admitimos como corretas e legítimas tais evidências, não resulta difícil nem irrazoável inferir que as atuais teorias acerca da hermenêutica, da interpretação e da argumentação jurídica parecem ser, hoje, a mais flagrante e patética expressão de um estridente anacronismo, pelo simples fato de que partem de um puro e absoluto desconhecimento do funcionamento do cérebro humano. Assim que a pergunta sobre “o que fazer com nosso cérebro?” é uma pergunta para todos, e que pretende fazer surgir em todos nós o sentido da necessidade e urgência de um novo modelo hermenêutico, já agora comprometido com uma postura mais empírica e respeitosa com os métodos científicos atuais, acusadamente no que se refere ao problema da realização do direito.
Por acaso não é o cérebro o assento físico de nossas experiências interpretativas, quer dizer, da sensação “real” de um mero jogo mental de idéias e especulações? Por que, se está claro que não pode haver, em adiante, aproximação filosófica, ética, jurídica, etc., que não passe por uma análise detalhada do fenômeno neuronal, temos, não obstante, insistido por seguir um caminho contrário a uma integração interdisciplinar necessária que, a toda evidência, seguramente contribuirá mais para a compreensão dos múltiplos fatores e influências, inatas e adquiridas, que condicionam nosso processo de decisão? Por que enquanto a atividade do sistema nervoso central, tal como atualmente aparece à luz dos descobrimentos científicos, propõe sem lugar a dúvidas à consideração e reflexão uma idéia completamente nova da tarefa interpretativa, nos recusamos tenaz e taxativamente a rechaçar a sensação de que com relação ao direito nada se transforma?
Quando pensamos no cérebro (aliás, com o próprio cérebro, e que não foi modelado pela evolução para entender-se a si mesmo) vemos que nosso conhecimento do mundo e nossas ações derivam de nossas percepções e que nossas percepções (assim como nossa consciência) são construídas por mecanismos neuronais (redes) adquiridos e desenhados ao longo de nossa evolução. Investigar o que é o homem e como atua significa, de alguma maneira, saber como funciona o cérebro, como intervém na elaboração de nossos pensamentos, como opera nas ações humanas, na criatividade, na racionalidade e no surgimento de nossos juízos de valor, sentimentos e emoções, já que é precisamente neste órgão donde reside o substrato último de toda experiência humana, incluída a própria experiência hermenêutica.
E se nos situamos no âmbito propriamente do jurídico, nada disso deveria surpreender, pois não parece definitivamente razoável supor que a tarefa interpretativa seja concebida como extracraneal, enquanto a cognição e a emoção (produtoras da subjetividade) não o são. São produtos de nossa maquinaria cerebral, tanto como são produtos de nosso entorno cultural. Dito de modo mais simples: se interpreta com o cérebro.
Assim que a interpretação jurídica, tal como a conhecemos, é uma atividade levada a cabo por seres (cérebros) humanos com suas próprias necessidades, crenças, visões (prévias) do mundo, opiniões, amores, ódios, desejos, preferências, circunstâncias, problemas..., que, de uma forma ou outra, incidem e condicionam o resultado de suas interpretações, destinadas a transmitir suas mensagens a um público específico em uma época e um lugar determinados. Cada um dos intérpretes do direito é um ser humano, cada um deles tem algo diferente a comunicar, cada um intenta transmitir a sua visão de mundo (que há herdado ou adquirido) em suas próprias palavras. Cada um deles, de certo modo, muda, altera ou transforma os textos que interpreta.
Quem, por alguma razão, não entenda desse modo o processo de interpretação e aplicação do direito acaba por não admitir que cada intérprete diz o que quer dizer; quem faz isso não lê o que cada autor escreve com o propósito de entender sua mensagem. De fato, quem faz isso não somente se nega a reconhecer que cada intérprete é diferente senão que também se recusa a entender que não é adequado pensar que todo intérprete pretenda dizer sempre o mesmo. Pensar tal coisa é tão injusto como supor que o que queremos dizer neste artigo sobre a interpretação jurídica há de ser o mesmo que diz qualquer outro autor que se ocupa deste tema. E isso pela simples razão de que ninguém pode viver sua realidade (nem, por certo, interpretá-la) sem o concurso irrenunciável de sua atividade mental: detrás de dois cérebros distintos escondem-se mundos e formas completamente diferentes de conceber e de sentir a realidade.
Vejamos um exemplo. O sentimento de injustiça o constrói o cérebro de cada um e de acordo com sua própria individualidade; como cada cérebro é diferente a todos os demais, esse sentimento é pessoal e intransferível. Isso são os qualia, os matizes emocionais que cada ser humano acrescenta à percepção consciente (ou inconsciente) da realidade do mundo e que diferem dos matizes que vê e sente qualquer outro. Esses matizes são únicos porque são produzidos pelo cérebro que guarda todas as vivências genuínas em cada ser humano ao longo de toda a vida. A característica dessas experiências é que não são experimentadas por nenhum outro ser humano. E com elas se constrói a individualidade, a finura das percepções, quer dizer, a diferença com os demais e nossa nunca repetida forma de ver e interpretar o mundo[1].
E como o discurso jurídico é o resultado de um pensamento de tipo hermenêutico, pois consiste em interpretações de materiais jurídicos, parece razoável admitir que o realmente importante, no que diz respeito ao problema da atividade interpretativa, é concentrar-se nas próprias cabeças dos sujeitos-intérpretes e perguntar-se que fatores condicionam suas decisões e que influências, e como, podem ter os métodos jurídicos sobre o que passa em suas mentes. Desde logo, corresponde descartar, como sabemos, que seja factível umas soluções puramente racionais ou razoáveis, e que isso possa alcançar pela via de certos “métodos-receitas”. Não pode haver tais ordens de respostas às questões jurídicas em geral. Não somente porque semelhante receita não as há descoberto ainda ninguém – e nem é provável que se chegue a elaborar-, senão porque, ainda que alguém as apresentasse nada seria menos seguro que lograr, na prática, fazê-las aplicar tal qual pelos sujeitos-intérpretes, em casos sobre os quais os operadores do direito contendem na vida real (Haba, 2006).
Recordemos que a “consciência” (“cabeça”) do intérprete, com a que necessitamos contar, não se compõe somente do “módulo” conhecimento, senão também do “módulo” emotivo-afetivo: sentimentos, intuições, experiências pessoais, memória, ideologias... Os métodos, sejam quais forem, se dirigem às faculdades racionais dos homens. Mas por mais corretos que uns métodos sejam (suponhamos que sim) desde o ponto de vista intelectual, isto não basta para presumir ou decidir que serão adequados àqueles que estão chamados a aplicar esses métodos. Para que determinados métodos sejam seguidos, tem que dar-se uma das duas condições seguintes: i) ou que o conhecimento e a prática metódicos sirvam também para promover determinados fins fundeados na vida emocional do sujeito em questão, e que este seja consciente disso; ii) ou que, em todo caso, esses métodos não se oponham a ditos fins se não é para favorecer outros que o próprio sujeito considere igualmente importantes. Em qualquer dos dois casos, a vida emocional do intérprete dispõe, em última instância, de uma espécie de “veto” sobre o pensamento metódico[2].
Não há nenhuma filosofia, dogmática ou metodologia jurídica, por perfeita que seja, capaz de eliminar tal condicionamento. É assim, queira-se ou não, simplesmente pelo dado mais trivial no que se refere ao pensamento jurídico na prática: os operadores do direito não são menos pessoas de carne e osso que qualquer outro ser humano. Sobre esta verdade, que não pode ser mais elementar, passa simplesmente por encima a maneira corrente com que as questões do discurso jurídico são propostas por parte de sua doutrina profissional e/ou “oficial”. Com efeito, esta se refere – ou, mais habitualmente, nem sequer se refere – aos protagonistas do pensamento jurídico, especialmente aos juízes, de uma maneira tal “como se estes fossem pessoas distintas aos condutores de taxi, fabricantes ou professores...”(Simon, 1985).
As emoções, as intuições morais, as memórias, as percepções, as sensações e as experiências pessoais de cada indivíduo não são vistas como “cegas oleadas de afeto” senão como peças que outorgam “razões para interpretar”, e que servem como elementos condicionantes da interpretação e aplicação do direito. De fato, é precisamente a partir da evidência de que nossos pensamentos e avaliações têm nexo com nossas emoções que já não mais resulta aceitável deixá-las à margem da fronteira das modernas teorias hermenêuticas, de interpretação e de argumentação jurídica - independentemente do problema de saber se os juízos são "constituidos" ou "impulsionados " pela emoção (Greene, 2008; Haidt, 2008) ou simplesmente se correlacionam com a emoção que se vai gerando por cálculos inconscientes (Huebner et al. 2008). Hoje, o que se deve tratar de fazer é incorporar no âmbito do conhecimento jurídico uma reflexão e tomada de posição mais esclarecida de cara com as pesquisas levadas a cabo pelas ciências cognitivas e pela neurociência.
O problema é que a teoria jurídica insiste em ignorar a personalidade do intérprete autorizado porque seus defensores afirmam que tudo o que há que saber pode deduzir-se a partir do “manifesto” ponto de vista de um terceiro imparcial e “neutro”. As turvas regiões da primeira pessoa resultam enganosa, em especial no que se refere a forma como se comportam os magistrados quando, apoiados nesse leitmotiv do discurso racional e objetivo, “fazem justiça” e invocam “compulsión de ´la ley´ para justificar sus decisiones” (Kennedy, 2010). E isso sem falar que, em geral, os juízes não somente não toleram que se lhes imputem causas ideológicas ou psicológicas senão que reagem com indignação ante elas, negando-as em termos suspeitosamente apaixonados, como se tratasse de uma agressão a sua honestidade profissional.
No discurso jurídico, a evidência de motivações pessoais quase nunca é manifesta, no sentido de que implique uma admissão de intenção. Nas sentenças judiciais, por exemplo, os juízes sempre “declaram”, explícita ou implicitamente, que o resultado - o desenlace particular que dão a um caso ou a eleição de certas normas em lugar de outras – foi alcançado seguindo procedimentos interpretativos impessoais que excluem toda e qualquer influência de suas preferências pessoais. Pretendem explicar tudo, pensar que dirigem com total neutralidade o destino dos demais, que cada uma de suas decisões se baseia (ou está fundamentada unicamente) em uma avaliação estritamente racional e objetiva das normas, valores e fatos.
Aliás, levamos tanto tempo ouvindo hinos à imparcialidade e neutralidade, que ser racional não somente parece o normal, senão o normativo: é o que o juiz tem que ser. Daí que não surpreenda a seriedade com que muitos juízes afirmam carecer de sentimentos, prejuízos, desejos, expectativas e/ou ideologias, assegurando que jamais lhes hão guiado no exame de um caso. Na verdade, quase todos asseguram (e “vendem” a imagem de) que unicamente se movem pela razão jurídica e que atuam como neutras e imparciais “máquinas de pensar”, considerando traição institucional o uso dos sentimen­tos, prejuízos e/ou ideologias, como se de algo nefando se tratara[3].
Mas como os sentimentos, prejuízos, desejos, medos, expectativas existem e são inevitáveis, «explicar lo que hace el juez es tan im­portante como analizar lo que el juez dice que ha hecho» (Wróblewski, 1989). Os juízes podem descrever as forças impessoais de suas decisões como queiram, mas a realidade é que não há forças impessoais em cada uma das decisões que tomam: não há uma só decisão que não tenha sido modelada por mentes humanas em interação com outras mentes humanas. A história de toda Justiça é a história de interesses, ideologias, rivalidades, de amizades, de ambições pessoais e nacionais. Uma interpretação, qualquer interpretação que gere uma decisão, sempre é experimentada e levada a cabo “por alguém”. Existe uma fenomenologia do intérprete-autorizado, uma fenomenologia que depende do temperamento, da história pessoal, da ideologia e da cultura de cada julgador. Ninguém está livre de influências, preferências, desejos e crenças, assim como de preferir uma solução a outra ou de deixar-se levar por associações (neuronais) tão arraigadas que se converteram em totalmente inconscientes ou pouco conscientes. Como recorda Esser (1961), o juiz tende a «ocultar la motivación real de su compor­tamiento, hasta tal punto que esos motivos, impulsos y objetivos pri­marios se niegan en buena conciencia y se rechazan con indignación ... (es fácil) camuflar profesionalmente la motivación (real) con motivos que se llaman jurídicos».
Já não é nenhum segredo que nossa experiência pessoal contamina nossas idéias sobre como funciona o mundo. Todos fazemos extrapolações de nossa existência para poder entender o mundo. Na arte isto se considera uma vantagem, mas no direito se considera uma contaminação. As idéias são infecciosas, conformam nosso ser e tudo o que vivemos nos chega através da mente. A palavra clave está aí: a mente. O único que fazemos em nossa vida é descobrir o que é construído por nosso cérebro que, “lejos de ser un órgano perfecto, es un kluge, un apaño, o más bien, un conjunto de apaños improvisados por la evolución para resolver diversos problemas de adaptación [...]De ahí la falibilidad del cerebro a pesar, paradójicamente, de su maravillosa capacidad intelectual: podemos resolver problemas de física o de matemáticas de una complejidad inmensa al mismo tiempo ser incapaces de solucionar de manera lógica un conflicto, de tomar decisiones puramente racionales, de no dejarnos llevar por los arrebatos emocionales, de no sernos tan vulnerables ante los prejuicios, recordar dónde hemos dejado la llaves del coche…”.(Marcus, 2010)
Deixando a um lado as pressões externas e, portanto, as mais visíveis, o juiz é, como todos os humanos, um ser estritamente «condicionado», ainda que não chegue a ser um autômato «determinado». Todos nos sentimos livres e nos cremos responsáveis de nossas decisões e comportamentos. Vã ilusão. Porque em grande parte - sem chegar ao determinismo absoluto - não fazemos senão responder a uns condicionamentos internos dos que não somos conscientes. De ordinário, ainda que nem sempre, conhecemos as pressões políticas, mediáticas ou econômicas as que estamos submetidos; mas ignoramos a existência de outras mu­ito mais importantes que latem em nosso interior e que são geradas por nossa atividade neuronal sem saber como as produzimos ou o fazemos. Somos o resultado de vários processos concorrentes: uns psicobiológicos, que parecem os mais significativos, e outros sociais e culturais. Cremos atuar, em outras pa­lavras, guiados pela razão e de fato são os genes, o cérebro, a educação familiar, a cultura e o contexto social os que nos movem.
Ainda que só fosse por isto, assim se explicaria que se as leis são as mesmas, as sentenças sejam diferentes porque diferentes são seus autores. Para entender a atividade judicial não basta com a análise das leis, das decisões, nem das pressões institucionais e/ou políticas: há que estudar a personalidade do juiz, que é donde conduzem e desde onde se (re-)elaboram todas as infor­mações e pressões, externas e internas, que terminam nos atos de aplicação do direito. O processo de realização do direito, na sua forma concreta de existência, exige sempre a participação integral da personalidade do sujeito que compreende.
Na pessoa do juiz concorrem informações procedentes do caso concreto e das normas, princípios, valores e ideologias (Kennedy, 2010), mas também de determinados impulsos internos (seu modo de pensar, suas crenças, seus prejuízos e seus [curto-] circuitos neuronais cognitivos e afetivos com todas as limitações que isto implica), que são os que, como qualquer ser humano, cabalmente integram sua personalidade e se prestam naturalmente a cínicas manipulações. Quem decide não é uma máquina senão um homem e, ademais, um ser humano singular, distinto dos demais.
Dito de modo mais simples (e jurídico): porque não existem dois cérebros iguais, porque cada cérebro constrói o mundo de maneira ligeiramente distinta dos demais cérebros, porque cada cérebro difere funcionalmente no modo em que armazena, recupera e processa a informação, não há uma interpretação completamente neutra, impessoal e objetiva do que expressa a “norma”, senão simplesmente uma interpretação dentro de nossas cabeças (uma construção pessoal), interpretação que se desencadeia através dos elementos externos e internos que cada indivíduo (ou cérebro) em particular está melhor preparado para registrar e processar.
Ademais, o problema que tem que afrontar o cérebro aqui é que os sinais procedentes do mundo (em nosso caso, da norma) não costumam representar uma mensagem codificada, senão que são potencialmente ambíguos e dependentes do contexto, e não vem necessariamente acompanhado de juízos prévios sobre seu significado (Edelman, 1987). Daí a razão pela qual que ler um texto necessariamente implica interpretá-lo[4] : nenhum significado é inerente e os textos não falam por si mesmos. O significado da norma é algo que descobrimos e elaboramos. Embora existam fatos, normas, valores e princípios dados e os intérpretes os apresentem dentro de um tecido narrativo que lhes dá certo sentido, o certo é que todo discurso jurídico parece estar desenhado para mascarar toda a exuberância irracional provocada pelo diálogo interno cognitivo-emocional do sujeito-intérprete[5]. De forma mais simples, o resultado final da tarefa interpretativa depende da perspectiva do intérprete: as normas jurídicas não são mais que fichas com as que jogar sofisticados jogos analíticos e/ou hermenêuticos. As normas possuem somente palavras e nenhuma representação de valor a priori. Quais os valores e significados que devem ser ligados a estas palavras são problemas vinculados à tarefa do intérprete. E ele estabelecerá sempre aquilo em que ele mesmo crê (D. Simon, 2006).
Mas não basta com estabelecer estas afirmações, que qualquer profissional com experiência percebe de imediato. O que sucedeu como novo nas últimas décadas é o intento de estudar cientificamente este fenômeno, situando-o na arquitetura cerebral humana (nas atividades que transcorrem no cérebro de uma pessoa quando esta está interpretando e formulando juízos de valor) com o objetivo, quiçá, de atingir os seguintes propósitos: a) estabelecer a evidência de que é o cérebro, como uma máquina antecipadora, associativa, detectora de pautas e elaboradora de significado, que constrói o resultado de toda e qualquer interpretação, comparando automaticamente o contexto de suas experiências passadas com as percepções presentes e as expectativas de futuro; b) analisar os múltiplos fatores e influências, inatas e adquiridas, que condicionam o momento final do processo de interpretação jurídica (isto é, a decisão jurídica); e b) desenhar uma metodologia jurídica o mais amigável possível com relação às limitações próprias da capacidade cognitiva do sujeito-intérprete.
E é precisamente neste particular que as ciências da vida e da mente, ainda quando vão unidas a um programa reducionista (Churchland, 2006), podem efetuar ricas e esclarecedoras contribuições às atuais teorias hermenêuticas, acusadamente no que se refere ao papel que as emoções, os prejuízos, as crenças e preferências pessoais, a vulnerabilidade psicológica, os condicionamentos ideológicos, etc., efetivamente desempenham na ativa e comprometida tarefa interpretativa levada a cabo nos processos de tomada de decisão: podemos tentar ser terrivelmente objetivos, mas o que não podemos é olvidar de algo muito importante acerca do que é ser um ser humano. Como seres humanos, todos sabemos que se sente de certo modo e desde dentro. E o juiz, como qualquer besta biológica de nossa espécie, tem sensações, pensamentos e sentimentos privados e por vezes inefáveis que têm lugar de algum modo em seu cérebro.
O direito não é, e jamais será predominantemente um sistema racional de pensamentos, ao menos enquanto a genética não produza inéditos milagres nos cérebros das pessoas. Não, não pode sê-lo, porque ele consiste em decisões sobre distintas possibilidades de ordenação político-social para as condutas humanas. Essas decisões são tomadas por primatas humanos, indivíduos que estão eles mesmos envolvidos - direta ou indiretamente, quando menos ideologicamente – em tais condutas. De fato, uma decisão não costuma resultar mais racional que a vontade, as emoções e o conhecimento de quem a produz. E os atores principais da atividade jurisdicional que determinam sua dinâmica não são precisamente uns “preferidores racionais”, nem uma confraria de sofisticados jus-metodólogos, senão indivíduos que basicamente respondem às orientações de seus genes e de seus neurônios, assim como de suas experiências, memórias, valores, aprendizagens, e influências procedentes do ambiente e da mentalidade comum. Os operadores reais do direito não são e nem tão pouco funcionam assim. Como disse J. Frank (1931), também os juízes são “humanos”. E não poucas vezes – é possível agregar - até demasiado humanos...[6]
A imagem do intérprete inteiramente neutral, imparcial, por completo objetivo, despersonalizado, passa por alto da realidade. Todas as interpretações e decisões sobre o direito se inspiram no ponto de vista de alguém, na perspectiva de um ser humano único cuja recopilação de experiências passadas lhe serve como contexto, lente e trajetória para valorar sua experiência presente e, dessa forma, alterar o texto interpretado. Pese a muito que se possa desejar, não existe um ponto de vista “neutral”, e a mera possibilidade de que se possa “recuperar” (ou “institucionalizar”) a neutralidade é tão remota que resulta deprimente e tremendamente contrária a nossa marcada disposição para projetar a própria subjetividade no mundo: somos, definitivamente, uma idiossincrasia com patas.
Com efeito, os discursos interpretativos do direito, tal e como se produzem na realidade, estão constituídos por um conglomerado de heterogeneidades, isto é, são, nem mais nem menos, uma “mezcolanza indisoluble” de toda classe de indistintos e sempre variáveis componentes, racionais e não-racionais, “de elementos teóricos y prácticos, cognoscitivos y creativos, reproductivos y productivos, científicos y supracientíficos, objetivos y subjetivos”(Radbruch, 1970). Ademais, o que percebemos afeta nosso estado de ânimo e nossa capacidade cognitivo-afetiva, e não há nenhuma garantia de que podemos fiar-nos de nossas percepções: quase sempre as pintamos com as cores de nossos sentimentos e fantasias; são nossas emoções as que dão sentido às experiências interpretativas ou, como dizem alguns filósofos, que lhes outorgam valor[7].
Quem se proponha intervir aí, portanto, não terá mais remédio que tomar em conta tudo isso, ou virar às costas à realidade. Ou consagrar-se a dissimulá-la mediante alguma teorização todo o convenientemente abstrata e pedante para assegurar-se de não perturbar la galérie... E é precisamente nesse contexto que a neurociência, com suas ferramentas e métodos de análise, parece ser claramente a disciplina que, a longo prazo, nos permitirá encontrar vias altamente sofisticada para entender as aptidões psicológicas específicas do ser humano à hora de formular juízos de valor, de interpretar, de justificar e de decidir.
É definitivamente necessário assumir e dar-se conta de que em todos os casos a interpretação e a aplicação do direito está causada por eventos cerebrais. Chegou o momento de começar a operar com o que já sabemos sobre o cérebro e como isso pode vir a influenciar o atual modelo teórico e metodológico da ciência do direito. Para tanto, devemos partir da premissa de que a capacidade moral e ético-jurídica é (ou deve ser) contemplada como um atributo do cérebro humano, circunstância esta diretamente relacionada com o problema da tomada de decisão humana em todas as suas dimensões. E a compreensão do comportamento humano oferecido até agora pela neurociência é perfeitamente compatível com esta perspectiva.
Em outras palavras, os estudos provenientes das neurociências estão exigindo a gritos um novo despertar da consciência hermenêutica dos juristas, uma reinvenção ou construção conjunta de alternativas metodológicas reais e factíveis, compatível com a dimensão essencialmente humana (neuronal) da tarefa de elaborar, interpretar, justificar e aplicar o direito. Enfim, um novo modelo hermenêutico-interpretativo que, mantendo uma relação mais amigável com o funcionamento do cérebro, nos proporcione instrumentos mais frutíferos e fascinantes de cultivar o direito do que essa espécie de hermenêutica jurídica “no vazio” em que todos nos acostumamos a comprazer-nos nos velhos tempos.
Notas:
[1] Dito de outro modo, o sentimento de injustiça (ou de justiça) gerado e ajuizado pelo cérebro consiste, fundamentalmente, em recriar as vivências pessoais de cada intérprete (uma variedade de dúvidas, intuições, memória, emoções, desejos, crenças, expectativas,...), isto é, de aproximá-lo a suas próprias circunstâncias particulares. Leva a eleger, mas a eleição deriva da interpretação; não é um ato soberano ou um mero exercício da vontade deliberada e puramente racional. Para recordar as palavras de M. Sandel (2011): “La justicia, no hay más remedio, enjuicia. [...] Las cuestiones relativas a la justicia se ligan a ideas contrapuestas sobre el honor y la virtud, el orgullo y el reconocimiento. La justicia no solo trata de la manera debida de distribuir las cosas. Trata también de la manera debida de valorarlas”.
[2] Pode-se dizer, inclusive, que a discricionariedade já não pode mais ser tratada – à maneira de Hart e Dworkin – como uma consequência de alguma propriedade dos materiais jurídicos (ser “determinados” ou “indeterminados”) ou dos casos (ser “fáceis” ou “difíceis”), senão que deve ser tratada como um atributo inerradicável da tarefa cognitivo-interpretativa (racional e emocional) que adotará cada juiz em busca de alcançar algum resultado ao interpretar os materiais jurídicos (as fontes jurídicas) ou resolver os casos.
[3] Na verdade, consideramos difícil entender como os juízes conseguem abraçar uma idelologia tão implacável na (aparente) ausência de um estado colossal de dissonância cognitiva, mas muitos parecem capazes de fazê-lo. Seja como for, temos a impressão de que as teorias e os discursos que encaram os juízes como tomadores de decisões racionais parecem configurar uma clara manifestação de um “instinto de autoproteção de manada” elevado a um nível mais complexo de funcionamento teórico-institucional.
[4] Contudo, supomos que muitos ainda fomentem uma concepção muito pouco elaborada acerca do processo de realização do direito, a saber, que o objetivo de interpretar um texto é, simplesmente, deixar que este “fale por si mesmo” para descobrir o significado inerente a suas palavras. Mas para que isso ocorresse, para que fosse perfeita, a linguagem empregada pelo legislador teria que, entre outras coisas: a) não ser ambígua ( salvo, talvez, quando o legislador pretende ser ambíguo à propósito); b) sistemática (em lugar de idiossincrásica); c) estável (de modo que, por exemplo, os legisladores fossem capazes de comunicar-se claramente com os destinatários das normas e/ou seus intérpretes autorizados); d) não redundante (para não perder tempo e energia); e) ser capaz de expressar de forma concisa e convincente todos e cada um de seus objetivos e/ou finalidades. Em resumo, cada palavra se utilizaria de uma maneira constante e desembruscada, cada frase seria limpa e desenturvada como uma fórmula matemática; uma norma com essas características seria totalmente analítica e mostraria à simples vista a estrutura lógica dos fatos ( princípios e valores) asseverados ou negados.
[5] Nesse sentido, por exemplo, Kennedy (2010) sustenta que “una “hermenéutica de la sospecha”, o búsqueda de las motivaciones ideológicas escondidas en las sentencias judiciales que se presentan a sí mismas como técnicas, deductivas, objetivas, impersonales o neutrales, ha sido durante los últimos cien años la característica más importante de los debates norteamericanos sobre la decisión judicial. En el discurso jurídico, la evidencia de esta imputación de motivaciones casi nunca es flagrante, en el sentido de que implique una admisión de intención. En las sentencias judiciales, los jueces siempre “niegan”, en el sentido común del término, que estén actuando por motivos ideológicos. Esto es, afirman explícitamente que el resultado – el desenlace que le dan a un caso al elegir una particular resolución para una cuestión de derecho o de definición de ciertas normas en lugar de otras – fue alcanzado siguiendo procedimientos interpretativos impersonales que excluyen la influencia de sus ideologías personales. Obviamente, se trata de una convención y dice poco sobre lo que “realmente” está sucediendo.[…] Todos quieren que sea verdad que no sólo es posible sino también habitual que los jueces juzguen desproveídos de toda ideología. Pero todos están al tanto de la crítica, y todos saben que la teoría ingenua del imperio de la ley es una fábula, y aquellos que lo saben sospechan que las versiones sofisticadas de la filosofía del derecho contemporánea no son mucho mejores”.
[6] O fato de que os pressupostos sobre a racionalidade dos juízes e o comportamento real dos seres humanos se mostrem tão desajustados é obviamente problemático. O perigo de pensarmos que não passamos de tomadores de decisões racionais é que isso nos impulsiona exatamente na direção desse tipo de comportamento. Esse modo de pensar solapa nossa natureza e faz com que criemos uma enganosa sensação de controle, “abolindo” nossas emoções. Como explica Robert Frank (1998), “aquilo que pensamos sobre nós mesmos e sobre as nossas possibilidades determina as nossas aspirações”. Ironicamente, uma perspectiva puramente racional, neutra ou objetiva está longe de ser a melhor alternativa. Ela limita nossa visão a ponto de nos fazer relutar em nos envolvermos e/ou assumir os fatores emocionais que condicionam nossas decisões. Daí a advertência de James Boyle (1985): “Los realistas fueron quines nos hicieron ver que los jueces, para ponerse los pantalones, meten primero una pierna y después la otra, como todo el mundo”.
[7] A racionalidade e a lógica seguramente ajudam a interpretar e aplicar direito, e não se deve substimar a importância de transformar nossos vagos instintos em um conjunto explícito de argumentos jurídicos. Mas nossas emoções e intuições morais, sem as quais não seríamos capazes de valorar, existem muito antes de que os teóricos e filósofos do direito propuseram os primeiros métodos para orientar a interpretação jurídica.

Informações Sobre o Autor

Atahualpa Fernandez
Pós-doutor em Teoría Social, Ética y Economia pela Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política pela Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas pela Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara;Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha;Especialista em Direito Público pela UFPa.; Professor Titular Cesupa/PA (licenciado); Professor Colaborador Honorífico (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB; Membro do Ministério Público da União /MPT (aposentado); Advogado.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

HERMENEUTICA E INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO JURÍDICA - A Katchanga e o bullying interpretativo no Brasil

A Katchanga e o bullying interpretativo no Brasil

O paradoxo da interpretação: desvelando as obviedades do óbvioJorge Luis Borges escreveu em 1944 um texto intrigante (e qual dele não seria?) no qual um personagem fictício, Pierre Menard, escreveu três capítulos do Don Quijote. A empreitada de Menard era reescrever o Cervantes original. Borges conduz o conto de forma assaz sarcástica, demonstrando a impossibilidade de tal empreitada. Mas, mesmo que fosse possível, o mesmo texto trazia sempre novos sentidos, em face da impossibilidade de sequestrar o tempo e a história. No Direito, ainda hoje se acredita que é possível fazer interpretações cronofóbicas, factumfóbicas e a ahistóricas. O personagem Menard já mostrava o fracasso desse intento. Uma frase derruba tudo isso: o tempo é o nome do ser (Heidegger).
Escrevemos por quê? Porque a escrita é o fracasso da memória. Se nossa memória fosse perfeita, não necessitaríamos registrar as coisas. Nem tirar fotos. Li outro dia um comentário ao Pierre Menard borgiano nessa linha. Ali dizia: fôssemos capazes de pensar todas as ideias possíveis, não precisaríamos escrever e nem registrar o que pensamos. Por isso, na visão do narrador (Menard), a escrita é um monumento ao nosso fracasso de não conseguirmos pensar nada além de nossas próprias ideias (http://revistaheresia.com.br/?p=27). Acrescento: se existisse um mapa perfeito, não precisaríamos do mapa. Por isso, estamos condenados a interpretar. Um livro fala de outros livros, como diz o personagem de O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Não há grau zero. Não há a primeira palavra, dizia Gadamer (e nem a última). Como Sísifo, estamos condenados a rolar a pedra dos sentidos até o alto da montanha; e quando achamos que deles nos apropriamos, somos empurrados de volta ao começo.
Carregando pedras. E fincando raízesPois é carregando pedras que hoje volto a um assunto que me é muito caro. Não vou reescrever a mim mesmo. Como em Menard, mesmo que meu texto fosse exatamente igual ao que escrevi anos antes, o sentido dele, a “sua norma”, seria outro. Pronto. Já disse o que vou fazer. Sintaticamente, vou me repetir em alguns parágrafos. Pragmaticamente, o contexto temporal, factual e histórico inexoravelmente será outro. E os meus leitores, mesmo os que já leram, já são outros, porque banhados em outra água do rio... Venho contando a estória da katchanga de há muito. Aulas, palestras... Internet. Talvez o personagem Menard signifique “fixem o sentido do Quijote”. Pois é. Repetição — ainda que nunca se possa dizer a mesma coisa com as mesmas palavras (aqui homenageio o grande filósofo Ernildo Stein) — é também uma forma de fincar raízes.
Prefiro pecar pelo excesso a pecar pela omissão. Hoje, quando a cada dia perdemos nossa capacidade de indignação e quando nossas críticas são encobertas por um “mundo de significados de balcão”, torna-se necessário, até por um, digamos assim, “dever cívico”, criticar, criticar e criticar, desobnubilando as obviedades do óbvio. Heideggerianamente, se o nada é o véu do ser, temos que nadificar esse nada, para que a coisa seja desvelada, fazendo uma a-letheia. Ou, homenageando o grande antropólogo Darci Ribeiro: Deus é tão treteiro, faz as coisas tão recôndidas e sofisticadas, que ainda precisamos dessa classe de gente, os críticos, para “desvelar as obviedades do óbvio”, ainda que a palavra “óbvio” seja usada, aqui, eufemisticamente. Se me entendem...
A estória de um jogo... A metáfora da interpretaçãoEntão, sigo. Pedi um trabalho sobre princípios e regras para os meus alunos no mestrado em Direito. Alguns dos papers vieram com uma estorinha que servia para criticar a ponderação e uso dos princípios. A estória que apresentaram era a Katchanga (Real), que, segundo eles, circulava na internet. Alguns, mais velhos, já tinham ouvido eu contar essa estorinha há muitos anos atrás. No mínimo há 15 anos. Pois, como poderemos perceber, mais recentemente a estória da Katchanga ganhou “novos foros”, longe daquilo que significava originalmente. Com “C” ou com “K”, os alunos que usaram a estória tinham a convicção de que, ao convocarem a estorinha, estavam sendo altamente críticos. E aqui me pareceu oportuno intervir.
A estória da Katchanga foi inventada pelo saudoso Luis Alberto Warat. Ele a chamava de “O Jogo da Katchanga...” (ele não falava português; retrabalhou os “escravos de Jô”, que jogavam “caxangá”... no seu portunhol, virou katchangá e, depois, simplesmente katchanga). Discuti muito em sala de aula e contei várias vezes a estorinha em conferências. Warat contou a estória para metaforizar (e criticar acidamente) a dogmática jurídica. Afinal, dizia “a dogmática jurídica é um jogo de cartas marcadas”. E quando alguém consegue entender “as regras”, ela mesma, a própria dogmática, tem sempre um modo de superar os paradoxos e decidir a “coisa” ao seu modo... (veja-se como o STJ consegue, em um dia, dizer que um furto de R$ 85 não é insignificante e, no outro, dizer que uma sonegação de R$ 3.296,00 é bagatela...). Ela, por si — acrescento — é decisionista, no sentido da “vontade do poder” (Wille zur Macht). Mas, vamos a estória: existia um Cassino que aceitava todos os tipos de jogos. Havia uma placa na porta: aqui se jogam todos os jogos! Isto é, não havia nada que ficasse de fora do “sistema de jogo” do Cassino. Tratava-se de um Cassino non liquet (na verdade, vedação de non liquet). Um Cassino que era um sistema aberto e fechado ao mesmo tempo (prato cheio não só para hermeneutas, como também para sistêmicos, como Marcelo Neves, Germano Schwartz, Willis Santiago Guerra Filho e Leonel Severo Rocha, este último meu interlocutor, juntamente com Warat, Albano Pêpe, Ernildo Stein e Sérgio Cademartori). Poderíamos chamar esse “sistema do cassino” de uma espécie de “Cassino Fundamental” (um Grundcassino, a exemplo da Grundnorm kelseniana?)...! De uma forma mais sofisticada, pressupõe-se que “todos os jogos segam jogados”, ou algo nessa linha. As derivações são múltiplas, pois.
De como a dogmática jurídica aceita todos os jogosPois bem. Chegou um forasteiro e desafiou o croupier do cassino, propondo-lhe o jogo da Katchanga. Como o croupier não poderia ignorar esse tipo de jogo — porque, afinal, ali se jogavam todos os jogos (lembremos da vedação de non liquet) — aceitou, ciente de que “o jogo se joga jogando”, até porque não há lacunas no “sistema jogo”.
Veja-se que o dono do Cassino, também desempenhando as funções de croupier, sequer sabia que Katchanga se jogava com cartas... Por isso, desafiou o desafiante a iniciar o jogo, fazendo com que este tirasse do bolso um baralho. Mais: o desafiado (Grundcassinero) também não sabia com quantas cartas se jogava a Katchanga... Por isso, novamente instou o desafiante a começar o jogo.
O desafiante, então, distribuiu 10 cartas para cada um e começou “comprando” duas cartas. O desafiado, com isso, já aprendera duas regras: 1) Katchanga se joga com cartas; 2) é possível iniciar “comprando” duas cartas. Na sequência, o desafiante pegou cinco cartas, devolveu três; o desafiado (croupier ou Grundcassinero) fez o mesmo. Eram as regras seguintes.
Mas o “Grund” (passemos a chamá-lo assim) não entendia o que fazer na sequência. O que fazer com as cartas? Eis que, de repente, o desafiante colocou suas cartas na mesa, dizendo Katchanga... e, ato contínuo, puxou o dinheiro, limpando a mesa. Grund, vendo as cartas, “captou” que havia uma sequência de três cartas e as demais estavam desconexas. Logo, achou que ali estava uma nova regra.
Dobraram a aposta e... tudo de novo. Quando Grund conseguiu fazer uma sequência igual à que dera a vitória ao desafiante na jogada primeira, nem deu tempo para mais nada, porque o desafiante atirou as cartas na mesa, dizendo Katchanga... Tinha, desta vez, duas sequências...! Dobraram novamente a aposta e tudo se repetiu, com pequenas variações na “formação” do carteado. Grund já havia perdido quase todo o dinheiro, quando se deu conta do óbvio: a regra do jogo estava no enunciado “ganha quem disser Katchanga primeiro”. Bingo!
Pronto. Grund desafiou o forasteiro ao jogo final: tudo ou nada. O Armagedom! Todo o dinheiro contra o que lhe restava: o Cassino. E lá se foram. O desafiante pegava três cartas, devolvia seis, buscava mais três, fazia cara de preocupado; jogava até com o ombro... Grund, agora, estava tranquilo. Fazia a sua performance. Sabia que sabia! Ou pensava que sabia que sabia...!
Quando percebeu que o desafiante jogaria as cartas para dizer Katchanga, adiantou-se e, abrindo largo sorriso, conclamou: Katchanga... e foi puxar o dinheiro. O desafiante fez cara de “pena”, jogando a cabeça de um lado para outro e, com os lábios semicerrados, deixou escapar várias onomatopeias (tsk, tsk, tsk)... Atirou as cartas na mesa e disse: Katchanga Real!
Moral da estória: esperteza não quer dizer “estado de natureza”Moral da estória: a dogmática jurídica sabe tudo, tem — sempre — todas as saídas, mas sempre sobra algo!!! Os sentidos não cabem na regra. A lei não está no direito, e vice-versa. Não há isomorfia. Há sempre um não dito, que pode ser tirado da “manga do colete interpretativo”. Esse é o papel da interpretação. Para o “bem” e para o “mal”...!
Mas, luz amarela, atenção: a estória era para mostrar o paradoxo que representa o fenômeno “dogmática jurídica”, com seu “pretenso sistema fechado” e os modos de derrotá-la. Ou não. Dizia-se (eu repetia muito isso pelo Brasil afora): você tem que saber jogar a Katchanga... (Real!). Portanto, não basta pensar que aprendeu jogar a Katchanga. O jogo é mais complexo, uma vez que a própria Katchanga Real representa um problema.
Explico. Quando a estória foi criada, não imaginávamos o “estado de natureza hermenêutico” provocado pelas teorias voluntaristas (mormente as pan-principialistas que se multiplicaram Brasil afora,essa fábrica de princípios que provoca um autentico bulling hermenêutico...!). Nem de longe poderíamos imaginar essa onda “solipsista” que se espraiou pós-Constituição de 1988, principalmente nos últimos 10-12 anos. Sendo mais específico: em um Estado dito Democrático de Direito, a tarefa interpretativa (applicatio) da magistratura é argumentar dentro dos parâmetros dos mundos constitucionalmente possíveis. Em parte, lutava-se nas brechas da institucionalidade, para encontrar vaguezas e ambiguidades, como analíticos que éramos. Mesmo após o advento da Constituição, levamos alguns anos para compreender o novo paradigma e a própria autonomia que o direito adquirira. A “função” da Katchanga se alterara... E muito! Por exemplo, a crítica ao positivismo se alterou profundamente; passamos a nos preocupar com o discricionarismo e os ativismos. Só que parcela considerável dos juristas ainda não se deu conta disso, o que é profundamente lamentável. Com efeito, essa discussão está muito atrasada em terrae brasilis.
Prossigo. Andante. Mesmo depois da Constituição, usei a metáfora várias vezes, já dando a ela uma “roupagem mais hermenêutica”. Na verdade, sempre a relatei para evidenciar o papel criativo da hermenêutica. Queria mostrar que o texto jurídico não é plenipotenciário. Lá adiante, na fusão de horizontes, levando em conta a Wirkungsgeschichtliches Bewußtsein, há um algo que se manifesta. Como falei antes, há sempre um não dito, que deve ser descoberto (desde a primeira edição do Hermenêutica Jurídica e[m] Crise — da década de 90, trabalho com as três dimensões: Erschossenheit, Entdeckenheit e Unverborgenheit). Como diz Gadamer, “ser que pode ser compreendido é linguagem”. A linguagem não abarca tudo. Sempre sobra “um real” ainda não dito. Eis aí a questão do des-velamento (Unverborgenheit).
Assim, em um primeiro momento a Katchanga Real era, efetivamente, o salto para além do exegetismo (ou do paleojuspositivismo, para homenagear Ferrajoli — ver o livro Garantismo, Hermenêutica e (Neo)constitucionalismo, Livraria do Advogado, 2012). Em um segundo momento, a Katchanga poderia ser um perigoso elemento de, sob pretexto de superar o exegetismo, transformar-se em um álibi para poder “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”... Algo que o voluntarismo interpretativo de terrae brasilis fez e faz. Basta ver a pan-principiologia...essa bolha especulativa de princípios que assola a pátria. Afinal, se princípios são normas — e deve haver já mais de 2.000 dissertações e teses que dizem isso —, qual é a normatividade de “princípios” (sic) como o da confiança do juiz da causa, da verdade real, da instrumentalidade, da cooperação processual, da ausência eventual do plenário, etc.?
Percebe-se, assim, o modo como a estória contada por Warat se encaixa perfeitamente ao modo como (ainda) opera a dogmática jurídica, que sobrevive a partir do senso comum teórico dos juristas (que ele também caricaturava como o “monastério dos sábios”). Talvez a dogmática tenha até se aprimorado (tenho referido, de uns oito anos para cá, que a dogmática jurídica passou por uma “adaptação darwiniana”, porque até mesmo os juristas mais “tradicionais” “descobriram” que as palavras da lei são vagas e ambíguas, coisa que denunciávamos desde o início dos anos 80, quando nem se falava ainda em Constituição; junto a isso houve a descoberta da “era dos princípios”.
Registre-se, por relevante, que autores contemporâneos a Warat, como é o caso de Tércio Sampaio Ferraz Jr., oferecem uma excelente descrição para a dogmática jurídica que possui essas mesmas características. Tércio, já há mais de 30 anos, em específico, retrata a dogmática como técnica, dominação e decisão que se desenvolve a partir da confluência de três fatores históricos específicos: o método dos glosadores/comentadores do século XII e seguintes; a concepção sistemática que emerge das correntes do jusnaturalismo racionalista; e as construções teóricas do final do século XIX e início do século XX, mais especificamente a discussão em torno da polêmica “jurisprudência dos conceitos vs. jurisprudência dos interesses”. Tércio aponta para o fato de que todo saber dogmático que se constitui no direito tem como polo unificador a necessidade da decisão.
Em termos mais simples: o que diferencia o nosso direito de outros direitos existentes em outras culturas e outros tempos históricos é, exatamente, a impossibilidade de “decisões salomônicas”, como bem lembra João Maurício Adeodato. A vedação de non liquet impõe à dogmática uma espécie de tarefa: os problemas jurídicos precisam de uma solução decisional. Essa é a questão. A Katchanga, no fundo, representa esse fator de decisão que, como desmascarava Warat, não pode ser encontrada a partir de uma análise pedestre dos textos que compõem os códigos e a legislação de uma maneira geral. Há uma plêiade de fatores a influenciar a decisão que ficam de fora dessas análises estritas do fenômeno jurídico e do modo de se retratar, tradicionalmente, o papel da dogmática jurídica.
Por certo que, atualmente, nossa tarefa, enquanto viventes de uma democracia constitucional, é criar as condições para a extirpação de qualquer tipo de decisionismo. E a Katchanga Real, pós-exegética, corre o risco — efetivo — de ser decisionista, discricionária, solipsista, arbitrária... Exatamente por isso é que já não a uso de há muito, em face desse alto fator de risco deciso-solipsista que parcela da doutrina assumiu, recepcionando, equivocadamente, a Wertungsjurisprudenz (jurisprudência dos valores), a Teoria da Argumentação Jurídica, que se transformou na “pedra filosofal da interpretação” (d’onde a disseminação descriteriosa da ponderação de valores) e um certo realismo jurídico, problemática que explico em trinta páginas na introdução da 4ª Edição do Verdade e Consenso, para onde me permito remeter o fiel, crítico e inteligente leitor desta coluna hebdomadária. Por isso, minha cruzada, de há muito, está assentada na necessidade de se criar anteparos à atividade decisória, num contexto democrático de legitimação (é a Teoria da Decisão que proponho). Uma justificação que, com Dworkin, podemos dizer que deve ser a que melhor retrata o direito da comunidade política como um todo.
Concluindo: de como a crítica corre o risco de vitimar a sua construçãoNuma palavra: estórias não pertencem a ninguém. Podem ser utilizadas à vontade. Só que cada uma tem uma “história institucional”, cujo contexto devemos respeitar. Lembremos Borges e seu Pierre Menard. A estória da Katchanga Real não pode representar umponto cego, porque corre o risco de vitimar sua construção (quando alguém diz “decido conforme minha consciência” ou “decido conforme os valores escondidos debaixo da lei”, “decido conforme a razoabilidade”, “decido conforme a consciência”, “em nome do interesse público”, etc., já estamos em face desse “ponto cego”, vitimados pela arbitrariedade interpretativa!). A Katchanga não “resolve” o problema da crítica à ponderação à brasileira. Não basta dizer “estão katchangando”, se quem pronuncia a frase está igualmente a katchangar... No máximo, está-se criando um paradoxo... E, como se sabe, paradoxos são coisas sobre as quais não podemos decidir. Portanto, a katchanga é muito mais do que isto. Não basta dizer que essa “ponderação à brasileira” está assentada em uma espécie de “pedra filosofal da interpretação”, que se chamaria Katchanga Real. O problema é bem mais complexo, porque reside na própria Teoria da Argumentação Jurídica e, em consequência, na Abwägung (ponderação). Ou seja, não dá para pensar que, fosse bem utilizada, a ponderação seria a saída para a irracionalidade decisional...
Ora, na verdade, o que deve ser dito é que a ponderação à brasileira não é uma representação de uma “teoria da Katchanga” (sic), mas, sim, ela própria é a Katchanga no modo como “a joga” a dogmática jurídica. Ela representa uma forma de decidir, e afirmar, assim, o non liquet. O “mito Katchangal” está presente na própria teoria de Alexy e no elemento decisionista inerente ao seu procedimento ou fórmula da ponderação. Se é verdade que criamos uma “ponderação à brasileira”, também é verdade que há fortes traços discricionários e voluntaristas na Abwägung original (que, aliás, constou inicialmente na Interessenjurisprudenz, de Philipp Heck, setenta anos antes de Alexy ter escrito a sua TAJ).
No fundo, a defesa da discricionariedade já é a adoção da Katchanga Real. Pela simples razão de que é o sub-jectum que definirá o sentido. E os critérios ele busca(rá) na “certeza de si do pensamento pensante”. Esse é o ponto central. E encerro: ponderação e a discricionariedade são irmãs siamesas, bastando lembrar, aqui, das agudas e azedas críticas que Müller e Habermas fazem à ponderação. Tudo isso serve também para o “enquadramento” das teses como “o livre convencimento”, “instrumentalismo processual” etc. E alertar a comunidade jurídica sobre essa “novilingua” — para lembrar o papel da linguagem em Orwell, no seu 1984 — que deu um novo nome ao solipsismo no Brasil: ele passou a ser chamar “ponderação”, mas que pode ser substituída por Katchanga Real.
Mas pode haver muito mais na estória da Katchanga (Real). Nela, é possível ver (também) fortes traços de nominalismo e pitadas da velha sofística (lembremos dos comentários de Bloom aos textos de L. Caroll). Meu interesse em (re)contar o “mito” da Katchanga é denunciar esse viés pragmati(ci)sta presente na invocação que o jogador faz da Katchanga Real. É uma forma de positivismo, porque estabelece um grau zero de sentido. O nominalismo era (e é) isso. Todo positivismo é pragmaticista, assim como o nominalismo também o é. Positivismo e nominalismo andam juntos. A convocação da Katchanga Real é uma forma de estabelecer a vontade do poder (Wille zur Macht). Busquemos, novamente, o personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho. Discutindo sobre o papel do “desaniversário”, pelo qual haveria 364 dias destinados ao recebimento de presentes em geral e somente um de aniversário, Humpty Dumpty diz para Alice: é a glória para você. Ela responde: não sei o que quer dizer com glória, ao que ele, desdenhosamente, diz: “Claro que não sabe...até que eu lhe diga. Quero dizer ‘é um belo e demolidor argumento para você’”. Mas, diz Alice, “glória não significa ‘um belo e demolidor argumento’”. E Humpty Dumpty aduz: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”. Observe-se bem essa frase final do personagem nominalista de Lewis Caroll... A palavra “glória” significa o que ele quer que signifique... Quando o STJ diz, em outras palavras, que “onde está escrito 15 dias, leia-se 15, mais 15, mais 15” (caso das escutas telefônicas), ele está dizendo: “dou as palavras os sentidos que quero”! Quando o TST diz “não recebo o recurso porque falta um centavo”, ele está dizendo “eis um belo e demolidor argumento”... Quando o STF diz que o não cumprimento do artigo 212 é nulidade relativa, ele está dizendo, em outras palavras: “a palavra nulidade significa o que nós queremos que ela significa”. “Nem mais, nem menos”!
É o fim “demolidor” de uma discussão! Assim como é a Katchanga (Real). Ou não! Dependerá do grau de compreensão que o utente tenha sobre a grande angústia contemporânea: afinal, o que é isto — o positivismo jurídico? O que é isto — a interpretação? O que é isto — o poder?
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 28 de junho de 2012

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